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segunda-feira, 28 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (95): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)

1. Segunda parte da narrativa da "Operação Mamute Doido", trabalho enviado pelo nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária)  que participou nesta operação levada a efeito no fatídico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO ”MAMUTE DOIDO” (2)

Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu

António Dâmaso



Apesar de passados 39 anos e ter havido alterações da paisagem, agora com menos árvores e área de cultivo através desta imagem captada por satélite, a memória visual levou-me até ao local da emboscada de 23 de Maio de 1973. Lembro-me muito bem porque estive no local 4 vezes, por outro lado a carta topográfica neste pormenor é pouco elucidativa, nesta imagem pode-se compreender o porquê de toda a Companhia ficar debaixo de fogo, que os homens da frente estiveram sempre mais expostos. Mais dez, menos dez metros posso garantir que o local da emboscada foi este, as árvores mais grossas que lá existiam foram cortadas, tal como palmeiras e outras, as árvores de maior copa são muito poucas, restam apenas os arbustos e isto vem mostrar a rarefacção da floresta como se pode verificar através da imagem “que vale mais vale uma imagem do que mil palavras”.

Toda esta conversa só tem uma intenção que é repor a verdade dos factos, quando dizem que a emboscada foi na bolanha do Cufeu são imprecisos, porque bolanha propriamente dita, é aquela zona mais à frente sem vegetação onde passa a linha de água, em 1973 a Tabanca estava desabitada e o terreno inculto, nem sei se existiam lá algumas moranças.

Entre os mil e os quinhentos metros antes do Cufeu, depois de atravessar a estrada e descer a encosta, deparei-me com uma clareira enorme antes da bolanha, a mata circundante era muita rala e com árvores de reduzido diâmetro, palmeiras e outras árvores mais grossas eram muito poucas. Seguimos pela orla em direcção a uma ponta de mata mais avançada para a bolanha, para fazer a travessia da mesma na parte mais estreita, íamos com os sentidos alerta nomeadamente o primeiro homem, ciente que da sua capacidade de apuramento de três sentidos: visão, perscrutando todos os movimentos normais e anormais, o olfacto e a audição e que em grande parte, sabia que naquele momento os camaradas que o seguiam contavam com ele, daí que sentia a responsabilidade sobre ombros.

O primeiro homem, o Peixoto, era apontador de uma MG mas naquela operação levava uma HK 21 nova, em virtude da sua MG estar para reparação. Entrou na orla de uma clareira, a fronteira entre a mata e a clareira era quase inexistente, em virtude da raridade e espessura das árvores, detectou movimentações dos guerrilheiros a montarem o dispositivo da emboscada, não teve tempo de fazer quaisquer gesto  e abriu fogo imediatamente. Por azar a arma nova encravou-se logo, assim que a arma se encravou ele virou-se para mim muito aborrecido, lamentando-se disse:
- Meu primeiro, logo aqui é que me acontece uma coisa destas!

Quando se virou para mim foi atingido com um tiro no flanco direito, caiu de joelhos e ainda fez uma tentativa de desencravar a arma sem o conseguir e pediu-me que o tirasse dali.

Não podia ignorar um pedido daquele dirigido à minha pessoa, pois se ele o fez, lá tinha os seus motivos para o fazer. Embora o Peixoto fosse rebelde por natureza, havia respeito mútuo entre nós, aliás, como havia entre mim e todos os elementos do pelotão, até porque se eu fosse incumbido para realizar uma missão difícil, eu ia convidar os rebeldes porque apesar de não saber nada de psicologia, sabia que podia contar com eles até ao limite.

Nunca cheguei a saber o que tinha visto naquela emboscada para me solicitar que o tirasse dali, pois era auto-suficiente e aguerrido apesar da tenra idade, capaz dos maiores sacrifícios. A emboscada tinha rebentado, a Companhia ficou toda debaixo de fogo, em décimos de segundo avaliei a situação de risco, não pensei duas vezes, não havia tempo para pensar duas vezes, não podia deixar um homem meu que confiava em mim para o tirar ficar naquela situação. Saí detrás da árvore onde estava que não tinha mais de um palmo de diâmetro, corri para ele, agarrei-o para o trazer mas não tive forças suficientes para o arrastar mais ao armamento e equipamento que estava preso a ele. Vi-me na necessidade de pedir ajuda, o segundo homem, o Lourenço, foi imediatamente ajudar-me mas quando já tinha pegado no Peixoto, estávamos os dois de costas para a emboscada em progressão, foi atingido com um tiro na região posterior da cervical, ficando logo ali e só disse:
- Ai que já me mataram.

Fiquei cosido ao chão com o Peixoto encostado a mim e o Lourenço atingido do outro lado. Apesar do risco, o Ferreira de Carvalho, “o comprido” ou Vila de Rei, foi lá e ajudou-me a levar o Peixoto para trás do baga-baga, onde foi assistido pelo maqueiro Carvalho. Vi que tinha um pequeno orifício de entrada que quase não sangrou, sempre pensei que se safava, na altura muito embora tivesse um curso de primeiros socorros com a duração de uma semana, não tinha tempo nem os conhecimentos que tenho hoje para avaliar da gravidade de um ferimento, estava entregue aos cuidados do enfermeiro, eu naquele momento estava preocupado em sair daquela enrascada.

Os restantes homens do pelotão tiveram que se deslocar por lances, para a minha direita na procura de reagir à emboscada e ao mesmo tempo procurar protecção e foi aí que o Vitoriano foi atingido com um ou mais tiros que o atravessaram de flanco a flanco, segundo a versão de uns, mas segundo a versão de outros, foi quando procurou sair debaixo de uma árvore para ter ângulo tiro, isto por informação à posterior, uma vez que estava na minha retaguarda e não tinha ligação à vista de uma maneira ou de outra, lamento a sua morte.

Choviam morteiradas, roquetadas, canhoadas e tiros de armas automáticas, consta que tinham dois canhões sem recuo na emboscada, pois estavam à espera das viaturas, era um ruído ensurdecedor com tanto rebentamento, os nossos diminutos baga-baga iam ficando reduzidos drasticamente, os que estavam na parte de fora estavam alapados ao chão. Com o som ensurdecedor, fiquei com um zumbido permanente nos ouvidos que nunca mais me deixou e se tem agravado ao longo do tempo.

Além das baixas, tivemos algumas armas encravadas outras que não puderam ser usadas por falta de protecção dos atiradores, fui alternando a fazer fogo e falar no rádio, até que repentinamente chega junto de mim o Sargento Marques e larga o morteiro 60. No momento exacto que se baixa para deixar o morteiro, uma bala levou-lhe o chapéu camuflado, deixando-lhe um sulco de raspão no coiro cabeludo, desapareceu imediatamente para a posição dele, não me deu tempo de lhe perguntar nada.

Agarrei-me ao morteiro e comecei a “despachar” granadas para a zona onde estavam emboscados. Apercebi-me que as primeiras estavam a sair longas, eles estavam tão perto de nós que fui obrigado a quase endireitar o tubo para corrigir o tiro, em virtude da proximidade as granadas saiam quase na vertical. Enquanto tive granadas foi a despachar, o tubo do morteiro ficou muito quente, ainda me queimei mas sem gravidade, as granadas que pedimos em Binta deram-nos uma grande ajuda, depois comecei a fazer tiro de pontaria para um baga-baga onde vi vários guerrilheiros, só via sombras de um lado para o outro, pela movimentação é natural que estivessem a preparar a retirada, eles também me ripostavam da mesma maneira, o sol já estava baixo e dificultava-me a visão. Não sei se acertei em algum, os alvos não estavam estáticos, uma vez que não fomos lá ver, gastei as minhas munições todas e tive de pedir carregadores. Pensei em mandar uma granada de róquete, olhei para o lado, vi o apontador de RPG com a arma a seu lado, estava a esgravatar com as mãos para poder proteger a cabeça, não tive coragem de lhe perguntar se ainda tinha granadas, para o mandar expor-se mais, nunca o censurei porque se estivesse na pele dele teria feito o mesmo, provavelmente foi o que lhe salvou a vida pois à sua frente já não restava nada do bagabaga que tinha sido totalmente arrasado. Eu tinha começado a fazer tiro com a G3 e com o morteiro na posição de joelhos e já estava na posição de deitado, um tinha-me gritado:
- Meu Primeiro, tenho a arma encravada!

A minha resposta foi:
- Desencrava-a e deixa-te de estar para aí aos berros senão ainda te vêm apanhar à mão!

No momento compreendi que ele estava preocupado com a situação, mas não havia tempo para ir junto dele e explicar, fazes assim ou assado, havia que o acordar drasticamente para aquela realidade

Estávamos no mesmo lado da mata, mesmo no Cufeu e no ar andava o PCA (Posto de Comando Aéreo), bastante alto para estar fora do alcance dos mísseis, sabia que andava lá pelas comunicações que ouvia, aquele chamou apoio aéreo os Fiat, os pilotos afirmaram que tinham dificuldade em determinar uma linha de separação, foi aí que mandei colocar uma tela a indicar a nossa posição e a direcção do inimigo.

Entretanto deu-se o bombardeamento dos Fiat, foi muito providencial, porque os guerrilheiros terão pensado que atrás daqueles vinham outros e talvez, tal como nós, as suas munições também estivessem à beira de se esgotarem, ainda vi a retirada de alguns “turras” para o meu lado direito por uma picada que ficava junto à bolanha.

Foi um dia terrível, tínhamos uma sede horrível, vi homens a beber soro que era destinado a feridos, vi um urinar e senti um forte desejo de beber urina.

Fiz o que estava ao meu alcance fazer, os outros camaradas também fizeram o que puderam, enquanto estive com a adrenalina do combate a coisa correu bem mas quando este acabou, com o quadro que se me deparou, senti uma apatia momentânea como se não quisesse acreditar no que tinha acontecido aos meus camaradas. Estava com a ideia de organizar uma equipa e ir fazer uma batida ao local onde tinha estado a fazer tiro de pontaria, ao mesmo tempo pensei que por questões de segurança tinha de dar conhecimento ao Comandante da Companhia, depois o passa palavra que demorava muito tempo, ainda nos sujeitávamos a ser alvejados pelos nossos camaradas, tempo era aquilo que não dispúnhamos devido ao adiantado da hora, nesse momento veio uma ordem de cima, fazer macas improvisadas, mesmo assim ainda fiquei com a ideia de ir ao local a martelar-me na cabeça, mas depois o bom senso aconselhou-me que o melhor era sair dali rapidamente.

Era quase noite, o Comandante da Companhia mandou cortar varas para fazer macas improvisadas para o transporte de feridos e mortos, foi aí quando andava com os homens a escolher as varas melhores, que me apercebi da existência no local de esqueletos espalhados, e de uma estrada que não estava na carta, sem o saber, fomos ter mesmo ao local onde eles costumavam fazer as emboscadas, conhecedores do terreno movimentavam-se com rapidez.

O Comandante da Companhia deu ordens para que o pelotão que estava atrás de nós, avançasse para a frente para manter a segurança enquanto andávamos nos preparativos para transportar os nossos mortos e feridos.

O meu pelotão ficou inoperativo, dois mortos e um ferido grave para transportar, era um empenhamento de 15 homens, sobravam menos de 10. Desmoralizados por uma situação de que até ali não estavam habituados, era-lhes difícil entender porque antes eram evacuados por tudo e por nada e naquela situação, exaustos famintos mas mais grave ainda sedentos e desidratados, quase que a arrastar-se tinham que andar com os seus camaradas às costas. Fizeram-no porque existia aquele espírito de entreajuda, de irmandade e camaradagem entre combatentes, que caracteriza o ser humano nestas situações difíceis, dando-lhes forças para ultrapassar o limite e foi-lhe incutido na instrução, “que um pára-quedista depois de morto ainda faz dez flexões”.

O sol já se tinha posto, pegamos nos feridos e mortos, eu peguei num lado da maca do Peixoto e com três equipamentos às costas, entendi que naquele momento mais que mandar era preciso dar o exemplo. Aguentei até chegar ao Ujeque, enquanto os outros transportadores se foram revezando. Em Ujeque estavam os Fusos com viaturas, só aí é que conseguimos beber alguma água, sei que o Peixoto ainda chegou vivo a Ujeque, uma vez que o transportei até lá, os Fuzileiros que nos esperavam disseram estar admirados com a duração do combate, eles próprios já tinham tido um combate na zona, seguimos nas viaturas até Guidage onde chegamos já de noite escuro. Entramos pelo lado da pista, aí lembro-me que tive ordem para colocar o meu pelotão junto da vala, mais valeta do que vala, nas traseiras da cozinha perto do balneário, o 2.º ficou na vala que dava para a “pista”, onde mais tarde vieram a ser sepultados os militares falecidos.

Não cheguei a saber porque não fomos apoiados pelos obuses de Guidage, falta de munições, ou falta de lembrança?

Hoje é muito bonito dizer, temos de apostar mais na formação, a formação ajuda mas não é tudo, na altura se não estivesse debaixo de uma emboscada, tinha feito uma barragem de fogo e iam dois pegavam no ferido e tiravam-no para zona protegida, na teoria é muito fácil mas na prática é mais difícil, naquele dia caiu-nos um inferno de metralha em cima, improvisou-se.

Reflectindo sobre a maneira que os homens foram atingidos, o tiro que levou o chapéu ao Sargento Marques e ainda como me tentaram atingir, leva-me a crer que foram abatidos com tiros de precisão e que existia um atirador na emboscada, interrogo-me como não fiquei a fazer companhia àqueles bravos e chego à conclusão que se não fiquei lá, foi porque não tinha chegado a minha hora.

Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 27 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (60): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

domingo, 27 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (94): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 25 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária) enviou-nos a primeira de quatro partes de um trabalho onde descreve a "Operação Mamute Doido" realizada no âmbito dos trágicos acontecimento que marcaram Guidaje** e as NT naquele fatícico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO "MAMUTE DOIDO" (1)

ESTADIA EM BINTA E SAÍDA ATÉ CUFEU

A. Dâmaso

Muito se tem dito e escrito acerca desta operação e dos motivos que levaram à mesma, contudo há indivíduos que nunca passaram pelo Cufeu, não têm conhecimento das condições do terreno na altura, no entanto falam como se tivessem por lá passado, para mim, militares que por lá passaram pertencentes à CCAÇ 19, Destacamentos de Fuzileiros, Companhias de Comandos, CCP 121, CCAV 3420 e outros que deixaram lá os corpos dos camaradas, sangue, suor e lágrimas, esses sim, assiste-lhes o direito de se pronunciarem sobre as suas vivências naquele local, desde que não divaguem porque se passou muito tempo.

Vieram dois militares que estiveram na emboscada dizer que tinha sido “aqui”, só que eles estavam na retaguarda da coluna, outro andava nas alturas, quem esteve na chamada zona de morte fui eu o “aqui” deles não corresponde com o meu, também disseram que morreram os três primeiros o que também não é verdade porque o 3.º era eu e estou cá, infelizmente morreram o 1.º, 2.º, 5.º e o penúltimo, seguindo as orientações do Blogue de Luís Graça, “não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, segue a minha versão dos acontecimentos na primeira pessoa. Fui contactado pela TVI para lá ir em Fevereiro de 2007, de início acedi, tratei de passaporte e vacinas, só num dia levei quatro, mas por motivos de saúde declinei, acabando por ter ido o camarada Victor Tavares que pertencia ao 2.º Grupo que no momento em questão ia nas últimas posições na Coluna, julgo que o camarada Victor Tavares deu melhor conta do recado do que tivesse sido eu. Posteriormente quando foram entregues os restos mortais aos familiares, estava em Castro Verde uma repórter da RTP quando soube por alguém que eu tinha estado no local, tentou-me entrevistar mas quando eu lhe disse que não era capaz de falar no assunto sem me comover, foi compreensiva e não insistiu, ainda hoje tenho muita dificuldade em falar sobre o assunto.

Passando aos factos, depois de terminada a Operação Ametista Real, como comandante Interino do 3.º Grupo de Combate da CCP 121, ficamos em Binta à espera de uma coluna de viaturas de reabastecimento a realizar entre Farim e Guidage, a Companhia ir fazer segurança.

As conversas ouvidas em Binta no momento, eram que uma coluna de reabastecimento tinha sido emboscada pelos “turras”, que tinham feito um grande número de mortos, tinham incendiado as viaturas e levado as granadas de morteiro 81 e depois as devolveram pelos ares através dos morteiros 82, para o quartel de Guidage.

Em Binta não vi nenhum obus mas vi uma base de fogos de morteiros 81, já posicionados em várias direcções, sobre os morteiros dizia-se que em determinada altura em que o Aquartelamento foi atacado, quando foram para repelir o ataque, encontraram os tubos com terra no fundo, impedindo que as granadas percutissem, era este o “jornal de caserna”.

Em Moçambique, no ano de 1970, na operação “Nó Górdio”, em que por causa das minas, para se realizar uma coluna de viaturas era necessário a Engenharia abrir picada nova (estrada), fiquei pasmado como é que os chefes militares descoraram esse pormenor e até fiz um comentário em relação a isso a um tenente, que hoje é general que também lá estava nessa operação.

Agora passo a descrever a minha vivência nessa operação, que vale o que vale por se tratar da minha ”verdade”: 

No dia 22MAI73, tivemos um briefing na sala de operações da Companhia do Exército sediada em Binta, onde foram apresentados e discutidos os tópicos relacionados com a citada operação.

Foi-nos dito que no dia 23MAI73, a minha Companhia (CCP 121) ia fazer guarda avançada de flanco esquerdo, em protecção à coluna de viaturas de reabastecimento ao Aquartelamento de Guidage, junto à fronteira Norte.

Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50)  > Detalhes: posição relativa de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta - Guidaje).

Depois de analisar a carta topográfica em questão, no quadro da sala de Operações da citada Companhia, vendo que a zona era bastante aberta, (com pouca mata) alertei o meu Comandante de Companhia para a utilidade de se levarem mais granadas de morteiro de 60mm, no que ele concordou e pedimos dois cunhetes destas granadas ao Comando de Binta, granadas essas que foram distribuídas pelos meus homens, atadas no equipamento com cordel, em virtude de calhar ao meu Grupo de Combate ir à frente na zona mais perigosa.

Seguidamente transmiti aos homens sob o meu comando, o tipo da missão, a perigosidade da mesma, a nossa posição no local crítico que era na frente da coluna, quanto à posição, testa da coluna na zona crítica, não me recordo se os critérios tiveram a ver com escala, rotação ou escolha.

Saímos de Binta no dia 23 pelas 6 horas da manhã, seguimos até ao cruzamento com a picada que vinha de Farim, tomamos posições defensivas e aguardamos pela coluna de viaturas que vinha de Farim, o que aconteceu cerca das 8 horas.

Iniciou-se a coluna tinha progredido pouco, a progressão era lenta, porque os picadores tinham de ir picando o terreno, para detecção de minas anti-carro e outras, como ia com atenção ao terreno, comecei a ver cepos de onde tinham sido cortadas árvores centenárias, talvez até milenares, apercebi-me que as viaturas se iam desviando para a direita para fugirem ao campo minado.

Quando atingimos a zona de Genicó, começámos a ouvir rebentamentos à nossa direita para os lados da picada, através do rádio ouvi que tinham deflagrado uma mina anti-carro e várias anti-pessoal que causaram várias baixas nos picadores, face a este incidente, houve um compasso de espera e passado muito tempo, o comandante do COP 3, Major Correia de Campos resolveu dar ordem para a coluna voltar para trás.

Ficámos um pouco parados em posição defensiva, até que o Comandante de Companhia recebeu ordem do PCA (Posto de Comando Aéreo) para continuarmos rumo a Guidage sem a coluna, no momento pensei que não fazia sentido continuarmos sem a coluna, mas ordens eram ordens e na tropa eram para serem cumpridas.

Continuamos a progressão sempre à esquerda da picada, mais ou menos a meio caminho entre Genicó e Cufeu, fizemos uma paragem para comer uma “bucha”, a mata era aberta e cheia de clareiras sentíamos o efeito do calor abrasador, traduzindo-se em suor e muita sede.

Continuámos a progressão cada vez mais sedentos, mais ou menos entre 500 e os 1000m do Cufeu, obliquamos para atravessar a picada para a direita e de seguida o meu pelotão passou para a frente como estava estipulado, calhando ser a 1.ª a secção a ir à frente, descemos uma encosta e já em terreno plano, obliquámos para a esquerda, na leitura de sinais, observamos algum silêncio anormal, pelo que foi dado sinal para se manterem atentos, a nossa progressão era como que em ziguezague.

O apontador de reserva do morteiro que passou a efectivo, tratava-se do Vitoriano, um Pára de alcunha Lisboa, e que quando o meu pelotão passou para frente, por ordem minha passou para a quinta posição na coluna, porque a meu entender, dadas as características do terreno e vegetação, por ser uma arma importante de defesa em caso de emboscada, o que se veio a verificar.

Era usual nas progressões a corta mato, que era o caso, ir um municiador à frente para abrir picada, se necessário, eu até cheguei a ir à frente para não serem sempre os mesmos, mas naquele dia, tendo em conta a mata ser aberta, com muitas clareiras, quem foi para primeiro lugar foi o apontador de metralhadora, da secção que calhava ir à frente, indo o municiador em segundo lugar e eu em terceiro. Não me lembro quem ia em quarto mas sei que em quinto ia o apontador do morteiro, por eu lhe ter dado ordem para ir nessa posição, recordo ainda que momentos antes da emboscada, ter olhado para trás e ver que o Comandante da Companhia seguia nos primeiros dez.

Acrescento que o Comandante da Companhia, conhecia bem os homens do 3.º pelotão, por quando em actuação de bigrupo que ele sempre acompanhou, ia muitas vezes neste pelotão, mesmo a nível de actuação de Companhia, quase sempre o vi no neste Pelotão, isto talvez se explique por ter na Companhia um Tenente do Quadro que ocuparia a posição da retaguarda, assegurando ele a posição da frente.

O Comandante de Companhia já tinha em 68/70, feito uma comissão de Serviço na Guiné como Comandante de Pelotão, onde passou por Gandembel. Eu estava na 3.ª comissão na Guiné, 2.ª em Companhia de Combate, tinha passado por Moçambique na Operação “Nó Górdio” e tinha em 1964 feito uma operação em Angola, portanto em termos de experiência acho que tínhamos mais que os outros graduados com funções de comando. Sem qualquer acordo prévio, optámos por ocupar aquelas posições na coluna como que a dizer aos homens, nós estamos aqui!

Provavelmente se eu tivesse lá o meu camarada Primeiro-Sargento Comandante da Secção, talvez eu tivesse ocupado uma posição mais à retaguarda, mas como o Cabo que ia a comandar a secção tinha sido ferido no Navio Patrulha e evacuado, resolvi estar em 3.º, quanto ao Comandante da Companhia deve ter pensado o mesmo que eu, e ir para os primeiros dez da coluna.

Eu ia com algum à-vontade, pensando que por ir a corta-mato me pudesse trazer alguma vantagem, contudo desconhecia em parte aquele terreno por ser a primeira vez que lá entrava, também desconhecia que a partir do momento que as viaturas voltaram para trás, os guerrilheiros do PAIGC passaram a vigiar toda a nossa progressão, por ironia do destino andamos às voltas e fomos ter mesmo ao local onde eles estavam treinados a fazer emboscadas, como tive oportunidade de verificar mais tarde.

(Continua)

Um Ab
A. Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Maio de 2012 Guiné 63/74 - P9939: Efemérides (59): A Operação Ametista Real foi há 39 anos (António Dâmaso)

(**) Vd. postes:

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (56): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P9935: Efemérides (57): Guidaje foi há 39 anos... Pergunto: Por que é que a FAP não bombardeou com napalm a área de Genicó até Ujeque ? Por que é que não se utilizou o obus 14 no apoio às colunas ? No cerco de Guidaje muito eu desejei ter uma antiaérea... (Arnaldo Machado Veiga)
e
Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (58): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9939: Efemérides (93): A Operação Ametista Real foi há 39 anos (António Dâmaso)

1. Mensagem do nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária) com data de 23 de Maio de 2012:

Aos Camaradas Luís Graça CO-EDITORES, envio as minhas saudações.
Desde há 39 anos que a data 23 de Maio tem sido uma muito difícil para mim. Significou morte e um trauma muito grande, tão grande que tenho muita dificuldade de falar sobre o assunto, isto apesar de ter uma neta que há 14 anos nasceu a 23 de Maio, o que representa vida.
Tenho alguns apontamentos, muitos com mais de 30 anos que peço para analisarem, editarem e publicarem se entenderem.

Um Ab
A. Dâmaso


OPERAÇÃO AMETISTA REAL

Em 17MAI73 cerca das 17H00, a minha Companhia - CCP 121 -, juntamente com o BAT Comandos Africanos, embarcou no cais de Bissau na LDG (Lancha de desembarque grande) 201 BOMBARDA, com destino a Bigene. Esta lancha tinha um tripulante conterrâneo que não ma deixou “passar sede”, íamos como sardinha em lata, fui para a ponte estendi o colchão pneumático, mas não consegui dormir por causa do ruído das máquinas e da trepidação. Nesta operação a minha função foi de Comandante interino do 3.º GComb e nunca me passou pela cabeça, que uma Operação aparentemente simples de 3 ou 4 dias se ia tornar nos 15 dias que foram o maior tormento da minha vida.

Levámos a noite toda e parte do dia seguinte a navegar, estivemos a fazer um compasso de espera na foz do rio Cacheu, não me apercebi se tinha a ver com marés, ou se foi para só chegar a Bigene perto do anoitecer, abicámos no porto de Ganturé ao meio da tarde e dirigimo-nos a pé até ao aquartelamento de Bigene. No caminho cruzámo-nos com elementos da CCP 123, que se dirigiam ao porto depois terem andado em operação na zona. Chegámos a Bigene perto do pôr do sol.

Os Comandos Africanos seguiram em frente em direcção ao Senegal e nós ficámos na parada de Bigene, comemos a ração de combate da ordem e preparámo-nos para passar a noite ali, ao meu pelotão calhou ali mesmo num canto da Parada em terreno limpo, liso e descoberto.

Depois de anoitecer, não posso precisar a hora, rebenta uma violenta flagelação ao aquartelamento com armas pesadas, e lá estávamos nós, alapados ao chão, rezando para que nenhuma granada nos caísse em cima, foi por pouco, uma caiu a escassos metros do meu pelotão espalhando uma saraivada de terra e pedras para cima de nós. Sempre que pernoitava em operações, colocava o equipamento à frente da cabeça, o que me protegeu porque no dia seguinte descobri vários furos nas cartucheiras

No dia 19 quando começou a clarear, seguimos em direcção à fronteira que ficava a cerca de 6Km. Chegados a esta, virámos à esquerda, seguimos pela picada da mesma, passando pelo marco de fronteira 129, mais um pouco à frente virámos novamente à esquerda, caminhámos nessa direcção entre 200 e 800 metros, e emboscámos no cumprimento da missão que nos estava reservada que era manter um Corredor de segurança para uma possível evacuação sanitária via Héli, entre Neneco e Bigene.

Cerca das oito horas ouvimos do outro lado da fronteira os bombardeamentos dos Fiat G 91, assim como os rebentamentos dos combates que se prolongaram até meio da tarde. Perto do pôr do sol regressámos a Bigene, nesse dia tivemos direito a uma refeição quente.

De novo preparámo-nos para passar a noite na parada e mais ou menos à mesma hora do dia anterior, mais uma violenta flagelação com armas pesadas, desta vez não caiu nenhuma perto de nós.

Havia um oficial do Exército que andava num jipe de luzes acesas, em alta velocidade de um lado para outro, fiquei sem saber qual a lógica de tal atitude, mas não interessava porque naquela guerra, o que mais se via eram coisas ilógicas, como já tinha visto em 1969 em Galomaro um Tenente andar de pistola em punho a atirar aos cães para os assustar.

Dali para a frente, os ataques/flagelações iriam fazer parte do nosso dia-a-dia.

No dia 20 fizemos o mesmo trajecto do dia anterior, fomos emboscar mais ou menos no mesmo sítio, à tarde regressamos e seguimos em viaturas para o porto de Ganturé onde embarcámos juntamente com alguns Comandos Africanos num navio patrulha, vim a saber no mesmo que se destinava a Binta.

Um Ab
A. Dâmaso

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (58): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)

Sore a Op Ametista Real ver aqui mais postes.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8611: Parabéns a você (293): Agradecimento de António Dâmaso

1. Mensagem do nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista da FAP na situação de Reforma Extraordinária) com data de 27 de Julho de 2011:

Camaradas
Fiquei muito sensibilizado com as manifestações de amizade, porque as considerei de amizade e não como um mero formalismo. Agradeço a todos que se dignaram enviar-me uma palavra amiga no dia do meu aniversário, quer através do Blogue, quer directamente para o meu endereço. Assim até dá gosto fazer anos, fico à espera do próximo*.

Permitam-me que faça referência a alguns, para já ao camarada Miguel Pessoa que continua a surpreender-me pelo grafismo e não só, trouxe-me à memória tempos áureos da minha infância, dos aniversários nunca festejados nem prendados por falta de verba. Eu pertencia a uma geração desenrascada, comecei a ganhar para a bucha aos 6 anos de idade.

Depois da minha infância feliz, hoje em dia estou muito preocupado com alguns dos "infelizes" da geração de enrascados. São obrigados a viver na casa dos pais, sustentados e vestidos por estes, com direito a carro, mesada e outras mordomias, são obrigados a fazer licenciaturas e mestrados à conta dos papás e do erário público. Muitos deles dizem que estão preocupados porque não têm emprego, será que alguma vez se preocuparam em procurar trabalho?
Estamos numa sociedade de doutores, em detrimento de cursos técnico-práticos, de onde saíssem bons mecânicos, electricistas, carpinteiros, trolhas e outras profissões hoje julgadas menores.

Claro que existe muita gente que gostaria de ter trabalho, que foi o que eu tive aos seis anos de idade e não fui menos feliz por isso. Imaginem um puto de 6 anos atrás de uma charrua puxada por uma junta de bois, com um cestinho na volta do braço, com a sua pequena mão cheia de bagos de milho, preocupado em deixar cair um bago à frente do pé a cada passo, porque se fossem dois, tinha de se dobrar para apanhar um. Mas não era só isso, como pertencia à patuleia, tinha de ir atento às pedras pontiagudas, aos liconços e aos lacraus que iam surgindo no fundo do rego.

Considerei-me muito maior e talvez mais realizado do que aqueles da mesma idade que hoje em dia com os jogos de vídeo se entretêm a matar tudo e todos que se atravessam na frente.

A Sociedade de hoje exige mais atenção por parte dos pais e dos governantes.

Manuel Maia, sou leitor assíduo das tuas intervenções que considero de excelência.

Fernando Gouveia, na tenho nada Kontra, devorei os episódios do teu livro quando publicados no Blogue. Acerca das datas por ti mencionadas, fui para Bafatá a 8 ou 9 de Julho de 1960, o infeliz acidente da queda do Heli-canhão foi mesmo no dia 12 de Julho de 1969.  Acrescento que no mesmo dia eles tinham caçado um javali, não sei se alguém o chegou a comer. Por exemplo,  lembro-me que os melhores bifes de cebolada que comi, foi precisamente lá no Esquadrão Fox [, em Bafatá,] onde estava aquartelado, também não esqueci o belíssimo frango de churrasco que me deram em Galomaro, quando cheguei cansado e faminto de uma operação.

Luís Dias, tens tido um trabalho meritório, vê-se que és um homem de armas, vou pedir para usar algumas fotos tuas, fazendo referência à autoria das mesmas, também te digo que o primeiro ataque nocturno que sofri, foi precisamente em Dulombi, que se não estou em erro foi entre 24 e 30 de Julho de 19609. Estava também lá nessa noite um pelotão ou bigrupo de uma Companhia de Madeirenses, sofreram um morto no ataque, não sei se era a CCAÇ 2405 ou CCAÇ 2406.

Vasco Ferreira, estivemos em Cadique no início, eu era do 3.º Pelotão da CCP 121, adjunto do Alferes Ferreira que para miliciano era “teso”,  o que lhe valeu trazer de lá uma Cruz de Guerra pela actuação em Gadamael Porto. Se não estou em erro o teu pelotão saiu com o meu, havia na tua CCAÇ 4540 um cabo enfermeiro que era da minha terra Odemira, o nome é Augusto Correia Gonçalves.

Na Guiné apanhei do Bom, do Mau e do Pior, mais de uma vez tive de cavar o meu próprio abrigo, só não passei por Gandembel. Para mim não há Tropa Especial, mas sim militares com mais ou menos preparação e voluntariado, isso faz a diferença. Fiz quadrícula por isso sei dar o valor ao que todos por lá penaram e têm a minha solidariedade e admiração.

Tenho um familiar que fez anos a 14, a família reuniu neste fim-de-semana e festejamos 2 em 1. Parece que a história se repete, no meu tempo não havia prendas para ninguém e agora é só para as crianças. Nessa altura ergui a minha taça à vossa saúde e em memória daqueles que precocemente foram obrigados a nos deixar e aos que seguindo a lei da vida nos têm deixado.

Bem hajam, um abraço amigo
Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8543: Parabéns a você (289): António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista Reformado (Tertúlia / Editores)

Vd. último poste da série de 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8563: Parabéns a você (292): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873 e José Manuel Pechorro, ex-1º. Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Tertúlia / Editores)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8543: Parabéns a você (289): António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista Reformado (Tertúlia / Editores)

Com um abraço do camarada da FAP Miguel Pessoa


PARABÉNS A VOCÊ

DIA 12 DE JULHO DE 2011


NESTE DIA DE ANIVERSÁRIO DO NOSSO CAMARADA ANTÓNIO DÂMASO, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM POR ESTE MEIO DESEJAR-LHE AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE, JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.
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Notas de CV:

António Dâmaso é Sargento-Mor Pára-quedista da FAP na situação de Reforma Extraordinária

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8536: Parabéns a você (288): Agradecimento à tertúlia de Ernesto Duarte

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8426: (Ex)citações (140): Vejo que os jovens estão atentos, pelo menos são mais jovens do que eu (António Dâmaso)

1. Mensagem de António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 13 de Junho de 2011:

Para todos os camaradas mais uma vez uma saudação especial.
Espero contribuir para esclarecer as dúvidas pertinentes ao poste em referência. Agradeço aos intervenientes a participação.
Peço ao CV que mais uma vez tenha a gentileza de postar
Um Ab


Operação Nestor

Referência ao P8405*

Vejo que os jovens estão atentos, pelo menos são mais jovens do que eu.

Quando escrevo que participei nesta ou aquela Operação, faço-o com dados dos relatórios resumidos de Operações e com o meu registo de alterações que diz que estive ou marchei em determinada data e me apresentei em Y data.

Quando escrevo, embora seja na primeira pessoa e por norma oculto nomes, não fui só eu que participei mas todos os outros elementos, por vezes muito mais activos do que eu, não me refiro só aos Páras mas aos camaradas de todas as Armas envolvidas.

Começo por responder ao Camarada José Câmara. O que escrevi no Poste em referência, as datas estão correctas, a CCP 121 foi substituída pela CCP 122 no fim de Junho de 1969.

Em 1971 eu não estive lá mas consultei o Livro da História do BCP 12 e posso adiantar que a CCP 121 participou nas:

- Operação «Papagaio A» em 27ABR71 na zona de Salancaur:
- Operação «Vespa A» a 10MAI71 na Zona de Choquemone a 2GCOMB;
- Operação «Relva Cortada» em 13MAI71 na zona de Quinara, juntamente a CCP 122 a 4GCOMB;
- Operação «Tordo Vermelho» 30MAI a 3JUN71, zona do Xime, a 4GCOMB com DFE 12; CCAÇ 12/ BART 2917; CART 2715/BART2917;
- Operação «Pinto Vermelho A» de 09 a 12JUN71, zona de Pelundo, Mansoa, Tite, CCP 121 e 123 a 4GCOMB;
- Operação «Sardão Dourado» de 27 a 29JUN71, zona de Quinara, CCP 121 e CCP 123 a 4GCOMB, CART 2771, 2772, 2773, 1.ª CCMDS Africanos, 27.ª CCMDS, DFE 12, DFE 21, CCAV 2765;
- Operação «Lince Azul» 02JUL a 17AGO71, zona de Teixeira Pinto, Pelundo, Bula, CCP 121 a 4GCOMB.

Quanto ao camarada S/Nogueira, tenho uma ideia dele em Bafatá, Galomaro e Dulombi e lembro-me de termos ido dar uma instrução prática de Morteiro 60 numa encosta depois da ponte de Bafatá, parabéns está sempre interventivo e não lhe ficava mal tirar um pouco da camuflagem.

Para o amigo Carlos Cordeiro e outros historiadores, confesso que cometi um lapso que foi não consultar um amigo Ucraniano e não ter fotografado a outra inscrição que está no lado do garfo que segue junta.


Já agora, preservem e divulguem as vossas memórias porque quando nos formos, os políticos encarregam-se de nos apagar de vez do mapa.

Saudações Aeronáuticas
Um Ab
Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8405: Memórias de Mansabá (14): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - Operação Nestor

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8321: (Ex)citações (139): Comentário ao Post 8318 - Notas de Leitura - Porque Perdemos a Guerra, de Manuel Pereira Crespo (José Manuel M. Dinis)

sábado, 11 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8405: Memórias de Mansabá (25): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - Operação Nestor

1. Mensagem de António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 9 de Junho de 2011:

Ao Editor e Co-editores os meus cumprimentos.
Mando à atenção de Carlos Vinhal mais uma recordação de Mansabá.
Um Ab
Dâmaso


RECORDAÇÕES DE MANSABÁ (3)

OPERAÇÃO “NESTOR”

Zona de, Choquemone, onde desenrolou a Operação “Nestor”em 20JUH69

Com base nas informações obtidas a um dos prisioneiros capturados uma semana antes na Operação ”Orfeu”, foi planeada a operação “Nestor”. O prisioneiro dizia existir um acampamento na mata entre Insumeté e Infaíde, mais uma vez a CCP 122 a 3 GComb foi helicolocada em 20 de Junho de 1969, cerca das 08,40. A primeira vaga de 40 homens, sendo a segunda vaga de mais 40 colocada cerca de 25 minutos mais tarde, um pouco mais a sul da mesma bolanha.

Formação de Hélis partindo para uma operação (Foto de A Martins álbum de memórias do BCP 12)

Mais uma vez fui na segunda vaga. Quando se deu a reunião da Companhia estava o prisioneiro a levar um “tratamento”, para ver se espevitava uma vez que se mostrava desorientado, a meu ver não era caso para menos porque que tinha sido levado e trazido de helicóptero, fartamo-nos de andar às voltas com os “turras” sempre a chatear-nos, lá andava o Heli-canhão a tentar mantê-los à distância, atravessámos a mata entre as duas bolanhas, encontrámos um acampamento abandonado, onde foram encontradas munições, granadas, medicamentos e grande quantidade de artigos diversos.

Travessia de uma bolanha (Foto de Albano Martins Álbum de memórias do BCP 12)

Por volta das 16 horas a sul da bolanha de Infaíde foram encontradas pequenas barracas individuais no tarrafo numa pequena ilhota, estas continham grandes quantidades de armamento e equipamento.

Para alcançar a citada ilhota tivemos de atravessar braços do rio Bipo, com água pelo peito, aquilo era uma zona de muita água, à parte a água havia ainda umas espinheiras muito afiadas que nos rasgavam tudo que lá tocava.

Páras em terreno difícil (Foto de Albano Martins Álbum de memórias do BCP 12)

Foi aqui que apanhei os meus primeiros “despojos de guerra” que foram: 1 cantil, um cinturão com fivela de chapa com a foice e martelo em relevo, um boné de pala do tipo chinês, e um estojo de faca garfo e colher, a faca perdi-a em Nampula, restam a colher e garfo com abre-latas e saca-rolhas porque nunca lhes dei uso, os restantes objectos já não existem desgastaram-se pelo uso, era um estojo bastante adiantado para a época, devia pertencer a algum comandante.

Foto do Estojo com colher e gafo

Foto do pormenor da marca, País do Leste?

Os guerrilheiros continuaram a flagelar-nos, era sol-posto quando a Operação foi dada por concluída, regressamos a Bissalanca com o material capturado.

Uma recuperação Héli (Foto Álbum de memórias do BCP 12)

Durante a operação foram abatidos dois guerrilheiros e capturados outros dois sendo um o chefe do grupo de Iracunda. Em vez de mencionar aqui todo o material capturado, resolvi expor a foto do mesmo.

Material capturado pela CCP 122 na Operação “Nestor” em 20/JUN/69 (Foto H BCP 12)

E foi mais uma operação em que participei sem dar um tiro.

No mesmo dia o Alf. Pára-quedista Armindo Calado, pertencente à CCP 121 que estava em Teixeira Pinto, foi morto em combate na região do Bachile.

Sentimos sempre a morte dos camaradas de armas, mas uns mais que outros conforme seja a nossa proximidade. Com o Alf. Calado tinha criado laços de amizade por ter convivido de perto com ele durante os dias e algumas noites, que durou Instrução de Combate 2/68, com início em 17JUN68 até 07SET68, pois tinha sido monitor no pelotão dele. Depois eles foram mobilizados e eu ainda fiquei a dar a Escola de Recrutas 3/68 que teve inicio em 16SET68.

A 28JUN69 fui com a CCP 122 para Teixeira Pinto via auto e no dia 08JUl69, fui de Teixeira Pinto para Bafatá integrando a CCP 123 (1), tendo passado por Bafatá, Galomaro e Dulombi.

(1) Tratou-se de uma Companhia a 3 GCOMB que estava mobilizada para Angola, mas foi enviada para a Guiné em reforço durante 3 meses passando a denominar-se CCP 123, no final as praças foram integradas nas CCP 121 e CCP 122 e os graduados seguiram o seu destino para Angola.

Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8171: Memórias de Mansabá (13): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - O baptismo de fogo na Guiné

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8171: Memórias de Mansabá (24): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - O baptismo de fogo na Guiné

1. Mensagem de António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 23 de Abril de 2011:

Subordinado ao tema "Não deixes que sejam os outros a contar a tua história" aí vai mais um texto à vossa consideração.

Um abraço
Dâmaso


RECORDAÇÕES DE MANSABÁ (2)

O BATISMO DE FOGO NA GUINÉ

Depois de eu ir para a Companhia, às sextas-feiras faziam-se Operações relâmpago de heli-assalto na zona de Bula em Choquemone. Uma dessas operações calhou numa sexta-feira dia 13 de Junho que até era dia de Santo António, efeméride que no momento não me lembrei. Saímos de Mansabá  transportados em viaturas, passámos por Mansôa, seguimos pela estrada em direcção a Bissau e paramos numa Tabanca quase paralela a Encheia, local que conhecia por já ter transportado para lá Companhias de Páras. Era um local de eleição para lançar héli-assaltos na zona a partir dali.
Uma vez levei uma Companhia de manhã, e à tarde tive de ir buscá-la por falta de tecto (céu limpo) para actuar, outra vez fui mesmo pela picada junto ao rio Mansôa recolher uma Companhia, na margem do rio frente a Encheia, tendo de levar uma escolta de dois homens por viatura.

Zona de Jundum > Operação “Orfeu”

Fomos heli-transportados para o Objectivo que era a bolanha de Jundum-Choquemone

Ainda ia no ar já assistia ao bombardeamento de uma parelha de T6 e outra de FIAT G91.

Um avião T6 em voo na Guiné (Foto do Pára Albano Martins > Álbum de Memórias do BCP 12)

Uma parelha de aviões FIAT em voo. Na Guiné não voavam assim juntinhos

Uma largada Héli na Guiné, (Foto Mor S Rosa Álbum de Memórias do BCP 12)

Fui largado na ponta sul da bolanha, cujo efectivo era de 20 homens que correspondia a quatro Hélis, apesar de periquito naquelas andanças, era o mais antigo e como tal tive de assumir o comando. Recebi ordem do PCA, (Posto de Comando Aéreo) que andava lá em cima a comandar a Operação, para me dirigir para norte ao encontro do resto do pessoal da Companhia. Mandei o Cabo Oitenta com a sua MG para a frente, meti-me atrás dele e lá fomos, embora fosse um iniciado, sabia da competência daqueles homens que já tinham passado por Gandembel e por outros buracos idênticos e estavam endurecidos pela guerra. Sentia-me seguro e integrado.

Os que saltaram a norte entraram logo em acção e quando se deu a reunião já tinham alguns prisioneiros. Cheguei a tempo de ver sacar mais dois de dentro de uma vala cheia de água, onde se encontravam a respirar por uma cana de capim, um militar mais atento viu as bolinhas de ar à superfície e os guerrilheiros não escaparam.

Um DO em voo, um faz tudo (Foto Álbum de Memórias dos Pára-quedistas)

Já se encontravam alguns elementos a juntar o material apreendido, para depois carregar nos Hélis e eu recebi ordem para destruir as palhotas do acampamento. Andava por lá um casal de velhotes confusos com o aparato, a meu ver atendendo à idade, acho devia ter havido um pouco mais de condescendência na maneira de os tratar, fui educado a respeitar os mais idosos, os buracos causados pelas bombas largadas ainda fumegavam, preocupei-me primeiro em manter a segurança s só depois foi a destruição do acampamento pelo fogo.

Pára-quedistas na destruição de um Acampamento (Foto Álbum de Memórias do BCP 12)

O Comandante da CCP 121 a carregar armamento no Héli na Operação “Adónis” em 1969 (Foto H BCP 12)

Como a Operação foi resolvida num dia em poucas horas, fomos recuperados para João Landim, local onde eu já tinha ido muitas vezes levar e recolher Companhias de Páras e depois via auto para Bissalanca, ainda deu para fazer uma visita à família.

Héli em aproximação para recuperação (Foto Cabo Pára Lopes > Álbum de Memórias do BCP 12)

Recuperação Héli (Foto Cabo Lopes > Álbum de Memórias do BCP 12)

Dali em diante comecei a conhecer mais de perto alguns pilotos dos Hélis que até ali conhecia de vista e que nos transportaram, uma vez que ia sentado ao lado do piloto.

Alguns dos pilotos de Héli que me transportaram para as Operações e na recuperação (Foto cortesia do Alf  Mil Pilav Jorge Félix com a devida vénia)


Resultados da Operação “Orfeu”: 
 - 17 guerrilheiros abatidos,
- 12 capturados,

Apreensão do seguinte material:
- 1 metralhadora pesada Guryunov,
- 1 morteiro 60, 1 LGF RPG 7,
- 1 espingarda automática Kalashnikov,
- 1 espingarda semi-automática Simonov,
- 1 carabina Mosin Nagant,
- 1 espingarda Mauser,
- 2 carabinas Zbrojovska,
- 1 pistola matralhadora Beretta,
- 1 pistola matralhadora Schmeisser,
- 2 pistolas-metralhadoras M-25,
- 1 pistola matralhadora Thompson,
- 6 pistolas-metralhadoras PPSH,
- 36 granadas diversas,
- 5 minas A/P,
- 32.100 munições para armas ligeiras
- material diverso, fardamento, medicamentos, etc.

A CCP 122 sofreu 4 feridos ligeiros, eu não dei um único tiro porque não tive ninguém na mira de fogo, mas deu para verificar que a margem direita do rio Mansôa era perigosa e que a linha entre a vida e a morte era muito ténue o que obrigava a matar para não morrer. O comportamento dos militares tornava-se quiçá mais desumano em tal situação.

Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
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Vd. último poste da série de 30 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8016: Memórias de Mansabá (12): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - A minha estadia em Mansabá

quarta-feira, 30 de março de 2011

Guiné 63/74 - P8016: Memórias de Mansabá (23): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - A minha estadia em Mansabá

1. Mensagem de António Dâmaso*, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 30 de Março de 2011:

Resolvi embora com atraso dar os parabéns aos aniversariantes do Blogue, não desfazendo, uma atenção ao Carlos Vinhal, num pequeno texto alusivo a Mansabá que ele tanto adorou, mando duas peças de caça mas têm que as matar primeiro, eu não fui capaz.

Muitas felicidades e que para o próximo cá estejamos para mais umas trincas.

Um Abraço
Dâmaso


RECORDAÇÕES DE MANSABÁ (1)

A MINHA ESTADIA EM MANSABÁ


 Vista aérea de Mansabá
Foto de Carlos Vinhal

Em 1969 estava eu na minha segunda comissão na Guiné. Tinha-me oferecido por estar à bica para ser nomeado para Moçambique e estar convencido que a duração da comissão ainda era de 18 meses, mais uma vez fruto da minha outra Especialidade de Mecânico, devido ao desempenho na comissão anterior, tinha sido colocado no Pelotão de Manutenção Auto que pertencia à CMI, (Companhia de Material e Infra-estruturas).
Estava nesta situação havia cerca de um mês e meio, inopinadamente no 29 de Maio a uma sexta-feira fui ler a Ordem de Serviço antes de sair do Quartel como militar que se preze deve fazer, qual não foi o meu espanto, ao ler que eu sem ninguém me ter dito “água vai”, tinha sido transferido para a CCP 122.
Como simplório que sempre fui, não perguntei nada a ninguém do porquê desta transferência, uma vez que quando para lá fui estava a contar que podia ser colocado de início numa Companhia operacional.

Alguns elementos da CCP 122 onde eu aterrei, militares muito aguerridos

No sábado dia 30 de Maio de 1969 fui logo a caminho de Mansabá, não foi obra do acaso que fui colocado no Pelotão que passados estes anos todos não me lembro, até porque informalmente, só estive na CCP 122 pouco mais de um mês, fui “chutado para a (CCP 123) nesta altura a CCP 122 estava em Mansabá que pertencia ao COP 6 a fazer segurança a colunas auto entre Mansoa e Mansabá e vice-versa, fazia segurança à construção na Estrada que estava a ser construída entre Mansabá e Farim.
A CCP 122, quando fui para lá estava a ser comandada por um tenente, e vinha com uma série de êxitos de resultados das operações semanais que vinha realizando, fazendo muitas baixas, capturas de guerrilheiros e muito material de guerra.

Pessoal e Material capturados pela CCP 122 na operação “Titão” no Morés em 24 de Abril de 1969 (Foto H BCP 12)

A segurança às colunas requeria alguma atenção, pelo menos nos pontos mais críticos propícios a emboscadas, constava que faziam buracos no alcatrão, colocavam minas anticarro e tapavam com bosta de vaca para disfarçar.
O tempo de espera em Mansoa era ocupado com uns jogos de matraquilhos

Mesa de Matrecos

No trajecto fazia-me impressão como é que estava no meio do nada, um minúsculo acampamento em Cútia, quantos ataques terão sofrido?
Havia também um ponto crítico chamado de a Serração.
Em Mansabá dormia numa camarata cuja parede era arejada por buracos quadrados, os catres estavam equipados com uns colchões muito velhos e sujos.
Um belo dia num sábado em Bissau estava em casa depois de ter tomado banho, estava à mesa e apareceram-me uns bichinhos achatados a passear sobre os meus sobrolhos, fiquei mais que encavacado, foi uma “chatice”, só depois associei o caso aos colchões velhos.

A Caserna esburacada dos “chatos” em Mansabá (Foto H BCP 12)

Uma noite saímos do aquartelamento e fomos emboscar num ponto alto para o lado esquerdo da estrada em construção no sentido de Farim, quando o dia começou a clarear começou toda fauna a mexer, galinhas de mato e toda a passarada a esvoaçar de árvore em árvore, a fazer-se ouvir nos seus trinados próprios, até que oiço por cima da minha cabeça um som característico de uma perdiz, som que eu já conhecia desde criança, ao mesmo tempo que estava encantado com aquilo tudo, olho para cima e vejo uma perdiz bem grande pousada num galho da pequena árvore onde eu estava por baixo, quando a ave resolveu fazer as necessidades para cima de mim, aí veio ao cimo aquele sentido animalesco de predador e de lhe apontar a arma e manter o dedo no gatilho, mas como estava emboscado, tive de fazer um grande esforço para não puxar o gatilho, numa emboscada tem se manter o silêncio absoluto.
Foi uma experiência porque desconhecia que as perdizes pousavam sobre as árvores, no Alentejo nunca tinha visto.

Uma perdiz e uma galinha-do-mato


Largada de Pára-quedistas na Guiné (Foto Álbum de memórias do BCP 12)

Um dia que não me lembro a data resolveram ir de avião para Mansabá e saltar, existia lá uma boa zona de lançamento, eu como não fui com eles, também fui de avião DO 27 mas não saltei.

Uma DO 27 a levantar voo

Quando ia para aterrar vi uma grade acácia de flores vermelhas, que tomei como ponto de referência, sempre que voei na Guiné ia atento aquele tipo de acácia e até cheguei a enviar sementes para cá, que não chegaram ao destino.

Uma acácia rubra igual à que existia em Mansabá

Durante o mês de Junho a Companhia continuou com o ritmo operacional de uma operação por semana, Mansabá tinha uma coisa boa que era uma água levezinha como não bebi na Guiné em lado nenhum, cheguei a levar água para Bissau em garrafões de 10 litros, nunca mais esqueci Mansabá por ter sido a minha primeira experiência na Guiné da guerra a sério, mesmo nas duas operações em que tomei parte, apesar de não ter dado um único tiro, fizeram-se prisioneiros, apanhou-se muito material de guerra, queimaram-se cubatas e destruiu-se arroz, mas presenciei situações que me recuso a transcrever e que me marcaram, vi como a guerra transforma os seres humanos em “bichos” perdendo a vertente humana, a partir daí pela maneira como fui lançado para a situação, ia sempre que era nomeado, mas não se pode dizer que me sentisse muito feliz por lá andar.

A minha estadia em Mansabá não chegou a um mês, porque fui para lá no dia 30 de Maio e no dia 28 de Junho já estava a caminho de Teixeira Pinto, gostei de ter conhecido Mansabá comparada com outros buracos por onde andei era um oásis, passei lá pela estrada quatro anos depois, indo do K3 (Farim) para Bissalanca em 2 de Junho de 1973, regressando de Guidage da Operação “Mamute doido”, da estrada observei que tinha aumentado muito em casernas novas.

Um Abraço do
Dâmaso de Azeitão
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Notas de CV:

- O meu muito obrigado ao camarada António Dâmaso por este seu trabalho dedicado a Mansabá. Bela prenda.

(*) Vd .poste de 23 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7323: Agenda Cultural (90): Lançamento do livro A Última Missão, de José de Moura Calheiros, dia 29 de Novembro de 2010, no Aquartelamento da Academia Militar (António Dâmaso)

Vd. último poste da série de 22 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7984: Memórias de Mansabá (11): A construção da estrada Cutia-Mansabá e a defesa dos seus pontões (José Barros)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7323: Agenda Cultural (90): Lançamento do livro A Última Missão, de José de Moura Calheiros, dia 29 de Novembro de 2010, no Aquartelamento da Academia Militar (António Dâmaso)

1. Mensagem de António Dâmaso*, Sargento-Mor na situação de Reforma Extraordinária, com data de 23 de Novembro de 2010:

Caro amigo,

O Coronel Pára-quedista Moura Calheiros vai lançar o livro em referência. Esta obra narra a actividade das Tropas Pára-quedistas nos três teatros de operações. É baseada em relatórios de operações e depoimentos, faz um enfoque especial aos três camaradas que ficaram para trás no cemitério de Guidage.


Um abraço
Dâmaso



AGENDA CULTURAL

CONVITE


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6733: Parabéns a você (132): Recordando outros aniversários (António Dâmaso)

Vd. último poste da série de 2 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7209: Agenda Cultural (89): Lançamento dos livros Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota e Tempo Africano, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6733: Parabéns a você (132): Recordando outros aniversários (António Dâmaso)


1. Mensagem de António Dâmaso*, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 12 de Julho de 2010:

Camarada Vinhal
Agradeço do coração as tuas palavras, também te desejo as maiores felicidades e sobretudo muita saúde.

Agora comprei uma "Tabanca nova" aqui para as bandas de Azeitão.

Um grande abraço
A Dâmaso


Aniversário

Já tínhamos entrado no mês de Julho, verifiquei que a lista dos aniversariantes tinha o dia 12 vago.

Lembrei-me de mandar para o Blogue a minha data de nascimento [12 de Julho de 1940], só para ver o que os meus amigos e camaradas Gisela e Miguel Pessoa me iam arranjar, fiquei com um palpite mas confesso que superaram as expectativas.

Nunca fui ligado a aniversários, mas 70 anos só se fazem uma vez, apesar de todas as mazelas e maleitas, não sinto o peso dos mesmos.

Agora que estava a pensar nos meus aniversários, vieram-me à memória alguns:

17.º Aniversário [, 1957] - Andava a trabalhar com o meu pai e irmãos, desenvolvia o trabalho de dois e tinha de palmilhar duas léguas de ida e volta para o trabalho todos os dias, tinha tido a gripe Asiática [, pandemia de 1957,], estava fraco lembrei-me de pela primeira vez fazer gazeta.

29.º Aniversario  [, 1969] - Estava na Guiné na primeira operação que fiz no Gabú, ficou-me marcado pela negativa porque no final do dia ao chegar a Bafatá, assisti à queda do Heli-canhão e à morte dos seus tripulantes.

30.º Aniversário [, 1970] - Estava em Moçambique no Cabo Delgado na Operação Nó Górdio.

33.º Aniversário [, 1973] - Estava na Guiné no inferno de Gadamael Porto.

70.º Aniversário [, 2010]- Este também me vai ficar na memória mas por melhores motivos.

Aos Editores do Blogue e todos que se lembraram de me dirigir uma palavra de conforto, o meu muito obrigado e desejo tudo de melhor para eles.

Seguem algumas fotos alusivas às datas, como alguém disse, palavras para quê.

17 anos, em 1957, o ano da pandemia de gripe asiática

29.º Aniversário na Guiné,  Gabú, em 1969

30.º Aniversário Moçambique na Operação Nó Górdio (12-07-70)

33.º Aniversário na Guiné em Gadamael Porto (12-07-73)

E para fornecer mais alguns elementos ao Casal Pessoa, vai uma foto do meu último salto na Guiné, fiz 30 segundos de queda livre e fui largado pelo Cap Pára João Costa Cordeiro, segundos antes do seu acidente fatal em 1974.

Salto para 30 segundos de queda-livre

Um abraço
A Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6719: Parabéns a você (129): António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP (Editores)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6724: Parabéns a você (131): 13JUL2010 - Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Editores)