quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23487: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (10): o massacre do alf mil Artur José de Sousa Branco e do seu pequeno grupo, nas imediações de Gadamael, em 4/6/1973 (J. Casimiro Carvalho / Manuel Reis / Carmo Vicente / Manuel Peredo / Jorge Araújo)

Calendário português: junho de 1973. Cortesia de: www.calendario-365.pt. O dia 4 foi uma segunda feira. Infografia: Blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Uma das dezenas de vitimas, em Gadamael, na altura da "batalha dos três G", foi o  alf mil art Artur José de Sousa Branco, da CCAV 8350 (1972/74): morreu, em combate, nas imediações do quartel e  tabanca de Gadamael Porto, em 4/6/73.  Era uma segunda feira.

Era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Recorde-se que na tarde de 4 de junho de 1973, em Gadamael, o alf mil Branco sai com um reduzido grupo de combate (12 homens. pouco mais do que uma secção) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. 

O pequeno grupo cai de imediato numa emboscada das tropas do PAIGC espalhadas pelas redondezas, e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCP 122/BCP 12), acabadas de chegar a Gadamael, na manhã de 3 de junho, domingo,  sob o comando do cap paraquedista Terras Marques.

Um pelotão, sob o comando do alf paraquedista Francisco Santos, da CCP 122, vai em socorro do grupo do alf mil Branco, da CCAV 8350,  e ainda consegue resgatar os corpos e socorrer os sobreviventes. 

"Os cadáveres tinham sido selvaticamente baleados, ainda estavam quentes e os fatos empapados de sangue" (José Moura Calheiros - A última missão, 1.ª ed. Caminhos Romanos: Lisboa, 2010, pp. 527/528).

Além do alf mil Artur José de Sousa Branco, natural de Lisboa, morreram nesta ação os seguintes camaradas, todos eles sold cav da CCAV 8350, "Piratas de Guileje" (entre parênteses, o concelho da sua naturalidade): 
  • António Mendonça Carvalho Serafim (Cartaxo); 
  • Fernando Alberto Reis Anselmo (Macedo de Cavaleiros); 
  • Joaquim Travessa Martins Faustino (Santarém); 
  • José Inácio Neves (Alcobaça).
O infortunado Artur José de Susa Branco, jogador de futebol antes da tropa (tendo  chegado a jogar nos escalões juvenis do S.L. Benfica), foi amigo e colega de liceu do nosso coeditor Jorge Araújo (andaram juntos no Liceu Camões, em Lisboa) (*****).


2. Sobre este sangrento episódio, há várias versões publicadas no nosso blogue, que merecem ser aqui recuperadas, na véspera dos 50 anos da efeméride (*), a primeira das quais a do J. Casimiro Carvalho, que integrou a pequena força comandada pelo infortunado alf mil Branco, e foi um dos sobreviventes.

2.1. Gadamael, 4 de junho de 1973: "A Patrulha Fantasma” (**)

por J. Casimiro Carvalho (ex-fur mil, op esp, CCAV 8350, 
"Piratas de Guileje",  Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, 
Cumbijã e Colibuia, 1972/74; vive na Maia]

(...) Em Gadamael, a mortandade era tanta, a cadeia de comando rompeu-se e houve fugas para o mato e para o Rio Cacine.

De salientar a bravura do capitão Ferreira da Silva (Comando/Ranger), que avocou a si o comando desse pequeno contingente [, que restava em Gadamael,] e debaixo de fogo coordenou os cerca de 30 ou quarenta, verdadeiros heróis, que até à chegada dos abnegados Paraquedistas [do BCP 12], aguentaram aquele apocalipse!

Não havia condutores, o pessoal andava atarantado... aterrorizado e sem chefias que chegassem. Era assim em Gadamael em 1973.

A enfermaria estava pejada de cadáveres, um cheiro nauseabundo, os mesmos eram constantemente regados com creolina, não haviam urnas, os bombardeamentos eram constantes, as granadas caíam com precisão dentro do quartel, se fugíamos para o rio, elas caíam no rio, se fugíamos para o parque auto, caíam aí, havia coordenação de tiro por parte do IN.

Cheguei a conduzir uma Berliet, dos paióis para as bocas de fogo, de tal forma que, quando havia saídas de fogo, nós já não as ouvíamos. Comigo andava um açoriano [, o 1.º cabo Raposo], dois autênticos loucos varridos, saltávamos em andamento e, quando acabava o fogachal, voltávamos ao camião e seguíamos com o serviço.

Nessa altura, mais valia estar no mato, estávamos sitiados, e por isso, quando formaram uma patrulha "ad hoc" onde me incluíram, até fiquei contente. Nessa patrulha ia o alferes Artur [José de Sousa] Branco, que antes tinha dito que o mandaram para ali, e que ia morrer; iam dois putos que tinham vindo voluntários para a tropa (, dois meninos!), aos quais ordenei que ficassem no quartel, ao mesmo tempo que disse: "Sois muito novos para morrer" (ainda se lembram disso e sempre o repetem aos filhos, dizendo que me devem a vida); ia um negro (o "pica"), o cabo José Neves e os soldados F. Anselmo [Fernando Alberto Reis Anselmo, natural de Macedo de Cavaleiros]; e o A. Serafim [António Mendonça Carvalho Serafim, natural do Cartaxo] (um destes soldados nunca saíra para o mato), e outros que desconheço. Era uma “patrulha fantasma”.

Saímos para a zona da pista abandonada de Gadamael, as ordens era para emboscar nessa zona, para prevenir aproximações do IN. Fomos em fila indiana ao longo do rio Cacine junto ao tarrafo. Passámos por um sítio, onde se vislumbrava uma pequena clareira, de capim médio, e o pica disse: "Alfero, melhor ficar por aqui, boa zona para montar emboscada"... O alferes Branco retorquiu que as ordens eram ir para a pista velha, pelo que continuámos. Uns 200 metros à frente, o negro disse que a pista estava minada e armadilhada pela tropa anterior. Posto isto, o alferes reuniu comigo e chegámos a um consenso: que o melhor era recuarmos.

Recuámos em silêncio e ordeiramente, até chegarmos à tal zona da clareira, e começámos a entrar na mesma, agachados para passarmos por baixo do tarrafo. Normalmente eu ia em 2.º ou 3.º lugar nas patrulhas, e, ao entrarmos nessa clareira, um dos militares deu-me passagem, e eu disse que não: "Ide entrando que 'eles' podem estar aí", num tom bonacheirão e em sussurro, e assim foi.

Uns seis já tinham passado, quando ouvi uns estalidos e, com gestos e murmúrios, dei a entender que estava ali algo. Todos pararam,  espaçados e em silêncio. Como mais nada se ouviu, eu disse: “Deve ser passarada, avancemos” .... Logo a seguir, outra vez o estalar de ramos e mexer de vegetação. Imediatamente gritei: “Emboscada!”.  Coloquei a arma em modo de rajada, e atirei-me para o chão, não sem antes ver a cara do alferes desfeita por uma rajada, com sangue e ossos (?), a saltar.

Já no chão e com um fogachal tremendo, próprio de armas russas, com a cara de lado bem rente ao mato, passou-me a vida pelo cérebro, e a mente a pensar na “minha mãe”. Estou neste estertor, pensando se abria fogo ou não, pois iria denunciar a minha posição, imaginando um turra a disparar nas minhas costas, deitado.

Nestas fracções de segundos, ouço uma G-3 a disparar ao meu lado, o som era mesmo nosso, então comecei a dar rajadas de 3 ou 4 tiros, enquanto outro militar dava tiro a tiro, compassadamente. Freneticamente, tirei o carregador vazio e coloquei outro, disparando pequenas rajadas por cima da cabeça, que continuava “colada ao solo”. 

Ao pegar no 3.º carregador, o tiroteio IN parou abruptamente, quando vislumbro um turra no meio da vegetação que se levantou, e assim mesmo levou uma rajada minha que o “tombou” logo ali, depois uma gritaria infernal, por parte deles, e eu, sozinho com um militar ao meu lado, berrei para o mesmo: "Vamos, ou morremos aqui".

Ele gatinhou à minha frente, passámos pelo cadáver do cabo Neves [José Inácio Neves, natural de Alcobaça] e seguimos para o rio, em direcção ao quartel, sempre a olhar para trás a ver se algum IN nos mirava para nos abater. Larguei o cinturão, com a ração de combate e os restantes carregadores, para melhor correr, fugindo da morte certa, levando apenas a G-3 sem carregador nem munições.

Chegado ao quartel, sozinho, o meu corpo colapsou, e todos pensaram que eu morrera ali mesmo. Fui recolhido por camaradas daquele inferno, tão aterrorizados como eu, e descansei um pouco, bebi água sofregamente, sem saber ao certo quantos morreram.

De seguida, saíram paraquedistas [da CCP 122, um Gr Comb, comandado pelo alf paraquedista Francisco Santos] e foram ao local (a 1200 metros) da emboscada, onde encontraram aquela cena traumatizante, derivado ao que os turras fizeram aos meus camaradas, que me dispenso de pormenorizar aqui, tal o horror.

Quando regressaram, eu quis ver os meus camaradas, que estavam numa Berliet, e não me deixaram. Peguei numa G-3, meti bala na câmara e berrei: “Ou vejo, ou varro esta merda toda”!... Claro que vi, e essa imagem persegue-me ainda hoje, como fantasmas do passado!

Passados uns dias, noutro bombardeamento, fui ferido, e evacuado pelos fuzos até à [LFG] Orion, para Cacine. No entanto, quando fiquei bom, ofereci-me para ir outra vez para o holocausto, onde os meus camaradas morriam.

(...) Décadas se passaram, e numa simples conversa, descobri quem era o herói que ao meu lado disparou até ao último segundo (o tal da decisão de viver... ou morrer): era o soldado Borges, da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", o qual abracei chorando e soluçando, revivendo aquele tormento. (...)


 2.2. Apeteceu-me gritar ao alferes Branco: "Não vás!" (**)

por  Manuel Augusto Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", 
Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; 
vive em Aveiro]

(...) Fui testemunha "in loco" de tudo o que relata o José Casimiro. Foi de uma violência tremenda essa emboscada e foram bravos esses homens que foram obrigados a efectuar esse patrulhamento. Eram 11 homens, mal equipados e mal armados, que partiram do aquartelamento sob os berros e ameaças do comandante de companhia.

Não calei a minha revolta e indignação pelo sucedido, o que me valeu uma despromoção de 2.º comandante, o que para mim constituiu um prémio. Acabei por ser massacrado com tentativas de aliciamento para depor num determinado sentido, caso fosse aberto um inquérito.

Permanece viva a imagem do alf Branco, chegado há dois dias à companhia e, na hora da partida, olhou para mim, incrédulo, como que a perguntar o que devia fazer. Nada disse, mas apeteceu-me gritar: "Não vás!"

Coube-me a mim partilhar este sofrimento e dor imensa com a pobre mãe. Não gosto de recordar esta situação, mas o José Carvalho merece uma palavra amiga pela sua abnegação e doação ao próximo. Sem a sua bravura ninguém regressaria do mato. Bem hajas.


2.3. Quatro mortos do exército, três soldados e um alferes, terrivelmente desfigurados

por Carmo Vicente (ex-1º sargento, cmdt do 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74; DFA, escritor, natural de Arganil, vive em Almada)

(...) No dia  seguinte[, 4 de junho de 1960], sentado na vala, como de costume, preparava-me para comer mais uma vez as habituais sardinhas em lata, quando ouvi, vindo da mata, o forte crepitar de varias espingardas metralhadoras e o rebentar de granadas. Achei estranho, porque não tinha conhecimento de haver qualquer força a patrulhar a zona. Estava a comentar o facto com um dos meus camaradas que se encontrava perto de mim, quando chegou o comandante de companhia  [, Terras Marques,] que me disse para preparar rapidamente o meu grupo e ir socorrer um pelotão do exército que tinha sido atacado e sofridos vários mortos.

[...] Saímos rapidamente das valas e correndo dirigimo-nos para o local (guiados por um dos fugitivos), que ficava a pouco mais de um quilómetro do quartel.

O espectáculo que se nos deparou era deveras terrificante. No solo três soldados e um alferes jaziam mortos e irreconhecíveis com os rostos parcialmente desfeitos por rajadas disparadas à queima-roupa. Havia ossos e tecidos sangrentos espalhados pelo chão. Um dos soldados enrolara-se nos seus próprios intestinos estando os restantes parcialmente queimados pelo fogo que, acidentalmente, por acção das balas incendiárias, ou deliberadamente fora ateado ao capim.

Eu conhecia o alferes. Chegara a Gadamael três ou quatro dias antes, ido directamente da Metrópole e eu encontrara-o por acaso e estivera a falar com ele. Com os olhos dilatados pelo medo,  havia-me dito que abominava a guerra, que estava aterrorizado e iria fugir para longe da guerra o mais depressa possível, fosse para onde fosse, pois não podia aguentar por mais tempo aquele inferno. Agora, ao vê-lo morto, pensei: "Afinal conseguiste o que querias, alferes.... Vais sair daqui... da única maneira que o recusarias fazer, se te tivesse sido dado escolher, enquanto vivo".

Carregámos com os mortos às costas e regressámos ao quartel. Ao chegarmos,  começou novo bombardeamento e toda a gente se atirou para o chão tentando encontrar abrigo. O soldado C [...] que carregava o cadáver do alferes, seguindo o exemplo dos outros ou obedecendo ao seu instinto de conservação, também se atirou para o chão ficando com o morto em cima, que, por ter caído a capa impermeável onde o tínhamos embrulhado, o cobriu de sangue. Levantou-se como se tivesse sido picado por uma cobra e ficou a olhar-me de olhos esgazeados. O seu aspecto era terrível. O sangue do morto cobria-o da cabeça aos pés: tinha sangue na boca e nos olhos. Pastas de sangue coagulado caiam do camuflado. Olhou as mãos e vendo-as ensanguentadas entrou em pânico. [...]

Havia que evacuar os mortos e um ferido muito grave com um estilhaço num pulmão, que apanhara dentro do quartel. E o meu pelotão foi encarregado desse trabalho. Atirámos com os mortos para cima de uma Berliet, única viatura que ainda funcionava em toda a unidade e arrumámos o ferido o melhor que pudemos junto dos mortos. A altura era má para nos prendermos com ninharias e não podíamos transportá-lo de outra maneira. Imaginem o que terá sentido aquele homem ferido gravemente, mas consciente, ao ver-se no meio de quatro mortos horrivelmente desfigurados. (...)


2.4. Eu próprio carreguei os mortos para a Berliet...

por Manuel Peredo (ex-fur mil pára, 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74;  emigrante,  em Fança)

(...) Alguns dizem que desembarcámos em botes, mas eu quase afirmava que foi de LDM e era capaz de jurar que só a minha companhia, a 122, é que desembarcou nesse dia e não me lembro de estarem lá duas companhias de páras ao mesmo tempo. Penso que a 123 nos foi render para a 122 poder descansar uns dias em Cacine.

Mal chegámos a Gadamael, dois pelotões foram logo para a mata, onde passaram a noite. Em Gadamael apenas se encontravam lá uns quinze ou vinte homens, o resto tinha fugido. Recordo-me que veio logo uma Berliet conduzida por um açoriano muito destemido para evacuar os mortos e feridos. 

Soube pelo blogue que o José Casimiro Carvalho também fazia parte dos que não fugiram. O meu pelotão, o quarto, fazia parte do bigrupo que passou a primeira noite no mato e, quando estávamos a regressar ao quartel, este foi fortemente bombardeado, originando a morte de alguns soldados do exército que tentaram fazer fogo com o obus 14, salvo erro. Estivemos à espera que os rebentamentos acabassem para poder entrar no quartel.

Um dia ou dois mais tarde  [, em 4 de junho de 1970,]  morreram mais três soldados e um alferes miliciano, vítimas duma emboscada, muito próximo do quartel. Alguém devia ter um grande peso na consciência por ter mandado para o mato um grupo de apenas duas dezenas de militares, se tanto. Este ataque já foi contado pelo José Casimiro e pelo Carmo Vicente.

Aqui o Vicente deve estar enganado. Quem foi primeiro recuperar os corpos foi outro pelotão  [, o do allferes Fernandes, também da CCP 122 / BCP 12], o nosso pelotão foi enviado em reforço porque tínhamos acabado de chegar do mato. Encontrámo-nos a meio caminho e demos uma ajuda a transportar os corpos que estavam muito mal tratados : tinham o corpo queimado e ferimentos causados pelas balas. O alferes [rranco]  tinha um grande buraco na cara derivado a uma rajada e um soldado nem calças trazia vendo-se bem o efeito das chamas.

Quando chegámos ao quartel, os colegas dos militares mortos estavam no cais à espera e houve um pormenor que me deixou surpreendido e até chocado. Nenhum deles teve a coragem de nos ajudar a carregar os mortos para a Berliet. Os corpos eram postos no chão e o pessoal ia para as valas. Eu próprio os carreguei com a ajuda de colegas. Quando estávamos com este trabalho, o IN lançou novo ataque e eu só tive tempo de saltar do paredão do cais para me proteger. Foi a minha salvação pois uma granada caiu no local que tinha deixado. Escapei a uma morte certa por décimos de segundo.

Outro pormenor que me surpreendeu: quando íamos resgatar os corpos, um dos soldados que tinha fugido da emboscada,  dirigiu-se a mim, suplicando-me por tudo quanto me era sagrado, que tentasse recuperar uma medalha ou um fio que a mãe lhe tinha dado. Essa medalha ou fio devia estar no casaco que ele largou durante a fuga. 

Os ataques iam-se sucedendo e talvez mais espaçados e a tropa que tinha fugido ia regressando ao quartel talvez por se sentirem mais seguros com a nossa presença. (...)
___________


(**) Vd. poste de 30 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (100): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973

(***) Vd. poste de 5 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

(****) Vd. poste de 12 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

(*****) Vd. Blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné > 21 de março de 2016 > P256 - Os problemas no Comando Territoria. Independente da Guiné (CTIG): Em 1963. "Memórias de cá e de lá" Por: Jorge Araújo

(...) Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). 

Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica.  Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar, representou (creio) o Club Atlético de Valdevez, na época de 1970/71 (...)

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.

Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão”, através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf  Art como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325-LG, narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento (...)

Guiné 61/74 - P23486: Historiografia da presença portuguesa em África (328): Bissau, 1753: Escaramuças na construção da Fortaleza de S. José (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
A reconstrução da fortaleza de Bissau (não sei se não seria mais correto dizer a construção, já que a primeira fortaleza estava praticamente derruída quando se encetaram os profundos trabalhos desta construção, vieram barcos carregados de pedra para a erguer, tal como hoje a conhecemos) foi trabalhosa e trazemos à consideração do leitor este episódio que nos parece eloquente para se poder apreciar a permanente hostilidade da população da ilha de Bissau tanto com a presença da autoridade portuguesa como até dos mercadores estrangeiros. Deu muito trabalho fazer aceitar por parte das autoridades autóctones de Bissau a construção da fortaleza, este episódio de 1753 irá repetir-se inúmeras vezes, para além da fortaleza Bissau estará sempre cercada de muralhas que só desaparecerão no início da I República, era governador da Guiné Carlos Pereira.

Um abraço do
Mário



Bissau, 1753: Escaramuças na construção da Fortaleza de S. José

Mário Beja Santos

A Relação da viagem da fragata “Nossa Senhora da Estrela” a Bissau em 1753 conheceu duas edições, uma em 1952 e outra em 1995, ambas da Academia Portuguesa de História e com as anotações do professor Damião Peres. O interesse da obra é grande. O barco era um corsário de guerra, ao contrário do que pode parecer desta designação era um navio apetrechado para combater corsários, o seu destino era Cacheu e seguir até ao porto de Bissau, estava em curso a construção da Fortaleza de S. José de Bissau, como ia acontecendo ao longo destes tempos, começava-se por fazer capitulações de paz, seguia-se a sublevação dos autóctones, depois de combates sangrentos onde muitas vezes culminavam novas capitulações de paz. Esta relação que Damião Peres atribui a um autor que se oculta nas iniciais A. J. C. A. era provavelmente António José da Costa Araújo. Temos uma primeira parte a fazer referência às vicissitudes da viagem e a segunda parte é uma verdadeira relação de combate que levou os autóctones da ilha de Bissau a capitular. Os sucessos havidos em Bissau têm a ver com a tarefa da reconstrução das fortificações de Bissau empreendidas pelo capitão-mor de Cacheu Francisco Roque Sotto Mayor desde os começos de 1752. A primeira parte da relação descreve a partida a 7 de janeiro de 1753, o destino inicial era Cacheu, cinco dias depois avistaram Porto Santo e a ilha da Madeira, a viagem prosseguiu pelas Canárias e mais adiante Cabo Verde.

É de facto a segunda parte que a relação ganha imensa vivacidade com a descrição dos combates havidos, as gentes de Bissau disparavam o seu fogo atrás de uns respaldos de areia, da embarcação deu-se resposta com fogo contínuo, morreu um lugar-tenente do régulo Palanca, a gestão do fogo a partir do navio tinha que ser bem administrada para não afetar as obras da fortaleza nem as moranças vizinhas. As gentes de Bissau praticaram crueldades, como se escreve na relação de que mataram um rapaz moço do corsário e um homem: “ao rapaz cortaram a cabeça, e espicharam em um pau, e arvorando-o um gentio ao ar, iam outros muito atrás fazendo grande alarido, ou entre eles bambaré (grande vozearia), solenizando esta grande presa, e o largaram ao pé de um hospício que há naquela ilha já desemparado dos padres dele”. Tratava-se de missionários que tiveram que se refugiar a bordo. O homem que também foi morto era um serralheiro, o comandante mandou dar sepultura quer ao homem quer ao rapaz perto da fortaleza.

No dia seguinte, de novo começou a gritaria dos autóctones, ripostou-se com fogo de artilharia, morreu muita gente, os sublevados começaram a lançar fogo às moranças junto da fortaleza, nova resposta de artilharia e no dia seguinte o régulo Palanca mandou uma embaixada a pedir a paz, a oferecer escravos. Pelo relato se percebe que foi uma viagem acidentada e não se pôde ir diretamente a Cacheu, só depois dos acontecimentos de Bissau é que o corsário de guerra levou mantimentos a Cacheu, de novo se voltou a Bissau e se ajuramentou com o régulo Palanca a paz, e a relação termina dizendo que no dia 23 de março o comandante de Nossa Senhora da Estrela mandou celebrar missa a bordo, em Ação de Graças pela vitória, tinham morrido nove pessoas do lado dos navios mercantes e da fragata. E regressou-se a Portugal.

Nas notas, Damião Peres refere que a fragata Nossa Senhora da Estrela fez naquele ano duas viagens a Bissau, também tinha sido empregue a combater as surtidas dos corsários na costa portuguesa. Em ambas as viagens à Guiné comboiavam navios. Por exemplo, na primeira viagem comboiava um patacho (navio de dois mastros, variante do tipo brigue) que depois seguiu para Cabo Verde. Damião Peres chama também a atenção para as vicissitudes da chegada à Guiné, o comandante da fragata não cumpriu exatamente a ordem de marcha que lhe prescrevia dirigir-se diretamente a Bissau, houve que mandar aviso ao capitão-mor de Cacheu pois na aproximação a Bissau entrou na região de baixios, houve necessidade de que viesse de Cacheu um prático para orientar a navegação até Bissau.

Lê-se em vários relatos que a fortaleza de S. José da Amura está adubada de muito sangue, houve muitas vidas sacrificadas para a sua construção.

Juntam-se elementos extraídos do texto “COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1740-1759”, um site que provavelmente merecerá muita atenção por parte do leitor, se interessado em querer conhecer os principais episódios da nossa presença naquele ponto da Senegâmbia no fim do século XVIII e princípio do século XIX.
Navio português do século XVIII
Interior da Fortaleza de S. José da Amura, bilhete-postal, cerca de 1925
Uma rua de Bissau, bilhete-postal de Philippe Garès, Paris, cerca de 1912

Elementos extraídos do texto “COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1740-1759”:

Em 1752, FRANCISCO ROQUE DE SOTTO MAYOR é capitão-mor de Cacheu. Em 1752 Francisco de Sotto Maior instalou uma guarnição portuguesa em Bissau. Sotto Mayor também hasteou a bandeira portuguesa em Bolama, mas não criou uma feitoria. A guarnição portuguesa de Bissau recebia poucos mantimentos e pessoal, e a colónia definhou até 1765, data em que a Companhia do Grão-Pará e Maranhão expediu reforços substanciais.

1752/03/12
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I informando em disposição a um artigo do seu regimento ser ou não conveniente a proposta feita por JOSÉ GOMES DA SILVA para a instituição de uma nova Companhia de comércio para Cacheu, expondo que Gomes da Silva e Companhia deveriam depositar um milhão e meio de cruzados para a fortificação de toda a costa da Guiné, sendo necessário duas naus de guerra para guardar aquela costa, salvaguardando o domínio do rei de Portugal naqueles territórios; e advertindo que se o monarca ordenasse a fortificação de Bissau e da Serra Leoa seria necessário a arrematação dos contratos relativos à Guiné.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 18 e 21.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 666.

CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I dando conta em resposta à ordem contida no 10º artigo do seu regimento acerca da antiga fortaleza de Bissau, a causa da sua demolição, e do que restava das ruínas, se conservava alguma ruína ou memória de como era a dita fortaleza; informando o seu parecer acerca da conveniência de se reedificar a fortaleza, e se teriam alguma oposição do gentio da ilha de Bissau, e se a edificação da fortaleza renderia direitos à Fazenda Real, e se os rendimentos seriam suficientes para a guarnição da fortaleza, e pagamento do capitão-mor e oficiais da fazenda; remetendo carta do rei de Bissau.
Anexo: cartas, instrumento em pública forma, certidão, sobrescrito e lembrete.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 19 e 15.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 667.

CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I acerca dos artigos do seu regimento respetivamente à conservação da ilha de Bissau e à reedificação da fortaleza; e averiguar se o seu antecessor teve resposta da carta que escreveu ao rei de Bissau acerca da sua conversão; dando conta que teve notícia de que o rei de Bissau recebeu o batismo poucas horas antes de falecer, tendo-lhe sucedido outro rei, que faleceu seis meses depois; informando que escreveu ao atual rei de Bissau, ainda da ilha de Santiago, por intermédio do padre definidor frei MANUEL DE PAÇOS.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 22.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 669.

CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao rei D. José I dando conta em disposição aos artigos 8º e 9º do seu regimento sobre os franceses terem estabelecido uma Feitoria na ilha de Bissau, e acerca do projeto de ali construírem uma fortaleza; e da necessidade de averiguar quais os povos europeus tinham alianças com os gentios de Bissau, para além dos portugueses.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 23.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 670.


1752/06/24
LUÍS ANTÓNIO DA CUNHA D’EÇA é governador até 3 de abril de 1757. Foi no seu governo que, em maio de 1754, Maranhão expediu reforços por ocasião de fazer na cidade de Ribeira Grande a sua entrada solene o bispo D. Fr. Pedro Jacinto Valente, quando se deu a salva da bateria do presídio, caiu uma bucha na cesta da gávea da galera em que tinha vindo o bispo. Começando a arder foi ateando o fogo, de modo que, para salvar a cidade do iminente perigo que lhe havia de causar a quantidade de pólvora que havia a bordo, picaram as amarras ao navio e assim como era dia de tempestade, o vento conduziu-o ao mar, aonde se deu a explosão, porém sem perigo para a cidade.
Pretendeu este governo JOÃO PEREIRA DE CARVALHO, que tinha servido em Cabo Verde dos postos de alferes, capitão de infantaria, sargento-mor, coronel e capitão-mor da vila da Praia e de Cacheu, provando o seu direito com a seguinte nota de bons serviços. Em 1719, fundeando na Praia uma galera e uma balandra de piratas, lançaram em terra, pela meia noite, 446 homens, tomando o presidio; senhores da praça, cercaram a casa do capitão-mor, onde se achava o pretendente, que foi defendê-la à porta do quintal e ali pelejou com tanto denodo que os obrigou a retirar ao cabo de três horas de rijo combate, no qual morreu muita gente. O novo governador tomou posse a 24 de junho de 1752; ainda em Lisboa recebeu do ministro uma representação escrita pelo capitão-mor da vila da Praia, FRANCISCO ALVARES DE ALMADA, protestando contra o estado ruinoso das fortificações, câmara e cadeia da vila da Praia, para se providenciar a tempo.
O governador entregou essa representação nas mãos do sindicante CUSTODIO CORREIA DE MATOS para seu conhecimento. Este, em 20 de maio de 1753, achando culpado o ouvidor XAVIER DE ARAÚJO, dirigiu a este uma carta ordenando-lhe a entrega imediata do dinheiro que havia recebido e que deixara de entregar ao almoxarife, e de repor tudo que tivesse despendido por sua ordem contra as provisões régias. Em 9 de março de 1754 respondeu o sindicante ao governador, dizendo-lhe que tinha conhecimento da Praia por lá ter ido em visita, e que procurando saber do dinheiro destinado àquelas obras soubera que o ouvidor geral se apossara dele, que bem podia suprir os gastos até que se vencesse o pagamento de 4:000 cruzados e dez tostões, preço porque fez arrematar as vacas, que se vendiam como refrescos na vila aos estrangeiros. Entre o ouvidor e o sindicante reinou sempre a maior desarmonia por causa da representação referida.


1752/07/02
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real], informado do estado das praças da Guiné, referindo que a Feitoria de Cacheu estava sem dinheiro para pagar os filhos da folha, os soldados, e fazer face às demais despesas; dando conta da construção de um novo hospício para os missionários [franciscanos], em virtude do antigo ter sido destruído num incêndio; enfatizando que ordenou aos habitantes que recolhessem toda a pólvora para evitar incêndios; sobre a pouca extração de cera na praça de Ziguinchor, referindo que o comércio das terras do rei Jame, frequentada pelo povo da praça, encontrava-se fechado; acerca da falta de soldados; expondo o que vinha fazendo em relação a Bissau, nomeadamente acerca da carta e embaixada enviadas pelo rei de Bissau, ressalvando que mandou padre MANUEL DE PASSAS a Bissau com o intuito de não deixar o rei local consentir nenhuma operação dos franceses, tendo os gauleses ido à ilha Bolama, vizinha de Bissau; pedindo socorro de carpinteiros, pedreiros e ferreiros todos com as suas ferramentas para auxiliar o engenheiro na obra da fortaleza de Bissau e para fazer reparos na igreja; pedindo que a embarcação que fosse à Guiné levasse um piloto prático; solicitando ordens para passar à ilha de Bissau salientando que esta deveria ser elevada a cabeça político-administrativa da Guiné, em detrimento de Cacheu; remetendo certidões atestando as suas afirmações; acerca da relação dos presentes enviados para o rei de Bissau.
Anexo: relação, certidões, carta e carta (cópia).
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 27.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 673.


1752/07/26
OFÍCIO do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real informando que prestou socorro a um navio francês que encalhou naquelas partes, e que naquela embarcação estava um oficial que tinha estado em Bissau dois anos antes no navio de “monsieur du Roché”; acerca das quantias relativas à cobrança dos direitos reais dos navios que o cabo capitão da ilha de Bissau remeteu para Cacheu, advertindo que o dito cabo vinha roubando à Fazenda Real; dando conta que detetou uma grande irregularidade nos livros da Fazenda Real e comunicando que aguardava a chegada do missionário frei Manuel de Paços vindo da Serra Leoa com notícias daquelas partes; e expondo que usou as verbas da alfândega para satisfazer as suas dívidas; e acusando a receção de uma carta do negro JOSÉ LOPES [MOURA; dando conta que recebeu o seu recado pelo padre missionário frei MANUEL DE PAÇOS e acusando a receção de tabaco, açúcar, chocolate e chá; afirmando que a Serra Leoa era do rei de Portugal e que estava desejoso que lá construísse uma fortaleza; informando que deu ordens aos reis locais para que os navios portugueses não pagassem taxas, exemplificando que o navio de João Alves não tinha pago nenhuma taxa; dando conta que era católica tal como os seus pais].
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 27-A e 26-A.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 674.


1752/11/22
CARTA (minuta) ao capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR, do [secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real], acusando a receção das cartas enviadas de 12 de Março a 18 de Agosto, expondo a grande ruína em que se achavam as fortificações, guarnições e ambição das nações estrangeiras em concorrem para o comércio daquelas partes; informando que iriam 50 homens fardados e armados à Guiné, entre os quais iam oficiais pedreiros, carpinteiros, serralheiros e ferreiros como ferramentas pertencentes aos seus ofícios, bem como materiais e munições, ressalvando que as portas e portais para a igreja matriz de Cacheu não foram enviadas; elogiando o seu desempenho como capitão-mor de Cacheu, principalmente por ter enviado emissários ao rei de Bissau e ao negro JOSÉ LOPES MOURA, senhor da Serra Leoa; acerca do atraso das negociações em Bissau, em virtude da morte e sucessão do rei, referindo que o novo rei se iria converter ao catolicismo; sobre os esforços para estabelecer a presença portuguesa em Bissau e na Serra Leoa.
AHU-Guiné, cx. 8, doc. 33.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 683.


1752/11/30
RELAÇÃO dos materiais, ferramentas, armas e munições remetidas para Bissau no iate São Joaquim, na balandra Príncipe e na galera Nossa Senhora da Soledade, Santa Ana e Almas no ano de 1752. AHU-Guiné, cx. 8, doc. 36.
AHU_CU_049, Cx. 7, D. 686.


1753
OFÍCIO [do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO ROQUE SOUTO MAIOR ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real], acerca da situação vivida em Bissau e dos motivos para iniciar as obras da fortaleza, mencionando que montaram quatro peças [de artilharia] com os seus reparos; sobre uma carta chegada de França dirigido ao capitão Joaquim Labarre informando que uma fragata de guerra sairia de Nantes com destino a Bissau; informando que o gentio de Bissau necessitava de ser castigado, mas primeiramente preferiu dar início a construção daquela fortaleza, em vez de castiga-los com armas, referindo que recebeu uma visita do rei de Bissau, tendo aproveitado a ocasião para oferecer ao régulo uma frasqueira de aguardente, uma camisa e um vestido que seria usado pelo seu antecessor, já falecido, no dia do seu o batismo; dando conta que construiu uma casa para recolher as peças [de artilharia] montada, e que a bandeira portuguesa estava levantada na ilha de Bolama; referindo a grande mortalidade que ocorreu entre os homens que trabalhavam na fortificação de Bissau, e expondo os entraves que os gentios colocavam à execução daquela obra; solicitando que se constituíssem em Cabo Verde três Companhias de soldados para assistir nas obras de Bissau, bem como que se enviassem xerém, cuscuz, feijão e carne daquelas ilhas; pedindo uma fragata para assistir no porto de Bissau enquanto a plataforma e casas do governo ficavam prontas, e que fossem enviadas pessoas capazes para servir nos ofícios de escrivão, feitor e ajudante de obras; informando que frei Manuel de Paços era confidente do rei da Rocha, primo do falecido José Lopes [Moura], e respeitado pelos gentios, e desta forma regressaria à Serra Leoa para preparar terreno, com o pretexto de construir uma igreja.
AHU-Guiné, cx. 25, doc.79.
AHU_CU_049, Cx. 8, D. 722.
Ataque à nova fortaleza de Bissau, comandado pelo RÉGULO PALANKA.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23464: Historiografia da presença portuguesa em África (327): O arquiteto Luís Benavente e o restauro da Fortaleza da Amura no número que a revista Oceanos de outubro/dezembro de 1996 dedicou às Fortalezas da Expansão Portuguesa (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23485: (In)citações (211): Quando o ontem e o hoje pode não ter nada a ver (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 30 de Julho de 2022:


QUANDO O ONTEM E O HOJE… PODE NÃO TER NADA A VER

Por vezes, vou assistido a algumas conversas entre ex-militares que, como eu, andaram pela então província da Guiné; em que as opiniões que eles vão expressando sobre o que por lá passaram chegam a ser tão diferentes que, alguns, são levados a pensar que os outros não estão a ser muito corretos acerca daquilo que dizem; porque estão a falar de um sítio por onde também eles tinham andado e não era bem assim.

Cada um pode pensar o que quizer!... Mas é bom termos em conta que, apesar de ser um território relativamente pequeno - era povoado por várias etnias, em que algumas tinham comportamentos muito diferentes de outras, para connosco… Depois, com o evoluir da guerra as coisas foram sofrendo grandes alterações. Se no início existiam sítios que eram considerados muito maus… mais tarde, podia já não ser tanto assim… o contrário também aconteceu.

À medida que o tempo foi passando, para além da preparação mais acentuada dos guerrilheiros, com a vasta experiência que foram adquirindo, também muito do armamento por eles utilizado passou a ser diferente… melhor que o nosso. Por tudo isso nenhum de nós que por lá andamos deve de dizer que o outro não está a falar correto… As coisas, com o passar do tempo, foram sofrendo grandes alterações… Se no início da guerra havia companhias que faziam dezenas de quilómetros a pé, sem picar os caminhos ou trilhos por onde passavam, mais tarde, isso era impossível…

Nos cerca de vinte sete meses que a companhia de que fiz parte por lá andou, foram muitas as alterações com que fomos confrontados, sobretudo, depois de termos saído de Mansambo e a consequente ida para Cobumba, a que se juntou o efeito provocado pela chegada dos Strela. 

Assim, como também o que depois nos aconteceu quando nós regressamos a Bissau, onde estivemos alguns meses, em que a nossa companhia que estava prestes a fazer dois anos de comissão, passou a ser totalmente operacional… só os criptos e dois da secretaria não saíam… Os outros passaram a fazer todos os mesmos serviços, que foram vários, sempre com a G3 como companheira e a ter de ir para muitos sítios…

Quando estávamos em Mansambo, todas as semanas íamos a Bafatá buscar duas vacas “pequenas” para consumir durante a semana. Em Cobumba, com o efeito provocado pelos Strela e os estragos que eles começaram a fazer, tivemos duas semanas em que não recebemos alimentos frescos como era normal acontecer - os helis durante esse tempo não apareceram por lá, e os bens alimentares estavam a acabar. Houve um dia em que o nosso almoço teve de ser arroz cozido com um pedaço de marmelada… 

Mais grave ainda, foi quando num desses dias uma viatura nossa acionou uma mina a poucos metros do arame farpado do nosso destacamento de que resultaram alguns feridos graves, que depois estiveram durante várias horas deitados nas macas no local onde os helis costumavam descer - enquanto nós íamos esperando que eles chegassem, como era costume!… Mas eles não chegaram a aparecer! Foi necessário, à noite, irmos levá-los nos nossos sintex a Cufar, com a companhia de alguns fuzileiros que vieram do Xugué, de onde depois foram evacuados para o hospital militar de Bissau.
O estado em que ficou a viatura que acionou a mina

Isto são apenas alguns exemplos, ainda que resumidos, daquilo que nós por lá passamos, “como aconteceu a outros”. Foram muitas as mudanças que aconteceram em pouco tempo com as quais passamos a ter de conviver… Por isso, quando vejo alguns relatos escritos sobre o que por lá terá acontecido, algumas vezes, por pessoas que nem sequer lá foram… chega a dar-me que pensar…

António Eduardo Ferreira

____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23375: (In)citações (210): O Vinho Nosso de Cada Dia (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23484: Agenda cultural (817): "Palavras que o Vento (E)leva", de José Teixeira (Lisboa, Poesia Impossível, 2022, 138 pp.): uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e, direi até, “consolidada” (Luís Graça)


 Capa do livro do José Teixeira, "Palavras que o Vento (E)leva". Lisboa: Poesia Impossível,2002, 138 pp.  

(A editora, Poesia Impossível, é uma chancela da Chiado Books e pertence ao Grupo Editorial Atlântico; o preço de capa do livro é 12 euros, e pode ser pedido diretamente ao autor, José Teixeira, via Facebook,  ou por mensagem para o e-mail esquilosorridente@gmail.com; será enviado pelos CTT à cobrança ou transferência bancária; segundo o nosso camarada José Teixeira, o livro deverá ser lançado, em sessão a organizar no Norte,  talvez em Matosinhos, no último trimestre do ano em curso.)


Prefácio: O poeta, artesão do tempo, do silêncio e da(s) palavra(s) (pp. 9-11)

por Luís Graça

“Palavras (e)levas o vento” é um achado feliz, como título, para esta seleção de poemas do Zé Teixeira que eu conheço desde 2005. E desde logo o defini como um “homem de palavra e da
palavra”: afável, comunicativo, talentoso, mas também coerente, solidário e generoso. E tem uma qualidade que não abunda por aí, nos tempos que correm, de feroz individualismo e competição: a sensibilidade sociocultural, a abertura aos outros que são diferentes, quer sejam os sem-abrigo a quem vê como irmãos, quer sejam os fulas, muçulmanos, da Guiné-Bissau com quem conviveu intimamente durante a guerra colonial…

O facto de eu ser seu amigo e camarada (de armas, numa guerra, de resto, já esquecida, ignorada ou escamoteada pelos portugueses, e sobretudo pelos mais novos) mas também seu
editor, de longos anos, num blogue em que partilhamos memórias e afetos, não me impede de o dizer com isenção e orgulho: é uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e, direi até, “consolidada”.

Com cerca de 370 referências no nosso blogue (coletivo), o Zé está tanto à vontade na crónica, na memorialística e no conto (ou microconto) como no verso, na prosa poética ou no comentário, sempre assertivo e sereno, mas também empático e abrangente. É um homem apaixonado e proactivo e um cidadão lúcido e empenhado, de princípios e valores, humanos e cristãos, que lhe dão sentido à vida e conforto espiritual nesta fase da sua caminhada terrena (agora tão, ou mais, cheia de “minas e armadilhas” como no teatro de guerra).

Por isso, este livro é um também um conjunto notável de “preces” ou “orações”, constituídas pela/por palavra(s) que se eleva(m) ao céu, uma das formas que, desde a antiguidade clássica, os humanos criaram para de algum modo escaparem à prisão do tempo. Todos os animais comunicam, mas o homem é único que aprendeu a escrever e a fazer poesia. Contra o tempo, contra a morte. Afinal, o tempo é o único recurso que não podemos aforrar. A imortalidade é apenas uma cápsula do tempo.

O poeta é sobretudo um artesão, do tempo, do silêncio e da(s) palavra(s), matéria(s)-prima(s) com que recria, molda, reinventa, constrói a realidade: “Preciso tanto das palavras do silêncio / Como do eco que ele imprime”… Para o poeta a realidade não existe, a não ser reconstruída e renomeada. A poesia alimenta-se do silêncio, da dor, do sofrimento, da angústia, mas também da coragem e da fé. O silêncio é um continuum da palavra, ou a palavra é um continuum do silêncio, mas também da reflexão, da ação, da mudança e da liberdade. “A palavra é a sombra da ação / E também revolução”.

Em mais de 120 páginas e em mais de 14 mil palavras, há vocábulos que parecem dezenas de vezes, num todo coerente: Tempo (obsessivamente…), Vida, Morte, Sonho, Amor, Mãe
(extremosamente…), Saudade, Coração, Liberdade, Esperança, Deus (serenamente…). Mas também, Futuro, Guerra, Paz… Subentendidas, estão outras como a Guiné e o seu povo, que ainda não ganhou, infelizmente, a guerra que lhe prometeram ganhar, a da paz, a da liberdade, da justiça, da democracia, do desenvolvimento…

Não me compete aqui descobrir o “fio de Ariadne” que liga estas cerca de nove dezenas de poemas. Esse é o “trabalho de casa”, o TPC do leitor, e irá fazê-lo, seguramente, com emoção
e prazer. Para o poeta, a poesia é, de resto, um jogo de sedução e cumplicidade com o leitor. Daí o autor, logo na “introdução”, e na esteira do Alberto Caeiro / Fernando Pessoa, dizer que escreve para o mundo e que os seus versos já não lhe pertencem, a partir do momento que são
acaparados/apropriados pelo leitor.

“Palavras (e)levas o vento” encerra, então, na nossa leitura muito pessoal, o duplo desafio que se coloca a qualquer poeta, artesão do tempo, do silêncio e da palavra: o de pôr a poesia no patamar talvez mais alto da criatividade literária… e, ao mesmo tempo, saber mexer com a nossa caixinha de Pandora das ideias e emoções. É o que o autor faz em poemas como
“Amor de Mãe”, “A morte passou por mim”, “Suadê, nome de mãe”… ou “Trancafiar o tempo”.

Lisboa, 25 de abril de 2022

Luís Graça, editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23479: Agenda cultural (816): Acaba de sair o livro de Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 28 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23483: Ser solidário (249): Divulgação de uma campanha de recolha de fundos que visa construir uma escola em Sincha Alfa, Leste da Guiné-Bissau (Renato Brito)

1. Mensagem enviada ao nosso Blogue, em 27 de Julho de 2022, por Renato Brito, voluntário na Guiné-Bissau, pedindo a divulgação da campanha de recolha de fundos para construção de uma escola em Sincha Alfa no Leste da Guiné-Bissau:

Boa tarde,
Chego ao vosso blogue através de uma publicação do Senhor Mário Beja Santos que a 08 de Março 2013 publica um artigo sobre o músico Lilison di Kinara.

Desde 2015 trabalho no norte de Itália num centro que acolhe refugiados, em grande parte oriundos da África Sub-sahariana, alguns da Guiné-Bissau.
Em fevereiro de 2020 fui conhecer a Guiné-Bissau. Viajei durante 1 mês de bicicleta pelo país. Sincha Alfa é a aldeia de onde é originário o pai de um dos requerentes de proteção internacional que vive onde trabalho.
Constatando as condições deficitárias da escola, resolvi pôr em prática uma campanha de recolha de fundos que visa construir uma escola nesta.

Partilho convosco os “bilhetes-postais” preparados para divulgar esta ideia.
Se acharem pertinente, agradeço o vosso contributo para divulgar este projecto.

Cumprimentos,
Renato Brito


Guiné-Bissau > Localização de Sincha Alfa
Guiné-Bissau > Sincha Alfa > Exterior da Escola
Guiné-Bissau > Sincha Alfa > Interior da Escola
Guiné-Bissau > Sincha Alfa > Regresso da Escola
Cartolinas - Clicar nas imagens para facilitar a leitura


OBS: Em relaçao aos conteúdos da “cartolina 02” deixo o formato texto onde espero possam aceder directamente aos “links” assinalados:

LILISON DI KINARA - Bamatulu (1999) – Luciana
https://www.youtube.com/watch?v=WPfcxOgTiwA

LILISON DI KINARA - Bamatulu (1999) – Fidjus (Soronhas di Lili)
https://www.youtube.com/watch?v=RQMqIr7YCVk

ZÉ MANEL - African Citizen (2003) – Mindjer i um Kumpanher
https://www.youtube.com/watch?v=9n5Z1OyeoQs

IBRAHIMA GALISSA - Tafettas (2004) – Saudade do meu amor
https://www.youtube.com/watch?v=n6j8mNJro34

IBRAHIMA GALISSA - Tafettas (2004) – Yay Balma
https://www.youtube.com/watch?v=SnXcf3JHQgU

BIDINTE - Iran do Fanka’s (2001) – Considjo di Garandis
https://www.youtube.com/watch?v=h3AyKBkoFfI

ENEIDA MARTA - Lôpe Kai (2006) – Mindjer Doce Mel
https://www.youtube.com/watch?v=QGrseiVptSE

ENEIDA MARTA - Nha Sunhu (2015) – Na Bu Mons
https://www.youtube.com/watch?v=Z5YQ4y-fO9A

KARYNA GOMES - Mindjer (2014) – Amor livre
https://www.youtube.com/watch?v=pGyZvhiy-Ts&t=15s

KARYNA GOMES - Mindjer (2014) – Mindjer di Balur
https://www.youtube.com/watch?v=wiIxk1fPCa8

KARYNA GOMES - Mindjer (2014) – Mindjer i Namê
https://www.youtube.com/watch?v=PBJ6tnFMLDA

BINHAN - Lifante Pupa (2017) – Amor so Amor
https://www.youtube.com/watch?v=2URysJEzy5g

Documentário “Kora”
Filme de Jorge Carvalho, rodado na Guiné-Bissau, conta a história de um dos mais importantes instrumentos musicais da África Ocidental.
Documentário completo com legendas em Inglês:
https://www.youtube.com/watch?v=qy1sKOaWZL8

Renato Brito

____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23475: Ser solidário (248): Pedido de apoio para a instalação de painéis solares na Escola Humberto Braima Sambu e angariação de fundos com o objetivo de construir um pavilhão multiusos (Marta Alegre)

Guiné 61/74 - P23482: Blogpoesia (778): "O deserto", "Tu vens" e "Delicadamente", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887

Em mensagens enviadas regularmente ao Blogue, o nosso camarada Adão Cruz, médico, pintor e escritor, (ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68) presenteia-nos com os seus poemas ilustrados com as sua magníficas pinturas de alta qualidade artística. Aqui ficam estes três poemas, intitulados respectivamente: "O deserto", "Tu vens" e "Delicadamente".

© Pintura de Adão Cruz


O deserto

O deserto tem de ter uma porta
uma saída
um caminho que não encontro.
Sei que sou buraco de mim mesmo
mas não é por aí que eu quero sair.
Meu sonho foi ser um pássaro
voar na proporção do amor
sem medo nas asas…
Meu pesadelo é ser um homem sem vento
arrastando a vida.
Sou apenas caminho andado
sou fim de tempo
resto de palavras e gestos perdidos
na eternidade de um dilema.
Já não giram os olhos mortos
nem os lábios descarnados suspiram.
Já o coração não treme
e a alma desliza pela areia infinda.
Tudo é longe e sem destino
foi-se embora o cheiro a alfazema…
mas no silêncio do deserto
há-de haver um verso para acabar o poema.


adão cruz


********************
© Pintura de Adão Cruz

Tu vens

Tu vens
eu acredito que vens
neste céu de cabelos soltos e seios ao vento
nesta fome de corpo e pensamento.
Tu vens
eu sei que vens
é hora de vires
nesta vespertina voragem de felicidade
neste céu da cor da angústia.
Tu vens construir a Primavera
em teu vestido branco de espuma
tu vens dominar meu indómito cabelo
com jogos simples dos teus dedos.
Eu quero acreditar que tu vens
pegar docemente nas minhas mãos cegas
e fazer delas uma flor de acácia
com que amacias os lábios
e abres o cofre dos teus seios de fogo.
Tu vens
eu sei que vens
por isso sou feliz no meu silêncio.


adão cruz


********************
© Pintura de Adão Cruz

Delicadamente

Delicadamente
ela abriu a blusa
e levantou os olhos decidida.
Era uma mulher de guerra combatida
daquelas cuja face conta a história.
Mansamente
baixou a medo as alças do soutien
inclinou a cabeça
e fechou os olhos à espera da minha mão.
Depois comemos pão de centeio
molhado num golpe de azeite
bebemos um capitoso vinho
e fomos à procura de uma paisagem com cegonhas.


adão cruz

____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23457: Blogpoesia (777): "Ontem à noite… quem diria", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23481: A nossa guerra em números (20): Meios e operações da FAP - Parte II: Armamento das aeronaves: o papel da OGMA e outras empresas portuguesas


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1972/74 > A avioneta Dornier  DO-27 que o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972/74) (nome de guerra, "Batata") também pilotou muitas vezes, sobretudo no primeiro ano da comissão. 
A Alemanha forneceu à FAP  147 avionetas Dornier DO-27, ao abrigo do acordo da Base Aérea de Beja. Algumas eram novas, outras usadas, todas as revisões foram feitas na OGMA. 

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Devido ao boicote internacional (e às pressões políticas dos nossos aliados da NATO, a par das proibições dos EUA no que dizia respeito ao uso de certas aeronaves como, por exemplo, o F-86, cedidos no âmbito do Programa de Assistência Militar), não foi fácil garantir o armamento e as munições necessárias aos helicópteros e aviões da FAP durante a guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial. 

A nossa indústria de guerra  teve de encontrar "soluções criativas" (sic), tendo chegado a usar "munições de artilharia do exército, para fabricar bombas para os aviões" (Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 229).

Segundo esta fonte, uma das bombas mais usadas terá sido a bomba de fragmentação FR M/62, de 20 kg., adaptada da granada da peça de artilharia 11,4 cm, britânica.

"Na fábrica de Barcarena, foram retiradas as cargas explosivas dessas granadas de artilharia para serem adaptadas na empresa Precix e serem novamente  carregadas em Barcarena" (ibidem, pág. 229). 

O mesmo terá acontecido, mas com outras empresas ligadas à indústria da defesa,  com as bombas FG M761, de 50 kg, FR M/64, de 200 kg, e ainda as bombas incendiárias IN M/65, de 100 litros. A Precix, uma empresa metalúrgica,  especializou-se também no fabrico de espoletas.


2. No que diz respeito ao armamento, usado pela FAP, é de destacar o canhão  MG-151, de 20 mm,  que equipava os AL III (helicanhão ou "Lobo Mau").  

Foram também utilizadas metralhadoras Browning, de calibre 7,7 mm e 12,7 mm, bombas gerais e de fragmentação de 500 libras e de 750 libras, e de 15, 50 ou 200 kg; foguetes FFAR 2,75, SNEB 37 mm, etc.. Tratava-se de adaptações da indústria nacional. 

As munições de 20 cm para o helicanhão eram as únicas que se adquiriam, diretamente aos fabricantes estrangeiros, usando os circuitos normais do mercado.

A OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico), com instalações em Alverca, fez milagres nesta época. 

Foi a OGMA que fez "as grandes adaptações nacionais para a guerra em África" (Ibidem, pág. 231):  podiam-se citar, a título meramente exemplificativo:

  • os aviões Harpoon (P2V5 Neptune), aviões de luta antissubmarina, transformados logo em 1961 em  bombardeiros adaptados às condições dos trópicos; 
  • os T-6 G Texan (um avião monomotor, originalmemte de treino e instrução), provenientes de várias origens (EUA, França, RFA, África do Sul); 
  • os sete aviões B-26 Invader, comprados clandestinamente e usados em Angola e na Guiné;
  • os 147 aviões ligeiros Auster fabricados sob autorização da empresa inglesa, e dos quais 60 foram  atribuídos à FAP e enviados para o ultramar.

A Alemanha também forneceu 147 avionetas Dornier DO-27, "ao abrigo do acordo da Base Aérea de Beja". Algumas eram novas, outras usadas, todas as revisões foram feitas na OGMA. 

Estas avionetas tiveram um papel fundamental durante a guerra de África, devido à sua flexibilidade e capacidade para operar em pistas de mato,  improvisadas.  Tiveram papel fundamental em missões como o transporte de correio, frescos epassageiros, a  evacução de feridos, a observação e ligação, etc.).

Os aviões de transporte mais usados foram o C-47 Dakota e o Nordatlas, também de diferentes origens e fornecedores. 

Já os helicópteros (AL II, AL III e SA-330 Puma) eram todos de origem francesa. Entre 1963 e 1975, a FAP adquiriu 142 Alouettes III e,  entre 1969 e 1971,  13 Pumas. (Ibidem, pág. 232).

Nem a Fábrica da Pólvora da Barcarena, nem a Fábrica Braço de Prata nem a empresa metalúrgica Precix existem hoje... Resta a OGMA, ciada em 1918, e agora integrada no grupo brasileiro Embraer.

Ainda quanto a armamento, refira-se ainda o de mais três, a par do heli AL III,  das aeronaves que conhecemos bem no TO da Guiné:

  • T-6 Harvard2 + 2 metradlhadoras Btrowning 7,7 mm | foguetes 37 mm e 68 mm | lança-granada m/64 | bombas de 15 kg,, 50 kg e inendiárias de 80 kg / 100 l e 300 kg / 350 l;
  •  Fiat G-91: metradlhadoras Btrowning 12,7 mm | foguetes 75'' | bombas de 50 kg, FR 200 kg, 250 lbs, 500 lbs e 750 lbs;
  • Dornier DO 27: foguetes 37 mm | foguetes fumígenos 70 mm / 27 | Fitting L19 (Ibidem, pp. 232/233)

3. Resumem-se aqui, por anos, algumas das principais aquisições de aeronaves pela FAP, entre 1960 e 1974 (entre parênteses, a quantidade) 

  • 1960 - Nordatlas (8);
  • 1961 - T-6 G Texan (56) (+ 130,  mais tarde) | Dakota (8) (+15, mais tarde) | Nordatlas (6)| Auster (ligeiro) (99) | Dornier DO 27 (133) ( + 14,  mais tarde) | Douglas D-6 (transporte) (10) (...);
  • 1962 - Nordatlas (3);
  • 1963 - Helicópteros AL III (142)  entre 1963 e 1975) | Cessna T-37 (instrução) (30);
  • 1965 - T-6 (74) | B-26 Invader (7) | Nordatlas (14) (entre 1965 e 1970);
  • 1966 - Fiat G-91 (caça) (40) | Douglas B-26 (bombardeiro) (7);
  • 1969/71 - Helicóptero SA-330 Puma (13);
  • 1970 - T-6 (69);
  • 1971 - Boeing 707 - 3F5C (transporte, TAM) (2). 

Fonte: Ibidem, pág. 233.

Esperemos que os camaradas da FAP possam acrescentar algo mais sobre esta matéria (ou corrigir o que está escrito, se for caso disso).

_________

Nota do editor:

Último poste da série > 26 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros

Guiné 61/74 - P23480: Nota de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
É bem interessante o contexto histórico em que ocorreu a definição das fronteiras da Guiné. A presença portuguesa era praticamente inexpressiva, a diplomacia portuguesa queria o apoio de Paris para reconhecer a legitimidade dos nossos interesses nos territórios entre Angola e Moçambique. Foi dolorosa a perda do Casamansa, nem os comerciantes nem os autóctones desejaram o domínio francês, e ninguém na época ia supor que todo o Casamansa seria um pomo de discórdia quando se fundou o Senegal. Já aqui se divulgaram as notas de um brioso oficial da Marinha que foi até à região de Cacine e Kandiafará, nesta região havia mercado e não havia autoridades portuguesas. O artigo de Armando Tavares da Silva, que anda muito próximo do conteúdo do seu livro "A presença portuguesa na Guiné", descreve todas as peripécias que levarão à fixação das fronteiras, fazendo ver a todos esses apóstolos de hoje que batem a mão no peito sobre a nossa presença de cinco séculos a grande ilusão que se montou para se falar numa Guiné onde mal existiu o sopro de um verdadeiro colonialismo.

Um abraço do
Mário



Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau

Mário Beja Santos

Armando Tavares da Silva, autor do livro "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, assina no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa aqui referido, o artigo A fixação das fronteiras da Guiné pela Convenção Luso-Francesa, texto que acompanha com grande proximidade o que ele publica no seu livro entre as páginas 127 e 148. Tratando-se de matéria de elevado interesse histórico, intenta-se um resumo das várias questões tratadas, visto que a partir de maio de 1886 houve em definitivo a definição de um território que até então conhecera inúmeras designações e de que se desconheciam todos os contornos.

A questão ganha premência com a crescente presença francesa na região do Casamansa, a Norte, e na região de Compony, a Sul, os franceses queriam alargar os seus domínios, não estavam satisfeitos em ficar à entrada do rio Casamansa, e queriam fazer recuar a presença portuguesa para lá de Cacine. Quem representava os interesses portugueses agia lentamente, num vai-e-vem de exposições e respostas diplomáticas que só nos prejudicava. Honório Pereira Barreto assistia ao perigo crescente e informou o Governador de Cabo Verde em maio de 1837. Novo vai-e-vem diplomático, a França invocava razões históricas para ali estar. É então que o visconde da Carreira se dirige ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da França com as nossas provas históricas, dando ênfase à Crónica da Conquista da Guiné, de Zurara.

Armando Tavares da Silva repertoria um conjunto de incidentes na região do Casamansa, ora tira ora põe bandeira portuguesa ou francesa, caso dos incidentes de Adiana e Sindão. Recorde-se que a região Sul também estava sob cobiça, os franceses pretendiam comprimir a presença portuguesa para cima do rio Cacine, resta dizer que a presença de autoridades portuguesas era nula na região.

Depois de várias pressões da diplomacia francesa, e tendo já terminado a Conferência de Berlim, o governo de Paris manifesta disposição para negociar fronteiras não só na Senegâmbia como também sobre o litoral do Congo. O governo de Lisboa tenta separar a questão do Casamansa e de Cacine com a pretensão francesa da posse do território de Massabi. Certo e seguro, as negociações entre Portugal e a França irão ter lugar em 1885, a França insiste então não nos seus direitos históricos e utiliza uma expressão subtil: “em nós penetra a ideia que a solução para ser prática deve ser procurada mais nos factos do que nos arquivos”, evitando-se complicar a obtenção do acordo “por discussões onde cada um se acharia a produzir títulos históricos sem que eles possam conduzir a comissão a qualquer conclusão, uma vez que nós não teríamos qualidade para concluir, o que é desde já uma razão para os pôr de parte”.

Seguem-se propostas e contrapropostas, a diplomacia portuguesa dá sinais de transigência quanto às fronteiras da Guiné desde que se retire qualquer reivindicação francesa sobre o Massabi. E chega-se a uma sessão em 11 de janeiro de 1886 em que a questão dos rios Cacine e Compony vem à baila, a França não esconde que pretende um recuo da fronteira da possessão portuguesa para lá de Cacine, está muito interessada em conservar a posse da ilha Tristão na embocadura do Compony.

O governo de Lisboa, e continuamos em janeiro de 1886, declara abertamente que não pode aceitar o abandono dos territórios na margem esquerda do Massabi (ou Loema). No mês seguinte, a França insiste na posse da margem esquerda do Loema. Depois de algumas vicissitudes, entre elas a queda do governo de Lisboa, Portugal sacrifica o seu direito histórico no Casamansa e no rio Nuno. O político Barros Gomes escreve: “Para nenhuma das regiões além-mar poderia Portugal ostentar melhores títulos de posse do que para as regiões banhadas pelo Casamansa. Descoberta, conquista, ocupação efetiva, tratados celebrados com os potentados indígenas, convénios diplomáticos com as nações da Europa, remontando alguns ao século XV, tudo quanto pode constituir um direito e justificar a soberania, tudo pode ser alegado em favor do domínio de Portugal naqueles territórios, tudo tende a acentuar o sacrifício consumado com o seu abandono".

Perdia-se o Casamansa, lutava-se por uma fronteira mais folgada no Sul. A França deixa de insistir na sua presença no Massabi. E assim se chega ao projeto de convenção apresentado pela França, onde esta faz o reconhecimento do direito de Portugal exercer a sua influência nos territórios que separavam as possessões portuguesas de Angola e Moçambique, era uma vaga e inconsequente declaração formal, não terá qualquer peso face ao Ultimato. Durante as negociações, Portugal pretendeu que se mencionassem os limites dos territórios entre Angola e Moçambique, a França opôs-se liminarmente, fez reconhecimento “sob reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potências”. A Convenção Luso-Francesa foi aprovada na Câmara dos Deputados a 2 de julho de 1887 e aprovada na Câmara dos Pares a 18 seguinte.

Em 25 de agosto de 1887 a Convenção foi assinada pelo rei D. Luís. Armando Tavares da Silva regista a extensa apreciação que a comissão de negócios externos da Câmara fez do projeto de lei, dava-se como as cedências no Casamansa compensadas tanto pelo rio Cacine como pelo reconhecimento que a França fazia de quase todo o território do Massabi e o da zona de exploração entre a província de Angola e Moçambique: “O rio Cacine e os territórios de uma e outra margem foram com efeito uma cessão a troca de outra, porque, embora as nossas descobertas e as nossas pretensões a domínio se estendessem ainda mais para o Sul, é certo que a posse efetiva pertencia à França”.

Estavam consumadas as fronteiras. Segue-se um período de tentativas de ocupação que só serão coroadas de êxito com as campanhas de Teixeira Pinto, é a partir daí que a administração portuguesa, de forma mínima, se irá internando até ao Gabú, descendo à península de Cacine e ao arquipélago dos Bijagós, finalmente submetido em 1936, com a capitulação do régulo de Canhambaque.

Monumento alusivo às campanhas do Canhambaque, imagem de Francisco Nogueira, publicada na obra "Bijagós, Património Arquitetónico", Edições Tinta da China, 2016, com a devida vénia.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de Julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23470: Nota de leitura (1469): Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23479: Agenda cultural (816): Acaba de sair o livro de Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 28 de julho de 2022


Capa do livro "Sanctuary Lost:  Portugal's Air War for Guinea 1961-1974. Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966)". Helion & Company, UK, 2022, 102 pp.


Ficha ténica

Título: Sanctuary Lost:  Portugal's Air War for Guinea 1961-1974. Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966)

Editora: Helion & Company
Data de publicação: 28 de julho de 2022 
Série : Africa@War #59
Nº páginas: Pages : 102  + Imagens : 72 fotos, 5 fotos a cor, 15 perfis a cor, 16 mapas, 2 diagramas, 23 quadros
Dimensões: 297mm x 210mm
ISBN : 9781914059995 
Helion Book Code : HEL1380
Preço: Bochura:  £19.95  (Portes de correio no Reino Unido: Grátis; reduzidos, para o estrangeiro)
Entrega:  1 a 2 dias úteis


Sinopse (em inglês)

From 1963 to 1974, Portugal and its nationalist enemies fought an increasingly intense war for the independence of "Portuguese" Guinea, then a colony but now the Republic of Guinea-Bissau. For most of the conflict, Portugal enjoyed virtually unchallenged air supremacy, and increasingly based its strategy on this advantage. The Portuguese Air Force (Força Aérea Portuguesa, abbreviated FAP) consequently played a crucial role in the Guinean war. Indeed, throughout the conflict, the FAP – despite the many challenges it faced – proved to be the most effective and responsive military argument against the PAIGC, which was fighting for Guinea's independence.

The air war for Guinea is unique for historians and analysts for several reasons. It was the first conflict in which a non-state irregular force deployed defensive missiles against an organised air force. Moreover, the degree to which Portugal relied on its air power was such that its effective neutralisation doomed Lisbon's military strategy in the province. The FAP's unexpected combat losses initiated a cascade of effects that degraded in turn its own operational freedom and the effectiveness of the increasingly air-dependent surface forces, which felt that the war against the PAIGC was lost. The air war for Guinea thus represents a compelling illustration of the value – and vulnerabilities – of air power in a counter-insurgency context, as well as the negative impacts of overreliance on air supremacy.

Volume 1 of Sanctuary Lost is extensively illustrated with photographs and specially commissioned colour artworks.

Sinopse (em português) (tr. Google / LG)

Título (tradução lietral, livre): "Santuário Perdido: Guerra Aérea de Portugal na Guiné 1961-1974. Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)".

De 1963 a 1974, Portugal e seus inimigos nacionalistas, o PAIGC,  travaram uma guerra cada vez mais intensa pela independência da Guiné, então colónia portuguesa, e  agora República da Guiné-Bissau. 

Durante a maior parte do conflito, Portugal beneficiou de uma supremacia aérea praticamente incontestada e baseou cada vez mais a sua estratégia nessa vantagem. A Força Aérea Portuguesa (FAP) consequentemente desempenhou um papel crucial na guerra da Guiné. Com efeito, ao longo do conflito, o FAP – apesar dos muitos desafios que enfrentou – provou ser o argumento militar mais eficaz e reativo contra o PAIGC, que lutava pela independência do território. 

A guerra aérea travada na Guiné é única para os historiadores e analistas por várias razões. Foi o primeiro conflito em que uma força irregular não-estatal, um movimento de guerrilha, utilizou mísseis defensivos contra uma força aérea organizada. 

Além disso, o grau em que Portugal confiava no seu poder aéreo era tal que sua efetiva neutralização condenava a estratégia militar de Lisboa neste teatro de operações (TO). As inesperadas perdas em combate da FAP  desencdearam uma cascata de efeitos que degradaram a sua própria liberdade operacional e a eficácia das forças terrestres cada vez mais dependentes do ar, e que sentiram que a guerra contra o PAIGC estava perdida. 

A guerra aérea no TO da  Guiné representa, portanto, uma ilustração convincente do valor – e vulnerabilidades – do poder aéreo num contexto de guerra antissubversiva, bem como os impactos negativos da dependência excessiva da supremacia aérea.

O volume 1 de "Sanctuary Lost" (Santuário Perdido) é amplamente ilustrado com fotografias e  ilustrações a cores especialmente concebidas para o tema.

A Helion & Co é uma mundialmente conhecida  editora, especializada em temas de história militar. Criada em 1996, com sede no Reino Unido, tem mais de 1200 títulos publicados.

Os autores Matthew M. Hurley, norte-americano, e José Matos, português,  são membros da nossa Tabanca Grande.

1. Mensagem de José Matos:

Data - 8/07/2022, 12:22
Assunto - Novo livro

Olá,  Luís

Espero que estejas bem. Escrevo-te para anunciar a saída do meu novo livro e desta vez sobre a Guiné. É o primeiro volume de uma série de 3 volumes.

O livro está à venda nas grandes livrarias online e também aqui na  Helion, a editora.

Um preview do livro ser visto aqui

Eu e o Matt agradecemos toda a vossa ajuda.

Ab, Zé
___________

Nota do editor:

Último livro da série > 16 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23354: Agenda cultural (815): Tabanca dos Melros, 11 de junho de 2022: apresentação do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (2021) - Parte II: Palavras de agradecimento do autor

domingo, 31 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23478: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (33): "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate... à moda da "chef" Alice, que sabem pela vida, neste nosso querido mês de agosto...



Lourinhã > Chez Chef Alice > 29 de julho de 2022 > "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate"

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Vamos entrar no "nosso querido mês de agosto" (o das férias, do sol, do luar, das noites romãnticas, das manhãs de grandes marés vazias com quilómetros de praia de areia branca e maresia, das viagens, das festas, dos festivais, do regresso dos emigrantes à terra, dos reencontros, dos amigos, dos amores,  do campismo, dos petiscos, das mariscadas, da batada de peixe seco, das sardinhas assadas com salada de pimentos, e tudo o mais que a imaginação, o desejo e as memórias podem e devem acrescentar)...

Como aqui temos lembrado nesta série do nosso blogue, quem pode, ainda come todos os dias... E de preferência algum petisco mais fora do comum. E depois partilha essa experiência culinária com os amigos e demais leitores. 

O título da série é apelativo, bem humorado, e não ofende ninguém: "No céu não há disto,,,  Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande "... 

Que nos perdoem os crentes e os habitantes desse condomínio de luxo que é o céu do nosso imaginário (ou da fé de muitos crentes, cristãos e não cristãos). Sendo proibido falar de religião (além de política e de futebol), resta-nos muito pouco, aqui no blogue, até porque as memórias dos camaradas da Guiné estão a acabar,,, Ou são os detentores das memórias que estão a acabar... Não temos gente nova, "periquitos", a renovar a Tabanca Grande, e os "velhinhos", esses,  agora  só querem é  sopas e descanso... 

Que nos valhe, ao menos, no nosso querido mês de agosto, estas gulodices, afinal  brincadeiras inocentes, tão inocentes, tão doces, tão boas,  tão santas ou bentas, como os "pastéis de Belém", o "toucinho do céu", os "papos de anjos", as "barrigas de freira", os "pitos de Santa Luzia", as "fatias angélicas", os "queijinhos de hóstia" ou o "pudim abade de Priscos"...

"Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate" não devem ir à mesa do São Pedro, nem vêm no cardápio do restaurante do Céu... A "chefe" Alice, quando passa pela praça, bem cedo (há anos, que já não dá um salto à Praia da Vieira onde ainda se pratica a arte xávega),  e vê jaquinzinhos ou petinguinhas, é a sua perdição: abre os cordões à bolsa e enche-se de coragem, porque amanhá-los e fritá-los é uma estopada (não é tanto a trabalheira, é sobetudo o cheiro dos fritos que fica na cozinha).... 

Mas, no fim, são os seus convidados que lhe dizem, com um arroto de prazer e agradecimento:
- Olha, muito obrigado, soube-me pela vida, "chef"!

_______

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23477: Frase do dia (6): Abençoadas Guiné e China que me deram este gosto pela poesia (António Graça de Abreu)

1. Comentário de António Graça de Abreu ao poste P23472 (*)

Meu caro Luís: 

Mandei-te isto há três dias, mas nem estava propriamente a pensar na publicação no blogue. È um poema de Su Dongbo (1037-1101), um poeta famoso na China, do tempo do pai do D. Afonso Henriques. 

Claro que o rio é o Yangtsé, o terceiro maior rio do mundo. Tive a sorte de já descer o rio Yangtsé cinco vezes, a primeira em 1983 a última em 2018. 

Vai outro poema do mesmo poeta, ajuda a compreender o contexto. Creio que lido, trabalho traduzindo Grande Poesia.

Abençoadas Guiné e China que me deram este gosto pela poesia (**).




A Falésia Vermelha

por Su Dongbo (1037-1101)

O grande rio corre para leste,
as suas ondas varrem os heróis da História.
A oeste da antiga muralha,
entra-se na Garganta Vermelha,
outrora terras de Zhuge Liang (1)
nos recuados tempos dos Três Reinos.
Cumes aguçados perfuram o céu,
rápidos em fúria batem no casco dos barcos,
águas desfazem-se em mil pedaços de névoa, como neve.
Os pintores gostam de pintar as montanhas e os rios,
em memória dos grandes homens do passado.
Recordo, (há quantos séculos?),
a união ente o guerreiro Gong Chin
e a bela e esplendorosa Jiaoxiao,
lembro o chapéu azul de Zhuge Liang,
o estratega acenando com seu chicote de crina de cavalo,
conversando enquanto as chamas consumiam a frota de Cao Cao
e as cinzas se espalhavam pelos quatro ventos.
Tudo se desvaneceu com o fumo dos séculos,
mas eu gosto de sonhar com reinos desaparecidos.
Há quem ria diante do branquear dos meus cabelos.
Por resposta tenho uma taça de vinho
encharcada em luar, mergulhando nas águas do rio.

Tradução de António Graça de Abreu

[António Graça de Abreu: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 314 referências no blogue]
_________

Nota do autor:

(1) Referência ao período dos Três Reinos (220-281) e à Falésia Vermelha situada nas margens do grande rio Yangtsé, onde se travaram algumas das maiores batalhas fluviais da história da China. Su Dongbo recorda o grande estratega militar Zhuge Liang (181-234) e o general Cao Cao (155-220), príncipe e poeta.
___________


(**) Último poste da série > 27 de julho  de 2022 > Guiné 61/74 - P23463: Frase do dia (5): "Todas as guerras sempre foram e continuarão a ser lutas de vontades... e não só das vontades dos combatentes" (Gen Bettencourt Rodrigues, in "África: a vitória traída", Lisboa, Ed. Intervenção, 1977, pág. 142)