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domingo, 10 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11233: Convívios (499): 5º Encontro de Gerações de Lanceiros Policia Militar/Policia do Exército, Portalegre – 20 de Abril de 2013 (Nuno Esteves )

1. Recebemos do nosso Amigo e visitante, Nuno Esteves, ex-Soldado PE do 1º Turno 94, o pedido de divulgação do seguinte programa festivo.

5.º Encontro de Gerações de Lanceiros 
Polícia Militar (PM) / Polícia do Exército (PE) 


Saudações Lanceiras Caros camaradas.

Venho pelo presente email,fazer chegar ao vosso conhecimento e se assim o entenderem divulgar na vossa Tabanca,o programa do 5º Encontro de Gerações de Lanceiros Policia Militar/Policia do Exército que se irá realizar em Coimbra no dia 20 de Abril do presente ano.

Programa do Encontro:

11h00 - Recepção de todos Lanceiros PM/PE no QG da Brigada de Intervenção que sita na Rua de Infantaria 23 em Coimbra.
11h30 - Visita às instalações do Pelotão PE.
12h00 - Foto de grupo.
12h30 - Deslocação para o Restaurante "Virabrasa".
13h00 - Inicio do almoço.
13h30 - Entoação do Hino do Lanceiro no Restaurante

Almoço:

- Buffet de Entradas
- Sopa
- Prato de Peixe: Bacalhau Espiritual
- Prato de carne: Terra e Mar
- Buffet de Sobremesas
- Bolo alusivo ao Evento
- Café e Digestivo. - Grito do Lanceiro (Efectuado pelo mais novo da Familia dos Lanceiros)

Preço por pessoa é de 20 Lanças;
As crianças até aos 5 anos de idade: Grátis
As crianças até aos 6 aos 12 anos de idade: 10 Lanças

Confirmação de presença bem como o nº de acompanhantes até ao dia 14 de Abril de 2013 para: pimenta_moises@hotmail.com ou para o tlm 916528334,

Com os melhores cumprimentos e com um forte abraço Lanceiro para todos.
Nuno Esteves
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Nota de MR: 

Vd. último poste da série em:


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10337: Convívios (470): 4ºEncontro de Gerações de Lanceiros Policia Militar/Policia do Exército, Portalegre – 20 de Outubro de 2012 (Nuno Esteves )


1. Recebemos do nosso Amigo e visitante, Nuno Esteves, ex-Soldado PE do 1º Turno 94, o pedido de divulgação do seguinte programa festivo. 

4.º Encontro de Gerações de Lanceiros 

Polícia Militar (PM) / Polícia do Exército (PE) 

DATA DA REALIZAÇÃO DO EVENTO: 20 de Outubro de 2012

HORA DE INICIO: 10H30

LOCAL DO EVENTO: Portalegre, restaurante "O Cordas"

DISTRITO DO EVENTO: Portalegre

INSCRIÇÃO (TELEFONE, E-MAIL OU OUTRO CONTACTO): E-mail: kitlav@gmail.com

NOME DO RESPONSÁVEL PELO EVENTO: Jorge Marcelino

TEXTO DO EVENTO: Saudações Lanceiras caros camaradas PM e PE. Vai realizar-se no dia 20 de Outubro de 2012 em Portalegre, o 4.º Encontro Gerações de Lanceiros Policia Militar / Policia do Exército.

Programa do Evento

Ponto de Encontro: 10h30 junto à porta do Centro Instrução de Praças da GNR em Portalegre, com visita às instalações do ex-CIPE (Centro de Instrução de Policia do Exército). Após fim da visita, deslocação para o restaurante "O Cordas" que sita na Avenida da Liberdade, n.º 47, 7300-065 Portalegre (São Lourenço). 

Ementa do almoço

Entradas: Enchidos da Região
Sopa: Sopa de Legumes ou Canja.
Peixe: Bacalhau á Brás.
Carne: Vitela Assada no Forno ou Carne de Porco á Alentejana.
Sobremesas: Doces e Fruta Variada
Bebidas, Café e Digestivos ~

Preço por pessoa: 18,00€ + 1€ para o bolo
Confirmação ou marcação de presença para o e-mail kitlav@gmail.com
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


sexta-feira, 22 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10061: Notas de leitura (371): "Bissau, Entre o Amor e a Guerra", de Leonel C. Barreiros (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 7 de Maio de 2012:

Queridos amigos,
Foi um privilégio conhecer o soldado Calvário. Telefonei-lhe para a sua terra, Caçador, em Viseu, ficou feliz por saber que o seu livro fora desencantado de uma estante. Juntou a contracapa do seu diário original, onde ele registou o que se encontrava gravado num pequeno monumento situado dentro da Amura. Reproduz também uma página do seu documento.
O Leonel Barreiros tem vários livros publicados . Andou emigrado na Alemanha, foi continuo em duas escolas secundárias, andou sempre envolvido em ranchos folclóricos.
É uma alegria acolhermos mais um genuíno diário da Guiné.

Um abraço do
Mário


Diário do soldado Calvário, da Companhia de Polícia Militar 590, Guiné 1963/1965 (3)

Beja Santos

Devemos ao diário do soldado Calvário um relato minucioso das atividades da Polícia Militar em Bissau e arredores, entre finais de 1963 e 1965. É um rol infindável de escoltas, rondas, segurança no Hospital Militar, ordenança ao comandante militar e misteres afins. Calvário é pândego, namoradeiro tipo Don Juan, gostou de Canjala, teve derriço por Arcanja Patrícia, gosta agora de Mariana e vai ficar pelo beicinho por Liége. E regista a captura de guerrilheiros, o aparecimento de armas, os bailes, as informações que lhe chegam de vários pontos do teatro de operações, quando encontra patrícios ou malta conhecida. Dá-nos igualmente um quadro vivacíssimo da caserna, das idas ao Pilão e desmandos de vária ordem durante as rondas e até fascinas ao refeitório. Tem imensa correspondência com madrinhas de guerra, o dinheiro é pouco para aquelas praças a viver as delícias citadinas, ele e os camaradas vão vender regularmente sangue, sempre são mais umas centenas de escudos para a estroina.

O alferes Mário Tomé foi promovido, a malta da PM gosta imenso dele. A religiosidade é uma das marcas de água de Calvário, como ele escreve em 12 de Outubro de 1964: “Não faltei ao ato religioso que se celebrou na catedral”. Apesar de só o fazer de vez em quando, vive impressionado pelo Nazareno. Com frequência, somos inteirados da chegada de feridos ao Hospital Militar. As queixas sobre a alimentação levam-nos a percorrer a generalidade das tasquinhas de Bissau, ele, o Rei do Sono, o Cabo Banharia, o Entretela, o Arrentela, o Narciso, mas há muitos mais. Há aviões alvejados, dá para perceber que o armamento do PAIGC se aperfeiçoa mês após mês.

Há descrições tocantes: “Um militar dos comandos de Angola veio visitar um irmão que acabara de chegar da metrópole. Quando estava prestes a partir para Luanda adoeceu gravemente. A doença não perdoou e morreu aos olhos do irmão”. E também: “Um militar do B490, que sofria de úlcera, foi internado de urgência. Pouco lhe valeram as pressas. Acabou por sucumbir antes de ser operado. De olhos abertos, sem vida, ali ficou para sempre, naquela parcela do mundo vivo”. E assim se passou um ano de comissão. A PM tem artes e manhas para fugir à rotina. Logo no dia de S. Martinho vão até à caça e nesse dia assistem a um espetáculo de folclore no cinema UDIB. Vai aparecendo gente que esteve na operação Tridente, deixou sequelas, anda muita gente em consulta no hospital militar. Um camarada fala de coisas insólitas que se passaram na ilha do Como: “A um, uma bala partiu-lhe dois dentes; a outro, furou-lhe a orelha. Um outro levou com uma bala no pescoço e saiu por o outro lado sem cuidados de maior; a um fuzileiro levou-lhe a cabeça do dedo quando carregava no gatilho. A um colega meu a bala bateu-lhe no salto da bota e arrancou-lho. Era tudo assim…”.

Recusa mostrar o diário seja a quem for. E verseja, pois claro, já leva um romanceiro longo, assim: “A tua boca é um cravo/ Os dentes são as folhinhas/ As tuas falas me agradam/ Além de serem pouquinhas./ Sem ti são tristes os dias/ É penoso o meu viver/ Salta daí vem comigo/ Atenua o meu sofrer”. Se há muitos feridos que chegam ao hospital, também impressiona o seu registo em inúmeros desastres, envolvendo militares e civis. Deixa lavrado que consta que James Pinto Bull é dado como presidente da Guiné caso Portugal venha a dar independência à região. No final de Novembro é acionada uma mina que fez explodir uma viatura que transportava bidons de gasolina, ficaram carbonizados 10 homens. Calvário e os camaradas já não aguentam mais o arroz e o peixe do rancho, até já se insinua um levantamento de rancho. De vez em quando aparece pela Amura gente da sua região: “Chegaram do mato os vizinhos de Fragosela. Para os recompensar das novidades que me mandava quando me escreviam, ofereci-lhes um jantar na taberna do ligeiro, com o dinheiro do sangue. Quim Bispo, Tó Vicente, Zé Pêssego, Tó Medo e furriel Lourenço, dificilmente nos voltaríamos a juntar todos naquela mesa. Na opinião de todos nós, era de facto triste ver cair um companheiro; vê-lo cheirar a flor da vida no chão da terra”.

É impressionante como Calvário é imparável nos amores, nas diversões, na galhofa, em apontar tudo quanto ouve, os guerrilheiros que se entregam, os acidentes aparatosos, a audição da rádio Argel, a alegria nas patuscadas, as peripécias nas rondas, botes que se voltam e militares que se afundaram nos rios, temo-lo de faxina à cozinha, de serviço à porta de armas, de plantão, a gozar desabridamente nas suas folgas, o serviço no hospital militar é sempre acompanhado de relatos de dor. Chegam navios repletos de tropas, ele próprio anda aturdido com a extensão daquela guerra, tanto avião cheio de bombas. A comissão avança e também os processos disciplinares crescem: as orgias do Cabo do Rancho, os que irão presos porque prometeram casar com as meninas, é um nunca mais acabar de tragicomédia. Há cada vez mais álcool e farras com o passar dos meses. Cresce a pancadaria na caserna.

É uma arte tratar matéria comezinha com tanto enredo e cores vivas, a sinceridade de Calvário impõe-se nesta escrita do quotidiano, é um processo infatigável de se encontrar, era nesta escrita que ele aportava como numa enseada de serenidade, vagabundeia, olha as estrelas, o Geba, vibra com todos os seus engates o que lhe permite escrever coisas como: “Achávamos tudo tão inocente naquelas horas que chegávamos a procurar a nós próprios que raio andávamos por ali a fazer”. Calvário anda dividido, ama Mariana mas quer regressar descomprometido. Os encontros são descritos com sensualidade discreta: “Brincamos como duas crianças e acabámos trancados nos braços um do outro como dois amados legítimos. Despedimo-nos daquela noite com o respirar leve de quem amava e sofria sem saber do seu futuro”.

Estamos nos reboliços dos últimos dias, há ainda mais cenas de paixão, o embarque avizinha-se, Calvário descreve a euforia da partida. Faz o discurso do adeus a Bissau e escreve: “E, quando fores país, que a tua felicidade prospere e cresça, sem barreiras. Que as tuas necessidades cresçam no pleno esplendor da democracia. Desejo-te um destino nobre”. O navio “Niassa” chega à rocha de Conde de Óbidos, lá está a sua mãe para o abraçar. E assim conclui: “Hoje, nos momentos curtos e loucos em que escrevo, debruço-me sobre a folha branca e procuro-lhe fazer o mais belo poema da minha vida (refere-se à madrinha de guerra que virá a ser sua mulher) mas a grande ansiedade de começá-lo faz com que tudo se me afunde”.

Leonel Barreiros enviou-me, autorizando a divulgação no blogue, de elementos do seu diário. A carta que me enviou termina assim:

Rezo por aquele belo povo guineense para que procure a sorte de caminhar por caminhos novos e diferentes, mesmo dentro dos perigos e guerras forçadas, a que tanto tem estado sujeito. 
Abraços fraternos do seu amigo Calvário”.

Em 2009 ele conclui o 12.º ano de escolaridade. Tem 11 livros publicados. Este achado trouxe-me ainda mais entusiasmo para continuar a ler esta literatura escondida em edições de autor, estou em crer que há pedras preciosas, pepitas de ouro a juntar para o tesouro da literatura da guerra da Guiné.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10045: Notas de leitura (370): "Bissau, Entre o Amor e a Guerra", de Leonel C. Barreiros (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10036: Notas de leitura (369): "Bissau, Entre o Amor e a Guerra", de Leonel C. Barreiros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 30 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Fui há dias dar umas aulas de segurança alimentar no Instituto Superior de Estudos Militares, coscuvilheiro como sou, entrei na biblioteca e descobri esta pérola.
O soldado Calvário é seguramente o alter-ego de Leonel Barreiros, com quem já falei e já se começa a viciar no nosso blogue. Depois do livro de Manel Mesquita, é a descoberta prazenteira de um relato não confabulado, o diário de alguém que a partir da Amura, sem encobrimentos da sua vida íntima, nos descreve os primeiros anos da guerra.
Mais uma edição de autor que precisa de conhecer a grande circulação. A ver se o Leonel Barreiros nos descreve mais coisas quando entrar no blogue.

Um abraço do
Mário


Diário do soldado Calvário, da Companhia de Polícia Militar 590, Guiné 1963/1965

Beja Santos

Ninguém ignora que foram pouquíssimas as praças que escreveram testemunhos sobre as suas comissões militares. Leonel C. Barreiros foi soldado de uma Companhia de Polícia Militar, viveu sem desfalecimento na fortaleza da Amura dois anos e escreveu um diário dos quais publicou um extrato em 1993, edição de autor.

É um relato singular de alguém que escreve prosaico, que dá público testemunho de engates e muita estúrdia, temos ali a evolução da guerra contada por terceiros que passam por Bissau, que ele visita no Hospital Militar; percebemos a máquina da informação e da contrainformação, o autor despe por dentro a instituição mais odiada por todos aqueles que passavam por Bissau, por esta ou por aquela razão – a PM. “Bissau entre o amor e a guerra” é um feliz achado, um testemunho que se recomenda aos investigadores, está ali o registo dos primeiros anos da guerra, saem do punho de alguém que não se precisa de vangloriar pelo que viu e ouviu.

Primeiro, a despedida da família, as dores vivas da separação, o embarque no “Índia”, nos finais de Outubro de 1963. Ele chama-se Calvário e vem de Viseu. Ficamos a saber que o alferes Mário Tomé é o número dois da sua Companhia. Vão prontamente habitar na fortaleza de S. José da Amura. O diário começa a 5 de Outubro, primeiro dia de serviço. Aliás, pendularmente o Calvário está de reforço, na ronda, ordenança, de reforço ou de faxina ao refeitório. O primeiro serviço é no Hospital Militar. Uma enfermeira dá-lhe as seguintes instruções: “Tome bem nota do que vai ouvir. Está aqui dentro um nativo com a patente de alferes-tenente, comandante de uma companhia de guerrilheiros. Há quatro dias atacou as nossas tropas, onde perderam a vida 4 homens e foram feridos todos quantos estão dentro daquela enfermaria. Neste quarto só pode entrar o oficial de dia, médicos, pessoal de enfermagem, comandante militar e as senhoras do Movimento Nacional Feminino”. Irá estabelecer-se uma comunicação afetiva entre guerrilheiro e polícia, ao longo de meses. Aos poucos, Calvário familiariza-se com Bissau. Surge a lavadeira, Canjala, a primeiríssima história de envolvimentos amorosos, de curta ou média duração.

Assombra-se com os alfaiates de rua. Faz por vezes serviço na Capela Militar de Santa Luzia, onde jazem em câmara ardente os tombados em combate ou por acidente. Vai apresentado os seus camaradas, começa pelo Rei do Sono, um dorminhoco crónico. Antipatiza com o Cabo Rancho. O comandante dá murros a torto e a direito. Logo em Novembro toca a piquete e vão para a Praça do Império dispersar uma manifestação. Aparece lá na caserna o Montijo, um ex-P.M. que cumpriu serviço em Bissau e agora é chefe de posto no interior e descreve-o: “O seu aspeto físico era resultado do medo que os nativos tinham dele. Pelo bem, era boa autoridade administrativa; pelo mal, agia severamente”. E comenta, adiante: “O movimento da guerrilha alastrava cada vez mais. Os componentes destes grupos, quando feridos, eram levados para o Hospital Militar, onde eram tratados da mesma forma que os militares portugueses”. De vez em quando saem de Bissau, vamos ficando a saber que há flagelações e intimidações à população à volta de Mansoa, minas na estrada Bula-Binar. Ao fim de um mês, já não está impressionado com todos aqueles helicópteros que depositam feridos no Hospital Militar. Depois Mariana, uma cabrita, entra na vida de Calvário. É pela rádio que ele vai conhecendo o desenvolvimento da guerrilha, em Farim, no Gabu, fala-se insistentemente no Sul. Vamos conhecendo mais nomes da malta da caserna: o Viana, o Corroios, o Alentejano, o Moraria, o Leiteiro, o Faralhista, o Entretela, o Arrentela. Nas folgas, vão em grupo e atacam em todos os bailes. Chegou-se à quadra do Natal e ele anda triste: “Muitos militares choravam às escondidas. Depois do jantar, o grupo dos mais malandros juntou-se a mim para cantarmos a chorar hinos ao Menino Deus, fomos assistir à missa do galo, depois seguiu-se um espetáculo de variedades". Calvário tem várias madrinhas de guerra ao mesmo tempo.

É um diário onde se registam rixas, bebedeiras monumentais, bailaricos com meninas bem empoeiradas com pó de talco. E há também quadras ao gosto popular, como no Dia de Reis de 64, o Calvário soube que tinha havido mais dois mortos na zona de Buba e assim escreveu: “Entre a guerra e o silêncio/ E a sombra de um mangue/ Lágrimas de mães e de noivas/ Rostos lavados em sangue./ Nos olhos tristes dos tristes/ O fúnebre cortejo passando/ Como a tristeza de uma ave/ Que a voar se vai queixando”. Aqui e acolá, vão fazendo rusgas, de vez em quando apanham armas e até sacos com granadas. A 14 de Janeiro escreve que aqui embarcou o batalhão 490, vão participar numa operação designada por “Colmo”. Ele sabia que era um grande empreendimento e iam muitos militares para um objetivo onde os guerrilheiros estavam bem implantados. Ficou impressionado com aquela máquina de guerra que partia do cais de Bissau para as ilhas do Sul. É Marina que vai informando do que se está a passar, os guineenses sabem muito bem do que se trata. A partir daí o seu diário fala dessa operação sem parança, a P.M. procede a escoltas do carregamento de munições para o aeroporto, mas não deixa de dar outras notícias, úteis para se perceber o desenvolvimento da guerrilha, como em 20 de Janeiro: “A visita do Fernando Cristino de Viseu fez com que andássemos todo o dia na borga. Mas deu-me a possibilidade de registar os acontecimentos mais interessantes do seu destacamento por terras de Farim. Pertencia ao Esquadrão de Cavalaria n.º 365 com Comando em Bafatá. Deste esquadrão saiu destacado o pelotão do Cristino para Farim, onde esteve até terminar a Comissão. Deste pelotão saiu para a localidade de Binta uma secção para guarnição aos celeiros da mancarra. Certa noite foram atacados por aqueles que comiam e bebiam com eles à mesa, com espingardas de carregar pela boca, duas com carregador de balas e umas 4 ou 5 caçadeiras (…) A primeira baixa que sofreram foi quando rebentou uma mina por baixo da autometralhadora o que deixou o condutor com as duas pernas estilhaçadas. A segunda baixa surgiu quando o cabo que levava o detetor de minas levou uma rajada no pescoço, surpreendidos por uma emboscada”. Os noticiários radiofónicos matraqueiam com o sucesso da operação do “Colmo”. Como o pré é insuficiente, Calvário e muitos outros tornam-se dadores de sangue, sempre eram 450 escudos de cada vez, era dinheiro para a ramboia. De vez em quando são metidos num rebocador, vão desempenar barcos carregados de mancarra e segundo relata chegam ao Corubal, não se percebe lá muito bem, fala no Xitole que, como se sabe, estava distante do Corubal. Chegam notícias que as coisas naquela grande operação do Sul não estão a correr bem, os céus de Bissau estão a permanentemente a ser riscados pelos aviões que partem ou chegam.

É um diário que se lê sem tédio, é uma prosa possível para um jovem com a 4.ª classe que vai averbando cenas de pancadaria, engates descarados, os estampidos da guerra, crianças que perdem os pais, que anda em idílio com a Mariana e começa a perceber que aquela chegada contínua de batalhões tem mesmo a ver com o progresso da guerrilha. E estamos em Março de 1964, Calvário escreve sem parar, praticamente todos os dias. E consegue esconder todos aqueles apontamentos de olhares indiscretos.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10021: Notas de leitura (368): Revista "Ultramar" e "Abrindo Trilhos Tecendo Redes" (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 – P9495: Convívios (396): 3º Encontro de várias gerações de Lanceiros Polícia Militar/Polícia do Exército (Nuno Esteves)



1. Recebemos do nosso Amigo e visitante, Nuno Esteves, ex-Soldado PE do 1º Turno 94, o pedido de divulgação do seguinte programa festivo.
3º Encontro de várias gerações de Lanceiros Polícia Militar/Polícia do Exército

Saudações Lanceiras,

Venho solicitar se possível, a publicação na vossa "tabanca" do programa do 3º Encontro de várias gerações de Lanceiros - Polícia Militar/Polícia do Exército. O pedido baseia-se na necessidade de podermos alcançar camaradas da PM que prestaram serviço na Guiné. 


O repasto vai decorrer no Restaurante: 


Mar na Brasa - Avenida Serpa Pinto nº 464 

4450-277 Matosinhos


Ponto de encontro: no Restaurante

Entradas variadas: Pão, Salpicão, Pataniscas, e Gambas.
Bebidas: Vinhos, Cerveja e Sumos.
Prato principal: Vitela assada no forno c/batata assada, arroz e grelos.
Sobremesas: Salada de Frutas.
Digestivos: Café e Bagaceira.

Custo do almoço: 20.00 euros (+1 euro para o bolo).

Contactos para confirmação: 961040301 / 918253163.
Emails:
Fernando Barbosa: fernando.barbosa58@hotmail.com

Prazo máximo de confirmação: 23.04.2012


Nuno Esteves

Sold PE 1ºTurno 94

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Nota de MR:

Vd. último poste da série em:


quinta-feira, 23 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8463: Convívios (357): 2º Encontro Convívio de Lanceiros PM / PE

1. Recebemos do nosso Amigo e visitante, Nuno Esteves Nuno Esteves, Sold PE 1º Turno 94, o pedido de divulgação do seguinte programa.

Como no Teatro de Operações da Guiné, houve várias Companhias e vários Pelotões PM a operar, o meu pedido insere-se no âmbito de conseguir alcançar mais camaradas de armas que pertenceram a essas subunidades.

Em caso de resposta afirmativa, segue o programa do evento:

Sem mais a solicitar, apresento desde já os meus melhores cumprimentos.

Nuno Esteves
Sold PE 1ºTurno 94.

2º Encontro Convívio de Lanceiros PM / PE

Data da realização do evento: 22 de Outubro de 2011
Hora de inicio: 11h00
Local: Évora, Restaurante Páteo Alentejano
Inscrições e informações: appalppamous@gmail.com
Organizador do evento: Luís Almeida
Texto do Evento: Vai realizar-se o 2ºEncontro Convívio de diversas gerações de Lanceiros Policia Militar/Policia do Exército desta feita em Évora.
O evento terá lugar no Restaurante Páteo Alentejano às 11h00 do dia 22 de Outubro de 2011.
Menu do almoço:
Entradas: Pão, Queijo, Azeitonas, Salgadinhos, Entremeada na brasa e Gambas.
Sopa: Puré de Espinafres.
Pratos Quentes: Bacalhau à Páteo + Migas de espargos c/Lombo Grelhado.
Sobremesas: Pudim Flan/Salada de frutas.
Bebidas: Vinho Branco e Tinto da região, cerveja, sumos e água mineral, Café, Bagaceira, Amêndoa amarga e whisky.
Lanche (17h00):
Linguiça assada na brasa, Sopa de feijão c/hortaliça e febras c/batatas fritas.
Música ao vivo.
Preço por pessoa: 22,50 Euros
Inscrições através do e-mail: appalppamous@gmail.com
Até 08-10-2011.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5854: O Nosso Livro de Visitas (83): Policia Militar na Guiné (Nuno Esteves, ex-Militar de Cavalaria (PE) no Regimento de Lanceiros 2)




1. O nosso Amigo Nuno Esteves, ex-Militar de Cavalaria (PE) no Regimento de Lanceiros nº2, entre 1994 e 1996, com o posto de Soldado RC PE, enviou-nos a seguinte mensagem em 8 de Fevereiro de 2010:

Policia Militar na Guiné

Saudações Lanceiras caro Sr. Luís Graça,

Espero que perdoe a minha ousadia por lhe enviar este email. Passo-me a apresentar: Chamo-me Nuno Esteves, fui militar de Cavalaria (PE) no Regimento de Lanceiros nº 2, entre 1994 e 1996, com o posto de Soldado RC PE e actualmente sou administrador do fórum: http://regimentolanceiros2.forumeiros.com


O assunto que me leva a enviar este e-mail, é a presença de companhias/pelotões de Policia Militar no Teatro de Operações da Guiné.

Solicitava assim a vossas Ex.ªs, se alguém da vossa vastíssima tabanca, me podia fornecer dados sobre essas mesmas companhias ou pelotões PM.

Fica o meu e-mail de contacto caso me possam ajudar: nuno.lanceiros@hotmail.com

Um bem hajam,
Sem mais, subscrevo-me atenciosamente.
Nuno Esteves
Ex-Sold RC PE
"Morte ou Glória" e "Ajudar a Cumprir" para sempre.

Emblema de colecção da CPM 8242 e PPM 8223: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

domingo, 17 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5668: FAP (45): Em defesa do meu amigo Oitenta (Silvio Fagundes Abrantes, Hoss, ex-Sold Pára, BCP 12, 1970)




Guiné > Bissau > Brá> 1970 > "Os meus grandes amigos da Companhia de Caçadores Páraquedistas nº. 122: O Hoss e o Rodrigues. Em cima, vê-se o Hoss a aparar um murro no estômago, como mandavam as regras.

"Na segunda foto, o primeiro a começar da esquerda é o famoso Hoss, assim conhecido por todos incluindo os familiares, e julgo também o staf dos CTT, porque bastava escrever na carta ou no aerograma no endereço HOSS Pára-quedista, sem SPM nem nada, que a correspondência lhe ia chegar às mão. Era 1º Cabo Enfermeiro (julgo eu). O segundo era o Soldado Manuel Conceição Rodrigues, que era meu amigo desde há muitos anos, quando ele esteve a trabalhar na construção dos Estaleiros da Lisnave. Daí quando ía a Bissau, em vez de ficar no Depósito Geral de Adidos, ía comer, beber e pernoitar no quartel de Brá com estes meus grandes amigos. O terceiro da fotografia sou eu" (...) (*)

Fotos (e legendas): © Tino Neves (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário, com data de 4, ao poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

Caro amigo Luís Graça, em primeiro vou-me apresentar: Ex-soldado paraquedista, cumpri serviço no BCP 12. Chamo-me Sílvio Fagundes Abrantes, mais conhecido pelo Hoss.

Vou falar do que sei sobre o meu amigo Jaime Manuel Duarte de Almeida, 1º Cabo Paraquedista RD 85, mais conhecido pelo Cabo 80.

Sobre a sua vida de civíl antes da tropa pouco ou nada sei. Sei que teve uma infância muito dura e a certa altura foi para Lisboa onde se alistou na vida da noite. Quando algumas vezes lhe perguntei o que tinha feito antes da tropa, a resposta era sempre a mesma, ou se calava, ou não quero falar disso.

Era um bom jogador de cartas e exímio na vermelhinha. Não tinha escrúpulos em sacar a massa ao maior amigo, daí o pessoal não simpatizar muito com ele, como diz o Sr. Coronel Mira Vaz, meu comandante de companhia na altura.

Grande guerreiro, dotado de muita força, a MG 42 para ele era um brinquedo. Tínhamos dois inimigos comuns, os pretos e os ranhosos da PM [Polícia Militar], [que] se se bamboleavam por Bissau como se fossem donos e senhores do território, ainda hoje não posso com esses ranhosos.

O Jaime pertencia à CCP 122, veio para a 121 temporariamente pela mão do então Capitão Terras Marques que veio da 122 para a 121 e o Cabo 80 veio com ele. A seguir ao Cap Terras Marques, hoje Coronel na Ref, veio o Sr Mira Vaz.

A última vez que vi o meu amigo 80 foi em Águeda, encontrei-o por casualidade à beira da estrada nacional nº 1. Passámos ao resto da tarde juntos. Disse-me que estava à espera de ir para França, até hoje nunca mais o vi nem soube nada dele de concreto, o que sei é o mesmo que os meus amigos sabem.

O 80 não era nenhum arruaceiro e era digno das tropas Paraquedistas.Não como diz aí um senhor. Ele era um lutador, lutava pela Pátria e sabia o significado da palavra Pátria, ao contrário desse senhor que lhe chama arruaceiro, que não deve saber o significado da palavra Pátria e além disso é nojento tratar de arruaceiro um militar da estirpe do 80, sabendo que ele não está cá para se defender ou esse senhor era da PM a quem o 80 fez a vida negra e agora tenta vingar-se, isso é jogo sujo. Se ele cá estivesse de certo que não dizia uma baboseira dessas. Mais não digo.

Vou esclarecer um mal entendido. Eu era soldado enfermeiro, nunca fui promovido a cabo porque num dia fui duas vezes à missa e tramei-me. Eu era apontador de MG e um colega meu trazia a bolsa de enfermagem. Prometo voltar, Hoss.


2. Comentário, colocado no mesmo poste, pelo Paulo Santiago:

Coronel Mira Vaz: 

Após ler o seu post, liguei ao meu amigo e conterrâneo Hoss (Sílvio Abrantes), visto ter a convicção que ele tinha a especialidade de enfermeiro. Confirmou-me ter essa especialidade,apesar de nas saídas para operações levar a MG 42, sendo outro camarada a levar a bolsa de enfermagem. Falou-me numa emboscada no Pelundo (?) em que morreram 6 Páras, e após o combate ter exercido em vários camaradas as funções de enfermagem, o que acontecia, segundo ele, sempre que havia combate com feridos.

Abraço
P.Santiago
Alf Mil Pel Caç Nat 53

3. Comentário de L.G.:

Já tinha feito a sugestão ao Paulo:

"(...) Por que não trazes o Hoss até nós, tal como fizeste com o Victor Tavares ? Tu tens esse condão especial de saber levar a água ao teu/nosso moínho"...

E acrescentava: "O Victor, 1º Cabo da CCP 121 / BCP 12, foi o primeiro pára a 'abrir o livro', no nosso blogue... Publicámos, dele, um conjunto notável de depoimentos sobre a actividade operacional e humana da CCP 121, nomeadamente a actuação em Guidaje e depois em Gadamael em Maio/Junho de 1973. Também era um homem da MG 42. Ficámos amigos. Dá-lhe os meus melhores cumprimentos quando o vires"...

Julgo que a alcunha Hoss tenha sido atribuída ao Sílvio por analogia com a figura do Hoss Cartwrigh, da popular série televisiva norte-americana Bonanza...(Quem,da nossa geração, não era fã da família justiceira mas bonacheirona do Faroeste, o pai Ben, e os filhos Adam, Hoss e Little Joe ?... Comecei a vê-los desde os princípio da década de 60, se não me engano, na RTP)...

Gostava que o camarada Sílvio lesse as nossas regras de bom senso e bom gosto (por exemplo, não usamos o termo "preto", pela sua conotação racista...) e aceitasse fazer parte desta comunidade de amigos e camaradas da Guiné. Na nossa Tabanca Grande não cultivamos ódio nem raiva por ninguém, incluindo os antigos militares da PM e os homens (e mulheres) que nos combatíam (os guerrilheiros do PAIGC)...

No nosso blogue, simplesmente contamos histórias, partilhamos memórias e até afectos. Vejo que o Sílvio está na disposição de nos contar também histórias do seu tempo de militar da CCP 121 / BCP 12. Peço ao Paulo Santiago, seu amigo e vizinho, que o apadrinhe na sua entrada no nosso blogue. Se ele aceitar o nosso convite, que seja desde já bem vindo, alargando assim a representação dos camaradas do BCP 12.
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P5030: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (7): Servir Bissau: uma contenda inglória onde o pesadelo e o ronco se misturavam

1. Mensagem de José da Câmara (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de 25 de Setembro de 2009:

Olá Carlos,
Junto encontrarás mais uma página das minhas memórias.
Como sempre faz aquilo que entenderes por bem.

Um abraço amigo com votos de muita saúde para ti e para toda a tabanca.
José Câmara


Servir Bissau: uma contenda inglória onde o pesadelo e o ronco se misturavam

Acabada a cerimónia de recepção às forças agora chegadas à Guiné, o Comandante da CCaç 3327, Cap Mil Rogério Rebocho Alves, reuniu com todos os graduados. Nessa reunião ficámos a saber que um GCOMB iria de imediato para o destacamento de Dungal, o qual seria rendido de quinzenalmente. Para além do Grupo de Combate, uma Secção foi reforçar o destacamento de Nhacra. O objectivo era adaptar a Companhia ao mato da Guiné. Os outros dois GCOMBS e duas Secções ficariam em Bissau, tendo como principal missão a segurança de algumas instalações militares, o patrulhamento dos bairros de Bissau, das tabancas e zonas limítrofes da cidade, e os serviços próprios de qualquer quartel. A tudo isso se juntava a Guarda de Honra que, semanalmente, se fazia no cemitério na exumação dos nossos camaradas caídos pelos diferentes pedaços da Guiné. Traumatizante demais para os soldados da minha Companhia. Antes da sua guerra já tinham contacto com a morte.

As instalações, cuja segurança militar ficariam à guarda e responsabilidade da CCaç 3327, eram as seguintes:

1 – Palácio do Governador da Guiné
2 – Quartel da Amura
3 – Instalações da Rádio
4 – Hospital Militar 241
5 – O Laboratório

Naquela reunião, o Comandante da Companhia solicitou três voluntários para chefiarem os serviços da Guarda ao Palácio do Governador. Ninguém se ofereceu para este trabalho, aparentemente fácil, mas de uma grande responsabilidade. Assim, a escolha do próprio Comandante recaiu no Fur Mil de Operações Especiais, Carlos Alberto R. P. da Costa, no Fur Mil de Armas Pesadas Manuel Lopes Daniel e em mim. Nós, os indigitados para o serviço ao Palácio do Governador, ficámos ainda com a responsabilidade de fazermos um serviço de Sargento de Dia, na rotação normal, que acontecia de oito em oito dias.

O trabalho em Bissau era intenso, embora não oferecesse os perigos que o mato escondia. Para se ter uma ideia daquela intensidade, ao fim de trinta e sete dias de Guiné ainda foram encontrados três soldados sem um dia de folga. A intensidade do trabalho aliado à disciplina imposta pelo Comandante do AGRBIS transformou esta estadia em Bissau num autêntico pesadelo.

Nesta contenda inglória que foi a nossa guerra em Bissau, os únicos felizardos fomos nós, os Sargentos da Guarda ao Palácio. O nosso trabalho era, comparativamente com o trabalho dos nossos camaradas, bastante mais suave. Mesmo assim, um dos meus camaradas de serviço ao Palácio, não se livrou do castigo à ordem. O furriel viu-se obrigado a participar de um soldado adido à nossa Companhia, na altura sob o seu comando, que se ausentou do seu posto de serviço, sem a devida autorização ou substituição. Na sua primeira e única participação que fez, o furriel não indicou o artigo do RDM infringido e esse lapso foi o suficiente para que fosse castigado com cinco dias de detenção. O soldado foi punido com vinte dias de prisão.

Entrámos de imediato ao serviço (28 de Janeiro de 1971) ao Palácio, embora, os primeiros dias fossem apenas de sobreposição e sem qualquer responsabilidade da nossa parte. Tomámos o primeiro contacto com aquilo que seria a nossa responsabilidade. A nossa missão principal seria, sem dúvida, a segurança diária do Palácio, e, todo o aparato que englobava o içar da bandeira e o render da guarda ao Domingo. Nas tarefas diárias e no Render da Guarda a colaboração dos cabos e dos soldados era fundamental. O seu aprumo, destreza e rapidez em todos os processos envolvidos eram primordiais para o sucesso da missão. Acrescento, com algum orgulho, que os soldados da minha Companhia estiveram à altura da missão.

A guarda ao Palácio englobava as seguintes forças essenciais:

a) - Uma Secção de tropa regular, comandada por um Sargento da Guarda, que tinha a seu cargo os postos de sentinela ao fundo do jardim e ainda um posto de sentinela ao lado direito do jardim. A segurança era feita durante o dia do lado de fora do jardim. Com o render dos postos de sentinela às seis horas da tarde a segurança passava a ser feita do lado de dentro dos muros.
b) - Uma Secção da Polícia Militar, incluindo um sargento e um oficial, que tinha a seu cargo o pórtico principal do Palácio e o portão lateral de serviço geral.
c) - Durante a noite, entre as dezoito e as seis horas, a segurança era reforçada com um elemento da Polícia de Segurança Pública, que ficava encarregado do espaço entre a casa da guarda e do pessoal civil servente do Palácio e o edifício principal.
d) - Também durante a noite, a segurança era ainda reforçada com um cão treinado em segurança e respectivo tratador, na altura um pára-quedista, que tinha a seu cargo o patrulhamento do interior do jardim


Com a devida vénia ao autor da fotografia. Vista aérea de Bissau sendo bem visível o complexo do Palácio. 1 – Casa da Guarda 2 – Casa da Polícia Militar

Toda a responsabilidade da segurança recaía nos ombros do sargento da guarda. Cabia-lhe a implementação das regras estabelecidas. Mantinha em ordem todo o material de guerra à sua disposição: metralhadoras, munições e granadas de mão. Era responsável por encaminhar todas as mensagens chegadas via CTT, conforme o seu grau de segurança. Respondia directamente ao Oficial Ajudante de Campo do Governador sobre qualquer assunto de segurança julgado pertinente. Elaborava e assinava o seu relatório de serviço que era entregue no Comando do AGRBIS logo após a sua chegada a este complexo militar.

Durante cerca de dois meses, essa foi parte do meu trabalho, esta foi a minha Guerra em Bissau. Mantive, sempre, óptimas relações com todas as forças de segurança, incluindo os oficiais da Polícia Militar, que nunca me regatearam a sua compreensão. Encontrei no Ajudante de Campo do Governador, na altura um capitão, muito mais que um militar. Nesse oficial encontrei alguém que compreendia que nós, militares obrigados ao serviço, éramos pessoas que cometíamos erros, que falhávamos, mas que também tínhamos qualidades humanas a respeitar.

Fev71 - O Fur Mil José Câmara, Sargento da Guarda, no interior do jardim do Palácio do Governador da Guiné

Devo confessar que as boas manobras militares sempre me fascinaram. A organização, a ordem, a unidade, a beleza do movimento são, essencialmente, a base desse fascínio. Ainda hoje isso acontece.

Em Bissau, em frente ao Palácio do Governador, iria ter a oportunidade de ver essas manobras ao mais alto nível, e, eventualmente, participar nelas, quiçá a pior parte. A responsabilidade era grande, pois milhares de pessoas observavam, ao pormenor, essas manobras na praça do Império e o desfile das tropas na Avenida da República.

No Domingo de manhã acontecia ronco grande em Bissau

O atavio militar das Praças da Guarda era o fardamento n.º 2, com cordões brancos nas botas, tendo como armamento a G3. O Sargento da Guarda também vestia o fardamento n.º 2, com luvas brancas e cordões das botas da mesma cor. O seu armamento era a FBP. Durante a cerimónia o carregador na arma estava vazio. Em verdade se diga, os carregadores que estavam nas cartucheiras estavam devidamente carregados.

Postal da época da Guerra na Guiné - Aspecto do Render da Guarda

Para além das Praças da Guarda, as Forças em Parada eram, normalmente, as seguintes: dois Grupos de Combate reduzidos, nesta nossa participação, da CCaç 3327, com fardamento n.º 2 e G3, um Pelotão da Polícia Militar em camuflado e G3, e um Grupo do Destacamento de Fuzileiros Navais em fardamento branco e G3. Os Leopardos (se a memória não me falha essa era a sua sigla e sujeito a correcção) de Bissau, com os seus inconfundíveis turbantes vermelhos, eram a Banda Militar que nos acompanhavam nestas cerimónias.

Após o içar da bandeira e o render da Guarda, as forças desfilavam pela Avenida da República indo destroçar junto ao Quartel da Amura.

Postal da época da Guerra na Guiné – A excelente Banda Militar de Bissau

Nunca poderei esquecer a atenção e o respeito que os guineenses demonstravam nestas cerimónias. Novos e velhos, homens e mulheres seguiam com muita atenção todos os pormenores do içar da bandeira e do Render da Guarda. Vi muitos deles saudar com continência a Bandeira que subia no mastro, e senti o calor de milhares de palmas quando as nossas tropas acabavam as manobras em frente ao Palácio e desfilavam pela Avenida da República. Nestas ocasiões, devo confessar, não sentia que os guineenses procuravam a sua independência. Quanto muito desejavam a paz, a mesma paz que nós procurávamos. Nós éramos a sua esperança.

Foi essa atenção, respeito e calor humano que eu senti das populações da Guiné, num simples içar de uma Bandeira Nacional e de um desfile militar, que começaram a despertar em mim o amor por aquela terra mártir e a sua gente que, ainda hoje, perdura e... perturba.

José Câmara
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4935: Os Nossos Enfermeiros (4): Valioso trabalho desenvolvido pelo Fur Mil Enf Rui Esteves (CCAÇ 3327) e a sua equipa (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4906: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (6): AGRBIS, um inferno no meio da guerra

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4499: A Tabanca Grande no 10 de Junho de 2009 (7): O Jorge Cabral e o Vacas de Carvalho apanhados pela PE... (Mário Fitas)

10 de JUNHO de 2009, DIA DE PORTUGAL > Encontro Nacional de Combatentes, em Belém, junto ao Forte de Bom Sucesso 1. Texto e fotos de Mário Fitas É claro! Nem sempre tudo corre com a postura conveniente destes actos.Pois é!... o nosso amigo Cabral, com a sua parelha Vacas de Carvalho, foi a Missirá e vieram, cada um, com a sua bajuda. Só estas Aves poderiam fazer isto! Mas a história complicou-se porque as Bajudas pertenciam... à PE [Polícia do Exército]. Resultado, foram revistados e no Saco Azul, bem visível nas mãos do Vacas de Carvalho, foram encontradas duas rações de combate, só que embaladas em pequenas caixas. Segundo algumas bocas dos mirones tabanqueiros que se juntaram, seriam também de cor azul. Narrei apenas o que ouvi, e as fotos foram-me emprestadas por um retratista que por ali andava, pois eu não intervi em nada. Por este motivo peço ao chefe da Tabanca, que seja tomada em conta este acto, e que para o próximo evento deste tipo, a estes senhores Tabanqueiros, seja atada a farinheira com um cordel. Com a saudade de um momento bem vivido e o desejo que o próximo Encontro da Tabanca tenha não o mesmo êxito, mas maior ainda que o ano passado. Como sempre, o velho e amigo abraço do tamanho do Cumbijã, Mário Fitas _________ Nota de L.G.: (*) Vd. último poste desta série > 10 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4498: A Tabanca Grande no 10 de Junho de 2009 (6): E até ao dia 20, na Qta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria...(Luís Graça)

sábado, 22 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

1. Mensagem do Hugo Guerra (ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) (1):

Camaradas Tertulianos:

Não queria deixar passar esta oportunidade sem vos contar uma estória que se passou comigo em Bissau, aí por volta do Natal.

Ao longo dos anos que já passaram recordo-a com graça e só tenho pena de não ter sido filmada porque era capaz de ser publicada no Youtube ou outra coisa parecida.

Dezembro 1968 . Tinha vindo a Bissau ao hospital fazer uma desintoxicação de Gandembel.

Com mais dois camaradas descíamos a Avenida que vinha do Palácio do Governo em direcção à baixa ,mais concretamente aos Correios. Eis senão quando, qual emboscada do IN, aparece a Polícia Militar, que no cumprimento da sua espinhosa missão me ataca com todas as armas de que dispunha e me passa um raspanete por eu ter mais botões desabotoados do que os permitidos no RDM. Logo a mim que me considerava um dos poucos da tropa-macaca que tinha experiência in loco do famoso corredor de Guileje...

Fiquei urso, mas os rapazes até tinham razão e lá abotoámos os botões. Chegados aos Correios, no meio da barafunda total estava um esganiçado e aperaltado 1º Cabo, com a camisa desabotoada até ao umbigo.

Depois do que me acontecera pouco antes, aquela situação caía como sopa no mel... Afiando as garras tivemos este diálogo:
- Ó nosso cabo, ouça lá.
- Ó Nosso Cabo não, meu Alferes, sou o Marco Paulo... (Desconhecia em absoluto quem era semelhante personalidade) (2).
- Marco Paulo uma merda, ou abotoa esses botões todos ou temos chatice! - respondi eu.

Claro que o obriguei a estar em sentido até acabar o castigo e comecei a aperceber-me duns sorrisos à socapa dos Camaradas que estavam por ali….

Satisfeito com a minha façanha do dia, viemos para fora e só então fiquei a saber que tive muita sorte por ele não ter dito nada…..senão ainda levava uma porrada e era enviado pra Gandembel, aliás para onde regressei passados 2 ou 3 dias depois.

Ao longo dos anos ainda sorrio quando me lembro desta estória …de Natal.

__________

Notas de L.G:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(2) Extactos de uma recente entrevista do cantor Parco Paulo (nascido em Mourão, há 62 anos de idade, e com 41 anos de carreira...), ao Correio da Manhã, em 9 de Junho de 2007:

Fez tropa na Guiné durante dois anos. Do que se recorda?
– Recordo-me de ter pedido a todos os santos para não ir, acima de tudo porque eu sabia que se fosse para a Guiné possivelmente quando regressasse já não podia dar seguimento à minha carreira. A minha sorte foi que o meu produtor, Mário Martins, fazia sempre questão que eu viesse de férias. Durante esse período eu gravava, e quando voltava para a Guiné a editora lançava o disco. Por isso nunca caí no esquecimento.

Chegou a sentir medo?

– Quando cheguei à Guiné não foi fácil. Pensei: “Olha, vou para o mato. Levo lá um tiro na cabeça e pronto!” Só que fui para o quartel da Amura, para a secção de Justiça, como escriturário. Ouvia os bombardeamentos, mas não deu propriamente para sentir medo. Depois, como a rádio lá passava muitos discos meus, eu era aproveitado para abrilhantar as festas militares.

Compreendeu, à época, as motivações daquela guerra?

– Eu não estava por dentro dos assuntos da política. Disseram-me que Guiné era Portugal e eu acreditei. Hoje, olhando para trás, vejo que foram dois anos perdidos.


Também nas Selecções do Reader's Digest - Portugal - Revista, pode ler-se uma entrevita com o Marco Paulo, a propósito dos 35 anos de carreira e dos 3 milhões de discos vendidos. Alguns excertos relativos ao tempo que o MP esteve na Guiné:

(...) LO: Voltando um pouco atrás. Onde cumpriu o serviço militar?
MP: Na Guiné. Quando fui para a guerra, já tinha gravado dois ou três discos, discos sem grandes sucesso mas que passavam na rádio e que já vendiam alguma coisa. Ao regressar da guerra, não fazia ideia do que seria a minha vida no futuro, não era líquido que o meu futuro passasse pelas cantigas.


LO: Recorda o dia em que partiu para a guerra?

MP: Muito bem. No fundo, não sabia para onde ia. Foram dias muito inquietantes, mas por sorte acabei por ir parar a Bissau. Os meus pais choraram quando se despediram de mim, choraram tanto como eu. Aliás, lembro-me de ter chorado duas vezes na minha vida: nessa ocasião e quando me deram a notícia de que tinha um cancro. Não é nada fácil alguém me ver chorar, nada fácil mesmo.

LO: O estatuto de cantor beneficiou-o de alguma forma durante a Guerra Colonial?

MP: De forma nenhuma. Por sorte, não estive nos sítios onde se vivia a guerra, limitei-me a estar numa zona mais resguardada. Fui obrigado a ir. Estava numa secção de escritório a fazer cartas, para mim foram quase umas férias. Só me apercebia de que existia guerra quando me convidavam para ir cantar a algum hospital ou à Força Aérea; no sítio onde estava não percebia nada. Deu-me muito prazer cantar na Guiné, os meus camaradas pediam-me e eu nunca recusava. (...)


Também no blogue do Luís de Matos (ex-Fur Mil, da CCAÇ 1590, Os Gazelas, 1966/68), há uma referência ao Marco Paulo, aquando da chegada a Bissau, a 11 de Agosto de 1966:

(...) Findo este trabalho, o capitão deu folga a todo o pessoal para conhecer a cidade. Logo na primeira noite, juntei-me a um pequeno grupo para irmos dar uma volta, para conhecermos um pouco da noite guineense. O furriel miliciano Charneca, que é natural de Beja, ou arredores, não sei bem, pertence à CCS do meu batalhão, o 1894, disse-me que há um nosso camarada, já “velho”, o que equivale a dizer que não é “periquito”, que está no rádio do Quartel-General com o Marco Paulo, um artista da rádio e da TV e também alentejano, de Mourão. Vamos lá ter com eles, para nos mostrarem como é isto. Ou pelo menos, aquele meu amigo vai connosco. Estava uma noite escura como breu. Não me recordo de mais nada. O que sei é que me vi dentro dum táxi, com o Charneca e o tal amigo do QG, por um trilho, em que o capim era bem mais alto que o nosso transporte e fomos parar a uma vivenda onde havia música. Muita música cabo verdiana e dança, frangos no churrasco, cerveja e whisky. Não conseguia deixar de pensar que me podiam cortar a cabeça com uma catana. É que a gente ouvia contar cada estória!. Mas ao mesmo tempo, tinha uma certa confiança no tal camarada mais velho. Se ele estava ali e continuava vivo, é porque o local e as pessoas eram de confiança. Há-de ser o que Deus quiser. Coração ao largo, pensei cá prós meus botões" (...)