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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22699: (De)Caras (182): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - II (e última) Parte


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Bairro Joli > Novembro de 2010 > "
A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena, onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC,  e que por isso foi obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial." (*)

Fotos (e legenda): © Mário Beja Santos  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta Nova, junto ao Bairro Joli e a Santa Helena, e  Ponta Brandão,  entre Bambadinca e Fá Mandinga. 

 Eram as duas pontas com destilaria de aguardente de cana  que  restavam ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Mas, antes da guerra,  havia outras pontas e outras destilarias, em Bambadinca. Explorando a carta de Bambadinca de 1955, encontramos mais pontas para além da Ponta Brandão e da Ponta Nova: por exemplo, Ponta Barbosa, a sudoeste de Fá Mandinga, Ponta Cabarande e Ponta Amaro (acima de Bissaque), mais a norte, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Mas também Ponta Gregório Mendonça, a nordeste de Bambadincazinho, e Ponta Mamadu, a sul...Havia ainda a Ponta Romão, a sul do campo de aviação de Bambadinca... Havia outra Ponta, sem nome, do outro lado do rio, a oeste da Ponta Amaro... Enfim, "manga de pontas", que havia à volta de Bambadinca antes do início da guerra... Quem seriam estes "ponteiros" ? O que lhes aconteceu ? 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).


1. Diz a  história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que em Bambadinca restavam só duas destilarias de aguardente de cana (**).  

Uma delas era a da Ponta Brandão (***), sabemos nós de ciência certa. A outra pertencia a outro ponteiro, Inácio Semedo Sénior: foi o próprio filho Inácio Semedo Júnior que mo disse, em 2008. Mas só ontem localizámos na carta de Bambadinca a Ponta Nova, ao reler as crónicas do Mário Beja Santos, que revisitou Bambadinca e os seus arredores em novembro de 2010, crónicas a que deu nome "Operação Tangomau"(*).

A Ponta Nova e a sua destilaria pertenciam à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento, 
numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca,  no início dos anos 50, segundo informação do historiador e nosso saudoso amigo Leopoldo Amado (1960-2021).

Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal caiu nas malhas da PIDE. Condenado a dois anos de prisão, acabou por sair da Guiné e ir para Angola, onde viveu 7 anos (, segundo imformação do Beja Santos). 

O velho Semedo era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências. Conheci-o em Lisboa, em 2008, estando afastado da vida política.  Disse-lhe que era uma pena se não escrevesse as suas memórias. Foi embaixador do seu país em Portugal e na Suécia. (****)

Falando, ao telefone, em 15 de outubro de 2008,   com ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, e ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura, ele estava com 65 anos de idade, devendo  ter nascido, portanto, por volta de 1943;

(ii) era natural de Bambadinca;

(iii) era filho de Inácio Semedo Sénior, um histórico do PAIGC;

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo o costume de comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente oriundos de Samba Silate, Nhabijões, Mero, Bairro Joli,  Santa Helena...);

(v) trocava-se, naquele tempo, aguardente por arroz, sendo o arroz do sul, o celeiro da Guiné, o melhor;

(vi) a Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia antes da guerra;

(vii) disse-me ainda que estava então, em 2008, a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca...

2. Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota (que em 2013 era x-embaixador de Portugal nas Coreias, ASEAN e Indonésia, docente da Universidade de S. José, Macau; passou três anos na Guiné-Bissau). (*****)

O Carlos Frota foi visitar o velho Semedo, à sua ponta, no Bairro Joli, nas imediações de Bambadinca, já depois da independênca. Ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC, e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

" (...) Revisitando a 'minha' Guiné, lembro com saudade muitas pessoas, algumas já desaparecidas,como José Baptista, jovem diplomata do Protocolo do MNE guineense, e passados poucos anos embaixador em Lisboa. (...)

Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida."

Reunimo-nos à mesa, cheia de acepipes mais coloridos e bem cheirosos uns do que outros, com a família alargada, incluindo naturalmente o Júlio, ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Inácio Junior, embaixador em Washington. E isto, entre as brincadeiras da criançada e ordens da dona da casa directamente para a cozinha.

Foi uma reunião de família, a qual fomos associados com a informalidade que só os africanos e poucos outros (nos portugueses incluídos) sabem ter.

E falou-se de tudo entre família, desaparecendo, logo à entrada da porta, o meu estatuto de diplomata português, para dar lugar, simplesmente e para meu grande prazer, ao do amigo. Meus filhos foram imediatamente “adoptados” também como os netos mais recentes.

E durante a conversa, ininterrupta, houve referências, naturalmente, à luta do PAIGC pela independência. Mas, dos casos relatados, não transparecia nenhum ódio, nem mesmo animosidade, para com o antigo inimigo.

Havia resignação sofredora, uma como que fatalidade pelo que acontecera, mas transposto “isso” (um “isso” que implicou, infelizmente, milhares de mortos, de ambos os lados) ressurgiram os afectos entre muitos, para além das barreiras da cor da pele e do estatuto social.

Tive aliás o ensejo de testemunhar essa estranha camaradagem entre velhos inimigos quando, como Encarregado de Negócios, fui anfitrião da primeira delegação militar portuguesa que se deslocou à Guiné depois de 1975-76.

Para minha estupefacção, e durante todo um jantar que ofereci a militares portugueses e seus interlocutores guineenses, eles trocaram entre si anedotas de “tugas” e “turras”, acabando tudo em risadas e abraços! Magnífico efeito da paz!

Nós éramos vizinhos do ministro Júlio Semedo. Estivemos na festa de baptizado da sua filha, como vizinhos normais que éramos. A única anormalidade foi que, durante um bailarico improvisado, dançámos numa sala onde havia um militar armado até aos dentes em cada canto, “apenas” porque entre nós estava também…o camarada presidente Nino Vieira…E entre bom vinho português, garrafas de cerveja Cicer (muito gostosa, de fabrico local) e galinha de churrasco, nas várias mesas dispersas pela sala e abundantemente providas, lá via de repente o olho de uma Kalashnikov apontada…a ninguém!

Estranha confraternização, realmente! (...)".


3. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria o Brandão Mané, de que já aqui falámos em tempo ? (******)

A família Brandão de Bambadinca  seria também aparentada com os Semedo,  se bem percebi na mibha coversa ao telefone com o Inácio Semedo Júnior em 15 de outubro de 2008.

Disse-me ainda que, aos 16/17 anos [, por volta de 1959/60,] veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC  e/ou saído de Portugal nessa época.  

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr, na guerrilha, no sul, sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa, irmão do Vitorino Costa, morto pela CCAÇ 153, do cap u«inf José Curto, em meados de 1962. 

Garantiu-me que nunca andou na guerrilha, na sua terra natal, Bambadinca, na zona leste. A orientação do PAIGC era, compreensivelmente, pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido, e tinham família, vizinhos e amigos.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou então o curso de engenharia e e doutorou-se. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado.

Inácio Semedo Jr. vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Prometemo-nos voltar a contactar (, o que nunca mais voltou a acontecer, imfelizmente), quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Pergnto-me: o que será feito dele ?
 ___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

10 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

(...) Tangomau tem paciência. Já cumprimentou meio mundo, como não tem o caderno à mão não fixou nomes que se irão tornar tão comuns como Braima, Madjo, Aliu, Fatu ou Nhalim. Calilo no que resta de uma Renault Express leva-o até ao Bairro Joli, é em casa da família Semedo que se vai aboletar. É melhor ficar por aqui. É que muito há a dizer sobre o Bairro Joli e esta quinta que Inácio Semedo ergueu com tanto amor, muito antes da guerra. O importante é saber que a bola de fogo paira sobre os palmares de Finete quando ele é acolhido no Bairro Joli. E por hoje, ponto final. (...) 


15 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

(...) A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado, muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo. (..)



(****) Vd. postes de:


26 de outubro de  2008  > Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)

(...) Luís: Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna. (...)

Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (...), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.

Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar, já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.

Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser. (...)

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22696: (De)Caras (181): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - Parte I



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1 > Ponta Brandão, fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2.º cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, de alcunha, o "major elétrico") na  ação psicossocial. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Repare-se que a morança tem uma placa, no meio da parede, com "número de polícia": GU 23 (ou 27). A população parece ser balanta.


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1) > Ponta Brandão, uma "ponta" (exploração agrícola, com destilaria de cana de açúcar) que ficava nas imediações de Bambadinca, a caminho de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Na foto, o alf mil cav Jaime Machado (*).

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas,  um deles vestido apenas de um rudimentar tapa-sexo. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta e Ponta Brandão, núcleos populacionais consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos: milícias e/ou Pel Caç Nat (52, 63)... Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... O "ponteiro" era o velho Brandão.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


1. A Ponta Brandão veio,  de novo, à baila com a republicação  recente de mais uma das deliciosas  "estórias cabralianas" (**)... Oficial e cavalheiro, o "alfero Cabral", comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) conta-nos, com a sua inimitável e inefável  brejeirice, as peripécias da 
inesperada visita ao destacamento de Fá Mandinga de "tres alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas", uma, a "filha do Senhor Brandão [, da ponta Brandão]" e a outra,  "uma amiga de Bissau, cabo-verdiana".

Não sabemos a razão de ser da visita: por motivos de segurança, só se podia viajar, sem escolta,  à volta de Bambadinca. Fá Mandinga ficava ali à mão, a cerca de 5 km. Ia-se (e vinha-se),;de jipe, nas calmas. Por outro lado, em Fá Mandinga tinha sido uma antiga estação agronómica por onde se dizia ter passado, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa... O que parece não corresponder à verdade, mas, provavelmente, as "duas raparigas" eram simpatisantes do PAIGC e queriam ver, com os seus olhos,  o que restava dessas instalações onde o "pai da Pátria" alegadamente trabalhara vinte anos antes ...Ou então os três jovens e galantes alferes de Bambadinca (quem teriam sido eles? ) devem-lhes vendido essa patranha...

Havia uma outra ponta, em Bambadinca (diz a história do BART 2917) (***), mas eu nunca soube onde ficava exatamente . Presumo que essa pertencesse ao outra "ponteiro", Inácio Semedo, de que falaremos num próximo poste. Antes da guerra, teria havido outras mais pontas. 

Os balantas adoravam aguardente de cana. Por outro lado, os comerciamtes também trocavam aguardente de cana por arroz aos balantas, que eram grande orizicultores. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, nomeadamente em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. A aguardente de cana era o uísque dos pobres. E sem álcool  ou droga ninguém faz guerras.

O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos  quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana, dos leitoes, da fruta tropical e de .... uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).
 
2. Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água, na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal.. Mas havia muito mais pontas pelo interior da Guiné: por exemplo, pela Carta de Farim, verifica-se que havia diversas pontas ao longo do curso do Rio Farim:

Ponta Caeiro
Ponta Fernandes
Ponta Paulo Cumba
Ponta Camilo
Ponta Pinto
Ponta Manuel Rodrigues
Ponta Boa Esperança
Ponta Cabral
Ponta Francisco Monteiro
Ponta Simão, etc.

Com o início da guerra, grande parte destas explorações agrícolas foram abandonadas...

Está, de resto, por fazer a história das pontas na Guiné (****)... Na carta de Cacheu / São Domingos, fui encontrar o topónimo, Ponta Salvador Barreto... Em Bambadinca, havia a Ponta Brandão... Fui lá algumas vezes... No Xime, a Ponta Coli, a Ponta Varela...

Há muitas histórias, ligadas às Pontas, que estão por contar... Mas a nossa curiosidade ficará, em muitos casos, por satisfazer: afinal, quem era o Varela ? E o Inglês ? E o Salvador Barreto ?

Mesmo em relação a Ponta Brandão... Q
uem era o velho Brandão?  A sua origem, a sua historia?... Seria também um desterrado? ... Não temos bnenhuma foto dele, só do sítio (e de parte da sua destilaria). Mas na Ponta Brandão haveria mais população, e nomeadamente balanta, gente que no passado trabalhava o arame ele, na ponta e na destilaria...
Enfim, do velho  Brandão, sabemos pouco, embora a malta de Bambadinca, do meu tempo (1969/71), lá fosse com alguma frequência... Afinal, era um vizinho.

Eis aqui alguns testemunhos, já em tempos aqui publicados (*****):

(i) Torcato Mendonça (1943-2021) (, o nosso saudaso amigo e camarada passou por Fá Mandinga, antes da da sua CART 2339, 1968/69, ter sido colocada em Mansambo):

(...)  Não sei se a Ponta Brandão de que falas, se refere a uma quinta, algures entre Fá e Bambadinca, e pertencente a um português há muito radicado na Guiné. Creio que por razões de ordem politica.

Tenho disso uma recordação muito fraca. O vagomestre parece que ia lá comprar vegetais. Passei lá uma ou duas vezes. O Velhote tinha quatro ou cinco filhos, já homens e mulheres, mais velhos que nós. Falei com, pelo menos, um dos filhos. Contou-me que, antes da guerra certamente, caçavam no Geba jacarés e outro tipo de caça naquela zona, etc.

O Velhote tinha uma destilaria. Estando a fazer aguardente de cana,quando por lá passei, agarrou num copo em bambú, encheu e bebeu a aguardente de um trago. Como quem bebe água fresca. Depois, noutro copo, deitou aguardente e deu-me a beber. Foi o liquido mais forte que bebi... deslizava e queimava... e ele olhava... respirei fundo e soprei forte. Fiquei desinfectado. O fulano sorrindo disse ter-me portado bem. 

A minha memória dessa destilaria é fraquissima. Há outro pormenor mas é com a "inteligência" de Bambadinca. O Jorge Cabral e outros militares que passaram por Fá, certamente lembram-se desta família. Será Brandão? Não sei.


(ii) Luís Graça:


(...) Também lá fui uma ou outra vez. Ponta quer dizer quinta. Logo havia lá criação (leitões, por exemplo), horta e fruta (abecaxis, por exemplo). Julgo ter lá ido algumas vezes quando algum de nós estava de sargento de dia à messe (ou sargento de mês, mais exactamente)... 

O Jaime  (Soares Santos), o nosso vaguemestre (da CCAÇ 12), batia região à cata de matéria-prima para satisfazer o apetite voraz da messe de Bambadinca (as meses de sargentos e de oficiais eram separadas, mas a cozinha era a mesma)...

O Jorge Cabral também conhecia a Ponta Brandão, que de resto ficava perto de Fá... Mas tudo aquilo, a começar pela casa, tinha um ar decadente...

Já não posso jurar se a família era de origem metropolitana, ou cabo-verdiana... Sei que a família Brandão de Bambadinca era aparentada com os Brandão de Catió... Uns e outros tinham fama de ter gente no PAIGC. Já os Semedos tinham fortes ligações ao PAIGC (...)

(iii) António Rosinha:

Quando se fala nestas figuras de comerciantes ou agricultores, neste caso com o nome de Brandão, que na Guiné é um dos nomes de colonos históricos, noutras ex-colónias há outros nomes também com história, estamos a falar dos verdadeiros colonizadores "à lá portuguesa".  

Estes homens, sem disso terem consciência, chegaram e abriram caminho e serviram de intérpretes, a missionários católicos e outros, a chefes de posto e administradores e militares.

Estes comerciantes raramente foram alvo de um estudo, que analizasse as suas grandezas e misérias. Mas todos os governantes, desde o Diogo Cão até ao Gen Spínola, secundarizaram estas pessoas, quando devia ter sido o contrário.

Os africanos (indígenas) davam mais importância a um comerciante do que a um governador geral ou a um missionário ou chefe de posto.

Em relação à guerra, tiveram um papel tão importante, para o bem ou para o mal, que podemos dizer que os milhares de Brandões na África portuguesa, foram os pais e os avós da maioria dos teóricos fundadores, do MPLA, PAIGC e FRELIMO, movimentos que secaram outros em volta, e com isso, talvez ainda sobre alguma coisa no fim de isto tudo.

Estes comerciantes, a maioria analfabetos, ou quase, chegavam a falar um dialeto ou mais que um, continuarão a ser olhados de soslaio por qualquer militar que, ao fim de 24 meses, não chegava a comprender aquela africanização, para não dizer outros nomes.

Estes portugueses de Áfricas e Brasis foram a história mais importante da diáspora portuguesa. Em geral viajaram com passagem paga por eles. Muitos netos dessa gente veio para o meio de nós em pontes aéreas. (*****)

(iv) Jorge Cabral:

Confirmo. Fui visita assídua do Senhor Brandão, principalmente durante as férias da filha que trabalhava em Bissau. Era natural de Viana do Castelo ou da Póvoa de Varzim, já não me recordo bem. Teria na altura quase 80 anos, mais de 40 de Guiné e muitos filhos. (******)

A aguardente de cana era fogo... mas matava qualquer bicho, mesmo os imaginários...

(Continua)
___________



(***) Vd. poste de 16 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6601: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (6): Povoações sob controlo IN; Recursos; Clima e meteorologia; Dispositivo e actuação da guerrilha (Benjamim Durães / J. Armando F. Almeida / Luís Graça)

sábado, 6 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22693: Antologia (79): "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império (Jorge Cabral, autor de "Estórias cabralianas", 1º volume, 2020)


Capa do livro de Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas", vol I. 
Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. 


1. Faz hoje anos, porém está doente (*). Continua a ser uma das estrelas da nossa Tabanca Grande. Autor da série "Estórias Cabralianas" (, de que publicou em 2020, em livro, com o mesmo título,  o 1º volume), aceitou incarnar a figura impagável do "alfero Cabral". 

Não esconde que  tem um "grãozinho de loucura", coisa que faz parte dos genes dos ilustres Cabrais, mas sempre modesto, define-se como simples  "escrivinhador". Pessoalmente, considero-o como um dos melhores escritores do "teatro do absurdo da guerra" que nos calhou em sorte. Ninguém poderá falar do nosso quotidiano, nos quartéis do mato, na Guiné, de 1961 a 1974, sem evocar a figura do "alfero Cabral" (**)

Mestre do microconto, da "short story", senhor de uma ironia fina, é responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. É pena, porém, que os "mais novos", os "periquitos" da Tabanca Grande, não o conheçam. De há meia dúzia de anos a esta parte, foram rareando as "estórias cabralianas", série que chegou quase à centenas de postes. 

Fazendo votos para que o "alfero Cabral"  ainda tenha forças, saúde, coragem, motivação e o tal "grãozinho de loucura" que dá pica à vida, para publicar o seu prometido  2º volume das "estórias cabralianas" (, infelizmente o seu editor também adoeceu, entretanto), republicamos hoje, em dia de festa, um das "pérolas literárias" com que em tempos nos brindou (e que está no seu livro, é a estória nº 17) (**). Mudámos-lhe, porém, o título, liberdade que ele sempre permitiu ao editor do blogue, seu contemporâneo no CTIG e no setor, camarada, amigo e admirador. (***)
 

2. Estórias cabralianas > "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império

por Jorge Cabral

Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. 

Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão  [, da ponta Brandão], e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé.

Há muito pouco a mostrar. Fá já fora sede de Batalhões e Companhias [, sede até 1965 do sector L1, sucedendo-lhe Bambadinca ],  mas ag
ora só o seu Pelotão o ocupa e as redondezas dos principais edifícios encontram-se minadas. 

Dão uma volta e, ao passar por uma ampla vala, que separa o Quartel de cima, do Quartel de baixo, as raparigas reparam que, naquela vala inundada, cresceram formosos nenúfares.
− Tão bonitos ! |− exclamam.

Logo o Alfero mergulha. Porém a vala é funda. Perde o pé, escorrega, cai, estrebucha, mas sem nunca largar as aquáticas flores. Valeu-lhe o Preto Turbado, gigante soldado Bijagó, que o consegue agarrar pelo colarinho e o retira salvo da água pantanosa. Batem palmas as Jovens.

Recomposto, encharcado e cheio de lama, o Alfero deposita-lhes no regaço, qual Magriço de outrora, o troféu, pois… os nenúfares.

Beijam-no, sem receio de se sujarem.
− Que romântico! − dizem.

Olhem se fossem rosas, pensa o Alfero. O pior foi o início da visita. Que se lixe, conclui, afinal os românticos também mijam…


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  6 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22692: Banco do Afeto contra a Solidão (26): "Por favor telefonem-me, mandem-me um email, visitem-me!", um apelo dramátrico do Jorge Cabral, sozinho em casa, no Monte Estoril, em lutar contra o raio da doença

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22607: Fichas de unidades (20): Batalhão de Comandos da Guiné (Brá, 1972/74), incluindo 1ª CCmdsAfr (1969/74), 2ª CCmdsAfr (1971/74) e 3ª CCmds (1972/74)


Batalhão de Comandos da Guiné (Brá, 1972/74)

Identificação BCmds

Crndt: 

Maj Cav Cmd João de Almeida Bruno
Maj Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folques
Maj Inf Cmd Florindo Eugénio Batista Morais

2º Crndt: 

Cap Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folques
Cap Inf Cmd João Batista Serra
Cap Cav Cmd Carlos Manuel Serpa de Matos Gomes
Cap Art Cmd José Castelo Glória Alves

Início: 02Nov72 | Extinção: 07Set74

Síntese da Actividade Operacional

A unidade foi criada, a título provisório, em 02Nov72, a fim de integrar as subunidades de Comandos da Metrópole em actuação na Guiné e também as CCmds Africanas, passando a superintender no seu emprego operacional e no seu apoio administrativo e logístico.

Em O1Abr73, o BCmds foi criado a título definitivo, tendo a sua organizaçãon sido aprovada por despacho de 21Fev73 do ministro do Exército.

Desenvolveu intensa actividade operacional, efectuando diversas operações independentes em áreas de intervenção do Comando-Chefe ou em coordenação com os batalhões dos diferentes sectores onde as suas forças foram utilizadas, nomeadamente nas regiões de:

  •  Cantanhez (operação "Falcão Dourado", de 15 a 19Jan73, e operação "Kangurú Indisposto", de 21 a 23 Mar73); 
  • Morés (operação "Topázio Cantante", de 25 a 27Jan73); 
  • Changalana-Sara (operação "Esmeralda Negra", de 13 a 16Fev73); 
  • Morés e Cubonge (operação "Empresa Titânica'', de 27Fev73 a 0IMar73); 
  • Samoge-Guidage (operação "Ametista Real", em 20 e 2IMai73); 
  • Caboiana (operação "Malaquite Utópica", de 21 a 22 Jul73 e operação "Gema Opalina", de 24 a 27Set73); 
  • Choquenone (operação "Milho Verde/2", de 14 a 17Fev74); 
  • Biambifoi (operação "Seara Encantada", de 22 a 26Fev74); e 
  • Canguelifá (operação "Neve Gelada", de 21 a 23Mar74), entre outras. 

As suas subunidades, em especial as metropolitanas, foram ainda atribuídas em reforço de outros batalhões, por períodos variáveis, para intervenção em operações específicas ou reforço continuado do respectivo sector.

Das operações efectuadas, refere-se especialmente a operação "Ametista Real", efectuada de 17 a 20Mai73, em que, tendo sofrido 14 mortos e 25 feridos graves, provocou ao inimigo 67 mortos e muitos feridos, destruindo ainda 2 metralhadoras antiaéreas e 22 depósitos de armamento e munições com 300 espingardas, 112 pistolas-metralhadoras, 100 metralhadores ligeiras, 11 morteiros, 14 canhões sem recuo, 588 lança-granadas foguete, 21 rampas de foguetão 122, 1785 munições de armas pesadas, 53 foguetões de 122 mm, minas e 50.000 munições de armas ligeiras.

Destacou-se também, pela oportunidade da intervenção e captura de 3 morteiros 120, 367 granadas de morteiro, 1 lança granadas foguete e 2 espingardas e 26 mortos causados ao inimigo, a acção sobre a base de fogos que atacava Canquelifá, em 21Mar74.

Em 20Ag074, as três subunidades de pessoal africano foram desarmadas, tendo passado os seus efectivos à disponibilidade.

Em 07Set74, o batalhão foi desactivado e exinto.

Observações - Não tem História da Unidade.


1ª Companhia de Comandos Africanos

Identificação; 1ª CCmdsAfr
Cmdt: 

Cap Grad Cmd João Bacar Jaló
Ten Grad Cmd Abdulai Queta Jamanca
Ten Grad Cmd Cicri Marques Vieira
Cap Grad Cmd Zacarias Saiegh

Início: 09Ju169 | Extinção: 07Set74

Síntese da Actividade Operacional

Foi organizada em Fá Mandinga a partir de 09Jul69, exclusivamente com pessoal natural da Guiné e foi formada com base em anteriores Grupos de Comandos existentes junto dos batalhões, tendo iniciado a sua instrução em 06Fev70 e efectuado o juramento de bandeira em 26Abr70.

A subunidade ficou colocada com a sede em Fá Mandinga, com a missão de intervenção e reserva do Comando-Chefe, após ter terminado o seu treino operacional na região de Bajocunda, de 21Jun70 a 15Jul70, e onde, seguidamente, se manteve em reforço do COT 1, em face do aumento da pressão inimiga na área, até finais de Set70, tendo então recolhido a Fá Mandinga.

A partir de 300ut70, foi atribuída em reforço de vários sectores, tendo tomado parte em operações nas regiões de Enxalé, de 300ut70 a 07Nov70, na zona de acção do BArt 2927; de Nova Sintra, Brandão, Jabadá e Bissássema, de Fev71 a meados de Julho71, em reforço do BArt 2924. 

Tomou ainda parte na Op "Mar Verde", em 21 e 22Nov70, em acção sobre Conacri e destacou três pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, de princípios de Dez70 a finais de Jan71.

Em finais de Ju171, seguiu de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperação, tendo, em meados de Ago71, passado a ficar instalada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro BCmds.

Seguidamente, passou a efectuar operações conjuntas com a 2ª CCmdsAfr, em regiões diversas, nomeadamente nas regiões de: 

  • Cancodeá Beafada, em 060ut71; 
  • Choquemone, de 18 a 220ut71; 
  • Tancroal, de 290ut71 a 01Nov71; 
  • Morés, de 20 a 24Dez71 e de 07 a 12Fev72; 
  • Gussará-Tambicó, de 30Mai72 a 03Jun72;
  • e ainda as operações preparatórias e de consolidação da instalação do COP 7 na península de Gampará (operação "Satélite Dourado", de 11 a 15Nov71 e a operação "Pérola Amarela", de 24 a 28Nov71). 

Tomou também parte em operações desenvolvidas pelo CAOP 1, na região de Caboiana-Churo, de 28Abr71 a 01Mai72, de 26 a 28Jun72 e de 19 a 21Dez72 e pelo COP 4, na região de Salancaúr-Unal-Guileje, de 28Mar72 a 08Abr72.

Em 02Nov72, foi integrada no BCmds, então criado, tendo tomado parte em todas as operações planeadas e comandadas por este e tendo ainda sido atribuídas  algumas vezes para realização de operações desenvolvidas pelos sectores ou comandos equivalentes.

A 1ª CCmdsAfr foi desactivada e extinta em 07Set74, com as restantes forças do BCmds.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte -CECA (2002), pp. 648/649

2ª Companhia de Comandos Africanos

Identificação: 2ª CCmdsAfr
Cmdt: 
Ten Grad Cmd Mamadu Saliu Bari
Ten Grad Cmd Adriano Sisseco
Ten Grad Cmd Armando Carolino Barbosa

Início: 15Abr71 | Extinção: 07Set74

Síntese da Actividade Operacional

Foi organizada e instruída em Fá Mandinga a partir de 15Abr71 exclusivamente com pessoal africano natural da Guiné e foi formada com base em anterior Grupos de Comandos existentes junto dos batalhões e com graduados vindos da 1ª CCmdsAfr, tendo realizado o treino operacional de 28Ag071 a 23Set71, o qual incluiu a participação em operações realizadas nas regiões de Sancorlá-Cossarandim e Ponta Varela, no sector do BArt 2917.

A subunidade ficou colocada em Fá Mandinga, com a função de intervenção e reserva do Comando-Chefe, tendo sido atribuída inicialmente ao BArt 2917, com vista à realização de operações nas regiões de Malafo-Enxalé, em 10/11Set71 e Gã Júlio, de 02 a 040ut71.

Em meados de Out71, passou a ficar instalada em Brá (Bissau) nas instalações do futuro BCmds, em conjunto com a 1ª CCmds Africana com a qual passou a tomar parte em operações realizadas em regiões diversas, nomeadamente nas regiões de:

  • Cancodeá Beafada, em 060ut71; 
  •  Choquemone, de 18 a 220ut71; 
  • Tancroal, de 290ut71 a 01Nov71; 
  • Morés, de 20 a 24Dez71 e de 07 a 12Fev72; 
  • Gussará-Tambicó, de 30Mai72 a 03Jun72;
  • e ainda as operações preparatórias e de consolidação da instalação do COP 7 na península de Gampará (operação "Satélite Dourado", de l l a 15Nov71 e operação "Pérola Amarela", de 24 a 28Nov71.

Tomou também parte em operações desenvolvidas pelo CAOP 1 na região de Caboiana-Churo, de 28Abr71 a 0IMai72, de 26 a 28Jun72 e de 19 a 21Dez72 e pelo COP 4, de 28Mar72 a 08Abr72. 

Realizou ainda operações em diversas zonas de acção, nomeadamente na região de Suarecunda, em 17Jan72 e de 18 a 21Mai72, no sector do BCaç 3832 e de Sare Bacar, em 06Mai72, no sector do BCav 3864, entre outras.
 
Em 02Nov72, foi integrada no BCmds, então criado, tendo tomado parte em todas as operações planeadas e comandadas por este batalhão e tendo ainda sido atribuída algumas vezes para realização de operações desenvolvidas elos sectores ou comandos equivalentes.

A 2ª CCmdsAfr foi desactivada e extinta em 07Set74, com as restantes forças do BCmds.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: CECA (2002) pp. 650/651

3ª  Companhia de Comandos Africanos

Identificação: 3ª CCmdsAfr
Cmdt: 
Alf Grad Cmd António Jalibá Gomes
Ten Grad Cmd Bacar Djassi
Alf Grad Cmd Aliú Fada Candé
Alf Grad Cmd Malan Baldé

Início: 14Abr72 | Extinção: 07Set74

Síntese da Actividade Operacional

Foi organizada e instruída em Fá Mandinga a partir de 14Abr72 até 16Set72, para concretização do despacho de 03Mar72 do CCFAG, sendo constituída exclusivamente com pessoal africano natural da Guiné, recrutado nas subunidades africanas da organização territorial e das subunidades de milícias e com graduados vindos das anteriores CCmdsAfr, tendo a imposição das insígnias de "comando" sido efectuada na cerimónia de criação do BCmds, em 02Nov72.

Em 02Nov72, foi integrada no BCmds, então criado, ficando instalada em Brá (Bissau) e tomando parte nas operações planeadas e comandadas por aquele batalhão. 

Algumas vezes foi atribuída para realização de operações desenvolvidas por sectores ou comandos equivalentes, nomeadamente na região de Campada /  Barraca Banana, em 04Dez72, no sector do BCav 3846.

A 3ª CCmdsAfr foi desactivada e extinta em 07Set74, com as restantes forças do BCmds.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: CECA (2002), pág. 652


Fonte: Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp.. 646/652-

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Nota do editor:

sábado, 31 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21500: Notas de leitura (1320): A festa do corpinho... (Jorge Cabral, "Estórias cabralianas", Lisboa, ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60)


Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap Zé Neto (1927-2007), o nosso primeiro grã-tabanqueiro a deixar a Terra da Alegria... 

Enquanto que as feministas da Europa, do pós-Maio de 1968, queimavam os seus sutiãs, símbolo do sexismo e opressão sexista, na Guiné, o supremo luxo, para as nossas queridas bajudas, era ostentar um corpinho (sutiã), como este que se vê na foto... Farto, largo, colorido... 

O Jorge Cabral foi o primeiro dos "régulos" da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...Um "corpinho" era "manga de ronco"

Foto (e legenda) © José Neto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Estórias cabralianas > A festa do corpinho...  (*)

por Jorge Cabral 

[, ex-alf mil at art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)]


O Marinho era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque, (a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito), o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado. 

O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores, (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca.

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a Tabanca, numa acção sócio–erótica, a qual consistia numa esfregação mamária às belíssimas bajudas. 

Habituado às bajudas mandingas, verifiquei experimentalmente a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito étnico-mamário.

Afim de me redimir, em Janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 38 corpinhos (sutiãs) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 38 sutiãs de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã. Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os sutiãs constituíam a minha única bagagem. 

Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei, mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo. 

In: Jorge Cabral - "Estórias Cabralianas". Lisboa: ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60 (com a devida vénia...). (**)
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 31 de outubro de  2020 > Guiné 61/74 - P21498: Notas de leitura (1318): "Estórias cabralianas", 1º volume, Lisboa, Leituria, 2020, 144 pp,, de Jorge Cabral... Prefácio de Luís Graça: "o charne discreto da humanidade ou a arma da irrisão contra o absurdo da guerra"

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21468: Tabanca Grande (504): Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68). Apadrinhado pelo nosso camarada Abel Santos, vai ocupar o lugar n.º 820 do nosso poilão sagrado

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68), com data de 14 de Outubro de 2020:

Formei Batalhão, em Tomar, chegando à Guiné em 15 de agosto de 1966.

Estive em Bissau na CCAÇ 1589, aquartelado no antigo 600. Esta Companhia funcionava como Companhia de Intervenção sob as ordens diretas do Comando-Chefe.

Fez várias operações pelas zonas de Portogole, Enxalé, Xime, Oio, Ilha do Como, seguindo passados 10 meses para Madina do Boé, onde permaneceu 11 meses, sendo depois rendida pela Companhia que sofreu o acidente na jangada, no rio Corubal.

Durante esse período sofreu uma baixa, e nunca ninguém ou do comando, ou particular, fez uma visita a esse aquartelamento, salvo as escoltas anuais, fim das chuvas que abasteciam o destacamento.

Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam, também fazia caricaturas, versos e tabuletas com vários "epitáfios" do momento. Logo à entrada se podia ver uma tabuleta,:

"AEROPORTO INTERNACINAL DE MADINA DO BOÉ" 

e outro:

 "MADUNA DO BOÉ, O ALGARVE DA GUINÉ", 

ao lado do monumento que existia à entrada, com granadas, estilhaços e outros afins destrutivos da época.
Manuel Inácio e o seu inseparável trompete
Vista aérea de Madina do Boé - Foto atribuída a Manuel Domingues
"Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam..." - Lá está a cadeira (ao alto num dos abrigos)
Madina do Boé - Manuel Inácio
Madina do Boé: Convite para umas férias inesquecíveis - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados
Madina do Boé: Memorial da CCAÇ 1416: "Aos nossos mortos"... "E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando" - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados
Recordações de Madina do Boé - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados

2. Comentário do editor CV:

Caro Manuel Inácio

Bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Muito obrigado por te juntares à tertúlia e pelas fotos enviadas que suponho ser todas de Madina do Boé. Obrigado também ao Abel Santos por "apadrinhar" a tua entrada. Sentas-te no lugar n.º 820, à sombra do nosso mágico, fraterno, acolhedor e protector poilão. Como gostamos de dizer, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Cabemos cá todos com tudo o que nos une e até com o que nos pode separar...  Fico à espera de mais memórias tuas para alimentar o blogue, que é um "bicho comilão e sedento"... Como vês, em 16 anos de existência já publicámos cerca de 21 mil e 500 postes, a par de 85 mil comentários... Para não falar em mais de 100 mil imagens... E vamos a caminho das 12,5 milhões de visualizações de páginas (, grosso modo, visitas). 

O teu nome, Manuel Inácio, passa a figurar, a partir de hoje, na lista alfabética, de A a Z, dos membros da Tabanca Grande, na coluna (estática) do lado esquerdo... Muita saúde e longa vida para ti, sempre, sempre ao nosso lado.
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21387: Tabanca Grande (503): António Baltazar Valente Ramos Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745 (Ingoré e Bigene, 1967/69): senta-se no lugar n.º 819 do nosso poilão

terça-feira, 2 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21033: Memória dos lugares (410): Fá Mandinga, local onde passamos "uma espécie de férias” (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Torcato Mendonça. O arriar da bandeira ...

Foto: © Torcato Mendonça


1. Em mensagem do dia 1 de Junho de 2020, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) lembra o seu tempo em Fá Mandinga.


MEMÓRIA DOS LUGARES

FÁ MANDINGA

De quando em vez, ao ler alguns dos postes que aparecem no blogue, acontece comigo, o que certamente acontece com muitos, sou levado a sítios por onde passei que não estando esquecidos se vão mantendo em hibernação... foi o que me aconteceu ao ler o poste enviado pelo Ex-furriel Fernando Cepa, em que falava de Fá, onde ele esteve algum tempo.

Também a minha companhia num dos tempos mais difíceis para o nosso pessoal (lá esteve uma semana) não motivado por situações de guerra que naquele tempo, por ali, não se fazia sentir… Mas sim pela mudança com que estávamos a ser confrontados, a saída de Mansambo para Cobumba. Local que a maioria de nós nunca tinha ouvido falar. As informações que nos chegavam depois de sabermos da mudança, não eram nada animadoras… embora não fossem ainda tão negativas como as que viemos a ter de enfrentar enquanto por lá estivemos…

Em Fá Mandinga, local onde passamos "uma espécie de férias”, existiam instalações de grandes dimensões em que as telhas que as cobriam, pelo menos algumas, tinham sido fabricadas na então metrópole, na região de Porto de Mós, onde existiam muitas fábricas, o que me tocava ainda mais dada a proximidade da minha terra. Existia também no local, um espaço em mau estado com vários motores inoperacionais que noutro tempo ali teriam funcionado para produzir energia. Um pouco mais abaixo, junto à bolanha, havia mais instalações, onde os padeiros da nossa companhia iam fazer o pão. Creio que não estou errado… foi há muito tempo...

Dizia-se que aquelas instalações pertenciam a Amílcar Cabral quando a guerra começou. Mas diziam-se tantas coisas…

Durante o tempo que lá estivemos, para além do pessoal da cozinha e os padeiros, não me lembro que mais alguém tivesse feito qualquer serviço, eu sei que não fiz assim como os outros condutores. Mas o lado psicológico não deixava ninguém tranquilo. A mais pequena coisa... levava a comportamentos nada comuns. Comigo, aconteceu eu estar deitado durante o dia e um colega entendeu chatear, avisei-o para me deixar estar sossegado ele não fez caso, o que me levou a pegar nas cartucheiras que tinha ali à mão atirando-lhe com elas com alguma violência, coisa que não era meu hábito. Durante algum tempo o nosso relacionamento passou a ser mais distanciado... o José não fez nada de muito mau, era o seu jeito de estar, mas a minha perturbação era enorme.
A esta distância no tempo peço-lhe desculpa e desejo que ele se encontre de boa saúde.

Outro dia, cerca da meia-noite, quando estávamos a dormir houve um “corneteiro” que se lembrou de pôr a tocar o seu instrumento acordando toda a gente. Instrumento que nunca tinha sido usado na nossa companhia, nem em Mansambo e menos depois em Cobumba. Atitude estranha, mas aconteceu… Um dia estava eu junto de outros camaradas do lado de fora das instalações próximo de um poço que existia junto ao caminho que seguia para a bolanha, em que alguém ali por perto tinha um rádio onde uma das canções que ouvi, foi, "Guitarra toca baixinho", cantada por Francisco José.

Estranhamente, ou não, ainda hoje, quando ouço essa canção a minha mente desloca-se logo até Fá Mandinga.
Marcas que ficaram para a vida…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21020: Memória dos lugares (409): Fazenda Experimental de Fá (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21020: Memória dos lugares (409): Fazenda Experimental de Fá (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

Mensagem do nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) com data de hoje, 29 de Maio de 2020:


FAZENDA EXPERIMENTAL DE FÁ

Respondendo ao repto lançado recentemente pelo Mário Beja Santos[1] sobre a Fazenda Experimental de Fá, fui repescar um pequeno texto, rascunhado há uma dezena de anos que estava meio perdido na enorme confusão que é o meu baú de recordações da guerra na Guiné.

A CART 1689 (BART 1913) chegou a Bissau no dia 1 de Maio de 1967, seguindo diretamente por via marítima até Bambadinca e depois em viaturas para o aquartelamento de Fá.

A CART 1689 permaneceu em Fá de 1 de Maio de 1967 até 18 de Julho de 1967, portanto, em números redondos, dois meses e meio, rumando depois para a base do seu batalhão, sediado em Catió.
Mais ou menos à entrada do aquartelamento de Fá, ao nosso tempo, existia um misterioso edifício, fechado e de boa construção, ao qual não tínhamos acesso o que nos provocava grande curiosidade pelo mistério que envolvia a sua finalidade ou utilidade.

O Furriel Miliciano Enfermeiro Faria (já falecido) era um dos entusiastas em desvendar o que albergava tão enigmático edifício e foi ele a organizar o “golpe de mão” que nos levou ao interior da, para nós, sinistra construção.

No dia combinado, ao despertar dos primeiros raios de sol, o grupo de assalto, comandado pelo Furriel Miliciano Enfermeiro Faria, dirige-se para o objetivo, fazendo várias manobras de reconhecimento e despiste para não ser detetado e logo forçamos a entrada por uma janela lateral, previamente selecionada, de pouca visibilidade do lado do caminho.

Logo fizemos uma rápida e sorrateira visita geral ao edifício . Encontrámos muitos expositores e vitrinas bem tratadas com muitas amostras de sementes, plantas, árvores e afins, no fundo, muito material que inequivocamente estava direcionado para uma estação agrária, porventura experimental. Surpreendeu-nos o elevado grau de organização do interior, com bom mobiliário, excelentes expositores onde as sementes estavam devidamente classificadas e catalogadas.

Especulava-se na altura que o mentor direto e responsável técnico deste projeto teria sido o secretário geral do PAIGC, Eng.º Agrónomo, Amílcar Cabral, natural da vizinha cidade de Bafatá e a viver em Conacri, de onde dirigia a guerrilha.

Nota: - Não tenho a certeza se o Amílcar Cabral alguma vez esteve ligado à Fazenda Experimental de Fá. Esperemos que alguém faça este esclarecimento.

Fernando Cepa
Ex-Furriel Miliciano
CART 1689/BART 1913




Fá, de 1 de Maio a 18 de Julho de 1968 - Fur Mil Art Fernando Cepa
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 27 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20996: Memória dos lugares (408): Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa Pelundo na Região de Cacheu (Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf)

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A vasculhar a coleção do Boletim Geral das Colónias e Boletim Geral do Ultramar, publicações naturalmente oficiosas, mas onde, em dado passo, era possível obter informação sobre projetos em curso, encontrei referência ao que se pretendia fazer na regularização e defesa do rio Geba e notícia pormenorizada à Fazenda Experimental de Fá, como aqui se resume.
Seria bem interessante que quem viveu em Fá e conheceu as instalações, e possua delas imagem, aqui as publicasse.
Aproveita-se para pedir aos amigos guineenses se têm imagens atuais do que se procurou fazer para a regularização e defesa do rio Geba e de como é hoje Fá, se algum daqueles projetos teve continuidade ou se está tudo reduzido a ruínas. Talvez o Patrício Ribeiro, um confrade tão esforçado, nos dê notícia do que é a Fá atual...

Um abraço do
Mário


Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra

Beja Santos

Quem procura sempre alcança. Não é taleiga fácil mexer no acervo do Boletim Geral das Colónias e no Boletim Geral do Ultramar, que lhe sucedeu, em 1951, quando deixámos de ter colónias e passámos a ter províncias ultramarinas. Depois de folhear muito papel depara-se no n.º 443, de maio de 1962, um artigo onde a propósito de grandes projetos e realizações em África se faz larga referência às realizações em curso pela Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné: o que se estava a fazer no rio Geba e na Fazenda Experimental de Fá. Vale a pena extrair as informações oferecidas por autores anónimos.

Primeiro o Geba e a sua economia:
“Na agricultura, a principal produção é o arroz de regadio. Outros produtos comercializados da região são o coconote e o óleo de palma. A campanha da mancarra, principal produto de exportação da província, provoca um aumento do movimento de navegação do rio durante a época seca, período em que as condições de navegabilidade são mais deficientes. As estradas existentes na região servem de complemento à rede fluvial de transporte, que, devido às condições topográficas da região, com numerosos cursos de água que tornam a construção de estradas muito onerosa devido às numerosas obras de arte necessárias e desvios anormais dos percursos a que obrigam, se deve considerar como o meio mais económico de drenar os produtos agrícolas da região”.
Não menos curioso é o texto referente às caraterísticas fisiográficas do rio Geba:
“O troço do rio compreendido entre Bafatá e a foz apresenta um primeiro escalão com cerca de 35 km a contar da foz com leito sensivelmente estável, embora meandrizado; a zona seguinte, com 40 km, está altamente meandrizada e é muito instável, com as margens em permanente erosão; a zona final, até Bafatá, é estável, embora ainda meandrizada. Para dar ideia da meandrização, basta dizer que o percurso do rio entre Bafatá e Bambadinca excede 70 km, ao passo que em linha reta a distância se reduz a 27 km. De uma maneira geral pode dizer-se que a largura do leito vai estreitando de Bafatá para jusante, até Fá, onde atinge um mínimo, alargando depois gradualmente até à foz. O leito do rio está em acelerado assoreamento, como prova o facto de se registarem em 1896 marés com a amplitude de 2,40 m em Geba, quando em 1958 não excedem 0,20 metros. Este assoreamento está a dificultar cada vez mais a navegação do rio. As terras baixas marginais, que entre Bafatá e a foz atingem cerca de 18 000 hectares, podem dividir-se em duas partes. A zona de montante, com cerca de 12 600 hectares, é alagada durante a época de chuvas pelas águas do rio, que transborda do seu leito, impossibilitando que aí se faça todo e qualquer aproveitamento agrícola. A zona de jusante, com 5 400 hectares, é somente alagada em alguns pontos de cota mais baixa e nos períodos de maiores marés, sendo já hoje cultivada com arroz”.

Seguidamente, são referenciados os objetivos das obras no setor agrícola, dos transportes, na parte industrial e no setor político-social. Depreende-se que o grande objetivo era a defesa dos terrenos marginais e o aumento da área agricultável, o propósito de diminuir custos dos fretes e das despesas de conservação das vias de transporte. Pretendia-se obturar a foz do rio por um açude, impedir a propagação da maré e das aluviões por ela transportadas e manter o nível das águas a montante a cota suficiente para a navegação. A par deste objetivo pretendia-se construir um canal de navegação, com eclusas, para transpor o desnível entre a albufeira criada pelo açude e a cota natural do canal de Bissau a jusante. Faz-se o elenco do que se pretendia como obras de regularização e navegação: o açude, o canal de navegação, as eclusas de navegação. Em paralelo, haveria obras de aproveitamento agrícola: defesa contra as cheias, obras de enxugo, a estação de bombagem, a rede de rega, sobretudo. Dei voltas à procura de mais elementos sobre o avanço destes projetos, o curioso é que neste artigo do Boletim Geral do Ultramar se veem fotografias da estação de bombagem, da rede de enxugo, do campo experimental de amendoim e da rede de rega. É neste contexto também que se menciona o projeto da Fazenda Experimental de Fá.
Escreve-se o seguinte:
“Para o estudo do interesse agrícola das terras baixas marginais do rio Geba torna-se necessário proceder à experimentação, de modo a obter elementos que permitam elaborar com base segura um esquema de exploração daqueles solos. Com esta finalidade construiu-se em Fá uma fazenda experimental ocupando uma área de cerca de 125 hectares.
Entre as culturas ensaiadas na fazenda contam-se, na zona de terras baixas, arroz, juta, crotalária, cana sacarina, feijão congo e rícino; na zona da base da encosta, a cotas mais altas que a anterior, cana sacarina, citrinos, café, bananeira, coleira, ananaseiro, feijão congo, pimenta preta, mandioca e culturas miscelâneas; finalmente, na zona do planalto, amendoim, rícino e feijão congo”
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E elencam-se igualmente as obras de defesa contra as cheias, de enxugo, de rega, a estação de bombagem, a piscicultura, referindo-se instalações que muitos militares conheceram: instalações agrícolas da fazenda, que constam de celeiro e eira coberta, instalações para pessoal e serviços, e escreve-se o seguinte:
“Num único edifício, com dois corpos, instalaram-se os laboratórios de análises, hidrobiologia, estudo do descasque do arroz e rendimentos, arquivo de sementes, etc.; os gabinetes de trabalho do pessoal técnico e dos serviços administrativos; uma sala de reuniões e biblioteca; e um anexo com o posto de socorros e enfermaria.
Em duas moradias, uma das quais geminada, fica instalado o pessoal técnico com família; numa casa com quatro quartos, o pessoal técnico sem família. Anexo a esta casa existe um centro cívico, que serve de cantina e centro de reunião.
Prevê-se a construção de outra casa para habitação do pessoal auxiliar assalariado na província da Guiné. Para os trabalhadores da fazenda construíram-se várias casas de madeira e querentim rebocado, com cobertura de alumínio, uma cozinha, um refeitório e instalações sanitárias.
A rede de abastecimento de água consta de um poço, cisterna e central elevatória; dois reservatórios de água; uma estação de tratamento de água; e tubagem de condução e distribuição”
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Seguramente que este mundo aqui versado desapareceu, terá deixado vestígios. Bom seria que quem passou por Fá e captou imagens as publique aqui, são naturalmente posteriores a 1962. Recordo que este Boletim Geral do Ultramar n.º 443 de maio de 1962, está disponível no site, todas as imagens que acompanham a descrição destes projetos também ali aparecem. Resta saber o que é que as autoridades da Guiné-Bissau fizeram deste projeto ou que reutilização deram à Fazenda de Fá. Talvez o Patrício Ribeiro nos possa ajudar…

Fá Mandinga
Imagem retirada de http://trip-suggest.com/guinea-bissau/guinea-bissau-general/fa-mandinga/

Adriano Moreira faz a sua primeira visita à Guiné, vem de Angola, foi muito bem acolhido em Mansoa e Nhacra. Voltará à Guiné em 1962, então sim, uma viagem um pouco mais demorada, a luta armada estará para breve. Imagem extraída do Boletim Geral do Ultramar

Os meandros do Geba, imagem magnificamente captada pelo confrade Humberto Reis, usei-a com enorme satisfação num dos meus livros.
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Nota do editor