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terça-feira, 2 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21031: Meu pai, meu velho, meu camarada (61): In Memoriam: António Correia Caxaria (Atalaia, Lourinhã, 17/12/1917 - São Bartolomeu dos Galegos, Lourinhã, 1/6/2020): o últmo expedicionário de Cabo Verde, ex-fur mil, RI 5 / RI 23, São Vicente, 1941/43




1. Acabei de saber, ontem à noite, pela página do Facebook da Oestefune - Serviços Funerários Lda, com sede na Lourinhã, da morte do meu conterrâneo,  amigo e camarada do meu pai, o António Correia Caxaria, nascido na Atalaia, Lourinhã, em 17/12/1917. 

Fiquei muito triste, mesmo sabendo que ele era um resistente, ia fazer no final deste ano 103 anos. E era, muito provavelemente, o últmo, até então vivo, dos mais de 6 mil e tal homens que, durante a II Guerra Mundial, defenderam a soberania portuguesa do território de Cabo Verde, em especial nas ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal.

O Caxria esteve com o meu pai, Luís Henriques (1920-2012) em São Vicente, entre 1941 e 1943, ambos mobilizados pelo RI 5 (Caldas da Rainha) e integrados no RI 23.

Durante mais de meio século os dois iam, todos os anos ou quase todos os anos, ao convívio do seu batalhão, nas Caldas da Rainha. Era o Caxaria, que vivia em Lisboa, que dava boleia, de carro,  ao meu pai.

Conheci-o pessoalmente no Restaurante Foz, na Praia da Areia Branca, não há muitos anos, talvez por volta de 2012, ano em que morreu o mei pai.. Era um hoimem afável e jovial, vendendo saúde aos 90 e tais anos!... E chegou a visitar os maus pais, no Lar de Nossa Senhira da Guia, na Atalaia.

Aos sábados, era frequente encontrá-lo lá,  no Restaurante Foz, com o filho, nora e netos...Prometi-lhe que o iria visitar um dia na sua quinta, em São Bartolomeu dos Galegos,  Lourinhã... Queria ver o seu álbum de fotografias do Mindelo e São Vicente. E falar desse tempo, das suas recordações, da sua amizade e camaradagem com o meu pai e outros conterrâneos que passaram pelo RI 23.

Sei que a família fez-lhe uma bonita dos festa dos 100 anos. Ia sabendo notícias dele  através do filho ou do Restauante Foz. Hoje recebo a triste notícia de que chegou ao fim a sua viagem terrena. Aprontava-me para ir ao seu  funeral mas vejo que, por vontade expressa da família, as cerimónias fúnebres são restritas ao círculo familiar.

 Mesmo assim, estando em Lisboa, quero ver se ainda dou um salto à Lourinhã, para estar às 3 e picos, à porta da Igreja do Convento de Santo António, para lhe dizer um "Até sempre, meu pai, meu velho, meu camarada!"... Porque os pais dos nossos camaradas, para mais tendo sido expedicionários no Ultramar, também são nossos pais e camradas.

A um dos filhos, que conheço pessoalmente, o eng. Carlos Augusto Amaro Caxaria, especialista em geologia e minas (, que foi presidente, de 2013 a 2016, da EDM-Empresa de Desenvolvimento Mineiro, S.A.), endereço as minhas condolências, em meu nome pessoal, em nome da família do Luís Henriques e em nome também da Tabanca Grande (onde temos aqui vários filhos de antigos expedicionários que foram contemporâneos do Caxaria, em Cabo Verde: o Hélder Valério Sousa, o Augusto Silva Santos, o Luís Dias, o Nelson Herbert).

PS - E peço desculpa à família se algumas vezes troquei o apelido do António: Caxaria, e não Caixaria,  lapso de resto já corrihido no blogue.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Parada do Dia 14/8/1942. Foto Melo"... No verso, escrito pelo punho de Luís Henriques: "Comemoração de Aljubarrota em São Vicente. Desfile de todas as tropas e viaturas. A 1ª e a 3ª companhaias do RI 5"... Seguramente que o fur mil António Caxaria também participou neste desfile,,, Infelizmente não tenho nenhuma foto dele com o meu pai... Foto do álbum de Luís Hnriques (1920-2012).

[ O nosso camarada e grã-tabanqueiro Adriano Miranda Lima,. cor inf ref, natural do Mindelo,a viver em Tomar, e agora autor de um livro sobre os expedicionáriso em Cabo Verde ao tempo da II Guerra Mundial,  descreve o sítio, num poste do blogue Praia de Bote, como sendo a Rua do Coco, e chama a a atenção para o pormenor do comandandante da companhia em segundo plano, e que vem a cavalo, como era hábito ainda na época. O dia 14 de agosto é o dia da Infantaria, ]

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Nota do editor:

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20202: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte II: recruta no RI 5, Caldas da Rainha, na 5ª companhia, comandada pelo ten inf Vasco Lourenço

RECORDAÇÕES E DESABAFOS DE UM ARTILHEIRO > Parte II:  recruta no RI 5, Caldas da Rainha, na 5ª companhia, comandada pelo ten inf Vasco Lourenço

por Domingos Robalo (*)



[, Foto à esquerda: Domingos Robalo:

(i)  tem página no Facebook desde março de 2009 e administra também o grupo Artilharia de Campanha na Guiné-BAC1/-GAC7

(ii)  filho de militar, foi fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; 

(iii) vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariado, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval"; 

(iv) trabalhou na Lisnave: é praticante de golfe; 

(v) e passou a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795, desde 21 de setembro último]

(Continuação)


Durante três meses e uns dias [, desde o início de janeiro de 1968] vamos aprender . [, no RI 5, Caldas da Rainha,] a “ordem unida”, o manejo da G3, fazer fogo em carreira de tiro e toda a teoria necessária e aplicável á época para se preparar um sargento para a “guerra colonial”. Mergulhar no tanque da merda, ou mesmo atravessar o cano dos esgotos sanitário era prática de alguns pelotões na recruta das Caldas, porém tenho de referir que a minha Companhia de instrução, a 5ª, não nos fez passar por estas situações.

Conhecer a hierarquia militar, a forma como no devíamos dirigir a um sargento ou a um oficial, fosse ele subalterno ou superior, fazia parte do conhecimento básico da instrução militar. Marchar bem e com garbo, manejar a arma; tudo fazia parte do nosso quotidiano.

Estou colocado na 5ª Companhia, tendo como comandante o tenente Vasco Lourenço, que em 25 de abril de 1974 viria a fazer parte do Movimento dos Capitães.

Não era um Comandante acessível. Militar oriundo da Academia Militar, chegou a castigar-me com cinco dias de detenção, embora a infração, disciplinarmente, e de acordo com o RDM, daria 3 dias de prisão. “Apenas porque me desenfiei de domingo para segunda, para poder participar no casamento de uma amiga da minha namorada que sendo Luso-Americano, obteve autorização dos seus superiores para vir dos USA casar a Portugal, mas já com guia de marcha para o Vietname." (Recordam-se do que era a guerra naquele território?). Mas isto dava outra história que agora não vem a propósito.

[Um ano depois,] em março/abril de 1969, sou mobilizado para a Província da Guiné. Dois cursos de CSM a seguir ao meu já tinham sido mobilizados e um terceiro a terminar a especialidade na EPA [Escola Prática de Artilharia], Vendas Novas. Estava com planos de casório, pois já estava na expectativa de não vir a ser mobilizado, resultado também da minha boa classificação de curso na Arma de Artilharia na especialidade de Campanha.

Lembro-me que o mundo desabou sobre os “noivos”. A guerra do Ultramar tinha este efeito devastador sobre a vida dos jovens do meu tempo. Interrompiam-se casamentos, carreiras profissionais e estudos académicos. Mas,  apesar de todos estes contratempos, a juventude dizia sim a Portugal, embora poucos ainda se questionassem sobre as motivações da guerra. 

Grande parte da juventude do meu país vivia longe das cidades, eram iletrados e muitas vezes ávidos de sair da casa dos pais onde trabalhavam de sol a sol e sem independência. Ou fugiam a salto para a Europa do pós-guerra, ou vinham à aventura da vida militar, muitos deles como voluntários, quer para a força aérea, quer para a marinha.

Cascais > Monumento aos Mortos do Ultramar > Guiné.
Foto: Cortesia do Blogue Povo de Portugal, 31/3/2016

A minha mobilização para a Guiné ocorrera para cumprir uma rendição individual de um militar que não teve oportunidade de chegar ao fim. Ia substituir o furriel miliciano Batista [,  António da Conceição Dias Baptista, natural de Murtal, São Domingos de Rana, Cascais ], que infelizmente não terminara a sua comissão no tempo normal. No dia 14 de fevereiro de 1969, morre heroicamente ao lado do seu Comandante de pelotão, o alferes Gonçalves [, José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa],  São vítimas de um ataque IN no aquartelamento de Guileje.

Merecem, entre muitos outros, serem aqui referidos porque o seu sacrifício resultou de um ato heroico, não por falta de discernimento ou inconsequente, mas, na sequência da intensidade do fogo IN terem querido proteger os seus soldados, todos negros e do recrutamento da Província. Ordenou o Alferes que todos se recolhessem no abrigo. O Furriel Batista manteve-se a seu lado respondendo ao fogo IN, como se de um duelo de artilharia se tratasse. Mas a má hora chegou. Uma morteirada cai sobre o ferrão do lado esquerdo do obús 10,5cm e ali morrem os dois. 

Guileje era uma povoação a sul da Província da Guiné e sobejamente conhecida de todos os militares mobilizados para esta Província Ultramarina.

A sete de maio de 1969, embarco no “Niassa” com destino a Bissau.

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Nota do editor:

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19697: Notas de leitura (1170): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
Santos Andrade está agora a fazer recruta, todos a fizemos. Podem dar um contributo aqui para a história do BCAV 490 em verso? Filipe Leandro Martins em "O Pé na Paisagem" lembra as botas da tropa, texto de rara impressividade: "Os dois pares que tínhamos iam sempre brilhar nas formaturas, nas revistas, nas chamadas. Quando as recebíamos elas vinham tão grosseiras que era difícil amaciar-lhes o pelo, bebiam frascos de tinta e latas de graxa, aguentavam escovadelas dementes, duras de roer. Alguns havia que passavam o fim de semana a dar-lhes pomada e a queimar-lhes o pelo. Outros passavam o dia à volta dos dois pares. Eram engraxadores de coração, a graxa entrara-lhes na alma através dos dedos, o prazer que tinham era mirarem-se no espelho das botas, ouvirem elogios do alferes na parada".
Mas mais, muito mais, aconteceu na nossa recruta. Toca a lembrar!

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (2)

Beja Santos

“Missão Cumprida”, de Santos Andrade, é a história em verso do BCAV 490. Foi composto e impresso na Tipografia das Missões, Guiné Portuguesa, em julho de 1965, o que significa que o autor antes de regressar da sua comissão tinha a obra acabada. O bardo conta como vai para a vida militar, como chega a Mafra, passa por Estremoz, fala das desditas das perdas, da vida em Bissorã, da Batalha do Como, da chegada a Jumbembem, fala-se de Farim, Cuntima, Guidage, de operações, muitas, de emboscadas, de armadilhas, de valentia, do retorno a Bissau, há memórias de tudo, apelos sentimentais, até o termo da gesta, com o fado do regresso.

É verdade que há já um conjunto de histórias de unidades militares em verso, creio, salvo melhor opinião, que esta é a primeira que se escreveu na literatura da guerra da Guiné, presta-se a uma homenagem a Santos Andrade, a quem fez parte do BCAV 490 e a quem tanto escreveu, por artes colaterais, incidentais, no que aqui em verso se nomeia. E assim ocorreu um projeto, com algo de mobilizador, ir publicando o que Santos Andrade versejou e lembrar outros autores, dando a possibilidade a muitos, a começar por quem esteve nas fileiras do BCAV 490 a quem tem histórias similares ir depondo ao longo de uma série de transcrições desta tão impressiva “Missão Cumprida”.

Assim, ao encetar o que o bardo conta de si e do seu batalhão, convida-se a que muitos testemunhem e aumentem esta missão cumprida que continuamos a cumprir até que o último dos combatentes entregue em definitivo o estandarte nos labirintos da História. Valeu?

************

Santos Andrade já chegou às Caldas da Rainha, começa a vida militar:

Algum tempo se passou
até que cheguei ao quartel.
Dei a guia a um Furriel
que para uma bicha me levou.
Um Soldado me informou
que tinha muito que passar
e eu comecei a admirar
este grande curralão.
Entrei eu nesta prisão
para a recrutar tirar.
Desta vida amargurada
vou-lhes contar um bocado:
até ao juramento de bandeira
andei sempre constipado.

Começámos a instrução
Com todas as impertinências:
aprender a fazer continências:
e a rastejar pelo chão.
Ficou-me de recordação
aquela terra enlameada:
ficar com a farda molhada
e com um frio de tremer
nunca mais me hei-de esquecer
Desta vida amargurada.

Quando toca a alvorada,
tudo sem se levantar.
Às sete horas vai-se formar
p’ró café e marmelada;
às oito horas na parada
já está tudo alinhado
já a corneta tem tocado
para a Companhia avançar.
De tudo o que estou a passar
vou-lhes contar um bocado.

Eu não estava acostumado
à vida militar
Tive que me habituar,
mas vi-me atrapalhado:
uma vez, arregaçado,
passei por dentro duma Ribeira,
caí numa ribanceira,
fiquei todo esfolado,
e andei sempre adoentado
até ao juramento de bandeira

Toda a gente deve saber
que isto é para enrijar
para quando se for lutar
nós já saibamos sofrer
para podermos vencer
quem se opõe ao nosso lado.
Por isso o tempo foi passado
assim com tanto sofrimento
e aqui neste Regimento
andei sempre constipado.

************

E de novo veio à tona da memória mais trechos de “O Pé na Paisagem”, de Filipe Leandro Martins:
“Toda a gente estava a pé, o murmúrio tornava-se algazarra, batiam-se portas metálicas sem cuidados na azáfama de chegar primeiro. E nisto acenderam-se as luzes: todos de verde ou quase. Havia quem desistisse de se fardar, olhando para o chão com desânimo ou trocando uma vez mais os atacadores e as fivelas difíceis. Os espertos andavam numa roda-viva, a rir e ensinar.
À porta dois ou três grupos barbeados de fresco e abotoados conversavam e batiam com os pés no chão para assustar o frio. Alguns verificavam nos placardes os horários, listas de nomes, avisos velhos”.

E, mais adiante: 
“Depois começou a chamada, milhões de nomes a acertar com números, e a fome a roer. Depois firme. Sentido. Os braços esticados, dedos juntos, olhar em frente. Não mexe. O furriel deu um passo em direcção a nós, perna estendida, patada no chão. Deu meia volta, muito teso. Fez a continência a um homem franzino, enquanto a malta bichanava que era um alferes. O alferes fez um gesto mole em resposta, virámo-nos para a direita e lá fomos a caminho do refeitório, a toque de caixa.
Grandes mesas de mármore, molhadas de gordura, arrastar cadeiras, firme, sentido, sentar, arrastar cadeiras. Café com leite aguado, pão escuro com margarina, mastigar, guardar uma bucha dura nos bolsos. Os monitores começaram a berrar e nunca mais pararam durante três meses, levantar, sentar, marchar, comer, dormir, correr, sair, entrar, lavar, correr, deitar, rastejar, saltar, disparar, limpar, engraxar, marchar, correr, ouvir e calar.”

É sempre bom retornar ao diário do soldado Inácio Maria Góis. É faxineiro na cozinha, tem o condão de nos revoltar o estômago:
“O feijão é retirado de dentro dos sacos, não é lavado nem limpo, leva alguns quilos de sódio para ser cozido mais rápido. As couves são cortadas ao meio e não são lavadas, atiram-nas assim para dentro das panelas, apenas as batatas são lavadas. É por isso que aparecem nos nossos pratos lesmas e lagartas".

E consta do seu diário:
“Aqui nos encontramos aproximadamente mil jovens a tirar a recruta. As suas idades variam entre os 21 e os 22 anos. Na sua maioria são do Alentejo e Algarve e os restantes vêm do Ribatejo, Norte e Lisboa”.

O abaixo assinado Mário Beja Santos deu-lhe para recordar estas facetas e facécias quando escreveu “A Viagem do Tangomau”, recebeu guia de marcha foi da estação do Rossio até à Malveira, daqui até ao convento em autocarro. Foi praxado, como era usual. Cuidara de ir ao barbeiro na véspera, pedira corte a preceito. Na receção, um quarteleiro manganão observou-lhe que levava as tranças compridas, já para o corte, aqui não se quer gente com canos no cabelo, chamam lêndeas, tentou protestar, veio a ameaça do corte de fim de semana, resignado, lá foi para a tosquia.
Como o Santos Andrade depois da recruta foi para Mafra, vamos os dois, a seguir, entrar num certo despique.

(continua)

Escola de Sargentos do Exército, Caldas da Rainha.
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Notas do editor

Poste anterior de 12 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19673: Notas de leitura (1168): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de15 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19682: Notas de leitura (1169): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17499: Agenda cultural (568): Exposição comemorativa do 1º centenário do nascimento de Manuel Ferreira (1917-1992), a ser inaugurada em 18 de julho próximo, no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, e que deverá seguir depois, em setembro, para a terra natal do escritor e oficial do exército, Leiria (João B. Serra)


Capa da 2ª edição do livro de contos "Morabeza", que Manuel Ferreira (1971-1992) escreveu, em 1957, nas Caldas Rainha quando chefiava a secretaria do RI 5. Era então 1º sargento. A 1ª edição é de 1958. A obra foi em 1957 distinguida com o prémio Fernão Mendes Pinto e editada pela Agência Geral do Ultramar. Uma segunda edição, “refundida e aumentada”, saiu em 1965, sob a chancela da Ulisseia, com prefácio de José Cardoso Pires. A belíssima capa é de Sebastião Rodrigues.

Foto e legenda: cortesia de João B. Serra (2017

1. Comentário de João B. Serra  ao poste 19 de junho de 2017,  "Guiné 61/74 - P17486: Meu pai, meu velho, meu camarada..." (*)

Estou muito grato ao Luís Graça pela sua disponibilidade pessoal e pela intermediação que fez para outros seus "camaradas" que me permitiu enriquecer o conhecimento e ampliar a investigação sobre a presença de militares portugueses em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial.

No acervo familiar de Manuel Ferreira, que me foi facultado por um dos seus filhos, o Eng. Hernâni Ferreira, existem também algumas fotografias dessa época, que vou utilizar na exposição que preparo para as Caldas da Rainha.

A exposição será inaugurada (espero) a 18 de Julho, no museu de José Malhoa, seguindo-se, a 22, no mesmo Museu, uma conferência sobre a vida e obra do escritor.

Manuel Ferreira, então 1º sargento, esteve colocado no Regimento de Infantaria 5 (tal como, anos antes, Luís Henriques, pai de Luis Graça) no período que vai de 1954 a 1958. Para documentar esse pedido tive a colaboração do actual comandante  da Escola de Sargentos do Exército, que sucedeu ao antigo RI 5 [em 1981].

A referida exposição seguirá em Setembro para Leiria, terra natal de Manuel Ferreira.

Obrigado a todos os que têm colaborado nesta iniciativa.

João Serra

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17486: Meu pai, meu velho, meu camarada (57): um roteiro da cidade do Mindelo: parte II [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17434: Efemérides (255): centenário do nascimento do escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, o leiriense Manuel Ferreira (1917-1992), capitão SGE reformado, ex-furriel miliciano, expedicionário em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, mobilizado em 1941 pelo RI 7 (Leiria)...Também fez comissões na Índia (1948-54) e em Angola (1965-67). "Creio que se pode perceber que estamos perante uma trajectória humana singular" (disse-nos o seu biógrafo, João B. Serra)



T/T Vera Cruz > A caminho de Angola > Em primeiro plano, o ten SGE Manuel Ferreira a bordo do paquete Vera Cruz em agosto de 1965 a caminho de Luanda. Cortesia de João B. Serra.

Foto (e legenda): © João B. Serra (2017). Todos os direitos reservados


1. Nota elaborada com dados fornecidos ao nosso blogue pelo programador cultural João B. Serra, natural das Caldas Rainha, historiador, professor coordenador do Instituto Politécnico de Leiria, e a quem foi cometida, pela autarquia de Leiria,  a missão de a realizar, em tempo recorde, uma exposição comemorativa dos 100 anos do nascimento do escritor leiriense Manuel Ferreira (1917-1992).


Manuel Ferreira (Gândara dos Olivais, Leiria, 1917- Linda a  Velha, Oeiras, 1992), conhecido como escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, completaria 100 anos no próximo 18 de Julho.

Mas fez também carreira como militar, faceta que é menos conhecida: foi 1º cabo, furriel, 2º sargento, 1º sargento e, depois, alferes, tenente e capitão SGE,  tendo portanto frequentado a antiga Escola Central de Sargentos  (ECS) (, criada em 1896, em Mafra, tranferida depois para Águeda em 1926, transformada em estabelecimento em ensino superior, em 1977, com a designação de Instituto Superior Militar, e entretanto desativada, no início dos anos 90, para passar a existir, a partir de 1966, na Amadora,  o Instituto Politécnico do Exército).  Passou à reserva no posto de capitão, em 1974.

O Manuel Ferreira, órfão muito cedo,  de pai (que era ferroviário), alistara-se no exército em 1933, ainda menor, com 16 anos. Vai para Coimbra, cujo ambiente estudantil o fascina.   Completa o curso comercial. Mas quatro anos depois, envolve-se nas contestações à reforma (salazarista) do exército. Em julho de 1938,  com 21 anos, com o posto de 1º cabo,  é detido e colocado, no Porto, às ordens da polícia política. Transferido para Lisboa, para a prisão do Aljube, é julgado pelo  Tribunal Militar Especial de Santa Clara, um ano depois, sendo  absolvido, mas acaba por ser expulso das fileiras do exército. Entretanto, o tempo de prisão foi importante para ele em termos de formação político-ideológica,

 Regressa a Leiria e ajuda nos negócios do irmão até que,  em 1940, em plena segunda mundial,  volta ser chamado às fileiras do exército, E mobilizado, em 1941, para Cabo Verde.

O 1º cabo, promovido depois a furriel miliciano, Manuel Ferreira,  foi contemporâneo de alguns dos nossos pais, expedicionários em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial, Esteve lá, na ilha de São Vicente, no Mindelo, cerca de seis anos,  de finais de 1941 até 1946. Foi mobilizado pelo RI 7 (Leiria), cujas forças (1º batalhão) ficaram aquartelada na zona de Chão de Alecrim enquanto o 1º  batalhão expedicionário do RI 5 (Caldas da Rainha)  estava estacionado na zona do Lazareto.

 Aproveita o tempo dessa comissão de serviço militar para continuar a estudar. Em 1944  concluirá o curso liceal (secção de letras), no liceu Gil Eanes, no Mindelo, A sua futura mulher, e também, escritora, notável contista, Orlanda Amarílis (1924-2013), natural de Santiago,  era da turma do Amílcar Cabral (1924-1973), natural da Guiné (Bafatá), mas filho de pais cabo-verdianos,

Casaram, Manuel Ferreira e   Orlanda Amarílis, em 1945. O seu primeiro filho ainda nasce no Mindelo.  Um dos professores que o marcou muito foi o escritor e linguista Baltazar Lopes, mas também Aurélio Gonçalves, aliás primo de Orlanda. Em contrapartida, Manuel Ferreira (que veio de licença de férias a Portugal em 1944, tendo aqui editado o seu primeiro livro, "Grei", coletânea de contos) terá sido o primeiro ou um dos primeiros (, a par de outros expedicionários)  a introduzir na ilha de São Vicente, a mais aberta e cosmopolita, as obras da nova geração de escritores portugueses, da escola neo-realista (como o Alves Redol, o Mário Dionísio e o Manuel da Fonseca). E começou, também ele, a dar os primeiros passos na ficção.

Este período é muito marcante (e decisivo) na sua vida.  A sua memória de Cabo Verde, a singularidade do crioulo, a "morabeza" do  seu povo, a sua cultura, a sua literatura, a sua música, as suas paisagens,  as suas tragédias (a seca, a fome, a emigração...), passam a fazer parte das vivênvias do homem, do cidadão e do escritor, das suas preocupações e áreas de trabalho intelectual e literário. Descobre em Cabo Verde uma segunda pátria. Ele é, de resto, um dos cofundadotes e animadores da revista literária "Certeza" (1944), de vida efémera (mas com impacto na vida cultural da ilha). (Publicaram-se dois números, o 3º terá sido proibido pela censura.).




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo >  9/11/2012 > 11h11 >  Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo. 


Foto: © João Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Geraça & Camaradas da Guiné]



 Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mapa de 2007, da autoria de Francisco Santos. Imagem copyleft (Fonte: Cortesia de Wikipédia. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > s/l > Ribeira de Julião (?) > Legenda no verso: "Jantar em San Vicente, Nosse terre. Nativos em festa. Recordações da minha estada em C[abo] Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques". Provável Foto Melo.

Foto: © Luís Graça (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Geraça & Camaradas da Guiné]


Regressado ao continente em 1946, Manuel Ferreira é colocado no RI 7 (Leiria), Em 1947, publica na revista coimbrã "Vértice", em duas partes, um texto, pioneiro,  dedicado à literatura cabo-verdiana. Em 1948 edita, em Leiria, o livro "Morna: Contos Cabo-verdianos". Em 1947 tinha saído essa obra de referência da literatura cabo-verdiana que é o "Chiquinho", de Baltazar Lopes (Caleijjão, São Nicolau, 1907- Lisboa, 1989.)

 Como cidadão, e apesar de ser militar, também mantém relações com personalidades da oposição democrática, do MUD Juvenil, numa  época, o pós-guerra, em que ainda havia fortes esperanças no fim da ditadura salazarista. Naturalmente, a PIDE  vigia-o.

Em abril de 1948 é enviado para a Índia. Acompanham-no a mulher e o filho. Irá lá ficar até fevereiro de 1954. Manuel Ferreira, já com o posto de sargento, prossegue em Goa os seus estudos. Em 1949 conclui no liceu Afonso de Albuquerque a secção de ciências. Em 1952 fica diplomado com o curso de Farmácia da Escola Médico-Cirúrgica de Goa, enquanto por seu turno  Orlando tira o curso de professora primária na Escola do Magistério. Em 1949, tinha nascido o segundo filho do casal.

Regressa a Portugal em 1954. É colocado no R I 5, nas Caldas da Rainha, já só com funções de secretaria. E esse vai ser um período de grande grande produção literária, [Presumimos que tenha sido neste período, que o Manuel Ferreira frequentou a escol de Águeda; o nosso amigo João B. Serra consultou o seu processo individual, pode depois confirmar este dado omisso na nota biográfica que teve a gentileza de nos disponibilizar, de seis páginas],

Em 1958 é transferido para Lisboa. Em 1962, sai o seu primeiro romance de
temática cabo-verdiana, o "Hora di Bai", centrado na tragédia da seca e da fome de 1942, que o consagra definitivamente como escritor, reconhecido pela crítica e pelo público,. Em 1963 a Academia de Ciências de Lisboa atribui-lhe o prémio da criação literária Ricardo Malheiros.

Em 1961, é convidado para o lugar de secretário da  Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), de que é presidente o consagrado Ferreira de Castro (1898-1974). Em 1965, as instalações da SPE são atacadas e destruídas, sendo a  instituição dissolvida por decisão governamental, por ter tido a ousadia de atribuir a um "terrorista" do MPLA, preso no Tarrafal, o Grande Prémio de Novela desse ano... .O livro chamava-se "Luuanda", e o escritor, angolano, nascido em Portugal, era o Luandino Vieirapseudónimo literário de José Vieira Mateus da Graça (nascido em 1935, em  Nova de Ourém),

O então tenente SGE Manuel Ferreira é colocado em Angola para mais uma  comissão de serviço militar (1965/67). De regresso a casa, ainda tem tempo para concluir, em 1974, a licenciatura em ciências sociais e políticas do ISCSPU - Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

Depois de passar à reserva logo a seguir ao 25 de Abril, aceita de bom grado o convite para dar aulas na Faculdade de Letras de Lisboa. Será professor universitário de dezembro de 1974 até atingir os 70 anos, em 17 de julho de 1987, data em que teve de se jubilar, por imperativo legal. Foi mestre de toda uma geração lusófona numa área nova, na nossa universidade, como foi o ensino e a investigação da literatura africana de expressão portuguesa.

Na área da literatura infantil, tem 7 livros editados,  entre 1964 e 1977,   maioritariamente relacionados com o imaginário cabo-verdiano. Na ficção, destaque-se as reedições de "Morabeza" (1961) e "Hora do Bai" (1963), uma refundição de "Morna", com o título de "Terra Trazida" (1972) e, enfim, a narrativa "Voz de Prisão" (1971).

Ainda em vida, em 1991, por ocasião da passagem do 50º aniversário da sua chegada a Cabo Verde, o município do Mindelo homenageou-o com o título de  cidadão honorário. Em contrapartida, a sua cidade parece tê-lo redescoberto tarde...

Em suma,  se ele hoje fosse vivo, poderíamos também tratá-lo como  "nosso pai, nosso velho, nosso camarada". Parafraseando o seu biógrafo, João B. Serra, por este "curriculum vitae resumido", dá para perceber que "estamos perante uma trajectória humana singular".

De acordo com a informação do João B. Serra,  há diversas iniciativas em curso para celebrar o centenário de Manuel Ferreira, algumas recentes, outras previstas para julho. As comemorações prolongar-se-ão ao longo do ano em curso, em Leiria (onde nasceu e foi mobilizado para Cabo Verde), nas Caldas da Rainha (onde esteve colocado, no então RI 5), em Lisboa (onde foi professor, na Faculdade de Letras) e eventualmente noutras cidades portuguesas. E esperemos  que também no "seu" Mindelo, terra de sortilégio!

Dessas iniciativas iremos  dando noticia, aqui no nosso blogue. João B. Serra está também a ultimar a biografia de Manuel Ferreira,  para a qual conta, para já, com o apoio dos editores e colaboradores de dois blogues, o nosso, Luís Graça & Camaradas da Guiné, e o Praia de Bote (editado por Joaquim Saial, um alentejano que se apaixonou pelo Mindelo nos anos 60, e que tem, entre os seus colaboradores, o nosso camarada Adriano Lima. cor inf ref, que vive em Tomar, outro grande mindelense de alma e coração).
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domingo, 15 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16091: Tabanca Grande (486): José Salvado, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Infantaria da CART 1744 (S. Domingos, 1967/69); foi também Administrador de Posto em Angola, é hoje advogado, vive nas Caldas da Rainha, e passa a ser o nosso grã-tabanqueiro n.º 715


Foto n-º 1 > O José Salvado em S. Domingues, na região do Caacheu


Foto nº 2 > A LDM 311 no rio Cacheu


Foto nº 3 > 2.º grupo de combate da CART 1744


Foto nº 4 >  Pela picada for

Fotos: © José Salvado (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de José Salvado, com data de ontem:

Caro amigo Luís Graça,

Respondendo ao convite, envio o pequeno texto, contendo os meus elementos militares e actuais:

Camaradas ex-combatentes,

Assentei praça no RI 5, nas Caldas da Rainha, no dia 16/05/1966, como soldado miliciano.

Em 21 de Agosto daquele ano fui para o CISMI em Tavira, tirar a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria.

Terminada a especialidade fui colocado no RI 15, em Tomar, onde fui promovido a 1.º Cabo Miliciano, e, no dia 28 de Fevereiro de 1967 fui transferido para o GACA 2, em Torres Novas, para dar a escola de recrutas, sendo integrado na CART 1744, que no da 20 de Maio de 1967, embarcou no paquete Uíge tendo como destino a Guiné. Fui graduado em furriel miliciano na data de embarque.

Chegado à Guiné-Bissau, no dia 25 de Maio de 1967, descemos para uma LDM, onde nos foi distribuído o armamento, e navegando toda a noite chegámos no dia seguinte ao Cacheu, permanecendo ali até ao 27 de Maio, de manhã, e depois tendo embarcado num barco que nos transportou até S. Domingos.

Como Companhia de Intervenção a minha companhia, a CART 1744,  esteve presente em operações em S. Domingos, Susana, Ingoré, Cacheu e o meu pelotão esteve 15 dias no Sedengal em emboscadas para os eventuais fugitivos de uma grande operação que decorria na mata da Coboiana,  no Cacheu.

De regresso, embarquei no paquete Niassa, no dia 15 de Maio de 1969, tendo desembarcado em Lisboa no dia 21 do mesmo mês.

Mais tarde fui promovido a 2.º sargento miliciano.

No dia 13 de Junho de 1969 tomei posse do lugar que me aguardava na Repartição e Finanças de Montemor-o-Velho, como aspirante de finanças, e 2 anos e pouco após a posse, estava a rescindir o contrato, para tomar posse como Administrador de Posto em Angola. [Foto à esquerda,]

Regressado em 1975, fui colocado, no dia 21 de Janeiro de 1976, como funcionário administrativo da Escola Preparatória de Terras de Bouro, que abandonei em 30/09/1979, porque no dia 1 de Outubro (dia seguinte) tomei posse como chefe de secretaria da Câmara Municipal da Lourinhã, lugar que abandonei por transferência para a C. M. das Caldas da Rainha. 

No dia 2 de Dezembro de 1991, tomei posse como Director Administrativo da C. M. da Covilhã, sede do Concelho da freguesia da minha naturalidade.

Passei à aposentação no dia 30 de Setembro de 1994.

Presentemente,  para além de aposentado, exerço funções como advogado, na cidade das Caldas da Rainha, onde resido desde o dia 30 de Setembro de 1984.

Junto as 2 fotos da praxe [e mais algumas da página no Facebook].

Um abraço do
José Salvado


2. Comentário do coeditor CV:

Em nome do Luís Graça e demais editores, colaboradores permanentes e demais amigos e camaradas da Guiné, que se junta simbólica e fraternalmente à sombra do poilão da Tabanca Grande, dou-te as boas-vindas.

Cumpridas as formalidades de apresentação, passas a constar dos nossos registos como o grã-tabanqueiro n.º 715. Ficas a saber que és o primeiro representante da tua companhia, a CART 1744, da qual sabemos pouco.

Esperamos que nos digas mais coisas sobre o tempo que passaste no Cacheu e, já agora, por que não, podes também escrever sobre os tempos passados como administrador de posto em Angola.
Obrigado pela tua vontade em integrar este grupo de antigos combatentes que passaram pela Guiné entre 1961 e 1974. Como costumamos dizer, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, nela cabemos com tudo aquilo que nos une e até com aquilo que nos pode separar, por exemplo, a política, a religião e... o futebol.

Muita saúde e longa vida, camarada José Salvado,
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15992: Tabanca Grande (485): Completando o processo de adesão do António Osório, que vive em Vila Nova de Gaia: foi fur mil rec inf, CCS/QG/CTIG (Bissau, Cacine, Gadamael, Cameconde, 1970/72)

quarta-feira, 16 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15862: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte I



Foto nº 1  > Capa do álbum da minha saudosa mãe, "Honra e Glória"



Foto nº  2  > O meu saudoso pai, militar do Regimento de Infantaria de Lisboa, 1943-45


Foto nº 3 >  A foto da ordem, com a farda emprestada... [A farda nº 1...]



Foto nº 4 > Recruta nas Caldas da Rainha [, em farda nº 3, no RI 5, que faz hoje 42 anos que se revoltou,...]



Foto nº 5 > Juramento de bandeira [, no RI 5, Caldas da Rainha]



Foto nº 6 > Em Vendas Novas, EPA [Escola Prática de Artilharia]



Foto   nº 7 >  Diploma do Curso de Minas e Armadilhas [, Escola Prática de Engenharia; nota, 79,8, "regular"]





Foto nº 8 >  Eu e o famoso e afamado Pechincha  [, do meu pelotão, fur mil op esp, desenhador na vida civil,,,]



Foto nº 9 > Eu [, à esquerda,]  com o fur mil Pais, numa jogatana, na nossa messe no Gabu [Nova Lamego], e o devido bioxene.







Foto nº 10 > Eu e o Pais, uns trinta anos depois






Foto nº 11 > Eu, o Pais e o Valdemar [Queiroz]


Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. L.G.]


1. Mensagem, de 12 do corrente, do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970]

Olá,  Luís,

Conforme teu pedido semanas atrás, aqui vão algumas fotos, que farás o favor de lhes dar o destino que entenderes, fui buscá-las a um Álbum, que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava.

O interesse delas é relativo, tudo depende de quem as vê.

Nas mesmas vou pôr legendas, para melhor interpretação do seu significado.

Agradecendo desde já a tua paciência, daqui um grande abraço.

Abílio Duarte

2. Comentário do editor:

Obrigado, Abílio... Vamos publicar, numa série com o teu nome... Se quiseres, podes ir mandando pequenos textos, a partir das legendas (que são sucintas, mas nem sempre suficientes)... Quem disse que uma imagem vale por mil palavras, esqueceu-se dos cegos... São frases de senso comum, que vale pouco, como aquela, que costumávamos dizer e repetir em Bambadinca: Quem não sabe ler, que veja os bonecos... (Lembras-te, Tony Levezinho ?).

Todas estas fotos (mesmo as mais pessoais...) são preciosas, ajudando, em muito, a reconstrução do "puzzle" esburacado da nossa memória, da memória de toda uma geração que passou pela Guiné, entre 1961 e 1974... 

Mas é preciso "contextualizá-las"... Um ET, da geração dos nossos filhos, netos ou bisnetos, vai olhar para as tuas/nossas fotos como um boi para um palácio... Quem são esses gajos, em que época é que viveram, o que estavam para ali a fazer ?... Não havia telemóveis, ipads, tablets, PC, o Skype, nem sequer telefones!... Um homem podia estar (estava!) dois anos sem falar, "ao vivo", com a família e os amigos!... Tal como no tempo, 500 anos atrás, em que se ia à Índia e voltava (quando voltava!) dois anos depois... Havia, entretanto, uma coisa que se chamava "aerograma", inventada pelas senhoras do Movimento Nacional Feminino, e uma máquina montada pela tropa chamada "Serviço Postal Militar" (SPM)... Ajudaram a "encurtar" as distâncias, que o império, de dois mil quilómetros quadrados, era longe e largo...

Ao pores à nossa disposição algumas fotos que mandavas à tua mãezinha e que ela foi guardando e colando carinhosamente no seu álbum, prestas, a todos nós, um serviço altruista: ao vê-las, estamos a "avivar" as nossas próprias memórias individuais (e grupais): a tua história de vida é também a nossa. a de cada um de nós... Bem hajas!... Luís.

PS - Tens sabido do nosso comum amigo (, meu, de Bambadinca, teu, do BNU),  o José Carlos Lopes ? Ele tem um excelente album fotográfico... Fazia muitos "slides" e de boa qualidade... É meu vizinho (, eu moro em Alfragide). Mas não arranjo tempo para o ir visitar a Linda a Velha... Estive com ele cerca de 1 ano em Bambadinca... Ele, da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), eu, da CCAÇ 12 (1969/71)... Em tempos combinámos juntarmo-nos, eu, tu e ele... Vamos ver quando poderei ou quando poderemos juntarmo-nos, os três...

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13115: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (28): Caldas da Rainha onde frequentei o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos até me magoar, baixar ao HMP e regressar a casa com licença registada (António Tavares)

Estação dos combóios da Caldas da Rainha

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 1 de Maio de 2014:

Caro Vinhal,
Junto envio três fotografias e um texto sobre a minha passagem nas Caldas da Rainha.
Abraço de amizade
António Tavares


Foz do Douro – Caldas da Rainha 

Ao ler o Post 12597 recordei a minha primeira viagem de comboio, na qualidade de soldado, com partida da estação de Porto - Campanhã.

A viagem foi atribulada com mudanças de comboio e excesso de mancebos nas carruagens mas tive de aguentar porque tinha sido alistado em 8 de Junho de 1968.

Chegados ao princípio da noite à estação da CP das Caldas da Rainha tínhamos entre outros um senhor, cego de nascença, à nossa espera. Oferecia alojamento.
O dito senhor depois de ter acertado o preço da dormida, naquela friíssima noite de 7 de Janeiro de 1969, conduziu-nos à sua habitação. Na distribuição dos quartos de casal fiquei com um conterrâneo. Ele conseguiu dormir, eu não.

Na manhã de quarta-feira 8 de Janeiro apresentei-me no Regimento de Infantaria nº 5 para a frequência do 1º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos. Deram-me alojamento na 4ª Companhia e o Posto de Soldado Recruta com o número 615/69. O meu primeiro número na tropa.

Desde logo apreendi que um militar da classe Praças era um número. O nome ficava à Porta de Armas. As roupas foram distribuídas ao acaso, isto é, o soldado instruendo em fila recebia dois pares de botas, um par de sapatilhas, uma farda de trabalho, etc… sem olharem às medidas de cada um. As trocas eram feitas entre os soldados mas era difícil acertarmos nas medidas.

A primeira noite passada no quartel foi aterradora para a maioria dos instruendos. Muitos choros se ouviram. Eu cansado consegui dormir menos mal. O ano de 1969 teve um Inverno rigoroso. Foi o ano do terramoto em Fevereiro.

Na manhã seguinte dada a alvorada às 6 horas e feita a higiene pessoal havia a formatura geral da Companhia junto à porta da caserna. Era tão escuro, frio e chuva, na maioria dos dias, que somente os instruendos que estavam na fila da frente tinham de ficar em boa ordem. Os restantes encostavam-se uns aos outros para protegerem-se do frio e da chuva. Esta entrava pelo pescoço, escorria pelo corpo e depositava-se dentro das botas. Os instrutores davam as ordens abrigados e assim não conseguiam ver todos os elementos do pelotão e pouco ou nada se molhavam.

Certa manhã andava o pelotão a apreender a acertar o passo sob uma chuva intensa quando um Major passou num veículo Volkswagen preto, parou, repreendeu o instrutor e mandou abrigar os instruendos. Um determinado dia na instrução aleijei-me. Levado para a enfermaria aí repousei 7 dias ao fim dos quais fui transportado numa ambulância Volkswagen para Lisboa. Fui acompanhado com outros instruendos por motivos idênticos. Do Hospital Militar Principal, à Estrela, fui parar ao Anexo, em Campolide - “Texas” - onde estive internado 6 dias. Nesta viagem os camaradas eram outros, entre os quais um militar da GNR. No dia da alta ao chegar a Santa Apolónia o último comboio com destino às Caldas da Rainha tinha acabado de partir. Telefonei para o quartel a dar conta da ocorrência. Na manhã do dia seguinte apanhei o comboio para as Caldas da Rainha. Ao apresentar-me ao Oficial de Dia, este de imediato deu-me ordem de prisão porque tinha de estar no quartel no dia anterior.

- Eu, preso? Porquê?

Tinha cometido um crime! Não compreendi porque há dias era bem comportado e colocado na 2ª classe de comportamento e naquele dia era um criminoso. Pelo quartel andei, de seca para Meca, até que os senhores me passaram uma licença. Eu disse adeus ao RI 5, que marcou a minha presença, sem qualquer punição. Recebi 2$50 - dois escudos e cinquenta centavos - de pré referente ao período em que fui hóspede do RI 5.

Os oficiais que conheci no RI 5:
- Capitão de Infantaria José Máximo Moncada Oliveira e Silva que era o Cmdt. da Companhia.
- Tenente de Infantaria Hermínio Couto Maçãs era o Chefe da Contabilidade.
- Major de Infantaria Manuel José Morgado era o Director de Instrução.
- Coronel de Infantaria Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI 5.

Como a Igreja e a Tropa eram inseparáveis tínhamos o Padre Tomás Marques Afonso com a patente de Tenente Capelão.

Assim começou a minha vida de militar que se prolongou por 38 meses, incluída uma permanência de 23 meses, nas matas do leste do Comando Territorial Independente da Guiné, em Galomaro. Passados uns meses no CISMI, em Tavira, comecei da estaca zero nova instrução e com outras aventuras e histórias.


António Tavares
Foz do Douro, 1 de Maio de 2014
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13068: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (27): Guardo Elvas e as suas gentes no meu coração (Henrique Cerqueira)

quarta-feira, 12 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12830: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): Caldas da Rainha, onde fui 1º cabo milicano por umas breves semanas, e fiz uma guarda de honra ao presidente da República, Américo Tomás, no início de 1969 (César Dias, ex-fur mil, sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)





Caldas da Rainha > RI 5 > c. 1º trimestre de 1969 > Guarda de Honra a Américo Tomás, de visita ao RI 5.  Ao centro, de perfil, empunhando uma pistola metralhadora Uzi (ou FBP ?) estava o então 1º cabo miliciano César Vieira Dias, mais tarde fuir mil MA, CCSA/BCAÇ

Fotos: © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


Da esquerda para a direita: César Dias, em Tavira, na parada do Quartel da Atalaia, CISMI, em meados de 1968,  com o irmão que estava no 2º ciclo do CSM (a tirar a especialidade de armas pesadas, na 2º Companhia). O César estava na recruta, 1º ciclo, na 3ª companhia. Estiveram juntos 3 meses. Depois seguiram destinos diferentes: O César foi para a Guiné, e o irmão para Angola.



1. Mensagem do César Dias [,ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71, respondendo a pedidos de esclarecimento do editor sobre a foto acima publicada, a guarda de honra a Américo Tomás:

Data: 12 de Março de 2014 às 10:07

Assunto:  Guarda de honra ao Américo Tomás


Bom,  dia Luis

Essa foto do Américo Tomaz foi tirada nas Caldas,  no RI 5.  Não me recordo ao certo do mês, mas como estive lá pouco tempo só poderá ter sido ou Fevereiro ou principios de Março de 1969.

Eu estava como Cabo Miliciano na 5ª Companhia, já falei com um camarada que estava na 5ª Companhia como Instruendo, ele não se lembra de nada. Presumo que,  como o pessoal ainda estava fresco,  terão pescado os melhores pelotões em ordem unida nas várias companhias e fizeram a festa ao ilustre visitante. 

Luís,  aderi no Facebook  aos "antigos combatentes da Guiné ", publiquei lá essa foto ao lado duma outra visita recente (2008), de Cavaco Silva,  indicando que as separam 38 anos mas no mesmo local, para ver se aparecia alguém que se lembrasse daquilo, mas até agora só mesmo eu. 

Comprei a foto,  porque eu estou em primeiro plano com a Uzi [, pistola  metralhadora de origem israelista], era o meu pelotão que estava á cabeça.

Um abraço, dispõe sempre

César

PS - Como já tive ocasião de te esclarecer, o meu percurso na tropa foi semelhante ao de muitos do nosso tempo, Tavira 6 meses, recruta e especialidade, depois Caldas para dar recruta ao CSM, mas que não chegou a terminar porque o homem do monóculo [, Spínola,] pediu reforços e lá fomos á pressa a Santa Margarida fazer o IAO.  O batalhão [, BCAÇ 2885,] embarcou em 7 de Maio no Niassa, eu fui de avião numa secção de quarteis receber as instalações, cheguei a Bissau no dia 8 (,já agora o meu irmão embarcou no dia 8,  para Angola), penso que com nove meses de tropa estava em Mansoa para o que desse e viesse.

Sobre as fotos,  ainda pensei que tinha alguma de Santa Margarida, mas aquilo foi mesmo uma rapidinha, nem fotos fizemos.



Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Vão fazer agira 40 anos que se deu a "revolta das Caldas da Rainha", rebelião militar que antecedeu o 25 de abril de 1974.

Recordem-se aqui os factos mais próximos, relativamente ao "pronunciamento das Caldas":
1974, março, 14 > O capitão Virgílio Varela, do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, informa Casanova Ferreira que, caso a Comissão Coordenadora do Movimento não reaja à demissão dos dois generais [, Costa Gomes e António Spínola], ele sairá sozinho com a sua unidade. Casanova Ferreira tenta convencê-lo a adiar a acção, mas Virgílio Varela não desmobiliza o seu pessoal e decide mantê-lo em «estado de prontidão».

1974, março, 1974 > Os capitães do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, tomam o comando do Quartel e de madrugada avançam sobre Lisboa, sob o comando do capitão Armando Ramos. É a única unidade a sair, numa acção descoordenada e na sequência da qual são presos cerca de duzentos militares, entre os quais Almeida Bruno, Manuel Monge, Casanova Ferreira, Armando Ramos e Virgílio Varela.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12821: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Caldas da Rainha, com o meu amigo Zé Tito, para uma aventura que havia de ligar-nos por três anos, até Janeiro de 72, quando passámos à peluda (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 4 de Março de 2014:

A CIDADE OU VILA QUE MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG

CALDAS DA RAINHA

O tema sugere sentimentos extremados relativamente às localidades por onde a tropa nos mandou antes do cruzeiro ultramarino. Cá para mim, não houve amores ou ódios no que às localidades por onde passei me tenham marcado. Mais, fui feliz em todas elas. Feliz, na tropa, perguntar-se-ão? É verdade. Até então não tinha tido mesada ou receita continuada de trabalho, pois levei uma vida airada, de menino quase protegido, que me permitiu não ter estragado o corpinho em afazeres laborais, com excepção do mês de Outubro de 68, em que pedi o salário de um conto para trabalhar. Até fiquei doente, com uma pleuresia, que me atirou para a cama durante quinze dias, passados os quais surpreendi o médico a pedir autorização para sair à noite. Em 09JAN69, convenientemente recuperado, apresentei-me no RI 5, nas Caldas da Rainha, com o meu amigo Zé Tito, para uma aventura que havia de ligar-nos por três anos, até Janeiro de 72, quando passámos à peluda. Mas mantemos a amizade.

O meu pai, coitado, perante a realidade mais dura para ele do que para mim, prontificou-se a facultar-me momentos tão bons quanto possível, até à hora em que levasse um tiro indesejável, ou que por qualquer outra via decorrente da guerra me passasse para o lado dos anjinhos. Nessa convicção, passou a abonar-me uma muito generosa mensalidade para mitigar as dificuldades da tropa, o que, conforme as circunstâncias, me permitia comer, dormir fora, e andar na galderice com um grupo chegado de amigos, o que é sempre fácil de concretizar naqueles verdes-anos, e o Zé participava igualmente. Pois! Esse gajo entrou comigo, e acompanhou-me sempre, no continente, na Madeira e na Guiné, só não podíamos pertencer ao mesmo pelotão por causa da especialização em "mines and bloody tracks".

Estação dos Comboios das Caldas da Rainha
Foto: Wikipédia

Ainda à civil, e já estava a armar a primeira barraca. Estendia-se o pessoal por uma longa fila, para receber os primeiros ícones militares: a farda (que o Veríssimo tão bem descreveu e que nos garantia exemplar compostura), que incluía botas; e a G-3, coisas que nos obrigaram a abrir os olhos, pois constou que logo ali seríamos roubados de qualquer coisa. Com o pessoal à rasca, um furriel etiquetado de "operações especiais", acolitado por dois ou três militares, vinha a comandar aquela força de revista aos sacos de cada um. Chouriços, salpicões, bagaceiras, etc, eram produtos arrecadados para o festim deles. Quando me interrogou sobre o conteúdo do meu saco com intenção de o abarbatar, respondi-lhe que estava carregado de coisas boas, queijo, presunto, bolinhos de bacalhau, e, até, um magnífico salame de chocolate, uma delícia da minha namorada, que até passarmos à peluda constituiu um pretexto de especulação com o Tito: só te dou um bocadinho de salame, se... e ainda assim ele queria. Peço-vos contenção imaginativa, o Tito é um gajo porreiro e meu amigo, que, às vezes, supria as minhas dificuldades a engraxar as botas. Mais nada.

A rematar aquela informação, confiado no físico do Tito, estudante avantajado no Instituto Superior de Educação Física, informei o cujo, de que o conteúdo do saco não lhe estava disponível, esclarecimento que o visado aceitou com civilidade total, e até mandou suspender a revista e colecta dos produtos portadores de colesterol. Começava a gostar da tropa. No dia seguinte, fiquei a conhecer o comandante do 2.º pelotão, da 6.ª Companhia, o tenente Clemente, com quem me daria bastante bem.

À noite, o pessoal saía para jantar na cidade, arrastar os corpinhos pelas barras dos cafés, e ala, que estávamos nos anos sessenta, a região era provinciana, não havia garotas na rua, nem estabelecimentos de diversão noturna. Outrossim, já lá havia umas almas da PM para nos intimidarem. Não passei por qualquer azar.

O meu pelotão foi premiado com a abertura do desfile no dia do juramento de bandeira, e para isso contribuiu decisivamente, o comportamento excepcional daquele corpo de milicianos, tanto na ordem unida, como nas provas de tiro, como ainda nos exercícios intelectuais, e ainda, nas provas de "mato", aquelas que nos obrigavam a sair do conforto aquartelado. Já antes referi que a incorporação se verificou em 09Jan69, um dia chuvoso. E a chuva continuou a frequentar a região durante alguns dias. Num desses, talvez uma semana mais tarde, estavam os pelotões instalados nas salas de aulas onde os instruendos recebiam valiosa formação teórica protegidos da chuva inclemente, quando esta praça, de um dos últimos lugares da sala, levantou a mão pedindo autorização para alguma coisa. O Ten. Clemente inquiriu:
- O que é que quer, oh nosso instruendo?

E o instruendo fez uma brevíssima caracterização do ambiente:
- Oh meu Tenente, isto parece uma turma de meninas!

O Tenente quase explodiu de surpresa:
 - Aaahhhnnn?

Aquela espécie de interrogação compeliu o instruendo que eu era, a especificar as razões da intervenção:
- Oh meu tenente, se nós estamos neste período de instrução a prepararmo-nos para a guerra de África e para os climas inóspitos, não se percebe por que é que nos protegemos de umas gotinhas de água (sic) para baixo do tecto.

O Ten. Clemente, naturalmente reagiu:
- Está tudo a formar lá fora!

E foi o bonito. Dirijimo-nos para um campo anexo onde estavam os aparelhos, marchámos, rastejámos, voltámos a rastejar e a pagar sempre que o Senhor Tenente entendia que alguém não fazia as coisas como era conveniente da condição militar, até que no final do período de aulas, marchámos até à parada, fizemos um bocado de ordem unida, formámos, e finalmente, mandou destroçar. Acho que ainda chovia. O nosso aspecto devia ser lastimoso, e ao entrarmos na caserna onde pernoitavam os três pelotões da Companhia, ouvi alguns camaradas desses pelotões a avaliarem a situação:
- O vosso tenente deve ser um filho da... - ao que foram logo esclarecidos por uns camaradas que me acompanhavam:
- Filho da... é o Dinis - ao que eu lhes chamei a atenção que estava ali, e não queria ouvir aqueles mimos. Todos nos rimos da parvoeira colectiva. Afinal, numa reacção psicológica típica dos vinte anos, o pessoal mostrou que estava para a curvas.

Num dos primeiros crosses que fizemos, saímos em grande velocidade, pedimos licença e ultrapassámos outros pelotões. Depressa ficámos fora do alcance visual dos restantes, e foi quando pedimos para descansar debaixo de um pomar e fora de vistas. Nesse dia não chovia. Da estrada, um pouco distante, chegava-nos o barulho dos pelotões em corrida na direcção de Óbidos. Depois fizemos uma refeição de laranjas, tudo na maior rebaldaria, com o abandono no local dos restos da fruta, o que atestava a presença de inimigos no laranjal. Regressámos outra vez em correria, entrámos com espavento nas instalações regimentais, demos ainda uma volta à parada com a alegria de atletas bem classificados, e esse facto causou algum efeito junto de oficiais que saíram do edifício do comando para observar aquele corpo de valentes mancebos. Só muito depois chegavam os outros pelotões. O Ten. Clemente deve ter inventado um itinerário alternativo para não nos cruzarmos com os restantes, e isso causou logo uma forte impressão geral. Todos caladinhos como fora combinado, saíamos do duche "quentinho", quando os outros começavam a chegar mortos da estafa.

Outra ocasião, regressávamos às Caldas provenientes da carreira de tiro, quando começou uma chuvinha. A coluna estancou, e vieram dizer para me apresentar ao Ten. Clemente que seguia na primeira viatura. Bati a palada, e ele colocou a hipótese de aproveitarmos o tempo remanescente, e a escassa chuva que caía, para armarmos um passo de desfile pela cidade e impressionarmos as garotas. Achei logo que sim, as miúdas ficariam impressionadas. E foi o que aconteceu. O Tenente à frente, com garbo e vaidade, cabeça levantada e quico a proteger os olhos, levantava braços e pernas numa marcha cadenciada. Atrás, o pessoal esforçava-se para corresponder à harmonia dos movimentos, e todos mostravam um sorriso para as meninas e as senhoras, que protegidas nas ombreiras das portas da chuva que adensara, nos olhavam impressionadas e com vontade de nos levarem para lugares confortáveis, quiçá para nos darem mimos.

O pelotão era bem divertido e tornou-se solidário. Da cidade daquele tempo já quase não tenho recordações. Do Ten.Clemente também não voltei a ter notícias, mas que ele deve ter abixado algum louvor à pala da camaradagem, acho bem provável. Nas provas finais recusei-me a lançar-me ao galho, mas um capitão homónimo, vindo não sei de onde, intimidou-me:
- És a vergonha do meu nome. Não passas, não sais no fim-de-semana.

E acabou-se a brincadeira que se estribava em vertigens. Fiz a pista em tempo recorde, que nem os coxos levariam tanto tempo. No fim tive que recusar a ida para os comandos, fiel ao princípio de nunca me oferecer. Com fé inabalável nos psicotécnicos, admitia que fosse seleccionado para a Artilharia Anti-Aérea de Costa, e colocado em Cascais com as vantagens consequentes. Tá-bem-tá !!! Mas a "sociedade" com o Tito prolongar-se-ia com a coincidência de destino nas guias de marcha: Tavira!
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Nota do editor:

Último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12815: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (23): Santarém, onde volto por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências (Hélder Valério de Sousa)