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sábado, 1 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17532: O nosso livro de visitas (191): Américo Santos, ex-Fur Mil TRMS, retratado, enquanto recruta do CSM, em foto publicada no nosso Blogue (Américo Santos, Fur Mil TRMS / César Dias, Fur Mil Sap Inf)

Tavira > CISMI > Almoço do dia do Juramento de Bandeira > Meados de 1968 > Tony Levezinho de lado (elipse encarnada), César Dias, de frente (a azul) e, em segundo plano, o Fernando Hipólito (a amarelo). O Hipólito, que descobriu o César Dias através do nosso blogue, foi mobilizado para Angola. O António Levezinho, por sua vez, vou conhecê-lo, mais tarde, no Campo Militar de Santa Margarida, nos princípios de março de 1969, aquando da formação da nossa companhia (independente), a CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Foi um dos grandes amigos que eu fiz na Guiné.

Foto: © César Dias (2010). Todos os direitos reservados
Legenda: Luís Graça

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1. Mensagem do nosso camarada e leitor Américo Santos, com data de 28 de Junho de 2017, a propósito da foto que acima se reproduz referente ao Juramento de Bandeira do 3.º Turno de 1968, da Recruta do CSM, no CISMI, em Tavira, publicada pelo nosso camarada César Dias no Poste 12703[1]

Boa tarde,   Camarada Luís Graça,

Sou o Américo Branco dos Santos, moro no Montijo, trabalhei na TAP e estou reformado.

Assentei praça no dia 16 de julho de 1968 no 3.º turno no CISMI em Tavira, na 3.ª Companhia, se não me engano. Lembro-me que era a primeira caserna do lado direito quando se entra na parada. Se não estou enganado, tinha o n.º 435/68.

Agora passo a explicar como cheguei aqui. Andava na Net e lembrei-me de ver se existia ainda o CISMI, pensava eu que já tinha sido vendido para construção. Pois fiquei a saber que ainda não através do teu blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.

Ao percorrer o blogue vejo uma foto em que apareço eu e restantes camaradas no jantar do dia do juramento de bandeira, nem queria acreditar no que estava a ver, quase me vieram as lágrimas aos olhos, pois passados tantos anos e de tantas vezes me ter interrogado do que seria feito dos camaradas do meu pelotão.

A última vez que vi alguns foi em 1969, em Santa Margarida na messe de sargentos, quando lá fui fazer uns trabalhos no posto de transmissões daquela unidade, estavam a tirar o IAO para depois embarcarem para o ultramar.

Pela foto dá para depreender que fizeste parte do mesmo pelotão e da mesma companhia, tivemos destinos diferentes, eu sai de Tavira e vim para o Batalhão de Telegrafistas em Lisboa, estive quase a ser mobilizado para a Guiné, escapei por um triz porque entretanto chegou pessoal novo e fiquei aliviado até passar a peluda.

Posto isto,  vão ai umas fotos que tenho cá em casa e onde identifico alguns camaradas, já não me lembro de todos porque os anos passam e a cabeça já não funciona bem.


Foto n.º 1 - Com o n.º 1 está o comandante de pelotão, que não me lembro o nome (encontrei-o em 1980 ou 81 na Olivetti em Lisboa trabalhava com as ATM); com o n.º 2 sou eu; com o n.º 3 o Filipe de Lisboa (Alfama?) tinha pavor a saltar para o galho; com o n.º 4 o Cavaco do Algarve (Quarteira?); com o n.º 5 conheço mas não sei o nome; com o n.º 6 penso que era o Luís que acompanhava muito comigo e com o Filipe, eram ambos de Lisboa; com o n.º 7 o camarada que marchava no meu lado direito, não me lembro o nome.




Fotos: © Américo Santos (2017). Todos os direitos reservados

Para terminar, gostava que o camarada se identificasse na foto e identificasse os que se lembrar e, qual a situação de todos ou alguns.

Adeus, um abraço
Obrigado
Américo Santos

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2. Comentário do editor

Caro camarada Américo Santos_

O lema no nosso Blogue é: O Mundo é pequeno... e a nossa Tabanca é Grande, logo não admira que encontrasses aqui uma fotografia onde estás entre camaradas de recruta, no CISMI de Tavira, no almoço do Dia de Juramento de Bandeira.

Vamos recorrer ao César Dias, com quem ainda contemporizei na Guiné, para ver se ele reconhece mais malta do vosso tempo, e se sabe dos seus paradeiros.

Queremos agradecer o teu contacto e as fotos que nos enviaste, aqui publicadas.

Esperamos que nos continues a ler,  apesar de teres sido um dos sortudos a quem não foi oferecida viagem e estadia em África durante 2 anos. Nem sabes o que perdeste.

Em nome da tertúlia e dos editores, deixo-te um abraço.
Carlos Vinhal
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Notas do editor

[1] Vd. poste de 10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (1-6 pp.)

Último poste da série de 12 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16950: O nosso livro de visitas (190): Evaristo Pereira dos Reis, 66 anos de idade, residente em Setúbal... Ex-1º cabo condutor auto, de rendição individual, esteve no QG (1971/73), mas na maior parte da comissão foi mestre de obras da Câmara Municipal de Bissau, ao tempo do maj cav Eduardo Matos Guerra, como presidente

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Guiné 63/74 - P17290: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (30): Tavira, CISMI, onde há 48 anos frequentei o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos (António Tavares)

Quartel da Atalaia
Foto: © Beja Santos. Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 22 de Abril de 2017:

Camarigos,
Passados 48 anos da minha entrada no CISMI – Tavira para frequentar o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos – 2.º Turno de 1969, recordo:

Parti do Porto, com outro recruta, em automóvel, pelas 07H00 do dia 20 de Abril de 1969 com chegada a Tavira, às 19H30, depois de paragens em Leiria, Lisboa e Setúbal.

Entrei pela porta de armas do CISMI no dia 21 de Abril de 1969. Era uma Segunda-feira que ficou gravada em cada um dos jovens recrutas, quer pelos bons ou maus motivos, estes talvez a pesar mais nos pratos da balança.

Em 23 de Abril fizemos os testes psicotécnicos. Escolhi as especialidades de Contabilidade e Pagadoria; Amanuense e Intendência.

Em 25 de Abril assumiu as funções de Director do CISMI o Exmo. Tenente Coronel de Infantaria, António Mendes Baptista em substituição do Exmo. Senhor Tenente Coronel de Infantaria José Alves Pereira que foi transferido para a Repartição de Recrutamento do Ministério do Exército.
O Major de Infantaria José Bernardo Cruz de Aragão Teixeira era o Segundo Comandante do CISMI.
Nesse dia festejamos os anos do MACB, um camarada de Queluz, ferrenho sportinguista, que era estimado por todos. Na sua companhia muitas vezes viajei de comboio pelo Algarve. Ele foi mobilizado para Moçambique. Infelizmente faleceu em 2015.

Em 6 e 7 de Maio, Sua Excelência o General Emílio Mendes Moura dos Santos, ilustre Director da Arma de Infantaria, visitou o CISMI acompanhado do Exmo. Senhor Coronel Marafusta Marreiros.

Em 9 de Maio visitou o CISMI Sua Excelência o General Fernando Louro de Sousa, ilustre Comandante da 3.ª Região Militar. Sua Excelência viajou acompanhado do Exmo. Tenente Coronel do CEM Amândio Travassos de Almeida Nogueira, Chefe Interino da Região Militar com sede em Évora.
É de notar o tratamento dado aos Oficiais Superiores e Generais. O instruendo era um número. O meu era o 58.

Na preparação de uma destas visitas, fui um dos faxinas à caserna da 1.ª Companhia, cujo trabalho era limpar os mictórios. Com palha-de-aço e a água a correr entre as minhas mãos tentava eliminar o verdete existente na porcelana do urinol. Quanto mais limpava mais riscos ficavam a ver-se.
Era fiscalizado por um Cabo Miliciano, natural da Guiné. Homem muito educado porém naquele dia estava muito exigente por causa da visita do Senhor General às instalações.

Em 25 de Maio (Domingo), fui com outros camaradas até Portimão; Praia da Rocha; Torralta e Alvor. Na praia da Rocha destacavam-se os hotéis: Algarve; Aquazul e Jupiter. Na Torralta existiam cinco prédios, cada um com onze andares e o Hotel Alvor Praia, em Alvor. Aqui os esgotos corriam a céu aberto em direcção ao mar.

Estávamos em 1969 e tudo era novidade para um jovem que anteriormente tinha viajado somente até Évora.

De 2 a 4 de Junho fomos para a carreira de tiro que ficava a 5 ou 6 quilómetros de Tavira, na margem esquerda do Rio Gilão. Fizemos fogo com a G3; Manelica; FBP e Walther. Lançámos granadas.

Em 15 de Junho, Tavira recebeu o III Grande Prémio Casal em ciclismo. As equipas do FC Porto; SL Benfica; Sporting CP; Ginásio de Tavira; Coelima e Ambar disputaram o troféu.

Em 16 de Junho (2.ª feira) houve a feira de gado e diversos na Atalaia.
A Atalaia era um vasto campo, em terra batida, fora do quartel, onde era ministrada a instrução militar teórica e física. Depois das feiras tínhamos de limpar as caganitas do gado caprino e ovino para fazer a respectiva instrução militar de preferência à sombra da cadeia e das igrejas existentes no local.

Na noite desse dia fizemos emboscadas, patrulhas e fogo com a Mauser, utilizando bala simulada, na margem direita do Rio Gilão, até às 23H00.

 Tavira - Rio Gilão
 Foto: © Mário Beja Santos. Todos os direitos reservados

Em 17 de Junho realizou-se um jogo de voleibol entre o CISMI e o CICA 5, de Lagos. O CICA 5 venceu o jogo por 2 a 0.

Em 23 de Junho tomamos a vacina conhecida como “dose de cavalo”.
Na parada do quartel fizemos o último teste escrito.

De 25 a 28 de Junho fomos para o campo - Exercício Rosa Silvestre - sob o comando do Capitão Frederico Pires; Tenente Fonseca; Alferes Jacinto; José Diogo e Mateus e o Aspirante Mendonça.

Em 1 de Julho oferecemos um jantar, na Casa dos Frangos, Tavira, ao comandante do nosso pelotão Alferes José Diogo e seus adjuntos.

Em 2 de Julho recebi o pré de 1$50 (não é erro!) referente ao período de 21 de Abril a 6 de Julho de 1969.

Em 4 de Julho houve festa no CISMI. Dia de Juramento de Bandeira do 1.º Ciclo do CSM do 2.º Turno de 1969.
Nesse dia terminava a passagem de centenas de jovens militares por Tavira.
Tavira, cidade que é bom recordar!

Abraço
António Tavares
Foz do Douro, Sexta-feira 21 de Abril de 2017
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13361: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (30); Mafra, a EPI, 1967: "Aquele Convento de Mafra era sem dúvida uma fábrica de oficiais"...(Paulo Raposo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Mansoa e Dulombi, 1968/70)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16565: Inquérito 'on line' (72): Todos iguais mas uns mais iguais do que outros?... Resultado final (n=94 respostas): os ricos, os poderosos e... os famosos andaram comigo na escola (38%), na tropa (26%) e na guerra (17%)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > "Tugas" e "nharros", filhos de um deus menor... A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 era constituida por cerca de 60 graduados e especialistas metropolitanos e 100 praças do recrutamento local.... Foi uma das companhia da "nova força africana" criada por Spínola. Nenhum de nós era filho de gente rica, poderosa ou famosa...

A foto fixou a progressão de forças da CCAÇ 12,  em   bolanha abandonada ou lala, no decurso de uma operação, na época das chuvas, no subsector do Xime, de Mansambo ou do Xitole (já não posso precisar)... O sector L1 equivalia em grande parte ao setor 2 do PAIGC, comandado na época por Mamadu Indjai (gravemente ferido em 18/8/1969 e depois substituído por Bobo Keita). Não demos tréguas uns aos outros nesta época... Todo o chão fula estava militarizado...

Foto: em primeiro plano, à esquerda, vê-se o fur mil at nf Arlindo T. Roda, o alf mil at inf op esp Francisco Magalhães Moreira (comandante do 1º Gr Comb e segundo comandante da companhia) e a seu lado, provavelmente sold 82105369 Mamadu Silá (Ap LGFog 3,7), fula, da 2ª secção (habitualmente comandada pelo fur mil at inf Joaquim João dos Santos Pina, natural de Silves)...Em quinto lugar, parece-me ser o comandante do 3º Gr Comb ( alf mil Abel Maria Rodrigues, transmontano, de Miranda do Douro) ou se o saudoso ex- 1º cabo José Marques Alves, de alcunha "Alfredo" (1947-2013), e que pertencia ao 2º Gr Comb. (Natural de Campanhã, Porto, vivia em Fânzeres, Gondomar,  à data da sua morte.)
Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


1. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...

Resultados definitivos, com base em  94 respostas (resposta múltipla):


1. Não, não andaram comigo na escola >  36 (38%)

2. Não, não andaram comigo na tropa >  44 (46%)

3. Não, não andaram comigo na guerra >  50 (53%)

4. Sim, andaram comigo na escola >  36 (38%)

5. Sim, andaram comigo na tropa >  25 (26%)

6. Sim, andaram comigo na guerra >  16 (17%)

7. Não sei / não me lembro > 9 (9%)

2. O inquérito 'on line' decorreu entre 28 de setembro e 5 de outubro e não chegou às 100 respostas.  Aqui vão alguns dos primeiros comentários que esta questão suscitou, entre os nossos leitores, camaradas, tanto no blogue como na nossa página do Facebook:


Domingos Robalo: 

(...) O sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo e o filho do deputado à Assembleia Nacional falecido no acidente de helicóptero em Mansoa foram meus camaradas na Artilharia (BAC1 / GAC7). O primeiro comandava um pelotão de artilharia, creio que em Canquelifá e o segundo estava em Catió.  Outros "ricaços" e filhos de industriais por lá andavam em pelotões no TO. Obviamente que a maioria eram de origem mais modesta mas nem por isso menos considerados ou desrespeitados. Era assim na Artilharia. 


Rui Castanha: 

(...) Não faço a minima ideia de quem eram, no inicio, os meus camaradas de guerra ou melhor de tropa. Fomos todos iguais e cada um ocupou o seu lugar com as suas responsabilidades. A questão que se deveria ter colocado é se cumpriram ou não o seu papel. (..:)


Mário Vasconcelos:

(...) Durante o serviço militar nunca me preocupou saber a origem daqueles que correspondiam ao esforço praticado. Os laços que nos irmanavam eram de tal modo fortes, que esse aspecto, para mim, era irrelevante. Suponho ser mais admissível dizer que, durante o ensino superior, alguns fossem dessa proveniência. E, portanto, muitos deles devem ter representado a nação em esforço de guerra. Verdadeiramente, não sei quantificar. (...)


António Rosinha:

(...) Nas grandes aldeias portuguesas, de onde saiam a maioria dos tropas para a guerra, os mais ricos eram o merceeiro, o alfaiate, o cabo da GNR, o mestre escola, e o presidente da junta, porque tinha mais alqueires de terra do que os pobres. Se por acaso algum dos filhos destes ricos quisesse fugir à tropa, estudava, estudava até se formar, e se chumbasse, ia para a Suiça continuar os estudos, e até podia levar uma viola e vir a ser cantautor. No caso dos pobres, quem quisesse fugir à tropa, ia de pedreiro para a França, sem viola... Mas não se diz que o país era de "meia dúzia deles"?  (...) Os filhos de donos de pontas da Guiné, e roças em Angola e machambas de Moçambique, alguns também (não muitos, penso eu) foram estudar ou para a Suíça, ou Inglaterra ou França. No fim apareceram com uma cara "afivelada" de anti-colonialistas, anti-portugueses, mas disfarçavam mal. (...)


Carlos Vinhal:

(...) Na minha Companhia, apareceu em determinada altura um alferes miliciano para substituir o Alferes Couto, vítima mortal de uma mina. Mal chegado, afirmou para quem o quis ouvir, que o seu tempo em Mansabá seria muito curto pois estava à espera que alguém, muito próximo, chegasse a Bissau para manobrar os cordelinhos e o tirar dali. Assim se cumpriu, e assim chegou a Mansabá o Francisco Baptista em sua substituição. (...)


Francisco Baptista:

(...) Pois meu amigo Carlos Vinhal o Francisco Baptista foi das maiores vítimas do compadrio na Guiné. Quando fui substituir esse tal mariola, de boas famílias, sei que tinha um apelido Meneres eu já tinha 17 meses de mato, em Buba. Não protestei pelo destino que me reservaram porque achei que o meu estado psíquico não me iria permitir uma boa adaptação à guerra dos papeis e dos soldadinhos de chumbo dos nossos coroneis e dos seus protegidos. (...)


José Martins:

(...) Sim, andaram por perto, mas em determinada altura afastaram-se. No Jardim Escola, andaram bastantes, que depois foram-se dividindo pelas duas escolas da cidade e das localidades vizinhas.
Na altura do secundário houve nova cisão: os ditos ricos, abastados e agricultoras para o liceu; os remediados para a escola técnica. Na tropa estiveram dois comigo, quer na recruta quer na especialidade de teleimpressor. Eu segui para o CSM. Deles em foi para o QG do Porto, enquanto o outro ficou no regimento, impedido às pocilgas. Quanto pagou ao sargento da pecuária? Não sei, mas deve ter sido bastante. (...)


Hélder Sousa:

(...) Tenho ideia de se falar nisso lá na terra, em que alguns integrantes dos terratenentes se chegaram à frente para defender a integridade da Pátria mas alguns outros houve que foram escapando à mobilização e muito sinceramente já não sei 'fulanizar' esses casos (...)


C. Martins:

Filho de ministro na recruta... não era nada pretensioso... bom camarada e com grande espírito de humor... Num sábado foi o único da sua companhia que não foi de fim de semana, julgo que devido a castigo. Ao apresentar a companhia que era só constituída por ele...meu capitão (oficial dia) companhia pronta...o capitão olha-o de soslaio e diz.. .mande dispersar essa merda... este obedece prontamente...faz meia volta volver.. e dirigindo-se para a parada vazia...berra a plenos pulmões...AAATEEENÇÃO MEERRRDA DISPERSAR...o capitão fez um sorriso amarelo por baixo do seu bigode.

Meu capitão,  tenho uma lagarta na sopa.. resposta do capitão...coma que isso é tudo proteína...pode ser mas.. é "uma merda de proteína"..e afastou delicadamente o prato de zinco. (...)


Luís Graça:

(..) Um grande admirador de Salazar e influente deputado, Cazal Ribeiro, considerado um ultranacionalista, teve um filho, que foi piloto de heli AL III, e que morreu em Angola... Não sei se em combate, se por acidente,,, O caso na época foi muito falado... e provocou comoção nas fileiras do regime, O nosso Dom Duarte Nuno também a fez a tropa e fez uma comissão em Angola... São dois casos, públicos, que me ocorrem à memória. (..)


Valdemar Queiroz:

(...) E, então, os que pagavam para não ir pra guerra ? Sim, houve situações que eu conheci, de Cabos Milicianos com boa classificação na especialidade, ou em pequena rotação, o exemplo das variantes de Artilharia, não mobilizados, que se ofereciam em substituição por troca de dinheiro a outros com classificações mais baixas e mobilizáveis? Os chamados 'mata serviços'. Havia-os cá a 'matar serviços' nos fins de semana, que depois se estendeu à guerra na Guiné, que dava bom dinheiro. Lembro-me do caso no RAP3, Figueira da Foz, de dois de especialidade Munições de Artilharia,  meus conhecidos, um que foi um jogador conhecido de futebol, outro meu ex-colega na Veiga Beirão. O meu ex-colega na Veiga, grande crânio, com excelente classificação, trocou por dinheiro com o futebolista, dum clube conhecido, com baixa nota, para ir pra Guiné. (...)
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16564: Inquérito 'on line' (71): Os Filhos dos Ricos e Poderosos, incluindo os jogadores de futebol... (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Vd- também postes anteriores:

29 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16538: Inquérito 'on line' (68): Quando os filhos dos ricos e dos poderosos de então andavam connosco na escola, na tropa e na guerra... Resposta até ao dia 5/10/2016, às 19h44...

30 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16543: Inquérito 'on line' (69): Perguntar não ofende, mas às vezes pode incomodar... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (25%), mas não na tropa (52%) e menos ainda na guerra (56%)... Resultados preliminares (n=44)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44

4 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16559: Inquérito 'on line' (70): Ricos e pobres, a tropa e a guerra... O caso de um camarada meu do 4º turno de 1971, no CISMI, Tavira , que era alegadamente filho de um grande acionista da Tabaqueira (Henrique Cerqueira , ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã,

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

1. Já aqui publicámos um dos textos mais notáveis do blogue, daqueles que terão, obrigatoriamente, de figurar na antologia dos 100 melhores postes da Tabanca Grande  que um dia, se houver tempo, pachorra e saúde,  ainda haveremos de organizar... Referimo-nos ao poste P3543, de 30/11/2008, do nosso camarada e grã-tabanqueiro da primeira hora  Mário Dias (1).

Mário [Roseira] Dias  [, foto de 2005, à direita, ] foi para a Guiné no início dos anos 50, ainda adolescente, tendo assistido à modernização e crescimento de Bissau, capital da Província desde 1943... Conheceu Domingos Ramos, de que se vai tornar amigo, na recruta e depois no 1º Curso de Sargentos Milicianos [CSM], que se realizou na Guiné, em 1959,


[foto à esquerda, efígie de Domingos Ramos em nota de 100 pesos, emetida em 1990, pelo Banco Centreal da Guiné-Bissau]



Como é sabido, o Domingos [Gomes Ramos tornar-se-ia um dos nomes míticos da fase inicial da guerrilha do PAIGC, sendo comnhecido pelo seu nome de guerra, "João Cá".  Este CSM  acabaria, de resto, por ser um alfobre de quadros... para o PAIGC.

Segundo o próprio Mário Dias nos conta (2), o Domingos Ramos era filho de um quadro local da administração colonial portuguesa, com o estatuto de assimilado,  ou seja, já não era um indígena.

Mário Dias sugere que ele ter-se-á alistado nas fileiras do PAIGC, em novembro de 1960, depois de ter sido vítima de uma grave injustiça enquanto 1º cabo miliciano, colocado no Centro de Instrução Militar (entretanto transferido de Bissau para Bolama).

Os dois amigos seguirão  caminhos diferentes: Mário Dias será um dos fundadores da CCmds da Guiné e é combatente no CTIG (até 1966),  seguindo depois para Angola, como sargento do quadro permanente,  não sem antes ter estado frente a frente com o seu antigo camarada e amigo, em meados de 1965, nas matas do Xitole, na zona entre Amedalai e os rápidos de Cussilinta, perto da estrada Xitole-Aldeia Formosa-Mampatá...

Vale a pena reler o segredo que o Mário guardou durante anos e revelou, em primeira mão, aqui no nosso blogue, aos seus amigos e camaradas da  Guiné (1). Um ano e poico depois o Domingos Ramos morreria, em combate, em Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966 (3). A sua perda foi particularmente por Amílcar Cabral.

O Mário, grande português e um homem de invulgar nobreza,  tem palavras de grande apreço e admiração pelo Domingos Ramos. Diz ele:

"Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar".

Por tudo isto, estes dois homens merecem ser aqui lembrados: um já morreu sem ter podido partilhar  o seu segredo com o seu antigo camarada e amigo (e sobretudo confirmar a sua versão dos factos, passados em Bolama).

O que se passou, realmente, em Bolama, por volta de outubro de 1960 ? Domingos Ramos, segundo se depreende do testemunho (insuspeito) de Mário Dias,  terá sido  vítima do militarismo e do racismo de um oficial português, ao punir o 1º cabo miliciano Ramos com vários dias de prisão.


2. O segredo de... Domingos Ramos

por Mário Dias


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Centro de Instrução Civilizados (CIC) > Maio de 1959 > Recruta >  "Eu, Domingos Ramos e outros"...

 Texto e fotos: © Mário Dias (2006). Todos os direitos reservados


Manhã de 8 de Maio de 1959. Na parada do quartel da Bateria de Artilharia de Campanha [BAC] em Bissau, Santa Luzia, defronte ao que viria a ser o QG [Quartel General], mancebos agrupavam-se segundo indicações de alguns oficiais e sargentos e preparavam-se para iniciar a sua vida militar. Eu era um deles. Com receio, mas também com alguma expectativa pelo que iria acontecer.

Foi nas instalações desse quartel que funcionou pela primeira vez uma escola de recrutas seguida de um CSM [ Curso de Sargentos Milicianos ] para europeus e guineenses considerados civilizados ou assimilados, já com formação escolar de, pelo menos, o 2º ano do liceu, na época chamado 1º ciclo liceal.

Até essa data, a recruta era separada e, sendo os europeus um pequeno número que não justificava uma incorporação anual, iam ficando esperados alguns anos e, quando havia suficientes mancebos para formar um ou mais pelotões, realizava-se a recruta que tinha lugar em Bolama. Portanto, esta incorporação de 1959, foi a primeira na Guiné que juntou europeus e africanos.

Curiosamente, a unidade chamava-se Centro de Instrução de Civilizados (CIC) por se destinar a africanos considerados civilizados [ou assimilados]. O comandante era o capitão Teixeira, pai do conhecido historiador Nuno  Severiano Teixeira (4). Nos anos seguintes, talvez devido ao caricato da designação, passou a chamar-se Centro de Instrução Militar (CIM) e foi transferido para Bolama.


Foto nº 1 A

Foto nº 1 B
Aqui está o 1º pelotão do CIC da incorporação de 1959 em Bissau [Foto nº1]. Eu estou à esquerda, na 3ª fila (de óculos) [Foto nº 1 A]. Uma pequena chamada de atenção para o facto de os homens situados à esquerda do pelotão serem europeus. Tal não se deve a qualquer espécie de discriminação ou elitismo. Aconteceu que, formando-se, como sabem, por alturas, nós, os tugas, éramos os mais pequenos. Dos elementos africanos, alguns foram para o PAIGC após a passagem à disponibilidade. De entre eles, quero aqui destacar o Domingos Ramos (segundo à direita na fila de pé) [Foto nº 1 B].

O Domingos Ramos era um indivíduo bem constituído fisicamente e, sobretudo, moralmente. Aquilo que se pode chamar, um bom gigante. Desde o início da nossa vivência comum que por ele tive uma especial estima. Tornámo-nos bons amigos em todas as situações e na caserna, nas horas de descanso, trocávamos opiniões sobre os mais variados assuntos, com especial interesse da minha parte por tudo relacionado com os usos e costumes dos guineenses. Muito aprendi com ele. Recordo ainda com saudade e emoção as paródias, próprias da irreverência da nossa juventude. E da célebre água pú que ele me ensinou e a que aderi com entusiasmo.

Eu explico: Água pú era uma bebida/comida energética, fácil de fazer, fruto do desenrascanço e instinto de sobrevivência dos africanos e que eu desconhecia. Trata-se de um tigela ou caneca com água onde se dissolve açúcar, quanto mais melhor, e nessa calda se vão molhando pedaços de pão quase como se de açorda se tratasse.

Que bem que sabia! Fiquei cliente viciado desde a primeira vez que, pela mão do Domingos Ramos provei. No final da 3ª refeição, metíamos no bolso (à socapa) o casqueiro sobrante que guardávamos no armário da caserna onde, para o efeito, não faltava o respectivo açúcar. Saída para Bissau - as garotas ou bajudas estavam à espera - e, após o recolher, lá íamos repor energias com a água pú. Mal o sargento de dia dava a ordem de destroçar, era uma correria, direitos aos armários gritando com todo o entusiasmo: Água púuuuu…

Nesse ambiente de sã camaradagem se passou o tempo até ao juramento de bandeira que teve lugar em 10 de agosto de 1959, alguns dias após os célebres acontecimentos do Pidjiguiti (5). Terminada a recruta, teve início a 14 de agosto de 1959 o 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM) que houve na Guiné. Nesta fase, já que os instruendos do CSM eram menos que durante a recruta (alguns foram para a Escola de Cabos e outros ficaram como soldados),  os nossos laços de amizade estreitaram-se ainda mais.


Foto nº 2

Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > Instruendos do  CSM / 59  . Em baixo, a partir da esquerda, : eu [, Mário Dias, de óculos]; Domingos Ramos apontando a velha Mauser; Pinhel; Orlando; e Laurentino Pedro Gomes [que, tal como eu, após passagem à disponibilidade, regressou ao serviço como furriel do quadro, seguindo a carreira milita; segundo me disseram, faleceu num acidente de viação nas proximidades de Cacheu já depois da independência].

De pé, também a partir da esquerda, está um (não me lembro o nome) que veio a ser professor de trabalhos manuais no liceu de Bissau; a seguir o Telmo que acabou por se formar em economia e já faleceu; o Armindo Birges; depois é o alferes Vigário, um dos nossos instrutores que viria a falecer em combate em Angola; segue-se o Coelho, exímio acordeonista, sobrinho de um conhecido comerciante de Cacine e que acabou emigrando para o Brasil; finalmente o 1º cabo Cerqueira, que já pertencia ao Quadro Permanente [QP] e que fez o CSM para obter condições de promoção a furriel.


Foto nº 3

Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM)> O Domingos Ramos montando a tenda... Aqui está o Domingos Ramos nos exercícios finais do CSM (semana de campo), atarefado na montagem da barraca que era feita com 3 panos de tenda ligados entre si por botões metálicos.n Certamente que alguns tertulianos se recordam deste primitivo sistema. A fotografia não tem grande qualidade mas não deixo de mostrá-la, por se tratar de uma pessoa que muito estimei.


Foto nº 4

Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM)> O Domingos Ramos na Semana de Campo... Aqui, como se pode ver pelos apetrechos que levam nas mãos (cantil e marmita) iam a caminho do carro que nos trazia o almoço durante a semana de campo. O Domingos Ramos é o segundo da direita.

O CSM terminou 28 de novembro [de 1959] e a 29 fomos promovidos a 1ºs cabos milicianos que era uma forma de o regime de então poupar umas massas. Fazíamos sargentos de dia, frequentávamos a messe e tínhamos as responsabilidades inerentes mas… ganhavamos como cabos.

A seguir ao CSM, tivemos que dar uma recruta como monitores. Alguns, entre os quais o Domingos Ramos, foram colocados para o efeito em Bolama, ficando outros, como eu, em Bissau. Creio que algo se passou em Bolama que o tornou permeável aos apelos do PAIGC e o levou a aderir à luta. Na verdade, enquanto com ele convivi em Bissau, nem o mais leve indício de descontentamento, nem o mais pequeno sinal de revolta ou discordância com o status quo existente demonstrou. Se algo havia na sua mente, disfarçava muito bem, o que não creio, dada a sua rectidão de carácter.

O mesmo já não se passava com outros como, por exemplo, o Rui Demba Jassi, que tinha atitudes incorrectas para com os europeus sem que houvesse razões para tal e não conseguia disfarçar animosidade contra nós. Este Rui Jassi era filho do capitão de 2ª linha Jassi que morava no lado direito da estrada de Santa Luzia, perto da capela aí existente. Era uma figura incontornável nas cerimónias e festividades às quais comparecia orgulhosamente com a sua farda branca. Quando soube que o filho tinha passado para o PAIGC, segundo constava, dizia que oferecia tudo quanto tinha a quem lhe trouxesse o seu cadáver. Talvez isto não passe de mais uma das muitas lendas que se foram gerando.

Mas, regressando ao Domingos Ramos, tema principal desta minha intervenção, creio que foi um acontecimento em Bolama que o fez mudar de ideias. Um dia, já próximo da nossa passagem à situação de licença registada, que ocorreu em outubro de 1960, seguindo-se a disponibilidade em fevereiro de 1961, o Laurentino [Pedro Gomes] mostrou-me uma espécie de memorando que o Domingos Ramos havia escrito em Bolama,  respeitante a uma tremenda injustiça por parte de um superior hierárquico que o levou à prisão durante uns dias.

Foi uma daquelas situações tão frequentes, infelizmente, na vida militar que levam a que muitos inocentes sejam punidos apenas porque a corda parte sempre pelo lado mais fraco e a máxima de que "palavra de oficial faz fé" é uma realidade. Nesse memorando, era bem patente o desgosto que ele sentia por ter sido vítima de tal injustiça e, mais do que um desgosto, notava-se o destruir das convicções que até ali o tinham norteado.

E foi isso, creio, que o levou a juntar-se ao PAIGC. Nos primeiros dias de novembro [de 1960], juntamente com o Rui Jassi, Constantino Teixeira e outros cujos nomes já não me ocorrem, partiu para Pequim, Praga, Moscovo e demais escolas de guerrilha tornando-se um dos primeiros e mais importantes chefes de guerrilha daquele movimento.

Morreu em combate num dos ataques ao quartel de Madina do Boé onde está sepultado. Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar.



Foto nº 5

Guiné > Bissau > 1959 > 1ºs Cabos Milicianos Mário Dias, Domingos Ramos e outros...
 De cócoras, a partir da esquerda: Domingos Ramos; um outro cujo nome não me lembro mas que também foi para a guerrilha; e depois o Laurentino Pedro Gomes. De pé: não me recordo o nome mas também foi para a guerrilha; Garcia, filho do administrador Garcia, muito conhecido e estimado em Bissau; mais um de cujo nome não me recordo; eu [, Mário Dias]; e mais outro futuro guerrilheiro.

Foto nº 6

Guiné > Bissau > 1959 > O 1º Curso de Sargentos Milicianos foi uma alfobre de quadros para o PAIGC... Alguns dos outros que foram meus camaradas na recruta. De poucos nomes me recordo mas muitos também foram guerrilheiros. Dos dois que estão mais altos, o da direita é o Constantino Teixeira, mais conhecido por Chucho ou Axon, que foi igualmente figura importante do PAIGC. Chegou a ser ministro da segurança interna, salvo erro, no tempo imediatamente a seguir à independência. Apareceu, algum tempo depois, morto dentro do carro numa rua de Bissau. Daquele gordinho de óculos escuros que está com a mão no bolso da camisa, só me recordo da sua alcunha que era Diblondi. O porquê de tal alcunha, não sei. Peço desculpa por omitir tantos nomes, embora me lembre das pessoas. Nunca tive o cuidado de ir anotando os acontecimentos nem de escrever no verso das fotos os nomes das pessoas. Péssimo hábito de que agora me arrependo.

Foto nº 7

Guiné > Bissau > 1959  > O meu pelotão de recrutas africanos, de pé descalço...

Termino com esta foto [nº 7] dos meus primeiros recrutas porque ela constitui o testemunho de um facto que, possivelmente, muitos desconhecem e outros certamente acham impossível se apenas contado. Reparem bem nestes soldados indígenas na Guiné em 1959. É isso mesmo que estão a ver: descalços.

Era assim que faziam toda a recruta e só depois de prontos lhes eram distribuídas as botas. Dizia-se que eles preferiam andar descalços. Mesmo sendo verdade, e muitos de nós se devem lembrar que, de facto, o andar descalço era um hábito muito arreigado, não se justifica e é humilhante que soldados assim andassem. (6)

Mário Dias
_________________

Notas do editor:

(1) vd. poste de 30 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

(...) De repente, ouvimos pessoas a conversar e o ruído característico de movimentação. Querendo observar melhor o que se estava a passar, ergui-me acima do arbusto que me ocultava. Foi então que aconteceu. Do outro lado, a cerca de vinte ou trinta metros, um vulto se ergueu também e olhou na minha direcção. Espanto dele! Espanto meu! Era o Domingos Ramos.

Ficámos ambos como petrificados. Não falámos, apenas nos limitámos a sorrir e houve como que uma espécie de telepatia. Mas, mesmo sem falar, as expressões de contentamento de ambos (espero que ele tivesse entendido que também eu estava contente com o inesperado mas feliz encontro) tornaram mágicos aqueles breves momentos que jamais esquecerei.

Mas era preciso regressar à terra. De imediato ouvi as suas ordens:
- Nó bai, nó bai -. E internou-se ainda mais, desaparecendo na densa mata. Voltei para trás, para junto do resto do grupo:
- Não há problema. Era um pequeno grupo mas já fugiram.

E continuámos a patrulha sem mais percalços. Claro que este episódio não constou do relatório. (...)


(2) Vd. 1 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P474: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

(3) Domingos Ramos,  morto em Madina do Boé em 10 de novembro de 1966, é um herói nacional da Guiné-Bissau, figurando em notas de banco (por exemplo, de 100 pesos, emissões de 1975 e 1990), nomes de ruas e instituições de ensino... Foi um dos pioneiros da luta de libertação, sob a liderança de Amílcar Cabral. Tinha também um irmão na guerrilha, Paulo Ramos.

Vd. referênciaa ao Domingos Ramos no postes:

22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - P119: Antologia (10): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (conclusão) (A. Marques Lopes)

12 de dezembro de 2007 >  Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

(4) Henrique Nuno Pires Severiano Teixeira: é um académico e político português. Professor catedrático (Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais da Universdiade NOVA de Lisboa) , é também vice-reitor da mesma instituição. Dirige o Instituto Português de Relações Internacionais. Nasceu em Bissau em 5 de novembro de 1957. Ministro da Administração Interna no XIV Governo Constitucional, dirigido por António Guterres, de 14 de setembro de 2000 a 8 de abril de 2002; e ministro da Defesa Nacional no XVII Governo Constitucional, com José Sócrates como primeiro ministro (de 12 de março de 2005 a 26 de outubro de 2009).  É autor, entre diversas obras, da Nova História Militar de Portugal, 5 Volumes (Lisboa: Círculo de Leitores, 2003-2004).

(5) Local do porto de Bissau onde, a 3 de Agosto de 1959, na sequência da repressão de um conflito laboral (uma greve de marinheiros, estivadores e outros trabalhadores portuários, reivindicando aumentos salariais e melhores condiçõs de trabalho), terá morrido um número nunca rigorosamente determinado de mortos e feridos. Estes acontecimentos foram habilmente explorados por Amílcar Cabral, passando a efeméride a ser considerada pelo PAIGC como o início (oficial ou oficioso) da luta de libertação da Guiné.

Vd. poste de 2 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4452: Controvérsias (19): O 'massacre do Pidjiguiti', em 3 de Agosto de 1959: o testemunho de Mário Dias

(6) Último poste da série > 3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12779: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Instruções ao sold recruta nº 821, do 3º turno de 1968, incorporado na 3ª Companhia, assinadas pelo comandante, cap inf Eduardo José Moreira Fernandes (César Dias, ex-fur mil, sapador, CCS / BCAÇ 2885, Mansoa, maio de 1969/março de 1971)



Bilhete de identidade do César Dias, sold do CSM nº 197356/68, emitido em 16/7/1968

Fotos [de cima e de baixo): © César Dias  (2014). Todos os direitos reservados


1. Documento recolhido e digitalizado pelo nosso amigo e camarada César Dias, que fez a recruta no 3º turno de 1968, do CSM, no CISMI, Tavii.

Trata-se de instruções dadas ao sold recruta nº 821/3ª, assinadas pelo comandante, o cap inf  Eduardo José Moreira Fernandes.

O César foi meu contemporâneo no CISMI (fizemos a especialialidade em Tavira, no CISMI, na mesma altura, set/dez de 1968, ele como sapador, eu em armas pesadas de infantaria; foi fur mil sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, Maio de 1969/Março de 1971.  [, foto à esquerda].



António Salgadinho
São Brás, Faro, 1975/76
 
Ficamos a saber que o ten Madeira era o comandante adjunto da 3ª
companhia, e que havia 6 pelotões, sendo o alf Mascarenhas o comandante do 1º... Os restantes eram comandados por aspirantes:  Domingos (2º), Pontes Silva (3º), Antunes (4º), Neto (5º) e Sousa e Silva (6º). O 1º sargento da 3ª companhia era o  Sena.

Mais, ficamos a saber que o "ideólogo" do CISMI (Chefe de Gabinete de Estudos, subdiretor do CISMI e 2º comandante da unidade) era muito provavelmente  o cap  António Salgadinho São Brás [, foto à direita, em 1975/76, como comandante di Centro de Recrutamento de Faro; cortesia do sítio do Exército]: provavelmente o  "guia do instruendo" seria da sua lavra...

O comandante da unidade, por sua vez,  era o major José Bernardo Cruz Aragão Teixeira [, que irá comandar, em 1970/72, em Moçambique, um batalhão de caçadores, o BCAÇ 2913]. Do cap inf Fernandes, não parece haver rastos na Internet... [Consulte-se, no entanto, a página, no Facebook, do Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora..]

No dia 25 do corrente, às 23h14, o César mandou-me entretanto o seguinte email:

"Boa noite, Luis. Só agora cheguei a casa, por isso só agora te respondo. Infelizmente não faço ideia de quem tenha sido o Capelão do CISMI naquele tempo, nem sequer quem foi o autor do Guia do instruendo, mas o responsável era por certo o Director do Centro.Mas ainda descobri aqui um cartão. do instruendo que, se quiseres,  podes enquadrar no poste [vd. imagem acima]. Um abraço, César."


Carlos Nascimento: foto recente, na parada do quartel da
Atalaia,em Tavira... Ainda se vê ao fundo o célebre pórtico,
 usado  na nossa instrução... Foto:  Cortesia de
Carlos Nascimento
2. Quem tem recordações bastante precisas desse tempo do CISMI, é o Carlos Alberto Dores Nascimento,que foi 1º cabo miliciano, e monitor do CSM, entre 1967 e 1969. Mandou-me há uns anos (em 9 de setembro de 2010) o seguinte email:

 "Alô, Luis. Sou o Carlos Alberto Dores Nascimento, estive em Tavira de Janeiro de 67 a Dezembro de 69. Especialidade de atirador... e por lá fiquei até ao fim como monitor. Conheci o Robles e o Trotil. O Trotil era Óscar. Conheci-os de alferes a capitães. 

Também gostava de encontrar alguns companheiros daquele tempo (,agora somos avós, ) mesmo que tivessem sido 'meus'  intruendos. Sei que todos os anos em Outubro fazem lá no quartel um convívio com todos os que passaram por lá. Eu este ano quero ir pois nunca fui. Estou inscrito no FaceBook, tenho lá algumas fotos do nosso tempo para ver se há alguém que se identifica. Bom, um grande abraço.". 

[De facto, o Nascimento, algarvio, que é natural de Alagoa, e vive em Portimão, é um dos elementos mais ativos do Grupo (aberto) do Facebook,  Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora.. Gostava de o convidar para integrar o nosso blogue, se bem que ele já faça parte dos amigos da Tabanca Grande no Facebook. Vd aqui a sua página pessoal]

Segundo o Carlos Nascimento, a 2.ª companhia era "a  companhia das várias especialidades"... Deve ter sido a minha, de armas pesadas de infantaria.  As outras, faziam recrutas (, caso da 3ª, por  exemplo) ou especialidade de atiradores. Ele também conheceu o Madeira ainda como alferes e depois tenente.


domingo, 23 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12764: Convívios (564): Comemoração dos 50 anos de incorporação militar nos COM e CSM, CISMI, Tavira, setembro de 1964: Quartel da Atalaia, 20/9/2014, às 11h (Rogério Freire, ex-Alf Mil, CART 1525, Bissorã, 1966/67)


Página da comissão organizadora, para efeitos de informação e inscrição




1. Mensagem, de 19 do corrente, do nosso camarada Rogério Freire [ex-Alf Mil da CART 1525,Bissorã, 1966/67; fundador e editor principal do sítio sobre a CART 1525 - Os Falcões]



Assunto: Vamos comemorar os 50 anos do assentar praça no CISMI !!!


Caro amigo Luís Graça,

Está a decorrer uma iniciativa para tentar reunir em Tavira, nas instalações do CISMI, no próximo dia 20 de Setembro, os mancebos que assentaram praça nos cursos de COM e CSM naquela unidade há 50 anos.

Há já um site preparado para dar informações e aceitar inscrições:

http://www.cismi-setembro-1964.pt

e um e-mail
geral@cismi-setembro-1964.pt

Porque tenho a certeza que muitos dos Tabanqueiros passaram pelo CISMI entre Setembro e Dezembro de 1964, lembrei-me de pedir a tua cooperação em ajudar-nos a divulgar este evento no nosso blogue.

Agradeço-te desde já a disponibilidade para o efeito bem como uma visita ao site.

Um abraço cordial do

Rogério Freire
(CART 1525 – Os Falcões)


Tavira >  CISMI > 1964 > "Garboso desfile pelas ruas de Tavira" [, neste caso, pela ponte romana; ao fundo, ao centro, o edifício da Câmara Municipal e Tavira]... Foto do sítio da comissão organizadora do evento. Reproduzida aqui com a devida vénia... (LG)


2. Comissão organizadora e contactos:


Com a devida vénia reproduz-se do sítio, o seguinte:


A ideia de realizar uma confraternização para comemorar os 50 anos do nosso "assentar praça" partiu do Adrião Mateus

O Adrião transmitiu-a ao Tenente António Carlos Fernandes Gomes, Comandante da 3ª Companhia de CSM, hoje Ten Cor aposentado e a alguns dos seus camaradas da CART 1525 (Guiné, Bissorã, 1966/67) e que passaram pelo CISMI, a saber:

Armando Benfeito da Costa;
António Jesus Picado Magalhães:
Joaquim Fernandes Pombo:
Rogério Marques Freire.

A ideia foi acolhida com carinho e está agora a ser posta em prática.

A confraternização só se poderá realizar e vir a ser um êxito se, ao tomares conhecimento desta iniciativa, te comunicares connosco, te inscreveres, mandares fotos e outros contibutos e ... muito importante passares a palavra a outros camaradas.

O e-mail para te comunicares connosco é o geral@cismi-setembro-1964.pt

Se preferires o contacto telefónico liga para o Adrião Mateus
telem  919755073  / telef 239717698

AGUARDAMOS O TEU CONTACTO



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 100 >  Interior do quartel da Atalaia (, hoje RI 1) (1)


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 091 > Interior do quartel da Atalaia (, hoje RI 1) (2)



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 108 > Igreja de São Francisco, ao lado do quartel da Atalaia, onde os instruendos podiam assistir à missa celebrada pelo capelão militar, aos domingos e dias santos... (Releio no "guia do instruendo", de 1968).



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 063 > A velha ponte romana sobre o Rio Girão, numa manhã de sábado, e maré vazia...


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 254 > O encanto dos recantos da cidade... Dizia-se, no nosso tempo, que tinha 29 igrejas, capelas e ermidas...



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 >  Foto nº 074 > O velho coreto, ainda lá está, no Jiardim Público de Tavira, tendo à esquerda  o velho mercado (que hoje é zona de lojas de artesanato e restauração).



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº  298 > Um aspeto do Jardim Público de Tavira, entre a Praça de República e o antigo mercado... por onde se passeavam as "morenas" e os senhores instruendos, no nosso tempo... Onde se vê o meu carro, é a Rua do Cais, segundo leio no mapa do Google...  E á esquerda, o rio Girão


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


3. Comentário de L.G.:


Rogério, são gloriosos sobreviventes, essa malta de 1964!... Meio século, é obra! Parabéns aos bravos "falcões" que estão a organizar este evento.

Tens o nosso (que também é teu) blogue à tua inteira disposição para divulgar esta e outras iniciativas... Para mais, Tavira é um sítio que me é caro, também passei por lá, 4 anos depois de ti, no último trimestre de 1968, antes de ser mobilizado para a Guiné...

Acabei de visitar o sítio que me indicas e, como prometido, fiz-te um poste à maneira, no seguimento e em complemento do teu pedido... Acrescentei inclusive mais algumas fotos de Tavira, que eu tirei por ocasião de um fim de semana que lá passei, há três semanas atrás.

Estás também à vontade para (re)publicar, no nosso, coisas do blogue dos "falcões"... Devíamos falar mais da tua CART 1525 e da valente rapazida de Bissorã do teu tempo...

Um alfabravo. Luis

PS - Rogério, temos vindo a publicar uma série sobre o "Guia do Instruendo", documento, de 21 pp., que era distribuído no meu tempo (1968). Vê aqui. Provavelmente ainda não existia em 1964, no vosso tempo.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12597: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (2): Caldas da Rainha, a cidade onde estava sediado o Regimento de Infantaria 5, onde era ministrado o Curso de Sargentos Milicianos (Carlos Vinhal)

1. Dando cumprimento ao desafio do Editor Luís Graça, vou falar, não da cidade que mais amei ou odiei, mas de todas cidades (vilas e/ou lugares) onde estacionei no meu tempo de tropa, antes de embarcar para a Guiné.
Gostei de todas elas porque nenhuma tinha culpa da minha situação, temporária, de militar em trânsito. De todas me ficaram boas e más memórias.



Começarei pela cidade das Caldas da Rainha, onde assentei praça no RI5 como Soldado Instruendo do CSM.

Acho não ficar mal confessar que antes de ir para a tropa, o mais a sul que tinha ido, tendo como referência a minha residência no concelho de Matosinhos, fora Fátima com os meus pais, aos 10 anos de idade, no ido ano de 1958.

Ir para as Caldas, no dia 21 de Abril de 1969, tornou-se portanto uma aventura, minimizada pelo facto de a viagem ser partilhada por largas dezenas, ou centenas, de mancebos que de todo o norte do país convergiram para a Estação de S. Bento a fim de apanharem o comboio-correio da meia-noite. Um grupo bem numeroso, onde eu me incluía, saiu de Leça da Palmeira no autocarro das 22 horas a caminho da cidade Invicta. Assim se iniciou uma longa viagem de quase 12 horas.

Não me perguntem como, mas sabíamos de antemão que tínhamos de fazer dois transbordos, um em Alfarelos para apanhar outra composição de um ramal que nos levaria até à estação de Lares, na Linha do Oeste, onde aguardaríamos por outro comboio que nos levaria finalmente às Caldas.

Tenho em memória que chegámos aos portões do RI5 por volta das 9h30 da manhã de 22, dia que me estava destinado para comparecer no quartel, tendo grande parte do grupo entrado de pronto porque nos disseram que se esperássemos pela tarde, a confusão seria mais que muita.

Vamos saltar as peripécias militares, para aqui não chamadas, e vamos falar da terra propriamente dita.

Ao tempo a cidade era relativamente pacata, destacando-se o velho Hospital Rainha D. Leonor, localizado no frondoso Parque D. Carlos I, o Parque propriamente dito e as várias lojas de artesanato, mais ou menos atrevido, que explorámos nos tempos livres.

Hospital - Foto: http://images.fineartamerica.com/, com a devida vénia

Famoso era também o Café Zaira(*), situado na Praça da República, onde não passávamos muito de perto já que junto ao vidro, do lado de dentro, costumavam sentar-se os oficiais, o que nos obrigava a constantes e arreliadoras paladas.
Diga-se em abono da verdade que no belíssimo Parque acontecia o mesmo, já que era vulgar encontrar muitos oficiais a passear, acompanhados de suas famílias. Como bons recrutas que éramos, o melhor era bater continência a tudo o que tivesse divisas, fosse bombeiro ou porteiro de hotel.
Nesta mesma Praça realizava-se, e julgo que ainda se realiza, o afamado mercado da fruta das Caldas da Rainha, mais um ex-libris desta cidade.

Mercado da Fruta - Praça da República - Foto: EU GOZEI A MINHA ADOLESCÊNCIA NAS CALDAS DA RAINHA NOS ANOS 70 E 80, com a devida vénia

Como bom militar tem de ser bom garfo, lembro o restaurante que frequentávamos quando o rancho não era a contento. Não me lembro do seu nome, também já não existirá, mas da empregada, a Tininha(?), uma jovem que nos atendia com especial carinho, talvez por saber que no quartel se comia muito mal. Que belos bifes com ovo a cavalo, guarnecidos generosamente com batatinhas fritas, arroz e salada. Era o nosso prato favorito. Ainda lhe sinto o cheirinho.

A cidade das Caldas da Rainha tinha já, então, uma actividade cultural e desportiva interessante. Nunca mais esqueci o Museu José Malhoa que revisitei mais recentemente, assim como os torneios de ténis de mesa, uma modalidade ali muito acarinhada, praticada num pavilhão existente dentro do Parque.

Museu de José Malhoa - Foto Wikipédia, com a devida vénia

Já aflorei o artesanato local, que não se limitava só às malandrices que mais aguçava a nossa curiosidade. Eram muitos os estabelecimentos de venda de olaria, verdadeiras montras de obras de arte confeccionadas por gente anónima nas inúmeras fábricas e ateliês que transformavam o barro em peças únicas.

Uma das mais belas recordações que guardo desta magnífica cidade foi o desfile que fizemos no Dia de Juramento de Bandeira(?), ao longo das suas ruas, com as varandas das casas engalanadas com colchas multicolores e as pessoas acenando à nossa passagem. Foi um adeus sentido de parte a parte.

Na tarde do dia 5 de Julho, em que apanhámos o comboio com destino a Lisboa, a caminho de Vendas Novas, já sentia saudades daquela terra e daquela gente.

Do RI5 não guardo boas recordações, pela má comida e porque alguns oficiais e sargentos não distinguiam a disciplina militar da prepotência e do abuso da autoridade que, julgavam, os galões e as divisas lhes conferiam.
Eram um verdadeiro vexame aquelas formaturas de revista, de hora a hora, após o toque de ordem, para podermos sair e ir dar uma volta pela cidade e comer alguma coisa de jeito. Por tudo e por nada nos mandavam para trás, o que acarretava nova tentativa uma hora depois. Estávamos assim à mercê do bom ou mau humor do Oficial de Dia.

Fica desde já aqui registado que em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, a disciplina era mais severa e a instrução militar, de longe, muito mais dura, mas éramos tratados com respeito.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil
CART 2732
Mansabá
1970/72

OBS: - As interrogações são fruto de alguma incerteza, volvidos que são quase 45 anos. Aceitam-se as devidas correcções.

(*) - Nome do café rectificado por indicação do camarada António Ribeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12594: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (1): Espinho, Porto, Tavira e Torres Novas (José Martins)

domingo, 19 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11596: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (36): 37.º episódio: Memórias avulsas (18): Aquando no CSM, Mafra, Maio de 1964

Convento de Mafra


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 13 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história ocorrida durante "Os melhores 40 meses da sua vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

AQUANDO NO CSM, MAFRA, MAIO de 1964

Aquela noite prometia deveras. A minha 1ª Companhia, acampara ali a seguir ao Sobreiro, mais propriamente na Achada, e do lado esquerdo de quem vai de Mafra para a Ericeira.
Antes da saída do convento, fora-me transmitido que levasse o fato à civil, o que estranhei, pois que se íamos para passar uns dias no mato, para quê as calças, camisa, blusão azul, sapatos e meias?

O local era porreiro, junto a um riacho, cheio de pinheiros, e foi ali mesmo que se montaram umas tendas onde coubemos os 150... oficiais e tudo... a cozinha de campanha... três jeep's . A povoação ficava lá no alto e dera para ver que lugares prazentosos não faltavam, assim nos conseguíssemos desenfiar, para usufruir.

Criaram-se postos de segurança... porta d'armas... a tenda de Comando... enfermaria. Dava portanto para entender que a guerra iria ser dura, só que ainda não sabíamos contra quem, mas o ar fingido dos Oficiais, fazia-nos perceber que não seria pera doce.

Chegada a noite e consultada a lista de serviço, verifiquei que todos os meus camaradas estavam nomeados, quer fosse para Sargento de dia, quer para cozinha e limpeza, mas o meu nome não aparecia em nenhuma tarefa, o que me intrigou mas também esperançou a que viesse a ter uma noite descansada.

Não o foi... foi melhor do que isso. Chamado ao Cmdt do meu 1º pelotão, sou então informado do porquê de ter levado o paletó e quejandos. Ali fui de imediato empossado na minha função de Mata-Hari, ou seja iria fazer de espia, nas tascas lá de cima da povoação. É que acantonados do outro lado, mais ou menos a 3Km e do lado contrário ao nosso, estava o inimigo, constituído por uma Companhia dos do COM e haveria de lhes conhecer os planos e localização, e competia-me a mim, descobrir tal, sondando as patrulhas que decerto ali iriam tomar o seu copo.

Chegada a noite, lá fui, ou melhor levaram-me até lá num dos jeep's, para não aparecer de sapatos sujos ao encontro que provavelmente iria ter e tive. Também me abonaram com 15 mil réis, para pagamentos a fazer das bebidas a sorver, tendo-me entretanto sido ministrado um curso rápido de como conseguir as informações pretendidas, e descansado fiquei pois que não teria de mostrar a perna a ninguém.

Qual morador no local, fui serenamente passeando pela estrada, onde ainda transitavam duas carroças, puxadas, uma por um animal de raça asinina (portantus.. um burro de quatro patas) e a outra, com mais potência por dois muares (ou seja, verdadeiras mulas).

Eis senão quando, miro lá dentro, na taberna que fazia esquina com uma rua perpendicular à via principal, miro lá dentro repito, 3 tropas de Mauser a tiracolo e tudo... e que eram mesmo quem eu procurava. Entrei, dei as boas-noites e fui correspondido até pelo Sr. João, o taberneiro, com quem eu havia estado antes e por isso lhe sabia o nome. A noite estava húmida, algo fria e aqueles não resistiram ao chamamento do local quentinho qu'até o lume tinha aceso ali ao meio da sala de convívio.

Palavra puxa palavra, acabei por oferecer um copo aos bravos militares, quatro, pois que entretanto chegou outro que houvera saído a gritar do WC:
- Estou de "caganêra", porra.

Foi aí que percebi que o rapaz, seria meu conterrâneo lá da República Federal do Alto-Alentejo, pois que em Português se dizia:
-Estou a desfazer-me em trampa...

Aceitaram e fui-os questionando:
- Onde estão?...
- São de Mafra?...
- Quantos são?...
- O vosso Comandante é Fulano?...

Enfim, uma actuação de verdadeiro profissional acabado de ser doutorado, ou seja... eu.
Na verdade saquei o que podia, não desconfiaram de nada, e ao fim de duas horas assisti a uma deveras e acesa discussão, provocada pelos alcoóis ingeridos, pois que aguentavam pouco, ao contrário do que acontecia comigo que desde pequeno, mamava tinto.

Dos quatro, dois queriam ir ao bordel que sabíamos bem onde era e os outros dois mais calmos propuseram que fôssemos ao local onde estavam instalados, deitar abaixo um vinhito americano de sua pertença. Era em Pinhal dos Frades, (como afirmaram e bendita inocência que nem precisei de perguntar).
Calhava mesmo bem, pois disse-lhes que "moi même" vivia ali para esses lados.

Acabei por os acompanhar... bispei qu'até os sentinelas dormiam e lá me dessedentei de novo.

Regressei depois a penates... "desbronquiei" tudo... louvado fui e nessa madrugada o ingénuo inimigo foi atacado por dois dos nossos pelotões, graças à minha perspicácia evidentemente.

Aquilo foi fazer prisioneiros, primeiro os vigias, depois entrámos com grande à-vontade e abarbatámos toda a Companhia.

Dois anos mais tarde, recordámos (eu e um dos quatro daquela noite e agora Alf. Mil. do meu BCAÇ 1858) tal episódio e enquanto tomávamos um aperitivo no Café Portugal, junto à Praça do Império, Bissau.

Rimos a bandeiras despregadas e quem nos viu, decerto pensou:
-Estes amaluqueceram.

(continua)
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