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quarta-feira, 17 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21084: Historiografia da presença portuguesa em África (213): Para Luciano Cordeiro, de um oficial da Armada que definiu as fronteiras da Guiné - Carta do Capitão-de-Fragata da Armada Real, Eduardo João da Costa Oliveira, publicada no Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Nada como dar a palavra ao oficial da Armada nomeado comissário para a delimitação das fronteiras da Guiné Portuguesa. Eduardo João da Costa Oliveira dirige-se a Luciano Cordeiro e a sua carta é tudo menos inocente, nela se exaltam as potencialidades de uma colónia que aguarda planos de desenvolvimento. Mas tudo tem o seu preço, é necessário travar as lutas interétnicas e marcar presença. Descreve os rios, e vê-se nitidamente que sabe do que está a falar, alerta para as riquezas que poderiam representar a agricultura e o comércio no Geba.
Este seu importante trabalho precede outro, a que nos referiremos adiante que é a sua viagem à Guiné Portuguesa, um documento preciosíssimo, estranhamente pouco invocado pelos estudiosos.
Gradualmente, se vai confirmando a dívida do território com estes distintos oficiais da Armada, que cartografaram, definiram fronteiras, revelaram a navegabilidade dos rios e das rias e que num dado momento puseram a colónia no mapa do império, basta pensar nos nomes de Sarmento Rodrigues, Teixeira da Mota e Pereira Crespo.

Um abraço do
Mário


Para Luciano Cordeiro, de um oficial da Armada que definiu as fronteiras da Guiné

Beja Santos

A carta do Capitão-de-Fragata da Armada Real, Eduardo João da Costa Oliveira para Luciano Cordeiro, publicada no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, no número constante desta imagem, é um belíssimo documento para quem pretende acarrear e inventariar a documentação essencial sobre a presença portuguesa na Guiné, quando a colónia passou a ter fronteiras. E ninguém melhor posicionado para o fazer de quem contribuiu para o facto.
O documento começa assim:
“Meu caro Luciano Cordeiro, tomo a liberdade de te enviar e oferecer um modestíssimo esboço do território português da Senegâmbia”. O oficial de Marinha é profundo conhecedor do território, percorreu os rios e faz uma síntese do que julga mais significativo para enviar ao político em Lisboa:
“Rio de Cacheu ou de Farim – rio profundo de margens pitorescas e navegável para grandes navios mais de cem milhas aproximadamente acima da foz. Na margem direita deste formoso rio está situada a nossa praça de Farim, outrora importante pelo seu comércio, e a cinco milhas a jusante um excelente fundeadouro para grandes navios”. E mais acrescenta que os nomes dos afluentes principais deste rio e das povoações ribeirinhas foram revistos e corrigidos pelo Sr. Cleto, funcionário público da Guiné, um dos cavalheiros mais sabedores daquelas zonas. Esclarece ainda que os chamados rios de Jata, Âncoras, Nhabo e Impernal são verdadeiros canais.
Rio Geba – o traçado deste rio até à embocadura do Corubal é tão exato quanto possível. E cita um trabalho de Lopes de Lima: “Entre Geba e Farim há comunicação fácil, sendo a distância entre os dois presídios de dezoito léguas, de que doze se andam em canoas pelo rio de Farim até à aldeia de Tandegú, e as seis por terra de Tandegú a Geba. Este rio é navegável para grandes embarcações somente até a Pedra Agulha, por causa dos bancos de areia que existem umas trinta milhas, pouco mais ou menos, acima da sua foz, deixando apenas um estreito canal, por onde podem passar duas canoas a par”.

Refere detalhadamente o fenómeno do macaréu e adiciona a seguinte informação: “Algumas lanchas do Estado, como a Honório e a Cacine e outras, vão muitas vezes a Geba em serviço da Província e não me consta ter havido nenhum desastre proveniente do macaréu”. E pela primeira vez emite um parecer político, sobre as potencialidades da Guiné: “Para mim, é ponte de fé que o futuro da Guiné está ligado a este rio. Geba é um ponto estratégico importantíssimo do sertão, e, se fosse convenientemente guarnecido e defendido, assim como S. Belchior e Sambel Nhantá, o comércio, à sombra dessa protecção havia de desenvolver-se rapidamente, e Bissau, capital natural da Guiné, já pela sua posição geográfica, já pela sua importância comercial, podia ser, num futuro não muito remoto, o empório daquela rica e extensa região”. E não escusa de informar o político em Lisboa de importantes trabalhos vindouros, de modo a assegurar uma presença duradoura da soberania portuguesa: “Os pontos a fortificar desde já no interior da Guiné e a proteger eficazmente, seriam, segundo o nosso humilde modo de ver, Farim, Geba e Buba, e consequentemente Bolor, Bissau e Colónia, no rio Grande de Bolola. Alguns pontos intermédios, tais como S. Belchior e Sambel Nhantá, no rio Geba, e Cacheu no rio do mesmo nome. Mas sem lanchas a vapor bem armadas e apropriadas para aquela difícil e perigosa navegação, nada se deve tentar, se quisermos evitar algum tremendo desastre, semelhante ao de Bolor, onde foram massacrados dois oficiais, trinta soldados e mais de duzentos habitantes afeiçoados ao nosso Governo, pelos gentios Felupes”.

Rio Mansoa – este rio, que na largura, profundidade e importância comercial não é muito inferior ao Geba e Farim, corre paralelamente a estes dois rios e comunica com o de Armada, podendo reduzir a um terço o tempo da viagem, que ainda se faz em dois ou três dias entre a vila de Bissau e a praça de Cacheu por caminhos perigosos. Parece que o Mansoa é um grande esteiro engrossado por numerosos ribeiros e não um rio propriamente dito.

Rio Corubal – dizem que nasce em altas montanhas do Futa-Djalon; é profundo e largo, navegável muitas milhas pelo sertão dentro e despenha-se de quatro metros de altura próximo de Consinto (Cussilinta?). Há dois pequenos rápidos pouco distantes desta formosa catarata, e vai misturar as suas águas cristalinas com as do rio Geba.

Rio Grande de Bolola ou dos Portugueses – é conhecidíssimo este rio, ou, antes, esteiro, onde vem desaguar muitos outros esteiros mais pequenos e riachos. É navegável para grandes embarcações até milha e meia abaixo de Buba. Foi importante o comércio da mancarra e outros géneros neste rio. Atualmente pode afirmar-se sem receio de controvérsia que está abandonado pelos negociantes nacionais e estrangeiros”. E especula sobre as razões de tal degradação, desde a quebra dos preços da mancarra no mercado internacional até às guerras entre Fulas e Beafadas, conhecidas como as guerras do Forreá. E afirma: “O que nos causa espanto é que não se ponha cobro a estas guerras sempre desastrosas aos nossos interesses e bom nome, por serem feitas em territórios chamados portugueses”. E a propósito da imposição da soberania, e para travar completamente as guerras interétnicas, sugere: “Aí pelos arsenais do Exército e da Marinha existem pequenas peças de bronze, de alma lisa, que para nada servem; porque não se lhes manda fazer reparações ou carretas de ferro e se enviam para a Guiné a fim de guarnecerem as praças de Buba, Farim, Geba e Cacheu, e os postos militares em S. Belchior e Sambel Nhantá, Bolor, etc.?”

Rio Cacine – navegável até à feitoria de Amadu-Bubú, é também um enorme esteiro, onde vão desaguar numerosas ribeiras, que, na época das chuvas, devem formar caudalosos rios. A borracha é o produto indígena que ali se permuta por armas brancas e de fogo, pólvora, etc.

Finda esta descrição, o Capitão-de-fragata adiciona outras informações antes de dar por finda a carta. Observa o seguinte:
“Os Fulas do sertão do rio Grande, desde Contabane até Damdum, são geralmente hospitaleiros, obsequiadores, leais e susceptíveis de se nos afeiçoarem. Não bebem álcool. Apreciam unicamente as contas de alambre, de coral, o bertangil, fazendas brancas e de cor, tabaco em folha, pólvora, chumbo de caça, zagalotes e balas. Desde Contabane até Buba, já o álcool tem apreciadores distintos, e o nosso dinheiro, conhecido por dinheiro do Forreá, serve para adquirir os géneros precisos”.

O Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira era sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa, e foi o comissário português encarregado de estudar a demarcação para o tratado entre Portugal e a França relativo à Guiné.

Primeiras instalações do BNU em Bissau (1917)

Carnaval Felupe, imagem da investigadora Lúcia Bayan, gentilmente cedida ao blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21062: Historiografia da presença portuguesa em África (212): A Guiné há um século, segundo Fortunato de Almeida em "Portugal e as Colónias" de 1918 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20745: Ser solidário (229): Projecto Kassumai e homenagem ao cap Luís Rei Vilar (1941-1970), em Susana, 50 anos depois da sua morte (Duarte, Manuel e Miguel Rei Vilar)






Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Susana > 18 de fevereiro de 2020 > Os irmãos  Rei Vilar, com a população local, em dia de homenagem ao  cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva-

Fotos (e legenda): © Duarte Vilar (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem que nos chega, do Duarte Vilar, amigo e condiscípulo do nosso editor Luís Graça, irmão do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (


Data: 17 mar 2020 11h45

Assunto: Viagem a Suzana, fevereiro de 2020

Meu caro Luís

A teu pedido e com muito prazer envio texto e algumas fotos para o blogue.

A nossa viagem foi muito boa e a tempo de nos safarmos dos últimos e nefastos acontecimentos na Guiné-Bissau. Eu saí a 26 e os meus irmão a 28 de Fevereiro.

Um abraço grande e com muita amizade

Duarte Vilar



2. FAZER A MEMÓRIA ÚTIL  > Homenagem ao nosso irmão, Capitão Luis Filipe Rei Vilar 


por Duarte, Manuel e Miguel Rei Vilar

Há cerca de 3 anos e meio, um de nós recebeu um email. Um email de um enfermeiro que andava em terras felupes – em Suzana na Guiné Bissau - fazendo um estudo sobre questões de saúde.

Não nos conhecia nem nunca tinha ouvido falar de nós ou do nosso irmão Luís. Mas ao entrevistar os “homens grandes” de Suzana ouviu várias referências sobre um tal “capitão Vilar” de quem os felupes falavam, com uma boa recordação.

O enfermeiro Luís Costa teve curiosidade em conhecer o personagem referido, ”googlou” e através deste blogue,  “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, chegou até nós, dizendo que tínhamos um património em comum com os felupes de Suzana: as memórias boas de um homem bom – o capitão Vilar – caído no contexto de uma operação militar perto de Suzana.

De facto, já conhecíamos os felupes há 47 anos porque o nosso irmão Luís nos tinha falado deles com entusiasmo, quando passou uns dias de férias antes de partir de vez.

Falou da sua famosa saudação kassumai e da resposta kassumai keb. Falou das tradições guerreiras dos felupes e da luta felupe. Trouxe consigo para nossa casa e para a nossa mesa um felupe – António Blata – um dos guias da companhia de cavalaria que comandava. Mostrou-nos as fotos de Suzana e dos felupes de Suzana que, quando o nosso irmão morreu, mesmo sem os conhecer, ficaram, para sempre, nas nossas memórias.

Por isso, depois do email, em Janeiro de 2017 fizemos as malas e fomos, os 3 irmãos, visitar os felupes de Suzana e as memórias que guardavam do capitão Vilar.

À chegada, fomos recebidos pelas crianças e pelos professores das escolas de Suzana. Abraçámos os filhos do Blata e reunimos com os homens grandes. E ouvimos então muitas histórias da boca dos felupes confirmando que, para além das preocupações militares, o nosso irmão se preocupava genuinamente com a vida dos felupes de Suzana. Soubemos que as crianças eram todos os dias recolhidas e levadas de volta às tabancas para ir à escola, que comiam sopa no aquartelamento e, por isso, eram chamados de “sopitos”.

Vimos também que a escola que tinha sido construída durante o tempo de comando do nosso irmão, apesar de estar em mau estado, continuava a funcionar como jardim de infância.

Decidimos então iniciar um projeto de apadrinhamento das crianças de Suzana, até porque os felupes de Suzana não se fizeram rogados e nos pediram apoio porque, como todos sabemos, não faltam problemas nem necessidades na Guiné Bissau. E assim nasceu o Projeto Kassumai, uma associação que reúne amigos e familiares nossos que contribuem mensalmente para a escolinha de Suzana.

Desde essa altura foram realizados, com o apoio do Projeto Kassumai, diversos melhoramentos. Mudou-se o telhado e o chão. Construíram-se sanitários e fossa séptica respetiva, pintou-se a escola, colocaram-se portas novas, fez-se uma vedação e telheiros, compraram-se carteiras e algum material escolar. Iremos apoiar agora, juntamente com a comunidade, o pagamento das educadoras da escola.

Em 18 de Fevereiro de 2020 passaram-se exatamente 50 anos sobre a morte do nosso irmão Luís nas areias do Cassuh e, nesse contexto, 12 padrinhos e madrinhas do Projeto Kassumai fomos a Suzana.

Fomos de novo recebidos com danças e cantares. Reencontrámo-nos com os “homens grandes “e as “mulheres grandes “de Suzana e novas ideias surgiram dando continuidade ao trabalho iniciado há 3 anos. E, em reconhecimento á memória do nosso irmão, as autoridades decidiram dar o seu nome à escola renovada – Escola Capitão Luis Filipe Rei Vilar.

Foi uma cerimónia emotiva e, antes de descerrar a placa com o novo nome da escola, as crianças felupes de Suzana cantaram uma canção de homenagem aos combatentes caídos na guerra de libertação, recordando assim os dois lados na guerra.

Da  esquerda para a direita, Manuel, Miguel
 e Duarte Rei Vilar

Tudo acontece por acaso, ou nada acontece por acaso.

O Luís Graça recordou uma vez que, para além das leituras históricas e políticas da guerra colonial, existem as inúmeras histórias pessoais de quem combateu, de quem esteve lá, de quem não esteve lá, de quem viu gente morrer de perto, e de quem perdeu familiares seus.

Esta história faz parte do segundo tipo de leituras.

O certo é que os felupes de Suzana, e a família Rei Vilar partilham mesmo a memória do nosso irmão Luís, Capitão Vilar para os felupes de Suzana.

E desta partilha nasceu um pequeno exemplo de como, a memória de alguém que partiu há 50 anos, pode ser transformada utilmente em amizade e solidariedade entre os povos.

18 de Fevereiro de 2020

Duarte Rei Vilar
Manuel Rei Vilar
Miguel Rei Vilar
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20719: Ser solidário (228): Consignação de 0,5% do IRS à Associação "Afectos com Letras"...levando mais esperança e educação às meninas guineenses

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20584: Antropologia (36): As insígnias de autoridade dos Felupe e Marcos no Chão Felupe, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2019, com mais um trabalho da Dra. Lúcia Bayanobre o Cão Felupe:

2. Mensagem da Dra. Lúcia Bayan dirigida ao Mário Beja Santos:

Boa tarde caro amigo, 
Envio mais 2 pequenos textos sobre os felupe. Um sobre os símbolos de autoridade dos chefes tradicionais e outro sobre uns marcos existentes na estrada que liga Tenhate a Sucujaque. Penso que serão marcos geodésicos, mas não tenho a certeza. 

Abraço, 
Lúcia


As insígnias de autoridade dos Felupe

Por Lúcia Bayan

Os Felupe utilizam diversos adereços como insígnias ou símbolo de autoridade. Apesar de baseada na religião, a autoridade estende-se aos diversos domínios da sociedade: político, legislativo, jurídico, social, económico, educação, ambiente, etc.

Por exemplo, a maternidade tem um santuário (bakìn-abu), que partilha o mesmo nome (Erungñun ei). As parteiras e auxiliares são mulheres que aprenderam a sua profissão através de uma iniciação religiosa, que é também uma escola profissional. Assim preparadas, estas mulheres têm autoridade profissional sobre a maternidade e religiosa sobre o santuário.

Estas iniciações/escolas são estruturas complexas, com hierarquias internas, especializadas em campos específicos, em que detêm a autoridade. Estratégias para impedir a concentração da autoridade e a desigualdade social! Todas as estruturas iniciáticas têm as suas próprias insígnias, que identificam a pertença, mas também a sua estrutura hierárquica, sendo chapéus, camisas, bastões, colares e pulseiras alguns dos adereços mais escolhidos. Destes, o mais comum é o barrete, gorro, kufi ou chéchia usado por todos os homens que têm uma iniciação (amangñen-au). A maioria pode escolher o formato e a cor que mais gostar, excepto vermelho, cor reservada para os titulares das iniciações principais.

 Foto 1

 Foto 2

Foto 3

Nas mulheres o gorro é substituído por uma cabaça

A camisa comprida vermelha e o banco debaixo do braço (Foto 1) identificam os chefes das duas organizações iniciáticas mais importantes: uma dedicada à gestão territorial e presente em todas as tabancas, a outra à regulação religiosa e presente apenas em Hassuka, a capital religiosa constituída por cinco tabancas: Sucujaque, Tenhate, Basseor e Caroai na Guiné-Bissau e Kahème, no Senegal. O chefe desta organização iniciática tem o título de Ây, o chefe da primeira Aramb-âu. Estes são os normalmente denominados régulos.

A vassoura é usada por estes e pelo chefe da estrutura iniciática responsável pelo fanado masculino (rito de passagem de jovem a adulto), também presente em todas as tabancas. O chefe desta estrutura, denominado Areng-au, também usa a chéchia vermelha, mas não pode usar a camisa vermelha, nem tem o banco.

O bastão de madeira é reservado ao Aramb-âu e ao Areng-au. O bastão de metal é pertença de alguns elementos da organização iniciática Hulang-ahu, responsável por diversas áreas, como saúde, economia, registo de nascença e fiscalização/certificação das cerimónias. Neste caso, a identificação da área de actuação é feita através de colares com 1 ou mais búzios. Por exemplo, na Foto 2 há um indivíduo com um colar com um búzio. A posição do búzio indica a sua área: o bico para a direita é um Amumhm-au, se fosse para a esquerda seria um Ankurenh-au.

Lúcia Bayan,
11/01/2020

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Que marcos são estes?

Na ponta noroeste da Guiné Bissau, em pleno chão Felupe, existe uma estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete, onde a população, para as suas idas ao Senegal, em especial Kabrousse, apanha a canoa para atravessar o rio com o mesmo nome. Esta é uma estrada de terra, por vezes plana e lisa, outras vezes irregular e “com dois andares”, que atravessa floresta, campos agrícolas, bolanhas secas ou com água, de acordo com a época do ano, e também as tabancas Caroai, Basseor, Tenhate e Sucujaque.
Entre as tabancas Sucujaque e Tenhate (Foto 1), a estrada, com uma extensão de cerca de 2,5 Km, é muito bonita, ladeada de floresta, como se de um parque ou jardim se tratasse (Foto 2).

 Foto 1

Foto 2

Nesta estrada existem dois marcos de pedra que não sei identificar. Serão marcos geodésicos? Delimitações da administração colonial? Militares? Propriedade de terrenos?
Um dos marcos, que nomeei Marco 1, está situado junto à estrada, a 12° 20’ 48,27’’ N e 16° 38’ 32,01’’W (valores recolhidos por mim no local), e tem inscrições em três dos seus lados. Na face virada para a estrada está inscrito “M C O G”, na face traseira “1951”, numa das faces laterais encontra-se inscrito “L N 2 0” e “R” e nada na outra (Fig.3).
O Marco 2, situado a 12° 20’ 48,56’’ N e 16° 38’ 11,09’’ W, está também muito perto da estrada, mas escondido no mato e, apesar de idêntico ao primeiro, não tem qualquer inscrição (Foto 4), provavelmente devido ao desgaste do tempo.

 Foto 3 - Marco 1

Foto 4 - Marco 2

Para os felupes são marcos deixados pelos portugueses. Uns dizem que por militares, outros pela administração colonial, mas não sabem o seu significado. Não encontro nenhuma referência relevante de algum acontecimento em 1951. Na carta geográfica, resultante da Missão Geo-Hidrográfica da Guiné, efectuada em 1953, consigo identificar nesta estrada apenas um vértice geodésico secundário (Foto 1).
Talvez seja o Marco 1, aquele que ainda tem inscrições. Mas e o outro marco? Seria também um marco geodésico anterior ou um inicialmente mal colocado e depois destruído? Ou uma outra demarcação?
Para encontrar a resposta apelo ajuda aos leitores deste blog.

Lúcia Bayan,
11/01/2020
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2019, dirigida ao editor CV:

Caríssimo Carlos, Boas tardes.
Acabo de receber da minha amiga Lúcia Bayan dois textos acompanhados de preciosas imagens. É uma oferta para o nosso blogue, presente de alto nível, bem revelador dos estudos que ela leva a efeito sobre a civilização e cultura Felupe. Peço a amabilidade de os publicar.
É uma dimensão que precisamos de explorar, a da investigação científica. Farás o favor de me indicares as datas da publicação para eu informar a autora.
A Dr.ª Lúcia ainda mandou outras imagens que eu vou utilizar em artigos meus, obviamente citando a sua origem.

Recebe um grande abraço do
Mário


2. Mensagem da Dra. Lúcia Bayan enviada a Mário Beja Santos em 14 de Janeiro:

Boa tarde caro Amigo,
Nesta troca de mensagens o Patrício refere alguns problemas que as alterações climáticas estão a provocar no chão felupe. Infelizmente, a Guiné-Bissau irá ser seriamente afectada, especialmente pela subida da água do mar.
Envio um pequeno texto para explicar os problemas e conflitos que a subida da água do mar já está a provocar actualmente no chão felupe.

Abraço,
Lúcia

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Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas

Por Lúcia Bayan

Djobel[1] é uma pequena tabanca baiote situada no noroeste da Guiné-Bissau, no sector de São Domingos, região de Cacheu. Os Baiote são, como os Felupe, um subgrupo Joola. Em tempos idos, os Baiote desceram do Senegal e conquistaram aos Felupe o seu chão actual, entre Suzana e São Domingos. A última batalha foi travada entre Arame, tabanca baiote, e Suzana, a principal tabanca felupe. Arame venceu e ficou com as bolanhas de Suzana, situadas entre as duas tabancas. Uma pequena ponte à entrada de Suzana marca a fronteira entre os dois grupos: Felupes a oeste e Baiotes a leste.

Djobel, a quem os Felupe chamam Nhabane, está situada a sul de Arame e de Elia, muito próxima desta, e é uma tabanca muito diferente das tabancas baiote e felupe. Instalada no meio dos mangais e da água (Fig.1), na maré alta, as casas parecem palafitas e só na maré baixa se percebe que estão situadas em pequenos montículos rodeados de lama.

Foto 1

O acesso a Djobel só é possível de barco e na maré alta. Para quem chega a tabanca é lindíssima, mas a sua beleza esconde um tipo de vida muito duro. Não há água potável, apenas a captada em depósitos na época da chuva (Fig. 2) e a que as mulheres vão buscar de canoa a Elia (Fig. 3). Sair ou entrar em casa, ir ao mercado, trabalhar, à escola, buscar água, visitar o vizinho ou obter ajuda, tudo depende das marés.

 Foto 2

Foto 3

Em condições tão adversas a vida em Djobel só é possível devido à enorme mestria dos Joola na construção de diques. E é também em Djobel que melhor se pode observar esta técnica, pois os habitantes desta tabanca, além de construírem diques para os arrozais, as bolanhas, também utilizam diques para defender os pequenos montículos ou ilhas da subida da água (Fig. 4), impedindo assim que chegue às casas, e para a comunicação entre as ilhas, como pode ser visto na imagem retirada do Google (Fig. 1).

Foto 4

A construção destes diques envolve toda a população da tabanca. Todos os adultos contribuem para a compra dos materiais necessários, como kirintis, placas de entrelaçado de tiras de bambu ou palmeira utilizado para fazer vedações, e para o seu transporte. Os homens cortam os paus e tecem as cordas e, depois de reunidos todos os materiais necessários, é marcada a data da construção. Nesse dia, todos participam e a tabanca fica vazia (Figs. 5 e 6).

 Foto 5

Foto 6

No entanto, a subida acentuada do nível do mar, provocada pelas alterações climáticas, traz consigo a morte de Djobel. A água já chega às casas e, apesar das suas técnicas e esforços, os habitantes de Djobel terão de abandonar a tabanca.

A Guiné-Bissau faz parte dos 10 países do mundo mais vulneráveis às mudanças climáticas, especialmente à subida do nível do mar. Em Varela o mar sobe cerca de 7 metros por ano. A mudança de populações será uma necessidade cada vez mais recorrente.

As negociações para a mudança da população de Djobel iniciou-se há algum tempo. Este é um processo muito complexo que, nos últimos meses, tem originado uma série de conflitos. A escolha do novo espaço foi feita recorrendo à história: Djobel foi fundada por um filho de Arame e, por isso, esta tabanca aceitou receber os habitantes da primeira. Mas não os seus santuários!

O local escolhido, e certificado pelas entidades oficiais, situado entre Arame e Elia, começou a ser desmatado para a construção das casas. Contudo, as queimadas para preparação do terreno abrangeram uma horta de caju de uma família de Elia que, além da perda da horta, alega o terreno ser da sua família. Claro está, que os direitos à terra desta horta de caju originaram um conflito entre Arame e Elia. Cada tabanca defende uma localização diferente da fronteira que as divide. O conflito agravou-se e despoletou alianças e rivalidades tradicionais entre tabancas, alastrando-se às tabancas vizinhas Kassu e Colage. Em 24/05/2019, houve tiros e morreram duas pessoas.

Localização de Arame, Elia e Jobel
© Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

O ministro do interior Edmundo Mendes deslocou-se a Elia, foram estabelecidos percursos seguros para os habitantes de cada tabanca e a situação acalmou. No final do ano passado, em 10/12/2019, a Associação Onenoral dos Filhos e Amigos da Secção de Suzana (AOFASS), uma instituição de jovens, muito activa e muito influente, com sede em Bissau, e outras instituições realizaram, em Suzana, um encontro com os líderes tradicionais da secção de Suzana, «com o intuito de sensibilizá-los a serem patrocinadores da promoção do diálogo entre as tabancas de ELIA, ARAME, DJOBEL, KASSU E COLAGE» (https://www.facebook.com/aofass.suzana/). As fotos desta reunião, publicadas pela AOFASS, mostram que compareceram muitos líderes tradicionais: todos os que têm gorro vermelho, sendo os principais os também vestidos de vermelho. Um sinal de esperança para os habitantes de Djobel?

Lúcia Bayan, 11/01/2020
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[1] - Nota do editor: Vd. Tabanca de Jobel na carta de Susana
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20270: Antropologia (34): Cultura e tradição na Guiné-Bissau, por António Carreira (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20002: Notas de leitura (1200): “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho; Edições Colibri, 2019 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível a este documento, a vários títulos singular, não é um diário nem um repositório de notas avulsas sobre peripécias de um fuzileiro da Guiné, é um jovem que aderiu ao comunismo, que aos 22 anos aparece como fuzileiro, a sua mulher aparecerá depois como professora em Bissau, fala dos rios da Guiné, de barcos encalhados, de incêndios e de abalroamentos, de muita tensão e de picos de camaradagem. Regressa e vive na subversão até ser preso. Na Guiné, tirou imensas fotografias e cinquenta anos depois voltou com duas exposições.
Recomendo vivamente a leitura destas saborosíssimas e vívidas "Crónicas de um Tenente".

Um abraço do
Mário


Será que o Tenente Redondo passou por Mato de Cão entre 1968 e 1970?

Beja Santos

O livro dá pelo nome de “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho, Edições Colibri, 2019. Antes de mais, é um livro completamente fora do que conhecemos. São memórias de um jovem que bateu à porta da Reserva Naval, foi aceite e desembarcou em Bissau como fuzileiro. Era membro do PCP, casara há pouco, adorava a fotografia, poetava de vez em quando. Vamos vê-lo numa fotografia bem perto da LDP 301, talvez no rio Cacheu. São notas confessionais redigidas com imensa serenidade e ternura, é um texto desafetado, a tentar a impessoalidade, felizmente não conseguida. Integrou a 6.ª Companhia de Fuzileiros. Diz ter navegado no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no rio Grande de Buba. Quando vi a sua fotografia, em 1968, fiquei inquieto, conhecia a pessoa, e depois de muitas voltas à memória, tenho a impressão que acertei com uma manhã em Mato de Cão, uma lancha seguia à frente de um comboio de embarcações civis em direção a Bambadinca. Num passadiço, fiz sinal de pedir boleia, a minha malta resguardada, não queria que houvesse qualquer equívoco de um grupo ousado do PAIGC com o descaro de flagelar na orla do rio. Assomou um oficial barbudo, pedi-lhe boleia, era quase uma antemanhã, teria tempo de requisitar umas carradas de material, uns sacos de arroz para a população civil, requisitar outros abastecimentos para a tropa arranchada. O oficial disse que sim, perguntou onde estava a minha gente, assobiei, o magote veio a correr, na primeira embarcação civil ouviu-se um murmúrio de terror, alguém terá pensado que se iniciara uma operação de pirataria. Desfeito o equívoco, a malta espalhou-se por vários barcos e chegados a Bambadinca agradeci ao gentil oficial barbudo. Posso estar enganado, mas creio tratar-se deste tenente que passou ao papel as recordações da sua adolescência, da sua formação política, conta-nos histórias bizarras, também momentos de grande camaradagem e solidariedade, vamos mesmo vê-lo a ser liberto da prisão em Caxias, estão aqui plasmados alguns dos seus poemas, é um fotógrafo de mão cheia e para abonar aqui se publicam um pescador Felupe e um lutador, provavelmente Balanta.

Do seu passado, percebe-se a importância que atribui à verve cineclubista, foi neste meio que conheceu a sua futura mulher, recorda com saudade o café Chaimite, na Praça Paiva Couceiro, local de cumplicidades e onde soube que estavam abertas as candidaturas para oficial da Reserva Naval. Depois despontam as recordações, já estamos numa subida do Cacheu e ele lembra como se encontrou com um camarada de armas e ouviu o concerto para violino de Tchaikovsky.
O que importa reter é a prosa do marinheiro:
“As lanchas encarreiravam rio acima, quase paradas quando apanhavam a corrente pela proa. O resto do comboio de batelões ainda não os alcançara e decidiram fazer uma paragem para pernoitar, fundeando num local onde as outras embarcações pudessem mais tarde juntar-se-lhes. Escolheram uma curva do rio onde o tarrafo era alto e denso; as margens despidas das clareiras eram locais de emboscadas e tiroteios. Só suicidas se atreveriam a fazer um ataque a partir das raízes inclinadas e escorregadias do tarrafo. Lançaram o ferro e a corrente virou-lhes a proa para a foz. Assim ficaram no silêncio, que só as aves cortavam, e sem acender gambiarras. Na estação das chuvas, o céu, quase sempre nublado, não dava margem ao luar. Desligados os motores, sinal que passavam ao inimigo contra vontade, a sua presença devia ser ocultada por todas as formas. Até tinham o cuidado de esconder as pontas dos cigarros”.

As recordações incluem diabruras, desacatos, sinistros, com homens e máquinas. Guardou a agenda cultural, o que lia e que era motivo de conversas, os filmes que passavam no UDIB, dá mesmo informações elementares a pensar em leitores não-iniciados nas artes da marinhagem, é primoroso a explicar-nos as lanchas de desembarque:
“As lanchas de desembarque, rectangulares, tinham a forma de uma caixa de sapatos. Numa das extremidades, à polpa, situava-se a casa do leme, muito singela, e na outra, à proa, encontrava-se uma porta que, ao abater, permitia o acesso a veículos ou pessoal directamente da praia. Existiam em três tamanhos mas mesmo as maiores, por causo do seu fundo chato, tinham calado que pouco ultrapassava um metro.
No seu bojo podiam transportar dezenas, ou mesmo centenas, de fuzileiros com todo o seu material. Ou então um ou vários jipes e Unimogs, conforme a tipologia.
Foram usadas profusamente no teatro de operações da Guiné. Quando se formavam comboios de batelões, para abastecimentos do interior isolado pela guerra, eram sempre escoltados por uma ou duas lanchas médias, armadas com as suas peças Oerlikon de 20mm e duas metralhadoras MG 42, uma em cada bordo.”

A mulher do tenente vive em Bissau, é professora no Liceu Honório Barreto. Toca-nos as suas recordações do cinema, há por vezes situações muito tensas, os marinheiros e grumetes exigiram levar as suas mulheres para o balcão, que estava reservado a oficiais e sargentos, tudo se amenizou.
Nessa noite foi com a mulher ver o “Apache” de Robert Aldrich, recordação inesquecível:
“Como de costume, no espaço que medeia entre as primeiras cadeiras da plateia e o ecrã, tinham sido colocados uns bancos corridos, de madeira, para a ganapagem que se dedicava a transportar as marmitas da messe e outros pequenos serviços ao domicílio.
Os garotos negros, em grande algazarra, aplaudiram todas as flechas e machadadas com que os índios brindaram a cavalaria durante aquela hora e meia.”

No regresso da Guiné, voltou à militância política, e um dia a PIDE veio buscá-lo, esteve escassos dias em Caxias, tudo se passou muito perto do 25 de Abril. Tirou imensas fotografias na Guiné, cinquenta anos depois veio expô-las e oferecê-las ao Museu Etnográfico. Antes disso, esteve na Quinta do Mocho e descobriu um aluno da mulher, o Osvaldo, ditosa alegria. Como ele diz, “Este não é um livro biográfico mas conta certas estórias que mostram o sentido de uma vida”.
Um livro que a todos toca, a intensidade de luz e sombra que ele põe em cada um dos seus registos fotográficos é uma evidência de que há cinquenta anos, imprevistamente, ele estava a preparar esta maravilhosa velada de armas, esta insofismável prova de amor pela Guiné.


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se faz menção da derradeira documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU.
São papéis que referem a pretensão de criar uma delegação do BNU em Bafatá, o processo iniciou-se em 1970, nunca foi concretizado, naturalmente se abandonou a ideia com a independência. Fala-se também das expetativas depositadas na CICER - Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, um empreendimento industrial que recebeu o entusiasmo de muitos, desgraçadamente acabou no charco. Fala-se em dádivas do BNU para a construção do busto de Amílcar Cabral e para o monumento aos mártires do colonialismo, em 1975; consta no processo o parecer dado por Lisboa sobre o pagamento da contribuição industrial e imposto complementar do BNU em Bissau. E por fim aqui se refere a notícia de que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser nacionalizada, o mesmo já acontecera com a Casa Gouveia e com a empresa Barbosa e Comandita.
A última etapa deste trabalho será aqui expor o que demais relevante se encontrou a partir de 1974 para a transferência do património do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, no fundo são peças históricas que terão que ser integradas um dia no que foi a vida do BNU na colónia da Guiné, de 1902 até depois da independência.
Peço a todos que vejam a beleza das imagens que a investigadora Lúcia Bayan nos ofereceu sobre os jogos e a sua função didática na etnia Felupe, que ela investiga com tanto entusiasmo.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77)

Beja Santos

Continuamos à volta com a documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU. Em termos cronológicos, há que referir que em 4 de fevereiro de 1972 se produzira um memorando sobre a criação de uma dependência do BNU em Bafatá. Em setembro de 1970, o subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino autorizara a abertura em Bafatá de uma dependência. O Banco já deslocara a Bafatá um funcionário para analisar as hipóteses de escolha de um edifício, concluíra-se que o imóvel com melhores condições era um edifício pertencente ao Banco então arrendado a Afif Elawar, súbdito libanês. O Banco começou os seus preparativos, definindo o modo de funcionamento, o número de empregados necessários e estabeleceu contactos com o arrendatário do prédio, a fim de obter a sua devolução.

Devido à reação do arrendatário, que não queria prescindir do arrendamento, o Banco chegou a encarar a hipótese de tentar a ação de despejo. O representante do arrendatário apresentou uma proposta no sentido de rescisão amigável, a proposta foi aceite. Já em janeiro de 1972 as gentes de Bafatá insistiam na criação da dependência, fora mesmo enviado à filial de Bissau um telegrama em que as autoridades, comerciantes, industriais e agricultores e toda a população dos concelhos de Bafatá e Gabu lamentava que ainda não tinha sido dada execução à promessa feita em 1970.

O processo arrasta-se e vem a independência da Guiné-Bissau, o último documento que possuímos data de 23 de outubro de 1974, o despacho é concludente acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá: “Não é oportuno neste momento”.

Passamos agora para o dossiê CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné. Possuímos dois documentos de junho e novembro de 1974. Diz-se no primeiro que a CICER foi constituída em finais de dezembro de 1971, eram os seus principais acionistas a Sociedade Central de Cervejas, a Companhia União Fabril Portuense, a Cuca de Angola e a Fábrica de Cervejas Reunidas de Moçambique, Lda.
Fazia-se uma relação dos encargos da construção da fábrica da CICER em Bandim. Em novembro de 1974, o BNU emitiu um parecer do seguinte teor:
“Após o 25 de Abril, a sua produção baixou para a média de 4 a 5 milhões de litros anuais de cerveja e 2 a 2,5 milhões de litros de refrigerantes. As suas vendas cifram-se entre 6 a 8 mil contos mensais.
Pensam, muito em breve, lançar no mercado, também, água de mesa e água gaseificada.
Dada a boa qualidade dos seus produtos e o interesse dos territórios vizinhos na sua aquisição, prevê-se num futuro muito próximo que a fábrica volte a trabalhar em pleno. Sabemos ainda que a Nação Cubana está também interessada na produção da fábrica, pelo que se estão encetando as respectivas negociações através do Governo local.
O valor atribuído à fábrica é de 130 mil contos. Tem-na visitado muitos estrangeiros, após o 25 de Abril, tecendo-lhe os maiores encómios, pois esperavam encontrar uma fabriqueta e não uma moderníssima fábrica, muito bem situada e com o privilégio de possuir no seu subsolo uma das melhores águas do mundo – dizem – para a fabricação dos seus produtos.
Em face do que fica exposto, e pelas perspectivas que se antevêem, damos o nosso acordo à concessão do crédito de 50 mil contos solicitado, com vista à liquidação das três conta-correntes caucionadas.”

Estamos já em 1975, o BNU é contactado para contribuir para a construção do monumento aos mártires do colonialismo. O documento reza o seguinte:
“A tarde do dia 3 de Agosto de 1959 ficou dolorosamente marcada na história do nosso povo.
Nesse dia, em Bissau, no cais do Pindjiquiti, armas empunhadas por mãos assassinas de servidores fiéis do colonialismo ceifaram as vidas de dezenas de irmãos nossos, indefesos, levando a dor e a morte a centenas de lares.
Fizeram-se vítimas. E tal acto repercutiu-se tragicamente por todo o nosso país, pela África e pelo mundo.
Mas, nesse dia, o Governo colonial, contrariamente a todos os seus desejos, ajudou a dar um grande passo na caminhada pela reconquista da liberdade e da dignidade do nosso povo.
O massacre do Pindjiquiti jamais será esquecido, dado o seu alto significado na luta de libertação nacional.
Por isso, o nosso Partido e o nosso Estado tomaram a decisão de comemorar essa data, considerando feriado nacional o dia 3 de Agosto. A população de Bissau, no grande comício de 20 de Janeiro último, dia dos ‘Heróis Nacionais’, decidiu dar o nome de ‘Avenida do 3 de Agosto’ à avenida marginal e o nome ‘Praça dos Mártires do Colonialismo’ ao largo existente na zona do Pindjiquiti.
Neste local existia um monumento através do qual o Governo colonialista pretendia glorificar o ‘descobridor da Guiné’, Nuno Tristão.
Pois bem: na actual Praça dos Mártires do Colonialismo, na zona onde esteve o monumento a Nuno Tristão, é dever nosso honrar os mártires do colonialismo, erguendo-lhes um monumento que deve ser inteiramente custeado pelo nosso povo e por todos aqueles que, vivendo na nossa terra, quiserem juntar-se a nossa homenagem de gratidão eterna aos que ficaram pelo caminho nos longos anos de resistência contra a dominação e a exploração estrangeiras.
Para começar a concretizar essa ideia, foi criada uma comissão para recolha de fundos”. 

E indicavam-se os nomes: Rui das Mercês Barreto, Tiago Aleluia Lopes, Carlos Gomes, Armindo Ferreira, Teodora Inácia Gomes e João Maurício Chantre. A comissão era designada por “Comissão do Abota Nacional para o Monumento aos Mártires do Colonialismo”. O Comissário de Estado Rui Barreto, Presidente da Comissão assinava o manifesto em 26 de julho de 1975. O BNU ofereceu 5 mil escudos como oferta na contribuição do busto mandado erigir a Amílcar Cabral. O recibo de receção é assinado por Carlos Domingos Gomes com a data de 16 de maio de 1975, tratou-se de uma dádiva distinta da anterior.

Em 30 de junho de 1975, a administração em Lisboa informa a gerência do BNU em Bissau que a atividade exercida pela filial obedece a condicionalismos legais que têm de ser tidos em conta, no pressuposto de que as disposições fiscais, então vigentes, não sofreram alteração: o BNU continuaria a ser tributado pela contribuição industrial; sujeito a ser coletado pelos rendimentos anuais no Estado quanto ao imposto complementar.
E emitia-se o seguinte parecer:
“Em face do que antecede, é nosso entendimento que os elementos a declarar durante o corrente mês de Junho estão de harmonia com os preceitos legais vigentes nessa ex-colónia portuguesa; é evidente que, salvo acordo ou determinação legal das actuais autoridades desse Estado, os preceitos legais referidos como aplicáveis à actividade do Banco durante todo o ano de 1974, são de aplicar, pelo menos, até à data da proclamação da independência desse território".

Nesta documentação avulsa, encontra-se a fotocópia de uma notícia publicada no vespertino Diário de Lisboa, com a data de 30 de julho de 1976, com o seguinte título: Técnicos portugueses negoceiam nacionalização de duas empresas.
Notícia com a seguinte redação:
“Encontram-se em Bissau dois técnicos portugueses para conduzir as negociações com o Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina, do capital social desta empresa comercial, a segunda do país, depois da Casa Gouveia, já integrada nos Armazéns do Povo, 80% ficará para o Estado guineense e os restantes 20% para uma companhia portuguesa de sabões do grupo CUF.
Foram entretanto transferidos para os Armazéns do Povo os bens da empresa Barbosa e Comandita. A integração fez-se a pedido e por iniciativa dos antigos proprietários, devido às dificuldades encontradas para a realização dos lucros anteriormente auferidos. Segundo o Comissário de Estado do Comércio, Armando Ramos, ‘nenhuma destas empresas tinha possibilidades de sobreviver sem a intervenção do Estado para transformar as suas estruturas. Isto porque os moldes em que foram implantadas na nossa terra estão em desacordo com os princípios da nossa sociedade que estamos a criar’. A Sociedade Comercial Ultramarina começara como sociedade por quotas, com o capital social de 500 contos. Mas com a subida vertiginosa dos lucros, o capital foi sendo aumentado até chegar a 100 mil contos e até assumir a forma de sociedade anónima. Dedicava-se ao comércio de exportação, mas na fase final passou também a explorar o comércio interno e pequenas unidades industriais. Possui 54 postos de venda espalhados pelo País e emprega 672 trabalhadores efectivos”.

Assim se encerra a consulta à documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU.

A derradeira parte deste trabalho tem a ver com a documentação do BNU para a transferência do património para a Guiné-Bissau, documentação extensa, a que procedemos necessariamente a uma simplificação dos elementos considerados mais pertinentes, até ao momento em que o BNU da Guiné se extinguiu e passou a estar integrado no Banco Nacional da Guiné-Bissau.

(Continua)

Foto 1

Foto 2

Foto 3

Foto 4

Comentários de Lúcia Bayan, investigadora da etnia Felupe, que amavelmente cedeu estas imagens para o nosso blogue, agradeço-lhe em nome de todos esta prova de consideração:

Os jogos tradicionais entre Felupes

As sociedades tradicionais africanas, como a Felupe, utilizam estratégias próprias para a educação e integração dos jovens na organização social. É sabido que os Felupes prezam muito a liberdade individual, mas sempre limitada por regras e valores sociais. Um exemplo é “meter a mão em seara alheia”, considerado um dos maiores crimes, podendo ser penalizado com expulsão da tabanca. Desta forma, em chão Felupe, raramente alguém é roubado. A eficácia do método felupe para resolver estas questões tem levado a que seja adotado em algumas povoações multiculturais, como, por exemplo, em São Domingos.

Uma das estratégias felupe para educar as suas crianças e jovens e os integrar na sua organização social são os jogos e as lutas. Dos primeiros ficam aqui fotos de dois: o jogo das vacas e um jogo, que não sei o nome, mas é do género do “Seega”, um jogo de tabuleiro tradicional jogado em partes do Norte e da África Ocidental, por dois jogadores, num tabuleiro de 5×5, geralmente com pedras. Um exemplo deste jogo pode ser visto aqui: https://elegbaraguine.wordpress.com/2015/02/11/jogos-africanos/.

O jogo das vacas é jogado por dois jogadores, munido cada um de um pequeno pau com um fruto espetado numa ponta, simbolizando uma vaca, e consiste numa luta de vacas. Indicado para rapazes da 2.ª classe de idade (dos 5 aos 12 anos), este jogo, além da função lúdica, visa desenvolver as capacidades necessárias para estes rapazes exercerem a principal obrigação desta classe de idade, pastorear e tomar conta do gado, e também o início da sua preparação como guerreiros.

O jogo do Seega visa estimular o raciocínio lógico matemático e cognitivo. Na sociedade Felupe, o tabuleiro é o chão, onde são escavados 25 pequenos buracos e as 12 pedras, que não existem em chão de areia, foram trocadas por paus ou palhas, num jogo indicado a adultos e crianças. As três fotos mostram três homens a jogar (foto 1), um adulto a ensinar crianças (foto 2) e estas a jogarem (foto 3).
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Nota do editor

Poste anterior de 8 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 13 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19216: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LII: Fez ontem 50 anos que o meu cmtd de batalhão, ten cor Armando Vasco de Campos Saraiva, foi gravemente ferido em combate, sendo evacuado para a metrópole... A minha homenagem à sua memória,


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviado pelo Virgílio Teixeira:


Assunto - Tema 204 - Homenagem dos 50 anos sobre a perda do nosso comandante de batalhão

Data - sábado, 17/11, 16:02


Luís, o tema já percebeste, já o tinha enviado, mas dei agora uns retoques, apaga o outro que enviei em Setembro, e fica este.

No dia 20/11/2018, Terça Feira, faz 50 anos sobre o trágico acontecimento da perda do meu comandante de batalhão. Gostaria nesse dia lhe prestar a minha homenagem, no nosso Blogue, pois ele foi um dos nossos grandes guerreiros, e por isso foi gravemente ferido e acabou a sua carreira, ainda tão novo.

Não que eu tenha um grande sentimento por ele, pelos menos não tinha nessa época, eu achava que andava a ser sempre perseguido por ele, não tivemos relação fácil, como aliás não tinha com quase ninguém.
Soube há uns 5 anos atrás, que ele tinha confidenciado, ainda antes de ser ferido em combate, que tencionava dar-me um louvor, pois achava que eu merecia, comparado com tantos outros que nada fizeram e depois foram louvados por nada. Mas não teve tempo, infelizmente para ele.
Obrigado pela tua compreensão, mas sou assim, um eterno revoltado/ sentimentalista.

Abraço, Virgilio Teixeira


Virgílio Teixeira, natural do Porto,
a viver em Vila do Conde
2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: 

T204 – A EVACUAÇÃO DO COMANDANTE
DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1933

HOMENAGEM, APÓS 50 ANOS DO FUNESTO ACONTECIMENTO



I - Anotações e Introdução ao tema:


Este tema refere-se ao acontecimento de uma acção de combate, entre as NT e o IN, a pouco mais de 1000 metros do fim da pista.

Um Gr Comb, composto por elementos da CCS do BC1933, da CART1744, e do Pelotão de Nativos, o qual estava a ser comandado pelo próprio Comandante de Batalhão, Tenente Coronel Armando Vasco de Campos Saraiva, e outros oficiais, sargentos e praças, teria como missão interceptar um grupo do IN, que se deslocava ali nas imediações do Quartel.

A pouco mais de 1000 metros do fundo da pista, isto é,  a 2000 metros do Posto do Comando, acontece o imprevisto, rebentamento de minas A/P,  seguido de uma emboscada e forte tiroteio de um lado e de outro.

Acontece o imprevisível, o Comandante ele próprio pisa uma mina que lhe rebenta debaixo dele, depois outras minas explodem e gera-se a confusão total.

Não sei se outro oficial desta patente teve um fim trágico como este, mas não tenho conhecimento de mais nenhum.  O Comandante ficou com ambas as pernas ao dependuro, presas apenas pela pele e pouco mais, e foi gravemente fulminado nas zonas genitais com estilhaços de minas, cujos efeitos nunca vim a saber, apesar de ele ter sobrevivido ainda mais de 25 anos.

No combate, são ainda feridos com alguma gravidade o Capitão Serrão, da CART1744, o Alferes Miliciano Machado, da CCS /BCAÇ1933, do Pelotão de Minas e Armadilhas, e outros militares, alguns Furriéis e praças, a maioria voltou ao seu posto de trabalho, depois de tratados no HMR 241.

Na sequência deste acontecimento, o comando do sector ficou sem o seu comandante, passando a ser substituído pelo 2º comandante, até inícios de Janeiro de 1969. [Terá falecido por volta de 2006, segundo informação do camarada José Espadana, que pertencia o BCAÇ 1933 e estava em São Domingos nessa altura.]

II – As Legendas das fotos:

Estas fotos já fazem parte de outros Temas mais alargados com mais de 100 fotos, sobre a aviação, e não só.

Gostaria que fossem Postadas estas imagens e comentário deste acontecimento, para que se faça um pouco o debate desta tragédia para o meu batalhão, que para mim próprio, foram as mais marcantes em toda a minha estadia naquele TO do CTIG.

Fica ao critério do editor, achar ou não relevantes, não farei nenhum juízo de valor.


F01 - O Heli, Alouette III, no momento em que carregou o Comandante do Batalhão, ferido em combate, com destino ao HM241 em Bissau, depois evacuado para o Hospital Militar Principal em Lisboa.

Dia fatídico, o corpo estava deitado numa maca, nu (em cuecas, furadas com estilhaços) os pés ao dependuro, e naquele momento tive ganas de tirar a foto, mas por razões de ética militar, respeito, vergonha ou por qualquer outra razão que não me ocorre, não o fiz, não sei se foi bom ou mau. Mas hoje gostaria de as ter.

Preferi sair do local e tirar a foto com ‘o ambiente’ envolvente de consternação total entre todos os presentes, militares, civis, população indígena, administrador de posto.  Vê-se muita população local com especial predominância os Felupes, que estavam sempre do nosso lado, e eram sempre bem tratadas pelo nosso comandante.  As Nossas Tropas estão no outro lado do Heli, a fazer a segurança.

Foto captada na pista de São Domingos no dia 20 de Novembro de 1968.

F02 – Novo Heli Alouette III, numa das viagens a SD, descarregando material, correio e outras coisas não especificadas.

Não é na mesma data, talvez não seja o mesmo Heli, mas o local é o mesmo a quando da evacuação do comandante. A ideia é mostrar não só o aparelho, que só por si vale a pena, mas também mostrar a pista de aterragem, já limpa de mato, em finais de 1968, após o tempo das chuvas, por isso muito arranjada.

Foto captada em São Domingos, em finais do ano de 1968.

F03 – No Posto de Vigia da pista de São Domingos, num dia em que estava de Oficial de Dia, passando a ‘ronda’ aos locais marcados.

O olhar pensativo, meditando, por que razão estava eu ali, a proteger-me do calor que nos sufocava, naquela pequena localidade na fronteira com o Senegal.

Esta foto tem por objectivo mostrar o local onde o Heli parou para transportar o comandante, ao fundo acaba a pista de São Domingos, e a menos de 1000 metros dá-se o ataque, as minas os feridos e evacuados. Ali tão perto. Fazia tantas vezes este percurso pela pista, nas GMC com os meus amigos e fiéis condutores para me ensinarem a conduzir, nos picos do calor, entre as 12 e 16, quando estava o resto do pessoal a fazer a sesta de descanso. Nunca imaginei que o perigo estava ali tão perto.

Foto captada em São Domingos, nos inícios de Janeiro de 1969


NOTA FINAL DO AUTOR:

#As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.#

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


Em, 2018-09-27

Virgílio Teixeira

Legendas actualizadas hoje,

Em, 2018-11-17,

Virgílio Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19201: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LI: Sentado à sombra do grande poilão...

Guiné 61/74 - P19214: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (60): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - Parte II


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação > CCAV 2639 (1969/71) > Capunga > Reordenamento > Fases de construção (fotos nº 1, 3 e 2) 

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendag complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Capa da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [, Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sequência do poste P19196 (*), decidimos reproduzir o documento supracitado, que nos chegou, em tempos, pela mão dos nossos camaradas António Pimentel e A. Marques Lopes, e que já foi publicado, no nosso blogue em 2007 (**) , com revisão e fixação de texto do nosso coeditor Virgínio Briote.  

Esta é a II Parte (***). Esperamos que o A. Marques Lopes que nos confirme: (i) o número de páginas da brochura (emprincípio, 9); e (ii) se o texto foi publicado na íntegra na altura. Uma ou outra palavra está ilegível. E a resolução da imagem dos mapas (nºs 1 e 2) poderá ser melhorada.

Por outro lado, estamos a  pedir aos nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné, que nos disponibilizem textos, fotografias e outros documentos sobre os reordenamentos populacionais. Tanto quanto sabemos, não há trabalhos académicos publicados sobre este tópico. Muitos de nós estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nos reordenamentos populacionais no TO da Guiné, nomeadamente no tempo do Com-Chefe e Governador Geral António Spínola (1968-1973).

Gostávamos de poder fazer um levantamento de todos os reordenamentos populacionais realizados ma Guiné, durante toda a guerra. E idenficar os nossos camaradas que integraram as equipas técnicas dos reordenamentos (graduados e praças) (, caso. por exemplo, do Luís R. Moreira) e que no BENG 447 planearam, coordenaram, apoiaram e/ou supervisionaram a construação de reordenamentos (caso,. pro exemplo, do Fernando Valente Magro).


Reprodução do documento [Revisão e fixação de texto: VB / LG]. 


LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA E DEMOGRÁFICA (pag.4)

1. É difícil fazer uma exacta localização geográfica das diferentes etnias da Guiné, atendendo principalmente ao factor emigração. Efectivamente, mercê de muitas e várias circunstâncias históricas e políticas, os povos guineenses constituíram muitas, e algumas delas significativas, correntes migratórias que, partindo do seu chão originário, se estabeleceram um pouco por todo o território, por tal forma que se pode dizer que vivem hoje, indistintamente, lado a lado, etnias animistas e islamizados, muitas vezes interpenetrando-se e constituindo, como já foi notado anteriormente, subgrupos híbridos.

Uma das circunstâncias mais importantes para o surto migratório foi sem dúvida a eclosão do terrorismo, obrigando povoações inteiras a desalojarem-se e a imigrarem para zonas sob a protecção das Nossas Tropas.

No mapa 1, apresenta-se a localização das principais etnias nos seus chãos de origem. 



2. A localização histórica dos povos da Guiné, dada a infinidade de etnias existentes, torna-se difícil. Em apontamentos desta natureza, não cabem pormenores que se destinariam a um estudo aprofundado. Bastará, talvez, dizer que a maioria das etnias aparece como fusão de várias outras que foram as originárias e são referidas largamente pelos navegadores e descobridores nas suas crónicas. Nelas se dá conta de existirem no século XVI Balantas e Papéis na ilha de Bissau, e Buranos (nome primitivo dos Papéis) e Felupes na zona do Cacheu. Estas três etnias são das mais antigas, sendo os Felupes considerados os mais antigos dos povos originários.

Alguns outros povos existiam já no actual território da Guiné Portuguesa – colónias de Mandingas e Fulas – aquando da sua descoberta. No entanto, o contacto com eles só se verificou mais tarde, dado o tipo de colonização portuguesa, feita através de feitorias junto aos rios. Assim, o contacto fez-se primeiro com os habitantes da faixa litoral e, mais raramente, com povos que vinham transaccionar com os portugueses, de pontos mais afastados do interior.

Já a partir do século XV se inicia a invasão de povos provenientes de vários países do continente Africano. No entanto, só mais tarde há a grande invasão vinda especialmente do Futa-Jalon e territórios limítrofes (Labé, Boé Francês, Futa-Tere, Futa-Quebo, etc.), da Bandú (território situado entre o Alto Senegal e o Alto Gâmbia), Sudão, etc.

Fulas e Mandingas instalam-se na zona do Gabú, trazidos por lutas intestinas, pela necessidade de novas almas para a difusão do Alcorão, pelo desejo de novas pastagens para o seu gado e novas lavras. Travaram lutas com os povos aí estabelecidos (os Beafadas principalmente que se viram subjugados pelos Fulas-Forros em Jaladú que mais tarde se tornou na Forro-ia ou Forreá) e conquistaram posições [...] [ilegível].


Mapa 1- Os chãos dos Povos da Guiné


3. Povo nómada, os Fulas emigraram do Gabú para quase todo o território, especialmente o Leste, onde se encontra ainda hoje em força. Mas, de uma maneira geral, como já foi dito, todas as etnias registam movimentos migratórios. Apontaremos dois ou três exemplos:


A região de Mansoa é chão Balanta. No entanto encontramos aí estabelecidas, a par da maioria Balanta, Mandingas e Fulas.

Na zona de Farim, onde existiam primitivamente os Oincas (ou do Oio, subgrupo Mandinga), encontramos Fulas e Balantas. Aqui, notamos como curiosidade, Balantas e Mandingas permanecem em quase constante conflito, por causa dos roubos que os primeiros praticam por costume tradicional e é condenado pelo Alcorão. Alguns Balantas foram absorvidos pelos islamizados constituindo os Balantas-Mané, que também encontramos em Mansoa.

No actual concelho de Bafatá, habitado primeiramente por Beafadas, Mandingas e Fulas, encontram-se numerosas colónias de Manjacos, Papeis, Saracolés e Balantas, estes em maior percentagem.

No mapa 2, podem ver-se, como curiosidade, as primeiras migrações de Mancanhas (ou Brames), Manjacos e Balantas.


FUNÇÕES CIVIS EXERCIDAS POR MILITARES (p 6/7)


1. Estando a Guiné sob a pressão de um estado de subversão que visa a conquista das populações por vários meios, entre os quais a luta armada; existindo um Quadro Administrativo [QA] com graves deficiências quantitativas e qualitativas e possuidor da falta de meios para realizar a manobra de contra-subversão em tempo útil e, ainda, por razões de controle e segurança, não é possível à Administração Civil encarar sózinha, de momento, o esforço que se pretende realizar.

Assim, porque possuidoras de vários meios, humanos, técnicos e de defesa, as Forças Armadas estão aptas a colaborar, com carácter temporário, com as estruturas administrativas na solução dos problemas sócio-económicos. Porque, também, os problemas de desenvolvimento social e económico constituem a manobra da contra-subversão que é preciso fazer rapidamente e pertence à missão das Forças Armadas [FA].

As FA são, pois, chamadas a participar temporariamente em funções que seriam da competência civil, se os quadros administrativos estivessem em condições de as desempenhar, e que lhes serão totalmente confiadas quando as condições o permitam. São funções de colaboração e reforço da orgânica...[ilegível].


2. (...) Os civis do Quadro Administrativo (QA) pensam e actuam de maneira diferente. E a diferença reside em dois pontos distintos: a estagnação e carências várias do próprio QA e no diferente carácter de obrigatoriedade de uns e outros.

As Forças Armadas são uma organização profundamente hierarquizada, com escalões de comando definidos, com leis e regulamentos mais rígidos e pormenorizados, prevalecendo um forte espírito de disciplina. Arreigados a conceitos burocráticos ultrapassados e morosos por natureza , regulados por leis mais vastas, com um carácter de disciplina menos acentuado e relativo momento a leis de carácter mais geral, os civis do QA têm um diferente comportamento face a situações que exigem a resolução adequada em tempo próprio. A base de toda a actuação entre militares e civis terá de basear-se na compreensão e na colaboração, já que ambos servem o objectivo comum.

3. O tratamento para com as populações terá de ser diferente também. Não se podem obrigar as populações a tomar determinadas posições ou aceitar determinadas soluções pela força ou coacção, excepto quando o determine o interesse colectivo, o bem comunitário. Interessa muito mais usar argumentos válidos, convicentes e visíveis para os levar a optar melhor. No caso concreto das populações com quem vamos trabalhar, há que contar com os seguintes factores de oposição às nossas soluções:
  • são populações menos evoluídas; 
  • têm sofrido pressões físicas e psicológicas dos agentes subversivos; 
  • são muito arreigados aos seus costumes étnicos e às tradições e práticas religiosas; 
  • são diferentes entre si, na sua evolução natural; 
  • duvidam por sistema, devido à estagnação sócio-económica anterior à guerra, às promessas que nunca foram cumpridas antes nessa época e à propaganda inimiga orientada para esse passado. 


Sintetizando, é preciso entender os civis do QA e as populações como tal e como tal actuar nas relações com eles.


IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS (pag. 6/9)


1. A ideia de se fazer o reordenamento das populações em aldeamentos, tem três razões de ser fundamentais:

  • a defesa e controle; 
  • o desenvolvimento social; 
  • o desenvolvimento económico. 
Deixando de parte as questões da defesa, vamo-nos debruçar mais [...ilegível]




Mapa 2 - Primeiras migrações


2. A constituição geográfica da Guiné - sulcada de muitos rios, plana, densamente urbanizada-, a exploração agrícola fazendo-se especialmente junto das bolanhas e as diferenças étnicas que individualizam os agregados, conduziram à dispersão por inúmeros núcleos populacionais.

Com uma população dispersa em áreas muito vastas, torna-se difícil, se não impossível, tomar medidas de desenvolvimento que abranjam a totalidade ou, mesmo a maioria. O esforço económico e humano seria insustentável de momento e, especialmente, moroso.

3. O que se pretende, pois, com os reordenamentos? Agrupar as populações de uma determinada zona num só ou em vários agregados populacionais significativos, possibilitando:

  • a construção de casas com melhores condições de higiene e construídas com materiais mais resistentes aos factores climáticos e aos incêndios; 
  • a construção de condições de protecção social que abranjam um maior número de pessoas (escolas, postos sanitários, fontanários, assistência médica); 
  • a construção de condições de carácter económico que englobem uma população maior (construção de celeiros colectivos, garantia de mercados para venda da produção agrícola, condições técnicas para maior produtividade e outrs possíveis a desenvolver futuramente); 
  • o mais rápido desenvolvimento comunitário considerando um melhor rendimento no aproveitamento dos meios e quadros técnicos empenhados no esforço do desenvolvimento. 

4. Pode parecer sem discussão, a priori, que o reordenamento das populações oferecendo tantas vantagens para o seu desenvolvimento, é sempre bem aceite. Efectivamente, nem sempre isto acontece e por várias razões. Vamos apontar esquematicamente, algumas das principais:

Motivações étnicas:

  • questões havidas entre grupos de uma mesmo etnia que os opõem e obstam a uma vida comunitária; 
  • receio de perda de autoridade dos Chefes tradicionais; 
  • proibição dos Guardas do Irã por motivos de interesse pessoal; 
  • desejo de não mudar de chão; 
  • receio de que faltem, no novo aglomerado, os meios suficientes de subsistência; 
  • desejo de não se separarem dos seus haveres; 
  • outras [razões} que só localmente poderão ser detectadas.

(Continua)

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Notas do editor:


(**) Vd. postes de: