domingo, 8 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24735: Armamento do PAIGC (5): O sistema Grad, o "jacto do povo", a "mulher grande", o foguetão 122 mm: as expetativas, demasiado altas, de Amílcar Cabral

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > O 1º Cabo Joaquim Vicente Silva, em 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior. (Neste caso, parte de um foguetão 122 mm). Nascido 1951, o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande, faleceu em 2011. Era natural de Mafra.

Foto: © Joaquim Vicente Silva (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O foguete 122 mm, o Grad
(na terminologia do PAIGC
ou "jato do povo").
Foto: Nuno Rubim (2007)









Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04602.060 | Título: Sobre a utilização do sistema GRAD | Assunto: Directivas de Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, sobre a utilização do sistema GRAD (sistema de lançamento múltiplo de foguetes). Formação e intruções para os grupos Grad. Comando dos grupos Grad: Manuel dos Santos (Manecas), Paulo Correia Landim ou António Barbosa, Alfa Djaló, Amâncio Lopes, Agnelo Dantas, Samba Candé, José Marques Vieira, Pene Djassi, Júlio de Carvalho, Eduardo Santos, Olívio Pires, Mamadu Lamine. | Data: Setembro de 1970 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral

Citação:
(1970), "Sobre a utilização do sistema GRAD", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40434
 (2023-10-7)

(Seleção / fixação de texto / sublinhados a vermelho, para efeitos de edição deste poste: LG... CVom a devida vénia...)
 


O famoso "Jacto do Povo" (na gíria do PAIGC, também conhyecido como "mukhger garnde") (*), o foguetão (ou foguete, mais propriamente dito)  de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez em 24 de outubro de 1969 contra Bedanda e só depois em 3 de novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama, segundo o nosso especialista em artilharia , o  cor art ref Nuno Rubim. (A seguir, Cacine, 4/11/69) e depois Cufar (24/11/69).

Felizmente para nós, era um arma pouco precisa e fiável (embora metesse "respeitinho" o seu silvo,  a sua detonação e a sua fragmentação). Por outro lado,   a Guiné, tirando Bissau, a BA 12 em Bissalanca, Bafatá ou Nova Lamego não tinha grandes alvos, civis ou miitares, apropriados... (excluindo os grandes reordenamentos). 

Afinal, a História com H grande, também se faz com a pequena história... Mais mortífero foi o morteiro pesado soviético, de 120 mm: de ter feito  mais vítimas entre as NT e a p0opulação civil do que o pomposo "jacto do povo"...



 
1.  Na nossa gíria eram os foguetóes 122 mm. (Temos 3 dezenas de referências com este descritor.) (**)

Tinham um alcance máximo de 16 mil metros (a versão usada no TO da Guine). Esta nova arma era já referenciada como fazendo parte do arsenal do IN em finais de 1969. (CECA, 2015, p. 297). Era uma arma para a qual os nossos aquartelamentos, construídos em alvenaria, não tinham abrigos seguros.  O PAIGC já usava também o mortífero morteiro pesado soviético, de 120 mm. Poucos quartéis tinham abrigos de betão armado (caso de Gandembel, construído a partir de abril de 1968 e abandonado menos de nove meses depois, em janeiro de 1969, por ordem de Spínola; ou Guileje, abandonado em 22 de maio de 1973).

Vejamos um excerto do 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), da CECA:

(...) Capítulo IV - Ano de 1970

Inimigo

(...) Organização e dispositivo militar

Organização

Em Maio, o Conselho de Guerra decidiu alterar o dispositivo militar e as chefias superiores das FARP.

Os Comandos de Frente foram anulados e substituídos pelos Comandos de Inter-Região. Os bigrupos foram reforçados e passaram a ter um efectivo permanente de 50 a 60 combatentes.

Foram criadas unidades de foguetões de 122 milímetros e distribuídas em número de 2 a 3 por cada inter-região. Neste ano apareceram também as peças antiaéreas de 37mm.

Relativamente a efectivos globais, estima-se que o inimigo poderia dispor de 4 corpos de exército no final do ano, cada um constituído por unidades de infantaria, artilharia e foguetões.

A constituição orgânica destes corpos de exército previa um comando e órgãos permanentes de efectivo reduzido (onde existia um grupo de comando, um grupo de reconhecimento e um serviço de abastecimentos) sendo-lhe atribuídas as unidades necessárias ao desempenho de qualquer missão, em
qualquer lugar, conforme o objectivo a atingir, sendo normal a sua actuação com 3 bigrupos, 2 grupos de artilharia ou canhões sem recuo e 1 grupo de foguetões a 2 rampas. (CECA, 2015, p. 435)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), (Com a devida vénia...)

A avaliar pelo documento do PAIGC que acima se reproduz, o Amílcar Cabral depositava muitas esperanças (talvez demasiado altas) nesta arma, que de facto foi utilizada, sem grande eficácia, contra alguns alvos militares e civis (Bissau, Bissalanca, Bafatá, Bolama, Catió, Nova Lamego,  povoações fronteiriças, etc.).

Por outro lado, o peso total do  foguete (mais de 50/60 e tal quilos), a par do sistema de lançamento, tubo,  etc., além do seu comprimento, também  levantavá problemas logísticos,  embora o PAIGC tivesse muitos '"burros de carga"  (nunca ninguém ousou falar aqui de "trabalho forçado" nas "áreas libertadas" de que vítimas os elementos civis, usados nas "colunas logísticas"...).  Já não falando  do "preço" ... destes brinquedos de morte!... (O Amílcar Cabral nunca levanta esta questão, incómoda, mesmo sabendo que um dia teria que pagar a "fatura da libertação": homem inteligente, mas cínico, sabia que a "solidariedade internacionalista" também tinha um preço...)

A utilização correta da arma implicava competências em matéria de literacia e numeracia que faltavam à generalidade dos guerrilheiros do PAIGC, a par das cartas (militares), do reconmhecimento do terreno, etc.... Daí vários dos comandantes serem cabo-verdianos, com mais habilitações literárias e formação específica  no estrangeiro (Rússia, Cuba...), caso do Manecas dos Santos, Agnelo Dantas, Amâncio Lopes, Júlio de Caravalho e Olívio Pires (contei, pelo menos , cinco cabo-verdianos, no documento supra, pág. 3),  O mesmo se irá passar com os Strela (comandados pelo Manecas dos Santos).

Felizmente que também os homens que operavam o "sistema Grad" eram mais artilheiros... (Veja-se aqui o poste P9352, de 14 de janeiro de 2012:  Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (4): Os foguetões 122 mm que vi, ouvi e contei ao longo de quase dois anos...

O Amílcar Cabral teve a lucidez de reconhecer que quem ganha (va) as guerras, são  (eram) os homens e não as armas. Hoje diriamos: o segredo da vitória está no "mix" hardware, software e humanware.... (material,  conhecimento,  pessoal)... Mas a "sorte das armas" depende também de outros factores, a começar pelos aliados, a diplomacia, a geopolítica, o contexto histórico e geográfico, etc, que são factores "exógenos".
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Notas do editor:

(*) Último poste da série de 10 de maio de 2023 > Guiné 61/71 - P24305: Armamento do PAIGC (4): Morteiro pesado 120 mm M1943, de origem russa, usado nos ataques e flagelações a aquartelamentos das zonas fronteiriças, como Gandembel, Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá ou Canquelifá

Vd. postes anteriores: 

19 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973

8 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24208: Armamento do PAIGC (1): As polémicas viaturas blindadas BRDM-2 que teriam sido utilizadas contra Copá (7/1/1974) e Bedanda (31/3/1974)

13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...


Em comentário o  nosso especialista em armamento, o Luís Dias,  acrescentou:

(...) O nome GRAD dado ao míssil soviético 122mm, embora incompleto, é correcto. De facto, e como referi no meu post, os russos aperfeiçoaram um foguetão / foguete (também lhe chamei assim), a partir de 1963, ao qual denominaram BM-21 GRAD e a partir de 1964, foram produzidos diversos tipos desta série e também um míssil portátil - o Foguete 9P132/BM-21-P, no calibre 122mm (mais curto que o modelo standard, embora também pudesse ser usado por um multi-tubo, a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B e que é também um GRAD.(...)

sábado, 7 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24734: Os nossos seres, saberes e lazeres (594): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (123): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
O homem põe, a companhia aérea dispõe. Tudo levava a crer que já passaria a manhã em Zaventem, com chegada a Lisboa ao princípio da tarde. Olhe que não, quem decide do horário é a companhia aérea, a informação chegou ao fim da noite anterior, descobri de repente que tinha mais meio-dia de férias, nem pensar em meter-me num museu, enquanto esperava o Zé Pestana ocorreu-me refazer um percurso daqueles que desenhei para preparar o meu romance Rua do Eclipse. Tudo nos conformes, amanhecia e já estava no Grand Sablon, é a meio da manhã que me dá um impulso para entrar num centro de estudo do Partido Socialista local, muito bem recebido, trouxe material para refletir e estou convidado para quando voltar ir visitar um acervo gráfico, uma coleção de cartazes do partido político como talvez não haja outra. Aqui se põe termo a um período de férias enternecedor, e fica uma imensa vontade de regressar, já que só os viajantes é que acabam, a viagem, de tão sublime, inaudita, imprevista, é sempre uma fonte de descobertas. À tantôt!

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (123):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas - À tantôt! (14)

Mário Beja Santos

Pus o despertador para as seis da manhã, há que cronometrar o uso do tempo, voltarei a Watermael-Boitsfort o mais tardar às 15 horas, pegaremos na bagagem, faz-se uma viagem de táxi até Zaventem, houve uma última alteração, partiremos um pouco mais cedo. Pelas 8 horas já estou no cenário do adeus, adormeci a esboçar o miniprograma de este inesperado acrescido meio-dia de férias. Está uma manhã fresca no Grand Sablon, quem te vê e quem te viu, num dos meus guias de viagem assentas em terrenos pantanosos e de areeiro, mesmo junto à primeira cintura urbana do século XIII. Já vi bilhetes postais com toda esta região envolvida por casario, em 1948 deu-se a demolição, ninguém se atreveu em tocar em Notre-Dame du Sablon, ainda hoje tratada como um quase santuário. Tem feira de antiguidades e traquitana uma vez por semana, a praça tem lojas chiquérrimas, de chocolates a livraria, de restaurantes a galerias de arte, passo por aqui com uma certa regularidade quando vou aos concertos gratuitos na igreja dos Minimes, ou venho da Feira da Ladra em direção ao Museu de Belas-Artes. Contemplada ao amanhecer, muito branca, preparando-se para negócios azafamados, levanto-me do banco onde a estive a contemplar, passo junto da igreja e detenho-me no Petit Sablon.
O Petit Sablon tem como ícone o jardim de Egmont e Hornes, dois mártires ao tempo das insurreições contra a presença dos Áustrias, este jardim público foi edificado entre 1879 e 1890, ao estilo Renascença flamenga, face a esta praça temos ruas com edifícios dos séculos XVII e XIX, é uma área de tráfego intenso, o eixo principal é a Rue de la Régence.
Pormenor do Petit Sablon

Percorri rua a rua toda esta região na altura em que escrevinhava Rua do Eclipse, descia muitas vezes da rue de la Régence atá o boulevard d’Empereur, restam poucos vestígios do passado, é o caso da torre Anneessens, está agora em obras, entro na rue de Rollebeek, agora a pedonal, com fachadas neoclássicas, há mesmo um albergue do século XVII “L’Estrille du Vieux Bruxelles”. Despeço-me, inverto a marcha e regresso ao boulevard de la Régence, mal sabia que ia buscar lenha para me queimar. Ao longo destas décadas, não resisto, sempre que há disponibilidade, e fruto do acaso, de bater à porta de sindicatos ou de partidos políticos, perante anos fui o representante dos consumidores designado pela Confederação Europeia dos Sindicatos, era natural que me interessasse em obter opiniões sobre medicamentos genéricos, amianto, tabaco, e algo mais. É no boulevard de la Régence que vejo a indicação do Partido Socialista e de uma instituição designada por Instituto Émile Vandervelde, centro de estudos da formação política, consagrado á análise prospetiva das questões que se põem hoje na sociedade. Dei comigo a pensar que valia a pena recolher como termo de comparação a atividade destes senhores (são governo na Bruxelas-Capital) com os desafios postos pela pandemia, para ver se houve grandes diferenças com o homólogo português. Bato à porta, digno na receção ao que venho, se posso conversar com alguém, com certeza que vai ser atendido, respondem-me, tenho direito a café e copo de água, apresenta-se um senhor que é bibliotecário e arquivista, sou conduzido a um espaço, aí atemorizei-me, vi milhares de livros e muitos metros de dossiês, relembrei a quem ali me conduz que vim exclusivamente com a intenção de uma conversa informal, qual quê, vou ter direito a conversar com a conselheira Anna-Maria Livolsi, digo ao que venho, sim tenho muito gosto em conversar consigo, atemorizo-me de novo, a bibliotecária vai trazendo documentos atrás de documentos. E começa a exposição conduzida pela dona da casa.
Um dos restaurantes mais típicos de Bruxelas na Rue de Rollebeek
O senhor que me atendeu no Instituto Émile Vandervelde, Joffrey Liénart, bibliotecário e arquivista
Émile Vandervelde

A exposição decorre em tom ameno, como se fez a deteção quanto ao modo quanto a crise sanitária amplificou a desigualdades, como revelou as fragilidades do trabalho, foi tempo em que se perdeu a segurança nas categorias socioprofissionais. Uma crise que gerou uma tomada de consciência coletiva do valor social do trabalho e dos profissionais que o exercem. Salientou a admiração pelos profissionais de saúde, designadamente nos tempos agudos de 2020 e 2021, mas também pelas profissões invisíveis do pessoal hospitalar foi de uma dedicação extraordinária. A própria lógica da globalização ia conhecer fendas, houve mostras de solidariedade e o paradigma digital revelou-se uma das armas mais espantosas para pôr os seres humanos em comunicação. Desenvolveu-se o trabalho do cuidado. Em termos ideológicos surgiu uma nova abordagem sobre o que se entende sobre consciência de classe e consciência social.
Eu só quero chamar à atenção do leitor que não tugia nem mugia, a não ser para responder ao que me perguntava sobre a situação portuguesa quando irrompeu e se viveu a pandemia. A minha anfitriã resolveu mudar a agulha para algo, creio eu, que está em debate entre os socialistas belgas, como encontrar resposta da consciência social e do valor social do trabalho quando as classes trabalhadoras, tal como se definiam no passado, perderam a sua centralidade, dissolvidas que estão entre novas profissões. O que se registou e continua a estudar ao nível deste instituto são as novas formas de solidariedade, o que se passou com a Covid continua a aguardar um exame da consciência coletiva. No pós-Covid terá que se interpelar o que tem vindo a acontecer com as desigualdades que aceleraram. Na verdade, mesmo com a retoma económica, estão mascaradas realidades muito heterogéneas entre as pessoas e os setores. Os peritos do Instituto procuram desenhar as quatro fases do pós-Covid, que vão desde a urgência no combate às desigualdades neste período de retoma, qual a natureza do relançamento e as reconfigurações que se irão produzir.
Eu de vez em quando olhava para o relógio, metera-me na cova do lobo, a minha interlocutora falava agora em preocupações sobre o mundo do futuro, como se deverá vizinhar um novo contrato social e ecológico à escala planetária, como iremos reduzir a dependência da energia e contrapor às devastações causadas por um modelo de produção que contribui para a perda de biodiversidade e a propagação de doenças.
Alertei a minha gentil interlocutora que estava muitíssimo interessado em estudar o modo de conservar o espírito para o crescimento das despesas públicas para melhorar o quadro da saúde pública, num conto de desenvolvimento sustentável. Agradecia-lhe muito se me pudesse dar pistas sobre uma transição para uma economia de baixo carbono e políticas de coesão social e territorial. Remeteu-me para um site: www.iev.be
Se eu pensava que era só agradecer e partir, puro engano. Sugeriram-me que contactasse a vice-presidente do PS para partilhar mais informações, agradeci as sugestões, e é nisto que o senhor Joffrey Liénart fez questão de me mostrar imagens da figura lendária dos socialistas belgas, Émile Vandervelde e o acervo de cartazes políticos, senti-me muito penhorado, e a ver alguns e quando voltasse a Bruxelas, ficava prometido, visitaria com tempo este impressionante acervo gráfico e histórico.

Cartaz do 1º de Maio, 1926

Estou a caminho do metro, tenho os minutos contados, ainda preciso de comer e preparar farnel para a viagem. Houvesse tempo, e iriamos percorrer cuidadosamente este espaço do meu culto, quantas belas exposições aqui não vi, até concertos com Madredeus e Maria João Pires, é uma decoração concebida por um dos génios da arquitetura belga, Victor Horta, haja retorno e faremos a visita a preceito.
Fachada do Palácio das Belas-Artes de Bruxelas, o Bozar
O vestíbulo do Bozar
O mesmo espaço num evento de fotografia, com uso de tecnologia de vanguarda

São as derradeiras imagens da extremosa Bruxelas, antes de partir para Zaventem olho assombrado para as cerejeiras japónicas da rua, é uma primavera florida, resplandecente, e digo para mim próprio que eu nunca esperei chegar a esta idade e assistir a fissuras de dimensão gigantesca, uma nova forma de Guerra Fria, pelas minhas contas é a primeira vez que a europa se reagrupou e congregou por inteiro, nem quando os turcos estavam às portas de Viena aconteceu esta reação, olho estas cerejeiras e pergunto-me o que se sucederá a esta globalização, a deste mundo de dependência energética, que tipo de relações se afinarão com o espaço russo e o continente asiático quando esta guerra na Ucrânia findar. Até lá, ainda espero regressar a esta cidade e a este país a que me sinto tão irmanado. À tantôt!
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24714: Os nossos seres, saberes e lazeres (593): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (122): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (13) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24733: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (10): A proteção aos trabalhos de construção da nova estrada Buba - Nhala - Aldeia Formosa

 
Foto nº 43


Foto nº 46


Foto nº 47


Foto nº 48


Foto nº 49


Foto nº 45


Foto nº 44

Guiné > Região de Quínara> Buba > 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Bula, 1973/74) > Proteção aos trabalhos de construção da nova estrada Buba - Aldeia Formosa (via Nhala).

Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



António Alves da Cruz, foto atual:
lisboeta de Belém, vive em Almada (onde trabalhou na Lisnave)



1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45113/72, Buba, 1973/74), que tem 17 referências n0 nosso blogue. O descritor Buba tem 380 referências.

São imagens, que falam por si,  do "suplício de Sísifo" que era a proteção quotidiana dos trabalhos de construção da estrada Bula - Nhala - Aldeia Formosa (presumimos que a empresa adjucatária fosse a TECNIL, responsável por outros troços como Xime-Bambadinca ou Piche-Buruntuma).

Legendagem:

F43 > Regresso a Buba

F44 > Por vezes no final da coluna eram enviadas duas viaturas para dar uma merecida boleia de regresso a Buba.

F45  > Proteção à Engenharia ( com o meu amigo Dinis ) na construção da estrada Buba - Aldeia Formosa.

F46, 47, 48 e 49 >  Máquinas da Engenharia na construção da estrada.
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sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Guine 61/74 - P24732: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (3): Nuuk, a minúscula capital da maior ilha do mundo, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)


Foto nº 18


Foto nº 19


Foto nº 20


Foto nº 21


Foto nº 22


Foto nº 23


Foto nº 24


Foto nº 25

Nuuk, Gronelândia, agosto de 2023

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (3): Nuuk, a capital

por António Graça de Abreu 

Estou em Nuuk, capital da Gronelândia (Foto n º 18), a mais setentrional de todas as capitais do globo, quase em cima da linha do Círculo Polar Ártico, ancorada em mais um extenso fiorde. 

Neste radioso Agosto, a temperatura oscila entre os nove e os onze graus. Dá para passear pelo burgo mais densamente povoado da Gronelândia, com quase 18 mil almas, maioritariamente os inuites, os esquimós, e cerca de 3 mil dinamarqueses que se estabeleceram na ilha como políticos, homens de negócios, etc. 

O nome antigo de Nuuk, em dinamarquês, é Godthåb que significa “Boa Esperança.” O poder da potência administrativa, o reino da Dinamarca, nota-se em muitos aspectos do quotidiano desta Gronelândia.

Quem por aqui andou noutros tempos, em 1501 e 1502 foi o navegador açoreano Gaspar Corte-Real que, segundo o cronista António Galvão (1490-557), no seu Tratado dos Descobrimentos, “descobriu uma terra incógnita e percorreu 600 a 700 milhas de costa sem lhe achar fim, sendo que tal terra prolonga outra descoberta a sul no ano anterior e que não puderam atingir por causa dos gelos.” Corte Real e os seus homens acabariam por desaparecer nestas águas geladas entre a Terra Nova e a Gronelândia, a nau perdeu-se nestes mares, jamais foi encontrada.

Num folheto para turista ver, fotografo uma fotografia da cidadezinha de Nuuk coberta de neve, o colorido dos lares de cada um contrastando com a alvura celestial da neve. Ao longe, a montanha Sermitsiaq, imaculadamente branca, acena ao viajante. (Foto nº 22)

Leio que em Março de 1853, quando já havia termómetros credíveis, a temperatura desceu aos 50 graus negativos. Não existiam frigoríficos na época porque senão os nuukianos talvez os tivessem comprado, às dúzias, para aquecerem os seus lares. O frio não perdoa, o clima é ingrato mas quem aqui nasceu e cresceu habitua-se a tudo.

Entretanto, entretenho-me a fotografar os icebergues ao quase sol da meia-noite. Em contra-luz, parecem barcos caídos do céu.

A cidade, para além das centenas e centenas de casas pintadas de todas as cores (Fotos nºs 21, 22 e 25), conta com uns tantos blocos de apartamentos modernos e um edifício singular, um arranha-céus com oito andares, o mais alto de toda a Gronelândia (Foto nº 18). 

No rés-do-chão e no primeiro andar funcionam cafés, restaurantes, supermercados, um centro comercial e nos andares de cima temos os diferentes departamentos estatais, o parlamento e os ministérios do governo que administra a Gronelândia. A moeda que utilizam é a coroa dinamarquesa, um euro vale 13 coroas, e os preços de todos os produtos, souvenirs, roupa quente, etc., são elevados.

O edifício tem hi-fi potente e aproveitei para ver mails e actualizar as notícias de Portugal, a visita do papa Francisco, etc.

Que futuro para a Gronelândia? 

Há olhares cobiçosos de grandes potências mundiais sobre esta terra. Em 2019, Donald Trump, então presidente dos EUA, terá colocado a hipótese de comprar a Gronelândia à Dinamarca, integrando-a nos States, tal como se fez há mais de um século quando os norte-americanos adquiriram o então Alasca russo aos velhos czares do Kremlin. Trump nem sequer obteve resposta por parte das gentes de Copenhaga. 

Ora a Gronelândia, nas suas grandes regiões cobertas de gelo, parece ter grandes reservas de petróleo e gás natural, além de imensos depósitos de minerais raros. A dificuldade consiste em conseguir-se a exploração de tais matérias-primas, dado o clima extremamente frio. Mas há alterações climáticas a caminho.


Foto nº 26
De Nuuk, além da imensidão resplandecente dos silêncios (Fotos nºs 23 e 24) , levo a imagem de dois meninos inuite, ternuramente esquimós, cinco ou seis anos de idade, que durante mais de quatro quilómetros de caminhada pelos altos e baixos da cidade me fizeram companhia, com a sua pequena trotinete brinquedo (Fotos nº 25 e 26). Riam, corriam, saltavam à minha volta. Conheciam todos os recantos do burgo, falavam comigo na língua inuite, respondia-lhes em inglês. Eles não entendiam nada, eu também não. Crianças maravilha, o diálogo de quem se quer bem...

António Graça de Abreu (Fotos nºs 2, com a esposa, e 3)

António Graça de Abreu: (i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 5/2/2007; (iii) tem c. 330 referências no blogue; (iv) é escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (v) no nosso blogue, é autor de diversas séries:

  • Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo;
  • Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (em coautoria com Constantino Ferreira);
  • Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983"; 
  • Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias;
  • Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)
(Revisão / fixação de texto / negritos, e edição e numeração de fotos, para publicação deste poste no blogue: LG)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24731: Notas de leitura (1622): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Esta obra de Valentim Alexandre é um portento de rigor, não se conhece estudo mais exaustivo quer para a génese do movimento anticolonial quer para estes tão profundamente documentados três primeiros meses dos acontecimentos angolanos de 1961. E não hesito sequer a dizer que todo este trabalho de História Colonial que cronologicamente o autor abriu com o seu monumental Contra o Vento - Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), em 2017, e que agora tem os seus primeiros capítulos que garantem não só uma leitura palpitante e esclarecedora como um acervo documental único. E o distanciamento, pedra angular dos historiador, fica suficientemente comprovado para tornar todo este corpo de investigação uma pedra angular da História de Portugal Contemporâneo.

Um abraço do
Mário



O início da guerra em Angola, os três primeiros meses (1):
Uma surpreendente obra de referência sobre a génese da convulsão anticolonial


Mário Beja Santos

Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril), por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de que possuí extenso e brilhante currículo, ainda há escassos anos nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial (1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o distanciamento que impõe.

Logo na introdução o autor equaciona os propósitos da obra a partir do momento em que o movimento de descolonização se pôs em marcha em vários continentes. As incidências no sistema político português tiveram uma resposta lenta, mesmo com a crise de Goa e os primeiros sinais das independências africanas, em 1958. 

O Estado Novo procurou responder com uma muita prudente reforma das Forças Armadas, uma certa preparação em contraguerrilha, o envio a conta-gotas de unidades militares para África e a criação de delegações da PIDE. Mesmo no crescendo de informações inquietantes, nada de significativo se tinha alterado na Guiné e em Angola, os locais onde se previa que viesse haver turbulência, com independências à volta. 

É nesse contexto que irrompem três grandes convulsões angolanas, a revolta da Baixa de Cassange, de janeiro a março; o assalto às prisões de Luanda, em fevereiro; e a insurreição no Norte do território a partir de 15 de março, o autor dar-nos-á uma empolgante, metódica narrativa dos acontecimentos e protagonistas. 

E teremos o repositório dos efeitos da crise angolana, torna-se percetível que velhos aliados se posicionem prudentemente à distância. É uma narrativa que entreabre as portas para uma guerra de 13 anos, este período do primeiro trimestre de 1961 é de grande turbulência, sangrento, timbrado para acontecimentos horríveis onde não faltam corpos desmembrados a execuções sumárias e bombardeamentos aéreos arbitrários.

Com o rigor que pauta sempre os seus trabalhos, Valentim Alexandre aborda os prenúncios e avisos dirigindo-se exatamente para o local onde era suposto haver o primeiro incêndio, a Guiné. Em 1958, é enviada uma missão militar à Guiné, constata que ainda não havia qualquer ação ativa, mas não deixou de se referir que já se fazia sentir uma “pressão insidiosa” que poderia “causar dificuldades num espaço de tempo relativamente curto”, não se ignorava que os dirigentes dos novos países independentes eram manifestamente anticoloniais e revindicavam a retirada dos europeus. 

Por esse tempo há um relatório de Silva Cunha assinalando o significado da independência da Guiné-Conacri e anotando um “sentimento geral de descontentamento” que começava a verificar-se nas camadas de nativos mais evoluídos, principalmente em Bissau […] quanto à sua situação social. E Silva Cunha não dourava a pílula, acusava “Portugal de não cuidar suficientemente de proporcionar aos nativos da Guiné meios de progresso cultural, social e político equivalentes aos que se encontravam nos territórios vizinhos”.

No ano seguinte, ocorreram os acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no Pidjiquiti, de que resultou um número elevado de mortos e feridos. Uma comissão militar presente na colónia ajuizava a natureza do incidente devido aos baixos salários pagos pela Casa Gouveia e Sociedade Ultramarina. 

A propaganda de Conacri fazia-se sentir a partir das transmissões de rádio, proponham-se medidas, desde a neutralização desta propaganda até à ocupação em superfície do território, dizia-se mesmo que o interior se encontrava completamente desguarnecido. Boa parte destas recomendações só anos mais tardes serão aplicadas, o poder central limitou-se a remeter um chefe de brigada e seis agentes da PIDE, um destacamento de paraquedista com cerca de 30 homens e por mar partiu uma companhia de caçadores que chegou a Bissau em 18 de agosto.

Passamos agora para Angola, o grande abalo no continente e na política mundial veio do Congo Belga, estamos em 1959 quando se inicia a crise congolesa que o autor explica ao pormenor. Nesse mesmo ano os colonos do distrito do Congo (Angola) reclamavam que lhes fossem fornecidas armas para sua defesa pessoal, pressintam que a convulsões batiam à porta. 

O autor dá-nos a situação no Norte de Angola, a importância do Reino do Congo, cuja existência independente voltava a ser reclamada pelos autóctones, que eram um perigo sentido pelo Ministério do Ultramar investiram o novo Reino do Congo; há agitação política a que a campanha presidencial de 1958 deu algum folgo, dado o impacto que teve em Angola a candidatura de Humberto Delgado, formam-se vários movimentos anticoloniais, cresce a concertação entre movimentos independentistas provenientes das colónias portuguesas, formara-se em 1957 o MAC – Movimento Anticolonialista, que agregava, entre outros, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Lúcio Lara e Eduardo Santos, com antenas no exterior, tentava-se obter apoio dos países africanos já independentes, iniciativa que se revelou frustrante. 

No fim da década de 1950, o MAC transformou-se na FRAIN – Frente Revolucionária para a Independência das Colónias Portuguesas, o MPLA e o PAI (futuro PAIGC) são acolhidos em Conacri; o MLG – Movimento de Libertação da Guiné, de Rafael Barbosa, incorpora-se no PAIGC, os são-tomenses criam o seu próprio movimento de libertação. 

O autor procura dar-nos um quadro da génese do MPLA e da UPA, ideologias e influências. Este contexto da deterioração da situação na Guiné e em Moçambique não é ignorado pelos departamentos oficiais portugueses, ademais o cenário internacional modifica-se com a chegada dos países independentes à ONU, as resoluções anticoloniais surgem umas atrás das outras.

E temos a rebelião da Baixa de Cassange, tudo bem contextualizado por Valentim Alexandre, ficamos a saber como trabalhava a Companhia Geral dos Algodões de Angola (COTONANG), de nacionalidade portuguesa, com capitais luso-belgas, uma exploração miserável, com descarado trabalho forçado, temos um quadro da rebelião, as influências externas e até religiosas, a resposta foi brutal, logo os bombardeamentos com metralha e bombas por parte da aviação. As autoridades portuguesas tudo farão para que não se fale desta revolta onde a força motriz, de acordo com os factos documentais existentes, teve a mão declarada da UPA. 

Os militares portugueses no terreno não se escusaram a dizer a verdade do que viam: os castigos corporais, caso das chicotadas, as sovas dos capatazes que aplicavam arbitrariamente multas a torto e a direito, os roubos no peso e no pagamento e na qualificação da fibra, a corrupção impetrada pela COTONANG às autoridades administrativas que recebiam envelopes com quantias avultadas para fecharem os olhos aos abusos. Valentim Alexandre também releva o caráter messiânico na contestação ao poder colonial. E chegamos assim a fevereiro de 1961, os assaltos às prisões de Luanda.

(continua)

Imagens da reportagem de James Burke para a LIFE Magazine em 17 de fevereiro de 1961
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24719: Notas de leitura (1621): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24730: Manuscrito(s) (Luís Graça) 235 ): O Van Gogh nunca pintou o pôr do sol no mar do Serro, visto da varanda do VIGIA, Praia da Areia Branca

 



Lourinhã > Praia da Areia Branca   Varanda do VIGIA - GAPAB (Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca >  5 de Outubro de 2023 >  Fotos HDR: na de cima o Jaime Silva, a Pepita, a Clarinha e a avó Alice Carneiro. O Van Gogh (1853-1890) nunca passou por aqui (nem tinha uma máquina fotográfica Nikon D5300) mas, se tivesse passado, teria pintado um pòr do sol a óleo sobre tela que hoje valeria milhões... 

O Mar do Serro também faz parte da nossa aventura trágico-marítima...

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24694: Manuscrito(s) (Luís Graça) (234): o fim do verão, o princípio de outono, as vindimas da nossa alegria... E o que nós andámos para aqui chegar!...

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24729: Agenda cultural (839): "Comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo", com destaque para a guerra colonial, dias 5, 6 e 7 de outubro (Paulo Salgado)

 











1. Programa que nos foi enviado, em 29 de setembro último, pelo nosso amigo e camarada Paulo Salgado, relativo à "Comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo", uma iniciativa da autarquia local. (Para mais imformação, ver aqui no sítio da CM de Torre de Moncorvo.)

O Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), é natural de Moncorvo, escritor (dois dos livros mais recentes, "Milando ou Andanças por África", 2019,  "O Amor que veio da China e outros contos", 2022);  é autor da série, no nosso blogue, "Bombolom"; é  administrador hospitalar reformado, consultor em gestão de serviços de saúde com larga experiència em África (com destaque para a Guiné-Bissau e Angola).

É um dos veteranos do nosso blogue, integrando a Tabanca Grande desde 19 de setembro de 2005. Tem cerca de 120 referências.

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de setembro de  2023> Guiné 61/74 - P24693: Agenda cultural (838): Orquestra Médica Ibérica: Hoje, 24 de setembro, às 16h, vai dar um concerto solidário no Altice Forum Braga... Programa: Tchaikovsky, Mendelssohn e Joly Braga Santos... Ingresso: 10 euros

Guiné 61/74 - P24728: Ser solidário (259): Convite para o Encontro/Almoço da Associação Anghilau, dia 22 de outubro de 2023, às 12h30, perto de Malveira da Serra (Manuel Rei Vilar, Presidente da Associação)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24645: Ser solidário (258): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (Renato Brito)

Guiné 61/74 - P24727: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (11): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo I - Alterações na Composição da CCAV 2721



"A MINHA IDA À GUERRA"

11 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO I - ALTERAÇÕES NA COMPOSIÇÃO DA CCAV 2721

João Moreira


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24708: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (10): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo I - Alterações na Composição da CCAV 2721

Guiné 61/74 - P24726 Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (10): I want you, dead or alive!



O célebre Tio Sam, desenho por J.M. Flagg... Cartaz norte-americano, de 1917, inspirado no original britânico, de 1914. Foi usado pelo exército norte-americano para recrutar soldados tanto para a Primeira como para a Segunda Guerra Mundial. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.


À memória:

do Umaru Baldé,, menino de sua mãe,  que morreu de sida e tuberculose, no terminal da morte que dava pelo nome de Hospital do Barro, em Torres Vedras; membro da nossa Tabanca Grande a título póstumo);

do Abibo Jau (o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, fuzilado em Madina Colhido, logo a seguir à independència da Guiné.Bissau);

do Joaquim de Araújo Cunha (1948-1970), que o Abibo Jau trouxe às costas, da antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, até Madina Colhido, o primeiro de seis mortos e nove feridos graves da Op Abencerragem Candente, em 26/11/1970, trágica lista onde se incluem os nomes do Ribeiro, do Soares, do Monteiro, do Oliveira, todos da CART 2715, e ainda o nosso guia e picador Seco Camará;

do cap art Victor Manuel Amaro dos Santos (1944- 2014),  primeiro cmdt da CART 2715, que começou a morrer nesse fatídico dia de 26/11/1970;

do Abdulai Jamanca (cmdt da CCAÇ 21, fuzilado também em Madina Colhido que eu conheci em Fá Mandonga, por ocasião da formação da 1ª CCmds Africanos);

do Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015). membro da nossa Tabanca Grande, e o único comando africano, ao que se saiba, que escreveu e publicou em vida as suas memórias;

do Iero Jaló (o 1º morto em combate, da CCAÇ 12, em 8/9/1969);

do Manuel da Costa Soares (sold cond auto, da CCAÇ 12, morto em Nhabijões, em 13/1/1971, por uma mina A/C, sem nunca ter chegado a conhecer a sua filha);

do Luciano Severo de Almeida (furriel mil, da CCAÇ 12,  que "morreu de morte matada", já como paisano, após o regresso da guerra, em data que ninguém sabe precisar);

do José Carlos Suleimane Baldé (c. 1951-2022), que chegou a estar encostado ao poilão de Bambadinca para ser fuzilado. tendo sido salvo 'in extremis' pelos homens grandes de regulado Badora; membro da Tabanca Grande;

do António da Silva Baptista (1950-2016), o "morto-vivo" do Quirafo, membro da nossa Tabanca Grande;

 de todos os demais camaradas  de armas, brancos e pretos, mortos em combate no TO da Guiné, ou feitos prisioneiros, ou abandonados à sua sorte, depois do regresso a casa ou da independência da Guiné-Bissau;

de todos os soldados desconhecidos de todas as guerras;

enfim, dos mortos da minha terra que lutaram pela pátria na batalha do Vimeiro,  em 21 de agosto de 1808.
 

I want you, dead or alive!


F_d_r_m-te, meu irmão! Enganaram-te, meu irmãozinho! Traíram-te, amigo! Deixaram-te para trás, camarada!

Não, não era este país milenário que vinha no cartaz de promoção turística, com montes, vales,  montados, e charnecas, com rios, praias e enseadas, com fama de gente patriótica, clima ameno e aprazivel, riqueza gastronómica, brandos costumes e forte sentido identitário. 

Não, não era esta a terra prometida onde corria o leite e mel... 

“I want you”, disseram-te eles, e tu respondeste sem hesitar: “Pronto!”. 

Meu tonto, disseste "presente!", mesmo sem poderes avaliar todas as consequências presentes e futuras da tua decisão, em termos de custo/benefício.

Decidiste com o coração, não com a razão, deste um passo em frente, abnegado e generoso, mesmo sem saberes onde era o distrito de recrutamento, e sem sequer conheceres o teatro de operações, o estandarte, o fardamento, a ciência e a arte da guerra, o comandante-chefe ou até mesmo a cara do inimigo. Nem sequer o RDM, o regulamento de disciplina militar nas principais línguas do mundo.

Um homem não vai para a guerra sem fixar a cara do inimigo, sem reconhecer a voz do inimigo, pode ser que seja teu pai, mãe, irmão, irmã, vizinho, amigo, ou até mesmo um estrangeiro, um pobre e inofensivo estrangeiro, apanhado à hora errada no sítio errado, num dos setes caminhos de Santiago ou na peregrinação a Meca. 

Camarada, um homem não mata outro homem só porque é estrangeiro, ou é branco, ou é preto, ou tem os olhos em bico. Ou só porque não pensa ou não sente como tu. Ou não come carne de porco como tu. Um homem não puxa o gatilho ou saca da espada, sem perguntar quem vem lá!

Enfim, não se mata um homem, de ânimo leve, gratuitamente, só porque alguém o elegeu como teu inimigo. Malhado ou corcunda, tuga ou turra, rojo ou blanco, cristão ou mouro, comunista ou fascista, bárbaro ou romano.

Não, meu irmãozinho, não eram estes outdoors e muros grafitados, ao longo da picada, não, não era este trilho, que era pressuposto levar-te do cais do inferno do Xime às portas do paraíso em Bagdá..

Sim, porque no final, meu irmão, há sempre alguém a prometer-te o paraíso, o olimpo, o panteão nacional ou a cruz de guerra com palma, um coro de anjos e querubins, ou a prenda nupcial das 72 virgens  para os mártires.... em troca da dádiva suprema da tua vida, do teu corpo, da tua alma ou da tua liberdade (no caso de teres o azar de ser apanhado à unha pelo inimigo que te espreita por detrás do bagabaga).

Todos te querem, todos te queremos. "I want you”, sim, quero-te, mas por inteiro, quanto mais não seja para tirar uma fotografia contigo, beber um copo contigo, não vales nada cortado às postas, decepado, decapitado, dinamitado, ou, pior ainda, perdido, errático, com stress pós-traumático,  sem bússola nem mapa, levado para o campo de prisioneiros do Boé ou fuzilado no poilão de Bambadinca ou de Madina Colhido. Ou para forca de Ariz dos anos sombrios das nossas guerras fratricidas de 1828-1834.

Fuzilado, és um cadáver incómodo, apanhado, és um embaraço diplomático, pior do que tudo isso, doente psiquiátrico, apátrida, refugiado... Deixas de ter valor de troca, muito menos valor de uso, diz o comissário político da base central do Morés, de Kalashnikov em punho. 

Não, não foi este destino que compraste, com o patacão do teu sangue, suor e lágrimas, enganaram-te, os safados, os profetas, os iluminados, os gurus, os estrategas, os generais e os seus ajudantes de campo, os burocratas da secretaria, os recrutadores, a junta médica, os psicotécnicos, os instrutores e até os historiadores que escrevem direito  por linhas tortas.   Ou a corte que fugiu para o Brasil para que o Napoleão não pudesse apanhar a rainha louca e o seu filho primogénito, João.

“Guinea-Bissau, far from the Vietnam”, alguém escreveu no poilão de Brá ou na estrada de Bandim, a caminho do aeroporto, tanto faz, "Tuga, estás a 4 mil quilómetros de casa”. 

Ou então foi imaginação tua, pesadelo teu, deves ter sonhado com essa placa toponímica, algures, numa noite de delírio palúdico, deves tê-la visto a sul do deserto do Sará no avião da TAP de regresso a casa. Um pesadelo climatizado. Carregaste no botão errado. Ou então foi um erro de casting. Ou um sonho de menino esse de ires para os rangers, os páraa, oa comandos ou os fuzos.

Alguém sabia lá onde ficava a Guiné, longe do Vietname, alguém se importava lá com o teu prémio da lotaria da história, mesmo que em campanha te tenhas coberto de honra e glória!

Acabaram por te meter num avião “low cost” ou num barco de lata, ferrujento, deram-te um pontapé no cu ou cravaram-te a tampa do caixão de chumbo. "Bye, bye, my friend. Fuck you, man”. Nem sequer te desejaram "Oxalá, inshallah, enxalé, que a terra te seja leve!"

“País de merda!"... Tinha razão o polícia, racista, que te quis barrar a entrada no aeroporto de Saigão (ou era Lisboa ? ou era Amsterdão?). 

Quem disse que os polícias de todo o mundo são estúpidos ? Até o polícia racista entende o sofisma do país de merda: “Pensando bem, soletrando melhor, país de merda, país de merda, só pode ser o meu”.  Por que todos os outros fazem parte da rede turística do paraíso. 

Os gajos estavam fartos de ti, meu irmão, meu camarada, meu amigo. Os gajos pagavam-te, se preciso fosse, para se verem livres de ti, vivo ou morto, devolvido à procedência, usado e abusado.

“I want you, alive or dead”, porque na contabilidade nacional tudo tem de bater certo, diz o cabo RM, readmitido. Todo o que entra, sai, é o deve e o haver do escriturário, encartado, mesmo que seja merda: “Garbage in, garbage out”, se entra merda, sai merda, diz o gajo dos serviços mecanográficos do exército.

Procuraram-te por toda a parte, os fotocines, do Minho ao Algarve, do Cacheu ao Cacine, só te queriam fotogénico, bem comportado, escanhoado, ataviado, de botas engraxadas, se possível herói de capa e espada, medalhado, condecorado, de cruz de guerra ao peito, mesmo que viesses amortalhado, as persianas dos olhos fechadas,  as mãos sobre o peito em derradeira oração, o enorme buraco atrás das costas, feito por um bálizio de 12.7, cozido e recozido pelo cangalheiro da tropa.

E tu ? Sabias lá tu o que era a pátria, onde ficava a tabanca da pátria, onde começava e acabava o chão da pátria ?!...

 Muito menos sabias a geografia da guerra, as nossas geografias emocionais,  Aljubarrota, Alcácer Quibir, Vimeiro, Waterloo, Nambuangongo, lha do Como, Gandembel,  Guidaje, Guileje, Gadamael,  Madina do Boé, Ponta do Inglês, Madina/Belel, Morés, Caboiana, Fiofioli... Ah!, e La Lyz!... Ah, e  o desembarque da Normandia!... Ah!, e Dien-Bien-Phu onde combateste pela Legião Estrangeira!...

Conhecias lá tu, da pátria,  a anatomia e a fisiologia , o intestino grosso e delgado, o que é que a pátria comia, o que é que a pátria defecava, ou até mesmo o que é que a pátria sentia e pensava, se é que a pátria deveras sentia e pensava.

Queriam-te sedado, anestesiado, amnésico, de preferência, sobretudo amnésico, alienado, aculturado, desformatado, paisano, só assim eles te queriam de volta ao teu anódino quotidiano, à tua origem obscura, à tua Sintchã qualquer-coisa, ao teu Montijo, â tua Ventosa do Mar...

Meu irmão, meu pobre camarada, fizeste por eles o trabalho sujo que compete a qualquer bom soldado em qualquer guerra. Mas nem como soldado eles te trataram, nem sequer como mercenário te pagaram, em espécie ou em géneros.

Afinal a guerra acabou, como todas as guerras acabam, até mesmo a guerra dos cem anos teve um fim com o seu rol de mortos, feridos e desaparecidos, a sua nave de loucos, a sua vala comum dos esquecidos...

 “Para quê mexer agora na merda, ó nosso cabo ?!”, interpela o sorja da companhia. “Boa pergunta, meu primeiro, mas há muito já que eu não cheiro, a guerra embotou-me os sentidos”.

Luís Graça
Lourinhã, Vimeiro, 18/7/2015.

Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21/8/1808).

Revisto em 1/9/2023, 84 anos depois do início da II Guerra Mundial.
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de setembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24626: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (9): Requiem para um paisano