segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22698: Blogpoesia (753): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (1) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 4 de Novembro de 2021:

Bom dia Carlos
Em primeiro lugar obrigado por me ires aturando.
Hoje, envio mais coisas minhas pois, lembrei-me das Operações e Missões e dos nomes que lhe davam.

Um Abraço para todos, em especial para os Chefes de Tabanca
Albino Silva



OPERAÇÕES E MISSÕES

Batalhão de Caçadores 2845


Nossas boas Companhias
Eram tão eficazes a lutar
Quanta mais porrada davam
Mais porrada queriam dar.

Havia sempre serviço
Tantas e tantas Missões
Patrulhamentos, escoltas
E muitas Operações.

Havia Missões sem nome
Outras eu vou recordar
Escrevo aqui o seu nome
Somente pra te ajudar.

Tudo o que vou escrever
Era aquilo que fazias
Aqueles que fizeram parte
De nossas três Companhias.

Alpendre e Abrótea
Asdrubal e Abadessa
Eusébio e Alexandrino
Iniciar com Nobreza.

Abicada e Almeida
Espreitar era a Missão
Adelino e Abaixar
Alinhavo e Abraão.

A Operação Américo
Afrodite de certeza
Alinhavo e Abatriz
Sempre a grande limpeza.

Manga de Ronco Abalada
Aldorinho Abarcar
As nossas três companhias
Sempre prontas a atacar.

Altino, Bonita Garota
Aquiles, Abacaxi
Infantes, notáveis eu lembro
Como me lembro de ti.

Abafadiço, Abadia
Naquela concentração
Áspide, Abastecimento,
Abalroado e Aparição.

Abastanço, Galo Loiro,
Abelha e Averiguar,
Abelhudo, Ascari,
Avites e Armamar.

Alfa, Fox, Trote
Maria Ruiva, Aviador,
Flor Ruiva, Arreda,
Alerta, Atirador

Arreleixa, Fisgada,
Missão na legalidade,
Ablição, Bacherel,
Trevo da Felicidade.

A amizade era outra
E o orgulho total
Para nossas companhias
Que combatiam o mal.

Acepipe, Velas Acesas,
Brincalhão e Achatar,
Bucho e Grandes Leopardos,
Zebra Elegante, Apalpar.

Almirante era Bálsamo
Extremínio, Engatar,
Artilheiro, Almeirim,
Aconchego, Alguidar.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22673: Blogpoesia (752): "A força da rotina"; "Piano dos sabores"; "De novo nos motocas" e "Janela da alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22697: Notas de leitura (1392): "História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias", por Marianne Cornevin, I Volume; Edições Sociais, 1979 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Fomos formatados de que aquelas ondas terroristas que avassalavam as províncias ultramarinas tinham a sua sede no exterior, eram uma pura e simples aplicação de agências do Mal, aquele nacionalismo não tinha quaisquer raízes. Daí a vantagem em esticarmos o ecrã e apreciar os eventos históricos que atravessaram o continente africano no limiar da II Guerra Mundial e cujas consequências estão hoje sobejamente estudadas. Sabia-se, em 1947 que a independência daqueles 500 milhões de súbditos britânicos, nas longínquas Índias, não ficariam por ali. Nasceu o conceito de Terceiro Mundo e as Nações Unidas acolhiam, ano após ano, mais países independentes que viam o colonialismo como um fenómeno a extirpar. Conhecer essa história ajuda a iluminar o que veio a acontecer nas colónias portuguesas.

Um abraço do
Mário



O continente africano no limiar da II Guerra Mundial e depois (1)

Beja Santos

A obra de Marianne Cornevin foi no seu tempo uma iniciativa singular, pela quantidade de informação oferecida sobre a situação política no continente africano antes da II Guerra Mundial, as operações militares que aqui decorreram, as repercussões económicas que o conflito acarretou, os acontecimentos imediatos a que não faltou o grande impulso da independência da Índia e da África inglesa, a marcha para a independência desde a década de 1950 até junho de 1977, dia da independência de Djibuti. Trata-se de uma informação rigorosa que contextualiza o que de primordial ocorreu e que veio justificar a onda descolonizadora: “História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias”, por Marianne Cornevin, I Volume, Edições Sociais, 1979.

Havia apenas dois países independentes em África, em 1939: a Libéria, ainda sob a dominação da Firestone, por causa das plantações de borracha, e o Egito, a gozar desde 1922 de uma independência bastante teórica. A União Sul Africana era desde 1923 uma colónia autónoma gerida por colonos britânicos. Quanto ao mais, havia governadores ao serviço das potências coloniais: França, Grã-Bretanha, Portugal, Itália, Bélgica e Espanha. Ninguém pensa em descolonizar, e a única coisa que as potências coloniais temem são as reivindicações coloniais de Hitler. No entanto, há já um discurso oficial britânico que se equipara à autodeterminação. Os focos de nacionalismo, ao tempo, são ténues mas exprimem-se na Etiópia, em Marrocos, em Madagáscar e na Tunísia. Ao Sul do Sara, é tudo mais difícil, são países arbitrariamente divididos, correspondem a conjuntos de povos nunca àquilo a que se chamam Nações. Neste espaço, a expressão nacionalista é essencialmente a denúncia do racismo. A autora esclarece as reivindicações na Etiópia e em Madagáscar, confere uma especial importância ao ensino religioso devido à irradiação das missões protestantes e distingue o ensino na África negra britânica e francesa. Cabe aqui uma palavra à negritude e ao caso específico do Senegal, pois a lei da cidadania de março de 1916 concedia aos nativos das comunas em pleno exercício do Senegal e aos seus descendentes o direito à cidadania francesa sem que fossem obrigados a conhecer a língua e não precisavam de renunciar ao estatuto muçulmano. Na África negra francesa existiam entre as duas guerras quatro categorias de africanos: os súbditos, submetidos ao regime do indigenato, cerca de 90% da população; os isentos do indigenato e os comerciantes e os cidadãos originários das comunas em pleno exercício do Senegal (eram 78 mil em 1936, na altura em que o Senegal contava com 1,8 milhões de habitantes). A África Ocidental britânica dispunha de uma classificação um tanto análoga, só os súbditos britânicos tinham o direito de entrar na Grã-Bretanha sem uma autorização especial do Governo britânico. A autora recorda que o I Congresso Pan-Africano foi organizado por Du Bois em 1919, em Paris, as autoridades assim procuravam recompensar o recrutamento de 63 mil soldados na campanha de 1918. Seguir-se-ão outros congressos em Paris, Londres e Bruxelas.

A autora destaca a importância na África mediterrânica do Islão e o pan-arabismo. Quem fala árabe tem um sentido de unidade e um meio de comunicação, a língua árabe parece fazer oposição ao poder colonial. Os marroquinos e os argelinos apercebiam-se perfeitamente de que a língua constituía um fator da maior importância de coesão e de resistência dos colonizados perante o colonizador. A língua e a religião geraram um sentimento em Marrocos, na Argélia, na Tunísia, na Líbia e no Egito.

E chegamos ao conflito mundial. Como observa a autora, do ponto de vista dos beligerantes, a guerra de África compreende duas fases principais. A primeira, a defesa do Canal de Suez, inicia-se em agosto-setembro de 1940 com o ataque italiano à Somália britânica e ao Egito; e termina a 2 de novembro de 1942 com a vitória britânica de El Alamein sobre as forças germano-italianas. A segunda fase, a conquista de uma base mediterrânica para reconquistar a Europa meridional dominada pelos alemães, inicia-se a 8 de novembro de 1942 com o desembarque anglo-americano em Marrocos e na Argélia e termina a 12 de maio de 1943 com a capitulação das forças germano-italianas na Tunísia. Claro está que este teatro africano extravasava para outros pontos, estendia-se a um próximo Oriente fervilhante, caso do Iraque, da Síria e do Líbano. Deu azo, por exemplo, a que os Governos sírio e libanês mostrassem que a questão do mandato estava ultrapassada e assim participaram na Conferência da Liga dos Estados Árabes. As ideias viajam e o sentimento de libertação do jugo colonial alastrou por todo o Norte de África e no próximo Oriente. É hoje dado assente que a Carta do Atlântico, de 14 de agosto de 1941, subscrita por Roosevelt e Churchill marca o reconhecimento do direito à autodeterminação, que vai constar da Carta das Nações Unidas. Logo em 1943 o Departamento do Estado Norte-Americano redige uma Declaração das Nações Unidas sobre a Independência Nacional: “Todas as Nações que possuam um domínio colonial deverão cooperar com os povos dessa região para os tornar aptos a receber o estatuto de independência nacional”.

Depois de passar em revista o anticolonialismo da União Soviética, o procedimento adotado pela França Livre perante África, a autora analisa as repercussões económicas, sociais e políticas da guerra em África: o Congo prosperou com as vendas colossais de cobre, cobalto, estanho, zinco e minério de urânio para a Grã-Bretanha e os Estados Unidos; na África Ocidental britânica recrutaram-se 176 mil homens e o esforço de guerra foi considerável para as oleaginosas, o cacau, a borracha, a madeira, o manganês, a bauxite e o estanho. Esta análise estende-se à África Oriental britânica, à África do Sul, à África Equatorial francesa, aos Camarões e ao Togo, a Madagáscar, ao Sudão anglo-egípcio e como foram emergindo os desejos da independência por todo o Norte de África. O esforço de guerra implicou uma assinalável mobilidade da sociedade africana, o acesso dos africanos a postos até então estritamente reservados aos brancos. E os soldados africanos que tinham combatido regressam modificados. Ainda decorria a guerra e já o pan-africanismo era alvo de congressos e políticos como Kenyatta, Padmore, Nkrumah, entre outros, apelavam às independências. A atmosfera é propícia, logo em 1946 há graves motins em cidades indianas, no ano seguinte a Índia, o Paquistão, a Birmânia e Ceilão ficam independentes. E temos agora um vasto itinerário que vai da independência da Índia até à Conferência de Bandung (1947-1955), inicia-se uma nova fase da África contemporânea.

(Continua)


Kwame Nkrumah.
Jomo Kenyatta.
Habib Bourguiba.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22679: Notas de leitura (1391): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22696: (De)Caras (181): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - Parte I



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1 > Ponta Brandão, fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2.º cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, de alcunha, o "major elétrico") na  ação psicossocial. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Repare-se que a morança tem uma placa, no meio da parede, com "número de polícia": GU 23 (ou 27). A população parece ser balanta.


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1) > Ponta Brandão, uma "ponta" (exploração agrícola, com destilaria de cana de açúcar) que ficava nas imediações de Bambadinca, a caminho de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Na foto, o alf mil cav Jaime Machado (*).

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas,  um deles vestido apenas de um rudimentar tapa-sexo. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta e Ponta Brandão, núcleos populacionais consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos: milícias e/ou Pel Caç Nat (52, 63)... Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... O "ponteiro" era o velho Brandão.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


1. A Ponta Brandão veio,  de novo, à baila com a republicação  recente de mais uma das deliciosas  "estórias cabralianas" (**)... Oficial e cavalheiro, o "alfero Cabral", comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) conta-nos, com a sua inimitável e inefável  brejeirice, as peripécias da 
inesperada visita ao destacamento de Fá Mandinga de "tres alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas", uma, a "filha do Senhor Brandão [, da ponta Brandão]" e a outra,  "uma amiga de Bissau, cabo-verdiana".

Não sabemos a razão de ser da visita: por motivos de segurança, só se podia viajar, sem escolta,  à volta de Bambadinca. Fá Mandinga ficava ali à mão, a cerca de 5 km. Ia-se (e vinha-se),;de jipe, nas calmas. Por outro lado, em Fá Mandinga tinha sido uma antiga estação agronómica por onde se dizia ter passado, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa... O que parece não corresponder à verdade, mas, provavelmente, as "duas raparigas" eram simpatisantes do PAIGC e queriam ver, com os seus olhos,  o que restava dessas instalações onde o "pai da Pátria" alegadamente trabalhara vinte anos antes ...Ou então os três jovens e galantes alferes de Bambadinca (quem teriam sido eles? ) devem-lhes vendido essa patranha...

Havia uma outra ponta, em Bambadinca (diz a história do BART 2917) (***), mas eu nunca soube onde ficava exatamente . Presumo que essa pertencesse ao outra "ponteiro", Inácio Semedo, de que falaremos num próximo poste. Antes da guerra, teria havido outras mais pontas. 

Os balantas adoravam aguardente de cana. Por outro lado, os comerciamtes também trocavam aguardente de cana por arroz aos balantas, que eram grande orizicultores. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, nomeadamente em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. A aguardente de cana era o uísque dos pobres. E sem álcool  ou droga ninguém faz guerras.

O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos  quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana, dos leitoes, da fruta tropical e de .... uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).
 
2. Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água, na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal.. Mas havia muito mais pontas pelo interior da Guiné: por exemplo, pela Carta de Farim, verifica-se que havia diversas pontas ao longo do curso do Rio Farim:

Ponta Caeiro
Ponta Fernandes
Ponta Paulo Cumba
Ponta Camilo
Ponta Pinto
Ponta Manuel Rodrigues
Ponta Boa Esperança
Ponta Cabral
Ponta Francisco Monteiro
Ponta Simão, etc.

Com o início da guerra, grande parte destas explorações agrícolas foram abandonadas...

Está, de resto, por fazer a história das pontas na Guiné (****)... Na carta de Cacheu / São Domingos, fui encontrar o topónimo, Ponta Salvador Barreto... Em Bambadinca, havia a Ponta Brandão... Fui lá algumas vezes... No Xime, a Ponta Coli, a Ponta Varela...

Há muitas histórias, ligadas às Pontas, que estão por contar... Mas a nossa curiosidade ficará, em muitos casos, por satisfazer: afinal, quem era o Varela ? E o Inglês ? E o Salvador Barreto ?

Mesmo em relação a Ponta Brandão... Q
uem era o velho Brandão?  A sua origem, a sua historia?... Seria também um desterrado? ... Não temos bnenhuma foto dele, só do sítio (e de parte da sua destilaria). Mas na Ponta Brandão haveria mais população, e nomeadamente balanta, gente que no passado trabalhava o arame ele, na ponta e na destilaria...
Enfim, do velho  Brandão, sabemos pouco, embora a malta de Bambadinca, do meu tempo (1969/71), lá fosse com alguma frequência... Afinal, era um vizinho.

Eis aqui alguns testemunhos, já em tempos aqui publicados (*****):

(i) Torcato Mendonça (1943-2021) (, o nosso saudaso amigo e camarada passou por Fá Mandinga, antes da da sua CART 2339, 1968/69, ter sido colocada em Mansambo):

(...)  Não sei se a Ponta Brandão de que falas, se refere a uma quinta, algures entre Fá e Bambadinca, e pertencente a um português há muito radicado na Guiné. Creio que por razões de ordem politica.

Tenho disso uma recordação muito fraca. O vagomestre parece que ia lá comprar vegetais. Passei lá uma ou duas vezes. O Velhote tinha quatro ou cinco filhos, já homens e mulheres, mais velhos que nós. Falei com, pelo menos, um dos filhos. Contou-me que, antes da guerra certamente, caçavam no Geba jacarés e outro tipo de caça naquela zona, etc.

O Velhote tinha uma destilaria. Estando a fazer aguardente de cana,quando por lá passei, agarrou num copo em bambú, encheu e bebeu a aguardente de um trago. Como quem bebe água fresca. Depois, noutro copo, deitou aguardente e deu-me a beber. Foi o liquido mais forte que bebi... deslizava e queimava... e ele olhava... respirei fundo e soprei forte. Fiquei desinfectado. O fulano sorrindo disse ter-me portado bem. 

A minha memória dessa destilaria é fraquissima. Há outro pormenor mas é com a "inteligência" de Bambadinca. O Jorge Cabral e outros militares que passaram por Fá, certamente lembram-se desta família. Será Brandão? Não sei.


(ii) Luís Graça:


(...) Também lá fui uma ou outra vez. Ponta quer dizer quinta. Logo havia lá criação (leitões, por exemplo), horta e fruta (abecaxis, por exemplo). Julgo ter lá ido algumas vezes quando algum de nós estava de sargento de dia à messe (ou sargento de mês, mais exactamente)... 

O Jaime  (Soares Santos), o nosso vaguemestre (da CCAÇ 12), batia região à cata de matéria-prima para satisfazer o apetite voraz da messe de Bambadinca (as meses de sargentos e de oficiais eram separadas, mas a cozinha era a mesma)...

O Jorge Cabral também conhecia a Ponta Brandão, que de resto ficava perto de Fá... Mas tudo aquilo, a começar pela casa, tinha um ar decadente...

Já não posso jurar se a família era de origem metropolitana, ou cabo-verdiana... Sei que a família Brandão de Bambadinca era aparentada com os Brandão de Catió... Uns e outros tinham fama de ter gente no PAIGC. Já os Semedos tinham fortes ligações ao PAIGC (...)

(iii) António Rosinha:

Quando se fala nestas figuras de comerciantes ou agricultores, neste caso com o nome de Brandão, que na Guiné é um dos nomes de colonos históricos, noutras ex-colónias há outros nomes também com história, estamos a falar dos verdadeiros colonizadores "à lá portuguesa".  

Estes homens, sem disso terem consciência, chegaram e abriram caminho e serviram de intérpretes, a missionários católicos e outros, a chefes de posto e administradores e militares.

Estes comerciantes raramente foram alvo de um estudo, que analizasse as suas grandezas e misérias. Mas todos os governantes, desde o Diogo Cão até ao Gen Spínola, secundarizaram estas pessoas, quando devia ter sido o contrário.

Os africanos (indígenas) davam mais importância a um comerciante do que a um governador geral ou a um missionário ou chefe de posto.

Em relação à guerra, tiveram um papel tão importante, para o bem ou para o mal, que podemos dizer que os milhares de Brandões na África portuguesa, foram os pais e os avós da maioria dos teóricos fundadores, do MPLA, PAIGC e FRELIMO, movimentos que secaram outros em volta, e com isso, talvez ainda sobre alguma coisa no fim de isto tudo.

Estes comerciantes, a maioria analfabetos, ou quase, chegavam a falar um dialeto ou mais que um, continuarão a ser olhados de soslaio por qualquer militar que, ao fim de 24 meses, não chegava a comprender aquela africanização, para não dizer outros nomes.

Estes portugueses de Áfricas e Brasis foram a história mais importante da diáspora portuguesa. Em geral viajaram com passagem paga por eles. Muitos netos dessa gente veio para o meio de nós em pontes aéreas. (*****)

(iv) Jorge Cabral:

Confirmo. Fui visita assídua do Senhor Brandão, principalmente durante as férias da filha que trabalhava em Bissau. Era natural de Viana do Castelo ou da Póvoa de Varzim, já não me recordo bem. Teria na altura quase 80 anos, mais de 40 de Guiné e muitos filhos. (******)

A aguardente de cana era fogo... mas matava qualquer bicho, mesmo os imaginários...

(Continua)
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(***) Vd. poste de 16 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6601: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (6): Povoações sob controlo IN; Recursos; Clima e meteorologia; Dispositivo e actuação da guerrilha (Benjamim Durães / J. Armando F. Almeida / Luís Graça)

sábado, 6 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22694: Os nossos seres, saberes e lazeres (475): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (23): No Palácio Almada recomeçou a independência de Portugal (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Menino e moço acompanhei a minha mãe a estas instalações para comprar fardamento da Mocidade Portuguesa, a instituição tinha igualmente um serviço de solidariedade para livros de estudo. A pandemia tem dificultado uma vida intensa de conferências e até apresentação de livros, está agora em curso a retoma, com o desconfinamento. Tenho beneficiado do alfarrabista nos baixos do Palácio e não descuro trazer ao seu interior amigos de vários procedências que se maravilham com a magnificência do interior, os vestígios do palácio quinhentista e a narrativa dos conjurados que daqui partiram no dia da Restauração. O Palácio dos Condes de Almada ganha pela localização, teve à sua beira o Hospital de Todos-os-Santos, em frente, a Igreja de S. Domingos, a dos casamentos reais, saíam os sentenciados da Inquisição, para cima temos o Convento da Encarnação e a Calçada de Santana, com os seus mistérios, ali teria vivido e morrido Camões e num beco viveu uma criança chamada Amália Rodrigues. A Sociedade Histórica da Independência de Portugal tem tido um papel vigoroso na cultura portuguesa, e a Comissão Portuguesa da História Militar aparece associada a apoios à investigação e ao estudo da nossa multissecular história militar, com os limitados meios de que dispõe.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (23):
No Palácio Almada recomeçou a independência de Portugal


Mário Beja Santos

Fazia parte do ensino obrigatório, a exaltação da conjura de aristocratas que se reuniram no Palácio Almada e daqui partiram para o Terreiro de Paço, em 1 de dezembro de 1640, para derrubar a monarquia dual, como aconteceu, e os jovens filiados na Mocidade Portuguesa celebravam o feito na Praça dos Restauradores, ao som de um hino com letra de Mário Beirão.

Chama-se Palácio dos Condes de Almada ou Palácio da Independência, foi adquirido pela colónia portuguesa do Brasil em 1940, fizeram-se alterações, uma delas é bem patente nos baixos, hoje a estas arcadas correspondem vários estabelecimentos, no passado houve para aqui comes e bebes e até loja de mercearia. É um edifício seiscentista, remodelado no século XVIII. Da construção quinhentista subsistem duas enormes chaminés e dois portais no patamar da escadaria que conduz ao andar nobre. Entre outras coisas, nos tempos recentes, foi sede da Mocidade Portuguesa, aqui funcionou a Associação dos Deficientes das Forças Armadas, funcionam hoje neste amplo espaço a Sociedade Histórica da Independência de Portugal e a Comissão Portuguesa da História Militar. Por razões diversas, merece a nossa visita: para visitar um dos locais onde os conjurados se reuniram, particularmente a partir do mês de outubro de 1640; é admirável o espaço do pavilhão de que restam vestígios, há lá uma fonte quinhentista, os painéis dos azulejos mostram deterioração; e espanta o visitante a proximidade do Palácio à Muralha Fernandina.

Há um ponto dos baixos do Palácio onde faço constante peregrinação, é um alfarrabista onde adquiri um livro de um poeta popular intitulado "Missão Cumprida", alguém que combateu na Guiné entre 1963 e 1965, com base neste terno relato fui construindo o livro a quatro mãos "Nunca Digas Adeus às Armas"; também ali encontrei um outro livro maravilhoso, "Comandante Hussi", a história de uma criança guineense que percorria as linhas da frente durante a guerra civil de 1998-1999 e que tinha saudades da sua bicicleta; e outras coisas que me ajudaram a fazer outros livros ou de puro lazer, é com muito orgulho que aqui se mostram os baixos remodelados em 1940.


Entrada da Rua das Portas de Santo Antão, os baixos do Palácio da Independência
As marcas da atualidade deste monumento nacional

Curiosamente, o Palácio Almada sofreu poucos danos em 1755, deu para recolher alguns doentes que se encontravam na vizinhança, no Hospital de Todos-os-Santos. As instalações serviram para guardar arquivos, para sede do Tribunal da Relação, aqui viveram oficiais do exército inglês no tempo das Invasões Francesas, a família Almada, que apoiava D. Miguel, retira-se para o Alto Minho, tiveram os seus bens confiscados; também aqui viveu Almeida Garrett; e foi emergindo o sentimento patriótico de celebrar o 1.º de Dezembro; neste espaço também houve movimentações no 5 de Outubro de 1910, aqui se pôs quartel, depois a família Almada arrendou o Palácio a vários inquilinos, nessa altura, nos baixos do Palácio funcionava café e mercearia. Naturalmente que todo este património conheceu deterioração, que afetou muitíssimo os azulejos.

E chegou a hora da intervenção da colónia portuguesa do Brasil, logo passou a funcionar a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, vamos ver como há necessidade de fazer muitas obras para suster as inclemências do tempo, impõem-se com caráter de urgência restauros neste primoroso monumento nacional.

Portanto o Palácio situa-se a norte da Igreja de S. Domingos, a nascente liga às Escadinhas da Barroca, a norte termina o espaço dos seus antigos jardins na Muralha Fernandina e a poente dá para a Rua das Portas de Santo Antão. A frontaria principal do Palácio tem uma cortina de gradeamento em semicírculo. A fachada principal é sóbria, com portal seiscentista emoldurado com o brasão de armas dos Almadas e Avranches. A fachada lateral, na Rua das Portas de Santo Antão, tem sete janelas de sacada e é apoiada numa rígida arcaria.


Vestígios do palácio quinhentista são duas portas manuelinas, restauradas e ao fundo foi colocado um alpendre. No corredor da escada de acesso ao pátio superior, assim como à volta da base dos bancos e servindo de rodapé no alpendre, no pátio superior, encontram-se vários azulejos do século XVII em azul e branco. As duas chaminés são magníficas, tem no seu interior funcionado um restaurante (ora encerrado devido à pandemia), temos de um lado os serviços da Sociedade Histórica e do outro o Salão Nobre. A azulejaria é extremamente rica, mesmo no pátio superior, que dá acesso à Comissão Portuguesa de História Militar e ao jardim, azulejaria é coisa que não falta. E é um belíssimo espetáculo ver a Muralha Fernandina e olhar para o Convento da Encarnação. Há mesmo um painel com a reunião dos conjurados: D. Antão de Almada, D. Miguel de Almeida, Francisco de Melo, Pedro de Mendonça e João Pinto Ribeiro.
Uma belíssima imagem da escadaria que dá acesso ao piso superior onde se erguem as duas chaminés, vestígio do palácio quinhentista
Tudo a pedir com urgência intervenção, duas imagens que falam por duas mil palavras
Ao fundo a Muralha Fernandina

Em 1940 foram feitas obras de reintegração, acompanhadas de inúmeras alterações. O pátio principal foi desafogado, desemparedou-se a escadaria do lado direito, ao cimo desta escadaria existiam duas salas cobertas que ligavam o corpo norte ao sul, onde existe o Salão Nobre do Palácio. Hoje mantém-se a escadaria, mas o corpo de ligação é agora um patamar descoberto. O portal duplo do lado esquerdo do pátio não é original do Palácio, tendo sido lá colocado nas obras do século XVIII. Entrando pelo duplo portal, vê-se uma escada interior que ocupa mais do dobro do que é existente no mesmo local, antes de 1940.

Sala do Diretório da Sociedade Histórica da Independência de Portugal
Uma bela fonte sob a vigilância de um anjo
Grande plano da fonte adossada à Muralha Fernandina

Também as quatro janelas grandes do Salão Nobre que comunicam com o interior do pátio são de 1940. O Salão Nobre comportava apenas a janela central e as duas adjacentes da frontaria principal do Palácio. Hoje tem quatro janelas para o Largo de S. Domingos. O seu teto seria de abóbada, bem diferente do atual. Oiço referências ao Museu da Independência, mas não lhe consigo pôr a vista. Será porventura um sonho de difícil concretização, reunir arquivos e documentos da época, obras de arte e de decoração, porventura com ligações aos quarenta conjurados. Mas é tudo especulação, ignoro se há condições para tal museu, o que neste momento é urgente são as obras de restauro, por isso se deixam imagens do reboco em mau estado e azulejos dentro de molduras de humidade, e alguns deles já extraviados.
Que venham obras de consolidação, é um belíssimo palácio e faz parte integrante da nossa História, a regente espanhola foi posta com dono, ter-se-ão seguido os 28 anos mais duros da vida dos portugueses. Para que conste.


Salão Nobre do Palácio

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22672: Os nossos seres, saberes e lazeres (474): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (15) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22693: Antologia (79): "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império (Jorge Cabral, autor de "Estórias cabralianas", 1º volume, 2020)


Capa do livro de Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas", vol I. 
Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. 


1. Faz hoje anos, porém está doente (*). Continua a ser uma das estrelas da nossa Tabanca Grande. Autor da série "Estórias Cabralianas" (, de que publicou em 2020, em livro, com o mesmo título,  o 1º volume), aceitou incarnar a figura impagável do "alfero Cabral". 

Não esconde que  tem um "grãozinho de loucura", coisa que faz parte dos genes dos ilustres Cabrais, mas sempre modesto, define-se como simples  "escrivinhador". Pessoalmente, considero-o como um dos melhores escritores do "teatro do absurdo da guerra" que nos calhou em sorte. Ninguém poderá falar do nosso quotidiano, nos quartéis do mato, na Guiné, de 1961 a 1974, sem evocar a figura do "alfero Cabral" (**)

Mestre do microconto, da "short story", senhor de uma ironia fina, é responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. É pena, porém, que os "mais novos", os "periquitos" da Tabanca Grande, não o conheçam. De há meia dúzia de anos a esta parte, foram rareando as "estórias cabralianas", série que chegou quase à centenas de postes. 

Fazendo votos para que o "alfero Cabral"  ainda tenha forças, saúde, coragem, motivação e o tal "grãozinho de loucura" que dá pica à vida, para publicar o seu prometido  2º volume das "estórias cabralianas" (, infelizmente o seu editor também adoeceu, entretanto), republicamos hoje, em dia de festa, um das "pérolas literárias" com que em tempos nos brindou (e que está no seu livro, é a estória nº 17) (**). Mudámos-lhe, porém, o título, liberdade que ele sempre permitiu ao editor do blogue, seu contemporâneo no CTIG e no setor, camarada, amigo e admirador. (***)
 

2. Estórias cabralianas > "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império

por Jorge Cabral

Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. 

Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão  [, da ponta Brandão], e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé.

Há muito pouco a mostrar. Fá já fora sede de Batalhões e Companhias [, sede até 1965 do sector L1, sucedendo-lhe Bambadinca ],  mas ag
ora só o seu Pelotão o ocupa e as redondezas dos principais edifícios encontram-se minadas. 

Dão uma volta e, ao passar por uma ampla vala, que separa o Quartel de cima, do Quartel de baixo, as raparigas reparam que, naquela vala inundada, cresceram formosos nenúfares.
− Tão bonitos ! |− exclamam.

Logo o Alfero mergulha. Porém a vala é funda. Perde o pé, escorrega, cai, estrebucha, mas sem nunca largar as aquáticas flores. Valeu-lhe o Preto Turbado, gigante soldado Bijagó, que o consegue agarrar pelo colarinho e o retira salvo da água pantanosa. Batem palmas as Jovens.

Recomposto, encharcado e cheio de lama, o Alfero deposita-lhes no regaço, qual Magriço de outrora, o troféu, pois… os nenúfares.

Beijam-no, sem receio de se sujarem.
− Que romântico! − dizem.

Olhem se fossem rosas, pensa o Alfero. O pior foi o início da visita. Que se lixe, conclui, afinal os românticos também mijam…


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  6 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22692: Banco do Afeto contra a Solidão (26): "Por favor telefonem-me, mandem-me um email, visitem-me!", um apelo dramátrico do Jorge Cabral, sozinho em casa, no Monte Estoril, em lutar contra o raio da doença

Guiné 61/74 - P22692: Banco do Afeto contra a Solidão (26): "Por favor telefonem-me, mandem-me um email, visitem-me!", um apelo dramátrico do Jorge Cabral, sozinho em casa, no Monte Estoril, em lutar contra o raio da doença


Foto de perfil do Jorge Almeida Cabral, "uma velhote simpático, gentil, afectuoso..." > Página do Facebook > 2 de novembro de 2021

 
Página do Facebook  do Jorge Almeida Cabral > Uma foto que tem 9 anos > O professor rodeado das saus queridas "almas"... A foto foi postada pela Patrícia Cunha, em 28 de outubro de 2021...


Página do Facebook  do Jorge Almeida Cabral > 3 de novembro de 2021 > A Sílvia Araújo Martins foi visitá-lo em casa e tirou esta selfie...


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1) > Missirá  > Pel Caç Nat 63 > 1971 > " Mato a sul, mato a norte, mato a este, mato a oeste...1971". À esquerda, à civil, o comandante do destacamento, alf mil at art Jorge Cabral... O Jorge republicou esta velha foto em 28 de outubro de 2021... Tem-no feito, de resto,  com outras, as poucas que lhe restam... As memórias da Guiné ajudam-no a superar a dor, a depressão, a solidão...

Fotos reproduzidas aqui com a devida vénia... Editadas por L.G.


1. O nosso querido amigo e camarada "alfero Cabral", nosso colaborador permanente, está há meses em tratamento devido a doença do foro oncológico.  Vive agora no Monte Estoril, perto do  filho, Tenho um neto. Mas sente-só e com sintomas de depressão. Vale-lhe o Facebook e o carinho das suas antigas alunas do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, com instalações no Mitelo... Não sou "facebook...eiro", raramemte espreito as páginas do Facebook de amigos e camaradas. Tenho uma, onde não vou há mais de um década... (Nâo confundir com a Tabanca Grande Luís Graça, que não é uma pagina pessoal...). 

Mas hoje passei por lá  e fiquei chocado,com esta mensagem:

Minhas Queridas Ex-Alunas que comemoram os 30 anos do Mitelo. 

Como sabem,  luto pela Vida. 

Sabem também que lamento não poder comparecer. 

Após 4 meses de tratamentos,  a evolução não é positiva e não saio de casa há mais de um mês. 

Claro que caí em depressão profunda... 

Mas o meu Amor por vós continua intacto, como os amores antigos que só terminarão com a morte. 

Gostava  muito que me visitassem. Monte Estoril, Av Sabóia 595 B Apart.12,.  ao lado do Restaurante " O Sinaleiro". 

Sempre vosso. Jorge Cabral.

2.  E já antes o Jorge tinha deixado o seu endereço de email e o seu número de telemóvel nas redes sociais. Como quem diz, "Minhas almas, telefonem-me, visitem-me!"... 

Anteontem escreveu: 

"Há tempos o meu filho ofereceu- me um Telemóvel, útimo modelo. Era tão complicado que não consegui adaptar-me. Assim troquei. por este que deve ser do século xll. Por isso vos alertei Já recebi 83 msgs,que não posso ler, Por favor repitam por mail."

Mail: almacabral@gmail.com

Telemóvel: 967 865 576

De tenpos a tenpos (,em boa verdade, menos de meia dúzia de vezes por ano...)  telefono-me e adivinho, por detrás das suas palavras lacónicas, e da sua desconcertante auto-ironia  um homem em sofrimento e prisioneiro da solidão. Há dias disse -me que estava com dores insuportáveis. Mal deu para falar... Mudara-se há tempos de Lisboa para o Monte Estoril. Está a ser seguido pelo Hospital de Cascais.

Hoje, 6 de novembro, o Jorge faz anos. Temos que o ir buscar, se não fisicamente, pelo menos  virtualmente, e põ-lo no "Banco do Afecto contra a Solidão" (*). 

Premonicamente foi ele que deu início a esta série. Escrevei ele em 4 de dezembro de 2008, algo premonitoriamente o seguinte (**): 

"Hoje mando uma estória diferente.Nem triste nem alegre. Real,  sim. Convém lembrar que nem só do pão vive o Homem. Apetece-me fundar o Banco do Afecto contra a Solidão. Jorge Cabral".
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 31 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20609: Banco do Afeto contra a Solidão (25): Comandei um secção de morteiros em Gadamael Porto, fiquei surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Vd. poste de 4 de dezembro de  2008 > Guiné 63/74 - P3562: Banco do Afecto contra a Solidão (1): A última comissão do Coronel (Jorge Cabral)

Guiné 61/74 - P22691: Parabéns a você (2000): Jorge Cabral, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22683: Parabéns a você (1999): Ten-General PilAv Ref António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Bissau, 1972/74)

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22690: A nossa guerra em números (2): Alimentação, ração de combate, "comes & bebes"... "Diziam as mulheres na minha aldeia que os homens se conquistavam pela boca. Digo eu: As guerras também" (Joaquim Costa, minhoto, dixit)

1. Em bora hora, o Joaquim Costa trouxe à baila o tema da "ração de combate" e os seus deliciosos segredos... 

Diz ele que no seu tempo apareceram umas rações com "umas  latas de chispe e feijoada/tripas que era como fazer uma refeição num restaurante com estrela Michelin" (*). 

E depois acrescenta este apontamento que vale um poema: 

"Depois de 'deitar abaixo' a respetiva ração, chegava o momento mais esperado e importante do dia, o momento do cimbalino (não confundir com o momento coca-cola!)."...

Cimbalino ?!.. Isso mesmo:

"Fechava os olhos e transportava-me para uma esplanada de praia do picadeiro da Póvoa de Varzim, a contemplar o mar... e saboreava, com estilo, o melhor da ração – o comprimido de café."

Confesso que foram momentos que eu perdi no meu tempo (1969/71)... É que sempre detestei a ração de combate nº 20 (só conheci esta)... Mas o português sabe dar a volta ao texto e, fazer entrada para o inferno, uma caminho de volta ao paraíso. Arremata o nosso "Tigre do Cumbijã":

 "Depois, era o clímax com as fumaças do cigarro oferecido por (quase roubado a) o Machado ou o Gouveia. Se fosse numa emboscada noturna, o ritual das fumaças contemplava o retirar do tapa-chamas da G3 com a introdução do cigarro no cano para um gajo não se tornar um alvo fácil de 'tiro ao boneco', por parte do IN."

Ficou tão "viciado" na cafeina, ou no seu substituto (, o tal "comprimidinho"), que hoje ainda confessa: 

"Luís, sem café fico insuportável. Sou capaz de fazer quilómetros para ir aonde servem bom café e fico possesso quando vou a um restaurante caro e me servem uma zurrapa de café." (*).

O poste já deu origem a mais de duas dezenas de comentários. E, se calhar, ainda ficou muito coisa por dizer ou confessar. Vamos recuperar comentários relativos à nossa querida "ração de combate", complementados por   alguns números para a nossa nova série "A nossa guerra em números" (**)... e para a nossa "incultura geral". 

(Mas, afinal, para que é que serve esta m... de informação ?", perguntarão alguns doutores. Utilizo o termo m..., com a sua licença, que é o que alguns dos meus mais próximos, a começar pela mimha cara-metade,  usam quando dizem: "Lá estás tu a chafurdar na m...")


2. Na realidade, houve malta que gramou mais as rações de combate do que outros: um exemplo é a CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã, que andaram muito tempo "abivacados" como os ciganos (please, sem conotação racista)... 

Diz o Joaquim Costa:

"A nossa relação com as rações de combate era muito forte. Não só levávamos com elas nas saídas para o mato, bem como no próprio destacamento que construímos do zero. Pois só tivemos direito a frigorífico a petróleo e a cozinha,  passados uns meses depois de aí [, no Cumbijã, ]nos instalarmos. 

Quem não gostou desta mudança foi o vagomestre Ferreira que abalou do hotel de 5 estrelas de Aldeia Formosa para o parque de campismo selvagem do Cumbijã juntamente com a cozinha."...

Houve, pois,  desgraçados que não souberam, durante alguns períodos da comissão, o que era uma "refeição quente", mesmo que fosse só o caldo com pouca batata e algumas verduras, liofilizadas.., para além do indispensável casqueiro. (E quando não havia farinha, recorria-se á ração de bolacha!...).

3. O Valdemar Queiroz c0nta-nos, com o seu  habitual sentido de humor, como eram as andanças de uma companhia africana (a CART 11), em que as praças, por serem muçulmanas e por lhes fazer mais jeito o patacão, eram "desarranchadas:

(...) As nossas rações de combate de 1969/70 tinha uma lata de leite com chocolate que era uma delicia. Como os nossos soldados fulas eram muçulmanos, e os senhores do 'grande rancho geral' queriam lá saber disso, mal abríamos as caixas havia trocas das latas de carne e a bisnaga de queijo (?), que diziam ser de leite de porca, connosco três furriéis, três cabos e de início o alferes, mais o homem das transmissões, pelas latas de sardinhas.

Normalmente era uma ração de combate de uma refeição, para uma operação de intervenção / segurança com regresso para jantar ou saída após almoço para segurança / emboscada noturna e regresso de manhã para o pequeno almoço. 

Quando era mais de um dia havia rações duplas, mas o normal era levar duas e dois cantis de água, que estupidamente nas primeiras saídas o cabo Rochinha levou um cantil com vinho e ia morrendo de sede. 

Nunca fizemos fogueira para aquecer a lata de carne, que ficaria mais apetitosa e inclusive evitávamos fumar para não sermos detetados à distância. Tínhamos toda a atenção para nunca deixar latas vazias no local da refeição.

Por acaso o nosso vagomestre também se chamava Ferreira e era um tripeiro chapado, que cumpria menos mal as suas funções. Com alguns problemas por, normalmente, só haver um pelotão, os homens especialistas e o capitão no quartel que lhe dava para se "prendar" e ficava descalço com as contas. O 1º. sargento que andava sempre à guerra com ele sabe-se lá porquê, dizia-lhe 'com estas contas qualquer dia o melhor é atirar-se ao Geba'.

Mas como era rancho geral para todos, desde o capitão ao soldado básico, os soldados fulas eram desarranchados, as contas sempre se normalizavam e havia comidinha variada e bem confecionada.

Também havia problemas quando saímos para emboscada noturna com regresso a meio da tarde, como tal levávamos uma ração dupla, chegávamos em cima da hora do almoço e não havia nem rancho nem a ração que já tinha marchado. Em Nova Lamego resolvíamos esse problema com uma saída de visita ao restaurante local. (...)

4. No supracitado livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.), há informação interessante sobre a  alimentação, os produtos alimantares, e o seu custo, incluindo as rações de combate (RC 20) e as rações de substituição (RS 30) (vd. pp.286 e ss.).

A ração de combate propriamente dita (RC nº 20) era a que se usava em operações, fora do aquartelamento. A ração de substituição (RS nº 30) tinha mais produtos e podia ser consumida no aquartelamento, "quando não era confeccionada refeição quente" (pág. 290).

Havia havia ainda a Ração de Bolacha (140 gramas, por dia e por homem): substituia o pão quando este não era distribuido com a RC nº 20 ou a RS nº 30.

Cada ração estava pensada, para um homem, para as 24h / três refeições. 

Mas o António. J. Pereira da Costa ainda é do tempo da "ração coletiva" (!)...

(...) Recordo-me das rações colectivas para 5 homens que eram extremamente incómodas porque obrigavam a que todos comessem ao mesmo tempo e as embalagens era maiores do que as 'individuais'. Estas mais flexíveis tinham o inconveniente de serem monótonas. Assim, quem tivesse de fazer uma operação de vários dias comia o mesmo (ou quase) durante esse tempo. 

Os comprimidos de café destinavam-se a criar um sabor idêntico ao que deixava o café (de saco). Os soldados muçulmanos não comiam tudo o fosse e pudesse ser de porco (especialmente chouriço). Creio que o pessoal da Manutenção Militar e os "planeadores" e financeiros nunca se preocuparam com a monotonia da alimentação durante as operações e daí vem o nosso ódio às rações. Se alguma vez as tivessem experimentado duranma te dois ou três dias, podia ser que  as tornassem mais atraentes e variadas. Falta referir que as rações traziam uma folhinha de algo parecido com papel higiénico e que também podia ser usado como guardanapo" (...) (*)

5. Com a crise petrolífera do final do ano de 1973 / início de 1974 (, que nos lixou a todos!), os géneros alimentares escassearam no mercado e/ou subiram de preço. 

Isso teve naturalmente reflexos nos custos do Exército, que além disso viu os custos de transporte acrescidos. E teve implicações no moral da tropa... Houve produtos cujos preços dispararam brutalmente, de 1973 para 1974. Veja-se alguns exemplos de preços de produtos de venda ao público em Lisboa:

Produto / Preço de 1973  (kg, litro ou embalagem) / Subida em 1974 (%)

Arroz / 8$90 / 20%
Azeite / 35$00 / 50%
Batatas / 2$50 / 80%
Bacalhau / 44$00 / 113%
Chouriço / 45$00 / 66%
Frango / 26$00 / 46%

No quadro da pág.290, o autor, Pedro Marquês de Sousa,  certamente, por lapso, não indicou a unidade de medida dos produtos a seguir ao arroz. Para o azeite, por exemplo, deve ser o litro. Quanto ao bacalhau, sabemos que era "liofilizado",  deveria vir em caixas, tal como chouriço... O que importa a destacar é o valor (preço) considerado, pelo exército, nas contas da guerra do ultramar em 1974 (, de acordo com a célebre lista publicada no nosso blogue) (***).

Por exemplo:

Arroz:7$00;
Azeite: 48$00;
Batata: 8$20;
Bacalhau; 167$20;
Chouriço: 64$80;
Frango; 41$80...

Não admira que a malta para o fim da guerra tivesse que se agarrar à RC nº 20 ou RS nº 30 ou à Ração de Bolacha...

De qualquer modo, com a crise petrolífera e a crise económica de finais de 1973/ princípios de 1974, os preços dispararam, tornando-se cada vez complicado alimentar  "o ventre da guerra". Por outro lado, o sabemos o preço por unidade das rações em 18/7/74, em Nova Lamego (CCS/ BART 6523, 1973/74):

Ração de combate nº 20: 43$00 por unidade; havia 680 em stock;
Ração de substituição nº 30: 14$54 por unidade; havia em stock: 250 em stock.

Não há referência à Ração de bolachas... Mas ainda havia farinha (mais de um tonelada) e fermento...

Por norma e por razões de segurança, na Guiné tinha de haver uma reserva de 72 mil Rações de Bolacha, 50 mil da RC nº 20 e 20 mil da RS nº 30... (Cito o Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África", pág.292).

6. No fim é  caso para perguntar: "Ó Joaquim, como é que uma tropa, como a nossa, que passava a vida a queixar-se do tacho e do vagomestre e das rações de combate, podia ganhar a guerra ?! Não podia, está visto"...

Ao que o Joaquim, minhoto (e maroto), respondeu, muito sabiamente:

"Diziam as mulheres na minha aldeia que os homens se conquistavam pela boca. Digo eu: As guerras também!!!" (*)


(***) Vd. poste de  6 de fevereiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20626: (Ex)citações (362): O ventre e o patacão da guerra, segundo duas preciosas listas de junho de 1974, guardadas pelo Zé Saúde... Cada um de nós tinha direito a um "per diem" de 24$50 para comer, o equivalente na época a um dúzia de ovos da Intendência (, a preços de hoje, 4,10 euros)