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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21406: Casos: a verdade sobre... (12): O mistério das ruínas de Ponta Varela e Mato Cão... Afinal, tratava-se de estações liminigráficas instaladas pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guiné (1956-1965)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Mato Cão > S/d > Estação liminigráfica no rio Geba, instalada pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guiné, criada em 1956 e extinta em 1965.

"Não é a primeira vez que se põe esta imagem, faz parte da minha relação muitíssimo íntima com o rio Geba, em Mato de Cão, é aqui que a estação se posiciona, as colunas de cimento e o que resta da estação, mesmo com as marcações para a água existiam há 50 anos atrás, a passadeira em madeira já estava num escombro, tinham caído as guardas, mas eu podia ir até junto do marco da estação e pedir boleia aos barcos civis e militares que seguiam para Bambadinca. Na margem esquerda, segue-se em direção a Ponta Varela, local temível no tráfego fluvial, corria-se o risco de roquetadas". (*)

Imagem extraída do livro "As comunicações e os aproveitamentos hidráulicos da Guiné, Angola e Moçambique” (Lisboa,  Agência-Geral do Ultramar, 1961, 101 pp.).

Foto (e legenda):: © Mário Beja Santos (2019). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste >Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime > 

"A temível Ponta Varela: restos do que parece ser um antigo cais acostável. Em 1963/65, ao tempo da CCAÇ 508 existia aqui uma tabanca e um destacamento onde morreram, em 3 de junho de 1965, quatro dos seus homens, a começar pelo seu comandante, o Capitão Francisco Meirelles, em consequência do rebentamento de uma mina." (*)

Foto (e legenda): © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



Foto nº 3 > Giné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta Varela > 2010 > 

"Exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações civis e os navios da Marinha. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascia o Geba Estreito, o leito do rio afunilava, à esquerda, não muito longe daqui, passava o rio Corubal. Com o assoreamemnto do rio Geba, já as embarcações não chegam aqui, muito menos a Bambadinca." (**)

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 4 > Guiné > Região de Bafatá > Sonaco > S/d > 

"Estação medidora de caudais no rio Geba, nos rápidos de Sonaco, instalada pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guine."

Imagem extraída do livro "As comunicações e os aproveitamentos hidráulicos da Guiné, Angola e Moçambique” (Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1961, 101 pp.) (*)

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2019). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 

(...)



(excertos, com a devida vénia)


1. Está explicado o "mistério" das ruinas da Ponta Varela, no subsetor do Xime, ao tempo da guerra colonial (Foto nº 2):

Na realidade, não se tratava de um "antigo cais acostável", como se pressupunha, servindo até meados de 1965 a tabanca e o destacamento de Ponta Varela, mas sim de uma "estação liminigráfica", instalada pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guiné, criada em 1956,  com o fim de proceder "ao estudo dos trabalhos necessários ao melhoramento das atuais condições hidráulicas do Rio Geba, nomeadamente no que diz respeito à navegação, defesa contra cheias e drenagem e, eventualmente, rega dos campos marginais" (nº 1 da Portaria nº 15696, de 7 de janeiro de 1956).

A Brigada foi extinta pela Portaria n.º 21032, de 5 de janeiro de 1965, do Ministro do Ultramar, António Augusto Peixoto Correia.

"A brigada de estudos hidráulicos da Guiné, criada pela Portaria n.º 15696, de 7 de Janeiro de 1956, para proceder à recolha dos necessários elementos de campo e ao estudo dos trabalhos a realizar com vista ao melhoramento das condições hidráulicas do rio Geba, completou a primeira parte da sua missão, não se reconhecendo, presentemente, necessidade de prosseguir com estes estudos e trabalhos."

Presume-se que a razão  imediata para o fim da missão  tenha sido a falta de segurança, provocada  pelo alastramento da guerra, Mas, nestes nove anos (1956-1965), a engenharia hidráulica portuguesa deixou obra no território (Fotos nºs 1 e 4): o rio Geba era de facto navegável, de Bissau a Bafatá, passando pelo Xime e Bambadinca, na maré cheia... Hoje este troço está, de há muito, completamente assoreado e, portanto, instransitável. (****)

2. Já em comentário de 23 de setembro de 2020 às 21:54, no poste P21386 (*****), o nosso camarada António J. Pereira da Costa tinha levantado o véu, em relação às "ruínas" da Ponta Varela (Fotos nºs  2 e 3):

(...) "Estive na Ponta Varela em Jul / Ago 72 [, como comandante da CART 3494 / BART 3873].  Nessa altura, já só havia, no marégrafo, uma régua de cimento vagamente graduada em centímetros destinada a determinar a altura da maré do Geba (ainda não Corubal). Cheguei a pensar em regular a artilharia sobre o marégrafo de modo a aumentar a precisão de tiro." (...).

Era neste troço, entre a Ponta Varela (Xime) e o Mato Cão (Bambadinca), ou seja, no Geba Estreito, que alguns de nós tivemos o privilégio de ver o relativamente raro fenómeno, no mundo, do "macaréu" (e, francês, "mascaret") (******), capaz de provocar o naufrágio de pequenas embarcações. 


 


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xime > 2001 >  Rio Geba: o  famoso macaréu (, fotografado a partir do velho cais fluvial do Xime, em completa ruína).

No Rio Amazonas é conhecido por pororoca. Em termos simples, o macaréu é uma onda de arrebentação que, nas proximidades da foz pouco profunda de certos rios e por ocasião da maré cheia, irrompe de súbito em sentido oposto ao do fluxo da água. Seguida de ondas menores, a onda de rebentação sobe rio acima, com forte ruído e devastação das margens. Pode atingir vários metros de altura, mas tende a diminuir a sua força e envergadura à medida que avança.

Neste rio, ou nesta parte do rio que ainda é de água salgada, dois soldados da CART 3494, aquartelada no Xime, desapareceram, apanhados pelo macaréu numa operação ao Mato-Cão em 1972. Um terceiro camarada, doutra companhia, também desapareceu (Informação do nosso camarada, o grã-tabanqueiro nº 2,  Sousa de Castro).

Fonte (e legenda): © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

______________

Notas do editor:

(***) Sobre a Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné, vd. ainda postes de:


22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)

(****) Último poste da série > 7 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21230: Casos: a verdade sobre... (11): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte III


terça-feira, 22 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21383: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte III (Luís Graça): a conquista da Ponta de Jabadá, em 29/1/1965, importante posição na defesa do rio Geba

 


Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965  > O alf mil médico Serpa Pinto, natural do Porto, "à entrada do seu apartamento"... Vê-se que o destacamento foi feito com as ruínas do antigo entreposto comercial, florescente até ao início da guerra.

 


Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965  > "Uma pausa: o dr, Serpa Pinto a ajeitar o banco [, à esquerda]; a seguir o alferes Alcides Pereira, comandante da força; eu e à frente com óculos o furriel João Vaz"
"
 


Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965  > "Sessão de consultas à população local. A tomar notas o [furriel]  enfermeiro Machado, e logo atrás o doutor S[erpa] Pinto" (*)

Fotos (e legendas): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da apresentação do último livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande: foi fur mil at cav, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual (1964/65), tendo passado por Bissau, Bolama, S. João, Ponta de Jabadá, e Jumbembem... Nasceu em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo, Angola). Está reformado da TAP e vive em Faro. (*).


Capa do livro de Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).

É um livrinho despretensioso, com mais fotos do que texto, mas que tem o mérito de nos fazer desfilar uma série de situações que todos conhecemos no TO da Guiné, no mato, fosse no Norte, no Leste ou no Sul.

Por exemplo, a evocação do médico que, se calhar, nem todos conheceram tão intimamente como a malta da CCAÇ 423. Estamos no início da guerra, em que cada companhia ainda tinha um médico!... Um luxo!... 

Recorde-se que, no meu tempo (1969/71), haveria (, quando havia!) um médico por batalhão. E que ficava no "bem bom" da sede do batalhão, a trabalhar na "psico",  nunca ou raramente saindo para o mato em operações... Era mais médico "civil" do que "militar",,, O mesmo se aplicava ao furriel enfermeiro... (Estamos a falar do tempo de Spínola, em que aumentaram os efectivos militares e o país não tinha médicos  suficientes para mandar para a guerra; por outro lado, a política "Por uma Guiné Melhor" absorvia uma grande parte dos recursos  sanitários das Forças  Armadas.)

Aqui, nesta época,  no tempo ainda da malta do caqui amarelo, há um médico para cada 150/160 homens (=1 companhia), e que dorme no mato, nos mesmos buracos dos "infantes"... E participa em operações, como a conquista da Ponta de Jabadá!

Para poder escrever este livrinho, a vantagem do Gonçalo Inocentes, em relação a muitos de nós, é que tinha um máquina fotográfica Minolta 16 mm Spy que cabia no bolso do camuflado e que levava para o mato. Além disso, tinha um bloco de notas e o hábito saudável de ir tomando notas.. 

Alguns de nós tinham um diário, mas ao fim de seis meses (que era o tempo de provação da "periquitagem"), deixavam de escrever por lassidão, cansaço, exaustão, falta de disciplina... Outros anotavam nas cartas e aerogramas o seu pequeno dia a dia, incluindo a atividade operacional... Enfim, de uma maneira ou de outra, todos temos "pequenos apontamentos" da nossa passagem pelo inferno que foi a Guiné...

Nalguns casos, como o deste livrinho, são "flashes", relampejos da memória, que vêm contribuir, e em muito,  para o preenchimento dos buracos do "puzzle" da nossa memória... 

Por exemplo, quem é que sabia da história da Ponta de Jabadá onde o PAIGC até ao início do ano de 1965 era "rei e senhor", impondo ali o terror à navegação no Geba ?!... 

Quando lá passei, ao largo, em LDG, no dia 2 de junho de 1969,  o nosso medo era a Ponta Varela,  logo a seguir, passada a foz do Corubal, já no Geba Estreito, antes de se aportar ao Xime... (Os barcos civis, ou "barcos-turra", que prosseguiam até Bambadinca tinham, no Geba Estreito, outro temível ponto de passagem que era o famigerado Mato Cão onde se podia, da margem direita,  lançar uma granada de mão para o meio do rio.)

Jabadá ?... Já ninguém se lembrava em 1969,,,

Explica o autor:

"Depois de várias operações infrutíferas à Ponta de Jabadá, os barcos que navegavam no rio Geba, o que banha Bissau, contibuaram a ser castigados vom fogo do IN a partir dali. Da Ponta." (p. 76)

Foi por isso que os "maiores" de Bissau decidiram ocupar  a dita Ponta (que outrora lterá sido uma bela horta de um algum colono cabo-verdiano). Com "um pelotão reforçado" (!), as NT foram mandadas ocupar o "antigo entreposto comercial". 

A força era comandada pelo capitão Monroy, e tinha o apoio de uma fragata [, o autor queria dizer:LFG - Lancha de Fizcalização Grande] da Marinha, postada em frente, no Geba. (Este capitão Monroy  [Garcia] devia ser o oficial de informações e operações do BCAÇ 599.]

"Fomos comandados pelo alferes Alcides Pereira e pela primeira vez foi também o médico, dr. Serpa Pinto, e o furriel enfermeiro Machado" (p. 76).

Ficamos a saber que:

"Jabadá era como que uma ilha. Rodeada a Sul pela grande bolanha, e  Norte pelo rio Geba" (...). 

Mas a fragata [leia-se: LFG]  foi chamada a Bissau, para algum assunto mais urgente do que a guerra (, vá-se lá saber o quê e o porquê), e rapaziada passou a ser "bombardeada diariamente ao cair da noite" (p. 77). Jantava-se às 18h e recolhia-se aos "abrigos" às 19h.

Depois foram "40 dias de trabalho intenso", a construir abrigos "à prova de morteiro": com troncos de cibe, terra, e em cima uma camada de adobe. "De dia o trabalho e de noite o infeno"... Virá depois um reforço, um pelotão da CCAÇ 508, comandada pelo alferes Ferreira,

Pormenor delicioso é a foto (, infelizmente em miniatura) do ten cor [Carlos Barroso] Hipólito, comandante do batalhão [BCAÇ 599,]  sediado em Tite, a atravessar o tarrafe às costas de um soldado, depois da gloriosa conquista da Ponta de Jabadá, em 29 de janeiro de 1965 (. precisamente no dia em que eu fiz 18 anos e dava o nome para a tropa)...  

Em suma, o senhor tenente coronel não podia molhar o pezinho,,,

O Gonçalo Inocentes presta depois homenagem ao médico e ao enfemeiro que ficaram no destacamento. Do médico ele diz:

(...) "Ele é o anjo da guarda de todos os dias. (...) A relação de todos com o médico, ali o dr. Torcato Adriano Serpa Pinto, homem do Porto, era de filhos para pai.  O carinho era mútuo" (p. 86).

Teve por isso, direito a um abrigo exclusivo, especial e seguro;

"No destacamento em Jabadá, o abrigo pessoal do doutor era mesmo a dois passos do rio Geba e por isso ele não dormia- Temia uma aproximação a coberto da noite pela margem do rio e o lançamento de uma granada para o sítio onde morava".

Qual foi a solução para pôr o médico "a dormir bem", o que era fundamental para que todos dormissem bem ? A ideia  foi do fur mil Inocentes: "construir duas defesas paralelas rio adentro, que fizessem de anteparo o abrigo do doutor"... Cercado "de arame farpado à semelhança do Rommel nas costas da Normandia", o dr. Serpa Pinto nunca mais teve insónias  nem pesadelos (p. 86). 

É uma bonita história de homenagem e de gratidão aos nossos médicos... (**)

(Contnua)

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Notas do editor:

(*) Vd., postes anteriores:


quarta-feira, 27 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A vasculhar a coleção do Boletim Geral das Colónias e Boletim Geral do Ultramar, publicações naturalmente oficiosas, mas onde, em dado passo, era possível obter informação sobre projetos em curso, encontrei referência ao que se pretendia fazer na regularização e defesa do rio Geba e notícia pormenorizada à Fazenda Experimental de Fá, como aqui se resume.
Seria bem interessante que quem viveu em Fá e conheceu as instalações, e possua delas imagem, aqui as publicasse.
Aproveita-se para pedir aos amigos guineenses se têm imagens atuais do que se procurou fazer para a regularização e defesa do rio Geba e de como é hoje Fá, se algum daqueles projetos teve continuidade ou se está tudo reduzido a ruínas. Talvez o Patrício Ribeiro, um confrade tão esforçado, nos dê notícia do que é a Fá atual...

Um abraço do
Mário


Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra

Beja Santos

Quem procura sempre alcança. Não é taleiga fácil mexer no acervo do Boletim Geral das Colónias e no Boletim Geral do Ultramar, que lhe sucedeu, em 1951, quando deixámos de ter colónias e passámos a ter províncias ultramarinas. Depois de folhear muito papel depara-se no n.º 443, de maio de 1962, um artigo onde a propósito de grandes projetos e realizações em África se faz larga referência às realizações em curso pela Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné: o que se estava a fazer no rio Geba e na Fazenda Experimental de Fá. Vale a pena extrair as informações oferecidas por autores anónimos.

Primeiro o Geba e a sua economia:
“Na agricultura, a principal produção é o arroz de regadio. Outros produtos comercializados da região são o coconote e o óleo de palma. A campanha da mancarra, principal produto de exportação da província, provoca um aumento do movimento de navegação do rio durante a época seca, período em que as condições de navegabilidade são mais deficientes. As estradas existentes na região servem de complemento à rede fluvial de transporte, que, devido às condições topográficas da região, com numerosos cursos de água que tornam a construção de estradas muito onerosa devido às numerosas obras de arte necessárias e desvios anormais dos percursos a que obrigam, se deve considerar como o meio mais económico de drenar os produtos agrícolas da região”.
Não menos curioso é o texto referente às caraterísticas fisiográficas do rio Geba:
“O troço do rio compreendido entre Bafatá e a foz apresenta um primeiro escalão com cerca de 35 km a contar da foz com leito sensivelmente estável, embora meandrizado; a zona seguinte, com 40 km, está altamente meandrizada e é muito instável, com as margens em permanente erosão; a zona final, até Bafatá, é estável, embora ainda meandrizada. Para dar ideia da meandrização, basta dizer que o percurso do rio entre Bafatá e Bambadinca excede 70 km, ao passo que em linha reta a distância se reduz a 27 km. De uma maneira geral pode dizer-se que a largura do leito vai estreitando de Bafatá para jusante, até Fá, onde atinge um mínimo, alargando depois gradualmente até à foz. O leito do rio está em acelerado assoreamento, como prova o facto de se registarem em 1896 marés com a amplitude de 2,40 m em Geba, quando em 1958 não excedem 0,20 metros. Este assoreamento está a dificultar cada vez mais a navegação do rio. As terras baixas marginais, que entre Bafatá e a foz atingem cerca de 18 000 hectares, podem dividir-se em duas partes. A zona de montante, com cerca de 12 600 hectares, é alagada durante a época de chuvas pelas águas do rio, que transborda do seu leito, impossibilitando que aí se faça todo e qualquer aproveitamento agrícola. A zona de jusante, com 5 400 hectares, é somente alagada em alguns pontos de cota mais baixa e nos períodos de maiores marés, sendo já hoje cultivada com arroz”.

Seguidamente, são referenciados os objetivos das obras no setor agrícola, dos transportes, na parte industrial e no setor político-social. Depreende-se que o grande objetivo era a defesa dos terrenos marginais e o aumento da área agricultável, o propósito de diminuir custos dos fretes e das despesas de conservação das vias de transporte. Pretendia-se obturar a foz do rio por um açude, impedir a propagação da maré e das aluviões por ela transportadas e manter o nível das águas a montante a cota suficiente para a navegação. A par deste objetivo pretendia-se construir um canal de navegação, com eclusas, para transpor o desnível entre a albufeira criada pelo açude e a cota natural do canal de Bissau a jusante. Faz-se o elenco do que se pretendia como obras de regularização e navegação: o açude, o canal de navegação, as eclusas de navegação. Em paralelo, haveria obras de aproveitamento agrícola: defesa contra as cheias, obras de enxugo, a estação de bombagem, a rede de rega, sobretudo. Dei voltas à procura de mais elementos sobre o avanço destes projetos, o curioso é que neste artigo do Boletim Geral do Ultramar se veem fotografias da estação de bombagem, da rede de enxugo, do campo experimental de amendoim e da rede de rega. É neste contexto também que se menciona o projeto da Fazenda Experimental de Fá.
Escreve-se o seguinte:
“Para o estudo do interesse agrícola das terras baixas marginais do rio Geba torna-se necessário proceder à experimentação, de modo a obter elementos que permitam elaborar com base segura um esquema de exploração daqueles solos. Com esta finalidade construiu-se em Fá uma fazenda experimental ocupando uma área de cerca de 125 hectares.
Entre as culturas ensaiadas na fazenda contam-se, na zona de terras baixas, arroz, juta, crotalária, cana sacarina, feijão congo e rícino; na zona da base da encosta, a cotas mais altas que a anterior, cana sacarina, citrinos, café, bananeira, coleira, ananaseiro, feijão congo, pimenta preta, mandioca e culturas miscelâneas; finalmente, na zona do planalto, amendoim, rícino e feijão congo”
.

E elencam-se igualmente as obras de defesa contra as cheias, de enxugo, de rega, a estação de bombagem, a piscicultura, referindo-se instalações que muitos militares conheceram: instalações agrícolas da fazenda, que constam de celeiro e eira coberta, instalações para pessoal e serviços, e escreve-se o seguinte:
“Num único edifício, com dois corpos, instalaram-se os laboratórios de análises, hidrobiologia, estudo do descasque do arroz e rendimentos, arquivo de sementes, etc.; os gabinetes de trabalho do pessoal técnico e dos serviços administrativos; uma sala de reuniões e biblioteca; e um anexo com o posto de socorros e enfermaria.
Em duas moradias, uma das quais geminada, fica instalado o pessoal técnico com família; numa casa com quatro quartos, o pessoal técnico sem família. Anexo a esta casa existe um centro cívico, que serve de cantina e centro de reunião.
Prevê-se a construção de outra casa para habitação do pessoal auxiliar assalariado na província da Guiné. Para os trabalhadores da fazenda construíram-se várias casas de madeira e querentim rebocado, com cobertura de alumínio, uma cozinha, um refeitório e instalações sanitárias.
A rede de abastecimento de água consta de um poço, cisterna e central elevatória; dois reservatórios de água; uma estação de tratamento de água; e tubagem de condução e distribuição”
.

Seguramente que este mundo aqui versado desapareceu, terá deixado vestígios. Bom seria que quem passou por Fá e captou imagens as publique aqui, são naturalmente posteriores a 1962. Recordo que este Boletim Geral do Ultramar n.º 443 de maio de 1962, está disponível no site, todas as imagens que acompanham a descrição destes projetos também ali aparecem. Resta saber o que é que as autoridades da Guiné-Bissau fizeram deste projeto ou que reutilização deram à Fazenda de Fá. Talvez o Patrício Ribeiro nos possa ajudar…

Fá Mandinga
Imagem retirada de http://trip-suggest.com/guinea-bissau/guinea-bissau-general/fa-mandinga/

Adriano Moreira faz a sua primeira visita à Guiné, vem de Angola, foi muito bem acolhido em Mansoa e Nhacra. Voltará à Guiné em 1962, então sim, uma viagem um pouco mais demorada, a luta armada estará para breve. Imagem extraída do Boletim Geral do Ultramar

Os meandros do Geba, imagem magnificamente captada pelo confrade Humberto Reis, usei-a com enorme satisfação num dos meus livros.
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Nota do editor

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 – P20688: Memórias de Gabú (José Saúde) (91): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Memórias de Gabu

“Um Ranger na Guerra Colonial  Guiné-Bissau 1973/74”

Camaradas, deixo-vos aqui um de muitos textos que o meu último livro, o nono, contempla. Viagens por espaços físicos que muitos de vós conheceram. A obra, com a chancela da Editora Colibri, é tão-só uma reminiscência de circunstâncias que permanecem eternamente nas nossas memórias. Comprem o livro e rever-se-ão em cada tema narrado.

Bafatá, cidade acolhedora

Um olhar sobre o Geba

Cativava-me uma viagem a Bafatá! E foram muitas as jornadas àquela cidade guineense. Um olhar lançado sobre o rio Geba, ao cimo da rua principal, deleitava espíritos de jovens militares que, no mato, se deparavam com frequência a imensos problemas de índole diversa. A guerrilha, sempre ativa, quebrava permanentemente a monotonia de tropas dispersas por toda a região.    
Uma ida a Bafatá simbolizava uma jornada à faustosa urbe para militares entregues a um profundo isolamento. A cidade debruçava-se sobre uma das margens do leito do rio Geba, um portentoso curso de água que ao longo da guerra registou inúmeras histórias fatídicas. Bafatá era uma boa anfitriã.
As minhas idas a Bafatá baseavam-se em colunas de reabastecimentos. A estrada era asfaltada. A distância que separava as duas localidades (Bafatá-Nova Lamego), rondavam, mais ou menos, os 35 kms, julgo. Lembro-me de uma ocasião em que o major Óscar Castelo da Silva, segundo comandante do BART 6523, me pediu para o acompanhar a Bafatá. Tendo em conta a distância e o ambiente de guerra que se vivia, disse-lhe que “preparava o grupo e o meu major levava o jipe com o condutor”. Resposta: “Não, você acompanha-me, armado, e iremos os três”.
E lá nos fizemos à estrada. Confesso que a certa altura cheguei a ter receio da aventura. Havia quilómetros de mato denso. Sabia que esse trajeto, todo em alcatrão, não oferecia problemas de maior. Regressámos sem nada se registar.
Bafatá foi também um azimute traçado quando um dia subi o rio Geba. Embarquei em Bissau e ancorei no Xime. As ligações para Gabu, via aérea, complicaram-se. A guerrilha estava ao rubro. Ganhava uma imponente dimensão. Impunha-se um maior cuidado. Esperei alguns dias, comparecia nos Adidos (estrada que unia Bissau a Bissalanca) e a resposta negativa mantinha-se. Aguardavam ordens, diziam-me. Numa manhã, já desolado com a situação deparada, colocaram-me como hipótese o meu regresso ao Leste por via fluvial. Disse prontamente que sim.
Nunca imaginei uma viagem tão atribulada. A lancha da marinha – LDG – ia cheia que nem um ovo. Os negros, em grande número, transportavam consigo vários apetrechos pessoais. Nem a galinha faltou à chamada!
Ao chegarmos à zona da Ponta Varela, e com o rio a estreitar as suas margens, o comandante da embarcação mandou-nos deitar. “Nem uma cabeça a ver-se do exterior”, avisou. Os marinheiros, já feitos à dita viagem, agarraram-se às metralhadoras e fez-se silêncio. Prevaleceu, momentaneamente, o medo. O “cabo Bojador” foi ultrapassado e, desta feita, o pessoal passou isento de eventuais novidades.
Disseram-me que a zona era extremamente perigosa. Contava-se que aquela viagem já tinha conhecido contornos fatais resultantes de ataques do PAIGC a partir das margens do rio.  
A navegar já em águas fluviais mais “calmas” ancorámos no cais do Xime. Seguiu-se a viagem numa Berliet que cruzou Bambadinca, Bafatá e, finalmente, Gabu.
Bambadinca era também conhecida como a terra do tenente Jamanca, um negro de corpo franzino, estatura baixa e que comandava a CCAÇ 21. Recordo as suas virtualidades como guerrilheiro. Tive a oportunidade de com ele contactar e ouvir histórias em que o soneto da guerra agitava as curiosidades.  

 A rua principal de Bafatá com o Geba ao fundo 


Cais do Xime, 1973

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também os postes:

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)



Foto nº 1 > A velha ponte de madeira, sobre o rio Geba (Estreito), em Contuboel


Foto nº 2 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... O Manuel Oliveira Pereira, à proa, à direita... É bom lembrar que ele foi um dos co-fundadores da famosa Companhia Terminal (Bissau,1973/74) (*) devendo ter feito várias viagens nos "barcos turras", com abastecimentos para o seu batalhão e outros do leste...


Foto nº 3 > No "barco turra", a navegar no rio Geba.. À direita, na margem direita do rio, no sentido Xime / Bamadinca, palmares típicos das margens do rio...


Foto nº 4 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... Não parece ser a mesma viagem, o "artista" vai de camuflado... 


Foto nº 5 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... O Manuel Oliveira Pereira, para onde iria, em farda nº 3 ?... 


Foto nº 6 > No "Barco turra", a navegar no rio Geba... Comendo a "ração de combate", que a viagem era longa... Adivinham a marca da lata de sumo de fruta...


Foto nº 7 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... Noutra viagem, de camuflado e de G3...

Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Fotos de álbum do Manuel Oliveira Pereira, cortesia da página do Facebook  da Companhia de Caçadores 3547 - Os Répteis de Contuboel, página criada em 2011.

Fotos (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário do Manuel [Oliveira] Pereira,   ex-fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); hoje advogado, vive em Ponta de Lima (**)


Meu caro Zé Saúde, camarada e amigo. Como me sinto lisonjeado com as tuas palavras. Na verdade, estivemos tão perto (Nova Lamego e Madina Mandinga) e ao mesmo tempo nunca nos encontramos. Depois, já na vida civil, trabalhamos na mesma secção, tivemos cumplicidades múltiplas e viemos também a residir no mesmo prédio.

Foste ao meu casamento, os meus filhos tiveram, durante algum tempo, por "ama" uma tia tua e nesse tempo NUNCA abordámos,  e até julgo desconhecermos, a nossa situação de combatentes e percurso nas "fileiras". Foram precisos anos, muitos anos, para nos "reencontrarmo-nos"!...


Lido o teu texto, aqui vão algumas achegas: A minha Unidade Operacional pertencia ao BCaç 3884 sediado em Bafatá, e tinha por perímetro de acção o sector de Contuboel. Era a CCaç 3547,  conhecida por "Os Répteis de Contuboel" que, devido à sua localização e, não havendo "guerra", funcionava como Centro de Formação de Milícias. 

Assim os seus Grupos de Combate (Pelotões) [, da CCAÇ 3547,] andavam sempre destacados em reforço de outras unidades. Foi deste modo que a CCaç 3547 fez, nos seus quase 28 meses de Guiné,  um "périplo turístico" por Bafatá, Bambadinca Tabanca, Sonaco, Sare Bacar, Nova Lamego, Madina Mandinga, Galomaro e Dulombi. 

Outra curiosidade que também desconheces, talvez, o teu ex-cmdt de Batalhão,  ten-coronel Castelo e Silva, veio a ser meu cmdt, e de quem eu fui  (e continuo a ser) amigo. Vive actualmente em Valpaços. 

Como vez, muitas coincidências! Esqueci de referir que a partir do 3º mês de Guiné e, enquanto operacional, fui sempre Cmdt de Pelotão e em funções administrativas Delegado de Batalhão.

Um abraço. Manuel Oliveira Pereira, Fur Mil,  BCAÇ 3884/CCAÇ 3547.


2. Comentário de Valdemar Queiroz [, ex-fur mil, CART 11,
(Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) 
(**):

Contuboel, um caso interessante na guerra da Guiné.

De Fevereiro a Maio de 1969 estive em Contuboel e não houve o mínimo indício de guerra a não ser ruídos noturnos de outras tabancas a 'embrulhar' e também não tive conhecimento de anteriormente ter havido.

Depois, no resto do ano de 1969 e até Dezembro de 1970, quer em Nova Lamego ou em Paunca, nunca tivemos conhecimento de nenhum ataque a Contuboel.

Agora venho a saber que até 1974, ou seja, até ao final da guerra, Contuboel nunca foi atacada.

3. Comentário do editor LG:
Eu e o Renato Monteiro,
o "homem da piroga", no rio Geba,
com a ponte de madeira ao fundo...,
e que lhe ia seno fatal!

Foto (e legenda): Luís Grça (2005)

É verdade. Zé Saúde e Manel Pereira ? Trabalharam juntos, e nunca tinham falado da Guiné e da guerra , até se encontrarem em Monte Real, num Encontro Nacional da Tabanca Grande ? 

Manuel, Contuboel (, o quartel e a tabanca,)  nunca foi mesmo atacado ou flagelado pelo PAIGC em todos estes anos de guerra ?  Ou, pelo menos, no teu tempo ?

O Valdemar e eu estivemos lá, no 1º trimestre de 1969, na altura Contuboel era um CIM (Centro de Instrução Militar) e e eu descrevia como um "oásis de paz" a ponto de termos feito a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) nas suas imediações, em farda nº 3, com as nossas praças, do recrutamento local (, refiro-me à CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) apenas com balas de salva nas cartucheiras da G3... Só os graduados levavam bala real (***).

Contuboel era local de passagem para quem ia comprar vacas a Sonaco... Quem, da malta do leste, não foi pel menos uma vez a Sonaco ? De facto, também nunca me constou que o quartel tenha sido atacado ou flagelado pela guerrilha do PAIGC, tanto o de Contuboel como o de  Sonaco. É verdade ? (****)

Contuboel tem mais de noventa referências no nosso blogue.

Um abraço especial para o Manel, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora. Conhecemo-.nos no I Encontro Nacional da Tabanca Grande, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 14 de outubro de 2006, já vão 13 anos!...
_____________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 2 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3264: A Companhia Terminal , Bissau, 1973/74 (Manuel Oliveira Pereira)

(**) Vd. poste de 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 – P20265: Memórias de Gabú (José Saúde) (88): Manel Pereira, um amigo. (José Saúde)

(***)  Vd. poste de 28 de junho de  2005 > Guiné 63/74 - P86: No oásis de paz de Contuboel (Junho de 1969) (Luís Graça)

(****) Último poste da série > 21 de setembro de  2019 >  Guiné 61/74 - P20165: Controvérsias (139): louvor, em ordem de serviço, do comando do BART 733 (Farim, 1964/66), aos seus militares, pelo pronto, abnegado e eficiente socorro prestado às vítimas do atentado terrorista de 1 de novembro de 1965 (João Parreira, ex-fur mil op esp, CART 730 / BART 733, Bissorã, 1964/65; ex-fur mil cmd, CTIG, Brá, 1965/66)

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20108: Vemos, ouvimos e lemos..., e não podemos ignorar (1): Carta aberta ao presidente da república do Senegal: os dramáticos efeitos das barragens senegalesas de Niandouba e de Anambé, construídas na bacia do rio Kayanga / Xaianga / Geba, que vêm privando a Guiné-Bissau de valiosos recursos hídricos desde 1984 (Umaro Djau)



Fotograma do vídeo Rio Kayanga / Geba (apresentação em crioulo, por Umaro Djau) (13' 48'')






Capa da página Rio Geba, criada por Umaro Djau com o objetivo de divulgar, assinar e partilhar a carta aberta ao presidente do Senegal





I. Do cidadão guineense Umaro Djau, nascido em Pirada, jornalista,  ativista social, recebemos a seguinte mensagem; 

Assunto: Carta Aberta ao Presidente da República do Senegal, Macky Sall

Sirvo-nos da presente nota para vos informar sobre uma Carta Aberta que dirigi à Sua Excelência, o Presidente da República do Senegal, Sr. Macky Sall.

A referida carta aberta debruça-se sobre os efeitos das barragens senegalesas de Niandouba e de Anambé que vêm privando a Guiné-Bissau de valiosos recursos hídricos desde 1984.

A carta aberta foi traduzida para duas outras línguas internacionais, nomeadamente o inglês e o Francês (em anexo).

Sem mais assuntos no momento, subscrevo-me com a mais elevada estima e consideração.

Umaro Djau, MA.
Strategic Communications Specialist | Journalist & Producer | Political Analyst & Commentator
Skype: umaro.djau

Mobile: +1-404-723-7225 (USA) | +245-96-520-5911 (Guinea-Bissau)
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/umarodjau/



II. Carta Aberta ao Presidente da República do Senegal, Macky Sall, por Umaro Djau

Agosto de 2019

A Sua Excelência
O Presidente da República do Senegal
Macky Sall

Senhor Presidente,

Chamo-me Umaro Djau e sou natural da Guiné-Bissau. Começo parabenizando-lhe, do fundo do meu coração, pela sua releição para um segundo mandato, no escrutínio de Fevereiro passado.

Estou a escrever-lhe para partilhar as minhas preocupações sobre os efeitos das barragens de Niandouba (de regulação) e de Anambé (de confluência), construídas na bacia hidrográfica do
Kayanga/Geba, da qual, a maior parte (65%) está localizada na Guiné-Bissau. De facto, o Geba, a parte jusante dessa mesma bacia, é o maior rio da Guiné-Bissau.

As barragens citadas, particularmente a de Anambé, localizada entre as áreas de Kolda e Velingara – apenas 20 quilômetros da fronteira com a Guiné-Bissau - vêm privando o meu país de valiosos recursos hídricos desde 1984, aquando da sua construção na confluência entre os rios Anambé e Kayanga. Reconhece-se, no entanto, a diminuição da pluviosidade na região, nos últimos anos, como sendo um dos factores adicionais na redução dos caudais do leito principal da bacia e dos seus afluentes.

Nenhum outro lugar mostra as consequências dessas ações (no lado guineense) mais do que os rios Bidigor, Campossa e Gambiel, todos tributários/afluentes do rio Geba/Kayanga. Assim que a estação seca começa (em Novembro), esses rios secam muito rapidamente, devido a uma diminuição drástica do caudal de água da parte montante do rio, no território senegalês. Esse fraco e debilitante fluxo de água está a afetar de forma grave e diretamente mais de meio milhão de pessoas nas regiões rurais de Gabú, Bafatá e Oio, de acordo com dados divulgados em 2009.

Hoje, um número superior de pessoas estará a ser afetado. Com base em dados disponíveis (e situações visíveis), permita-me, Senhor Presidente, citar algumas das consequências das barragens construídas no seu território:

• Alterações hidrológicas profundas na parte jusante do rio Kayanga/Geba, com a diminuição dos níveis de água na Guiné-Bissau;

• Morte lenta dos afluentes do Kayanga/Geba: Bidigor, Campossa e Gambiel;

• Escassez dramática de água que é a fonte da vida e responsável pela sobrevivência da humanidade e dos ecossistemas;

• Um impacto negativo nas atividades das populações, incluindo a interrupção da agricultura, pecuária (animais de pasto, especialmente gado) e caça;

• Degradação ambiental em geral devido a uma redução drástica da flora (perda de biodiversidade na vegetação) e fauna aquática e terrestre;

• Empobrecimento do solo, a deterioração das margens dos rios e o aumento da salinização, especialmente nas áreas costeiras da Guiné-Bissau;

• Aumento da profundidade de captação nos poços artesianos de águas subterrâneas devido ao abaixamento do nível estático dos lençóis freáticos;

• Efeitos sociais irreparáveis com a deslocação indiscriminada dos guineenses em busca de outros locais e regiões com cursos de água mais acessíveis, ou seja, a incrementação da transumância.

Sr. Presidente, é compreensível o facto do Senegal não querer desperdiçar os valiosos recursos
hídricos que atravessam o seu território (a montante) e que eventualmente não estariam a ser utilizados pela Guiné-Bissau (a jusante). Também estou informalmente ciente de que, através da
SODAGRI (Sociedade para o Desenvolvimento Agrícola e Industrial no Senegal), o seu país teria eventualmente entrado em contato com as autoridades da Guiné-Bissau nos anos 1970/80 para mantê-las a par do que pretendia fazer, ou seja, os estudos iniciais e as diferentes fases de implementação dos projectos das referidas barragens.

Sem o pleno conhecimento dos factos que cercam esse período e as respectivas concertações, a
fraqueza institucional da Guiné-Bissau é, todavia, bem documentada e conhecida entre os seus
parceiros regionais, nomeadamente as frequentes crises domésticas, a falta de recursos financeiros, a limitação no tocante ao conhecimento especializado, assim como a falta da capacidade técnica, sobretudo na primeira década após a sua independência. Todos esses obstáculos contribuíram certamente (e muito) para um comportamento pouco ou não responsivo por parte do Estado guineense.

Independentemente do que possa ter acontecido naquela época, compreendo a necessidade do Senegal de sustentar as necessidades agrícolas da sua população do sul, através da agricultura
irrigada , nomeadamente o cultivo do arroz, a prática da horticultura e a conservação da água. Assim, as barragens foram construídas e têm beneficiado grandemente o seu país, o Senegal, através de projetos nacionais ambiciosos destinados a reforçar os meios de subsistência do seu povo (a produção de energia elétrica, a captação e a acumulação de água para a agricultura, a pesca, a piscicultura, a horticultura, a pecuária, etc.).

Devo confessar que, da última vez que passei pelas áreas de Tabendo e Kounkane, fiquei encantado com a sua paisagem. A ponte de Kounkane e os seus arredores estão repletos de água proveniente do reservatório de Waima que já mudou todo o ecossistema local, criando oportunidades económicas substanciais nessas áreas. Waima e outros dois reservatórios (Niandouba e Confluência Anambé) são tidos como depósitos essenciais de todas as águas da bacia, estimadas em mais de 130 milhões de metros cúbicos.

Sr. Presidente, a bacia hidrográfica Kayanga/Geba é um curso de água transfronteiriço que nasce nas montanhas de Fouta Djalon, perto da aldeia de Labé, na República da Guiné-Conacri. Este curso natural de água atravessa o território do Senegal, antes de se desembocar na vila de Xime (perto de Bambadinca, na Guiné-Bissau), onde Kayanga/Geba se cruza com o rio Koliba/Corubal.

Durante séculos, os nossos ancestrais comuns - das terras altas de Fouta Djalon (Guiné-Conacri) ao sul do Senegal e até à Guiné-Bissau - compartilharam e desfrutaram pacificamente desses recursos cruciais hídricos fornecidos por este rio de cerca de 550 quilômetros em extensão.

O mesmo senso comum, as mesmas relações e os mesmos princípios ancestrais não regulamentados levaram à coexistência pacífica entre os nossos povos, superando todos os obstáculos de comunicação, nas eras de impérios e doutras chefias que reinaram por muitos séculos, em toda a nossa Costa Ocidental da África.

Para preservar ainda mais o compromisso ancestral entre países - agora na era da regulamentação
e de interesses nacionais – a Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG) nasceu em
1978 com os objetivos de promover e coordenar ações conjuntas, por forma a garantir o uso racional e durável dos recursos dessa importante Bacia Hidrgráfica, com realce para os domínios de conservação e de desenvolvimento, realçando especificamente os componentes de “estudos, planeamento e infraestrutura, agricultura e ambiente, bem como outras tarefas de desenvolvimento dos recursos dos rios Gâmbia, Kayanga-Geba e Koliba-Corubal nos territórios dos estados membros”,  nomeadamente a Gâmbia, o Senegal, a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, tendo este último se juntado ao grupo em 1983.

É importante salientar que o Rio Kayanga/Geba já ganhou um estatuto internacional e todas as suas obrigações legais estão em vigor e sob à gestão da OMVG, sublinhando, neste particular, a existência de uma Convenção para a gestão desta Bacia já aprovada no Conselho de Ministros da organização, faltando apenas a sua promulgação pelos Chefes de Estado.

Sr. Presidente, embora eu lhe esteja a lembrar detalhadamente sobre alguns princípios legais baseados em convenções, acordos, e declarações internacionais e regionais, deixe-me também afirmar que não sou um advogado e nem estou a tentar produzir um argumento legal contra o seu país nas suas decisões soberanas. Mas, permita-me informar-lhe que hoje, os nossos dois países podem confiar em várias diretrizes e estruturas institucionais nacionais, regionais e internacionais que podem servir de guia para a produção de melhores e mais adaptadas medidas e políticas no tocante às águas transfronteiriças, a saber:

1. Declaração de Madrid sobre o Regulamento Internacional relativa à Utilização dos Rios Internacionais para Fins Distintos da Navegação (1911) adverte contra alterações unilaterais dos fluxos de rios e lagos - contíguos ou sucessivos - sem o consentimento de um Estado co-ribeirinho. Essa Declaração recomenda a criação de comissões conjuntas de água.

2. A Declaração de Montevidéu (1933) argumenta que nenhum estado pode, sem o consentimento do outro Estado ribeirinho, introduzir em cursos de água de caráter internacional quaisquer alterações que possam ser prejudiciais aos outros Estados interessados, mesmo para os efeitos da exploração industrial ou agrícola (artigo 2).

3. As Regras de Helsínquia (1966) recomendam o equilíbrio entre as necessidades variantes (económicas e sociais) e as demandas das nações fronteiriças, aplicando o princípio de “uma parcela razoável e equitativa” nos usos benéficos das águas de uma bacia de drenagem internacional, excepto onde existem outros acordos (Capítulo 2, Artigo 4, 5), sem causar danos substanciais a um estado de co-bacia.

4. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos Não Navegacionais dos Cursos de Água Internacionais - adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1997 e que entrou em vigor em 17 de Agosto de 2014 - defende os princípios fundamentais de “utilização equitativa e razoável” e a “obrigação de não causar danos significativos”. Esta Convenção foi ratificada pela Guiné-Bissau desde o ano de 2010.

Como podemos concluir, muitas dessas regras, declarações e convenções recomendam uma forma “razoável e equitativa” de usar as águas transfronteiriças e obrigam as partes a evitar a alteração dos fluxos naturais dos cursos de água, cujas ações podem levar a “danos significativos” num dos países.

Apesar de toda a minha explicação, factos e argumentos até aqui apresentados, o objetivo desta carta não é culpar o Senegal por ter optado pelas políticas que considera corretas para o seu povo, mas sim fazer com que a Sua Excelência esteja consciente sobre os efeitos dramáticos dessas medidas (as barragens de Niandouba e Anambé) sobre o povo da Guiné-Bissau.

Sr. Presidente, nasci em Pirada, uma pequena vila perto da fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Na verdade, quando era criança, o meu pai ocasionalmente me levava para as localidades vizinhas de Nianao e Wassadou, para o mercado semanal, conhecido por "Lumos". Durante a minha infância, confesso que não via muita diferença entre os dois lados da fronteira, devido à minha inocência da criança. De facto, as proximidades e as semelhanças geográficas, sociais, étnicas e culturais fazem com que as localidades fronteiriças do Senegal e da Guiné-Bissau sejam difíceis de diferenciar e dividir.

E ainda durante essa época - no final dos anos 1970 e início dos anos 80 - pequenos agricultores
e pastores de gado na região de Gabú costumavam contar com as dádivas do rio e dos riachos que desciam da fronteira norte pelo país adentro. Os campos de arroz, ou seja as “bolanhas”, permaneciam verdes o ano inteiro, cheios de vida e de esperança. A abundância em água satisfazia quase todas as necessidades, de homens e animais.

Infelizmente, os corredores da água e outras reservas hidrográficas já se evaporaram há muito tempo devido, em parte, às barragens construídas no Senegal. Estou, todavia, ciente doutras condições climáticas e humanas que têm tido impactos negativos em toda a região do Sahel, mas todas as áreas transfronteiriças da Guiné-Bissau estariam significativamente melhores em termos hidrográficos, se o seu país gentilmente mantivesse a circulação regular da água doce de montante para a parte jusante, através do Rio Kayanga/Geba.

Sr. Presidente,

Como a Sua Excelência deve saber, grande parte do mundo depende da água dos rios que percorre de uma nação para outra. Por exemplo, o vital recurso hídrico do Senegal, o rio com o mesmo nome, nasce das maravilhas de Semefe e Bafing (na Guiné-Conacri e no Mali, respectivamente) com as bênçãos dos rios Faleme (também da Guiné-Conacri) e do Gorgol (Mauritânia). Seria desconcertante para o seu país se as necessidades humanas nesses três países os obrigasse a mudar os cursos daqueles fluxos naturais de água, assim como os seus padrões geológicos. Do mesmo modo, o próprio Rio Gâmbia,  o fulcro do projecto OMVG, nasce nas montanhas de Fouta Djalon, percorrendo uns 1.200 quilómetros de distância.

No mundo de hoje, equilibrar as necessidades económicas e humanas é um dos grandes desafios
- seja na África ou noutros lugares. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO), existem mais de 3.600 tratados relacionados com os recursos hídricos
internacionais e que incluem os aspectos da navegação, da demarcação de fronteiras, do uso, do
desenvolvimento, da proteção e conservação de recursos naturais.

Outros dados indicam que também existem mais de 260 bacias hidrográficas (entre rios e lagos)
transfronteiriças no mundo e elas cobrem quase a metade da superfície terrestre. Em quase todas as circunstâncias, os países a montante têm o dever moral e ético de partilhar os recursos hídricos
com os seus vizinhos a jusante. De facto, há muitos exemplos interessantes, encorajadores e inspiradores dessas práticas em todo o mundo. Aqui passo a transcrever alguns deles:

• Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã têm compartilhado o Rio Mekong desde 1957, mesmo durante a Guerra do Vietnã;

• Israel e a Jordânia têm compartilhado o Rio Jordão desde 1955, mesmo sob constantes ameaças de conflito regional;

• Índia e o Paquistão têm compartilhado o Rio Indo, apesar das duas guerras entre os dois países;

• Mais de 160 milhões de pessoas de pelo menos 10 países africanos têm compartilhado o Rio Nilo, assim como outras cinco bacias - Congo, Níger, Nilo, Zambeze, etc.;

• Rio Danúbio ainda serve mais de 10 nações da Europa Central e Oriental;

• Rio Colorado é uma fonte vital de água para mais de 40 milhões de pessoas, tanto nos Estados Unidos como no México.

Sr. Presidente,

Reconheço ser difícil conseguir um consenso global sobre os problemas da água no mundo, mas gostaria de lhe pedir respeitosamente que considere as seguintes observações e recomendações de muitos especialistas da Guiné-Bissau e internacionais com os quais abordei as minhas preocupações:

• O Senegal deve estabelecer uma regra do jogo justa em relação ao nosso curso de água comum, o que levaria à partilha dos seus benefícios para um desenvolvimento sustentável em ambos os países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem capacitar a sua Comissão Conjunta de Gestão de Recursos Hídricos, através da Comissão Hidrológica, para se reunir periodicamente para avaliar o comportamento da bacia Kayanga/Geba, bem como para testemunhar as descargas e represas periódicas das águas para garantir o seu fluxo apropriado de um lado para o outro, o que não acontece desde o ano 1998. As tais descargas regulares e suficientes da parte superior da bacia podem permitir a recuperação de alguns afluentes, bem como recarregar as águas subterrâneas, fontes de abastecimento de água para a população local nos dois países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem envidar esforços para mitigar os impactos negativos mencionados anteriormente, através de atividades de reflorestamento, recuperação de terras e formação pública sobre questões ambientais;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem reconhecer que revisões periódicas são necessárias para sustentar o curso de água, protegendo assim os ecossistemas e atendendo às necessidades humanas e um equilíbrio justo entre os dois países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem rever todas as disposições existentes sobre o monitoramento, a avaliação, a execução, a pesquisa e o desenvolvimento, o intercâmbio e o acesso à informação para uma partilha mais equitativa e adequada do rio Kayanga/Geba e as suas bacias;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem conduzir mais consultas para encontrar um quadro aceitável no âmbito da OMVG ou bilateralmente para implementar mecanismos que levem à cooperação através da celebração de acordos específicos e/ou criação doutros órgãos conjuntos.

Sr. Presidente,

Já deve estar claro para a Sua Excelência de que acredito piamente em princípios como a “partilha justa” de recursos. Nesse sentido, estou particularmente atraído por uma iniciativa específica da ONU conhecida como "Águas Compartilhadas, Oportunidades Compartilhadas". Esta iniciativa defende a ideia de que “fomentar as oportunidades de cooperação na gestão transfronteiriça da água pode ajudar a construir o respeito mútuo, a compreensão e a confiança entre países e promover a paz, segurança e o crescimento económico sustentável”.

De facto, o respeito mútuo, a compreensão e a confiança podem e servir-nos-ão bem, pois o Senegal e a Guiné-Bissau têm certamente procurado assegurar e construir um futuro melhor para os seus cidadãos que estão ansiosos em permanecer bons e indivisíveis vizinhos hoje e nos séculos vindouros.

Assim, compartilhar amigavelmente os recursos que nos foram dados pelo poder divino seria o
primeiro passo em direção a esse objetivo. Na verdade, a promoção do uso equitativo desses recursos hídricos comuns ajudaria a sustentar o nosso clima regional, combater a pobreza e estimular o desenvolvimento económico em ambos os países.

Sr. Presidente, estou esperançoso de que possa haver um futuro para o Rio Geba se o seu país, o
Senegal, puder gentilmente e regularmente ter em mente que doutro lado da sua fronteira, há um
vizinho que está igualmente carenciado e sedento pelo curso de água do Kayanga. Seria desnecessário lhe reiterar que este recurso hídrico transfronteiriço é também a nossa herança
comum que devemos todos valorizar, compartilhar, cuidar e preservar.

Sr. Presidente,

Reconhecendo que as barragens aqui mencionadas alteraram dramática e negativamente os modos de vida da população na Guiné-Bissau, é necessária uma forte vontade política para forjar uma compreensão mútua e cooperação entre o Senegal e a Guiné-Bissau, no quadro propício da OMVG, em prol de uma partilha consistente e fidedigna de benefícios num futuro próximo.

Sr. Presidente,

Embora eu não represente o Governo da Guiné-Bissau, gostaria de ter a oportunidade de me encontrar com a Sua Excelência para discutir esta questão vital. Mais importante ainda, encorajaria a Sua Excelência para se aproximar das autoridades da Guiné-Bissau para discutir as medidas urgentes que são necessárias para começar a abordar as questões e as preocupações expostas nesta carta aberta, podendo posteriormente com as autoridades que envolvem os dois estados, mandatar os peritos especializados em matéria de hidrologia, meio ambiente e desenvolvimento durável, a elaboração de uma proposta técnica concreta e viável, que poderia servir de roteiro para a atenuação da situação vigente.

Sr. Presidente,

Hoje, pela importância e valor dos recursos hídricos na luta contra a pobreza e como uma garantia de
tranquilidade e paz social no mundo, é aconselhável institucionalizar a hidrodiplomacia e a
hidrossegurança, como abordagens apropriadas para resolver a escassez de água e conflitos hídricos,
através da cooperação, gestão e desenvolvimento sustentável, como recomendado pelas muitas iniciativas globais e regionais, nomeadamente o Fórum Mundial da Água de Brasília, Brasil (Março de 2017).

E, por outro lado, se a Sua Excelência também achar necessário, por favor, não hesite em entrar
em contato comigo pelo telefone +1-404-723-7225 ou através do meu e-mail pessoal:
umarodjau@gmail.com.

Obrigado, Sr. Presidente, por ter reservado este valioso tempo para ler esta carta aberta que destaca uma questão de extrema importância para as populações da Guiné-Bissau, na medida em que tentam lidar com os dramáticos efeitos das barragens de Niandouba e Anambé no Rio Kayanga/Geba, ações que acabaram por influenciar negativamente os afluentes Bidigor, Campossa e Gambiel.

Que Allah/Deus lhe proteja e lhe dê forças e coragem para continuar a servir não só o Senegal, mas também toda a humanidade, a começar pela própria sub-região.

Sinceramente,
Umaro Djau

Um obrigado especial para as seguintes individualidades:
Eng. Inussa Baldé e Eng. Justino Vieira

Com o conhecimento das seguintes instituições e dignitários:
Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz
Presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá
Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Suzi Barbosa
Ministro dos Recursos Naturais e Energia, Issufo Baldé
Bancada Parlamentar do PAIGC na ANP
Bancada Parlamentar do MADEM G-15 na ANP
Bancada Parlamentar do PRS na ANP
Bancada Parlamentar da APU-PDGB na ANP
Partido União para a Mudança, UM
Partido da Nova Democracia, PND
Embaixada da República do Senegal na Guiné-Bissau
Embaixada da Guiné-Bissau no Senegal
Secretário-geral das Nações Unidas
Assembleia Geral das Nações Unidas
Missão Permanente

III.  Nota do editor:

Declaração de interesses:

(i) parafraseando a nossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, há realidadades que "não podemos ignorar", sobretudo depois de  "vermos, ouvirmos e lermos"... 

(ii) esta carta aberta do guineense Umaro Djau, filho do Gabú, e de que certamente por lapso não foi dado conhecimento ao Governo Português, à CPLP e à União Europeia, merece o devido destaque no nosso blogue, até por todas as razões e mais uma, de natureza afetiva: muitos de nós conhecemos o leste da Guiné-Bissau, as regiões de Bafatá e de Gabú, antes e depois da independência, e  o passado, o presente e o futuro dos nossos amigos da Guiné-Bissau não nos são indiferentes: de resto, só há uma terra, uma casa comum da humanidade, e a hidrossegurança é um requisito fundamental para a paz e o desenvolvimento;

(iii) o rio Geba (ou Xaianga, segundo a preciosa cartografia militar portuguesa) também é meu, também é nosso; temos cerca de 90 referências no nosso blogue a este rio que tanto amámos e odiámos durante a guerra colonial (1961/74);

(iv) o documento parece-nos bem elaborado, do ponto de vista técnico, e escrito em bom português, tendo tido a colaboração de especialistas guineenses em recursos hídricos  e geologia, como o engº Inussa Baldé, quadro superior do Ministério de Recursos Naturais, engº Justino Vieira, antigo secretário-geral da Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG), ou Orlando Cristiniano da Silva, geólogo guineense com residência no Brasil:

(v) não discutimos aqui questões como a oportunidade da sua divulgação que alguns  vão querer associar ao recente lançamento, na Guiné-Bissau,  de um novo partido, o Movimento Guineense para o Desenvolvimento (MGD), fundado e liderado por Umaro Djau;  julgamos que esta causa é transversal, e deve mobilizar todos os guineenses e todos os seus amigos e os seus vizinhos;

(vi) depois de ler este notável documento, eu não posso assobiar para o lado e dizer que, de acordo com as nossas regras editoriais, o nosso blogue não se pode imiscuir nos assuntos de Estado e na atualidade política e social;

(vii) Umaro Djau é um conhecido jornalista, que se formou, viveu e trabalhou  nos Estados Unidos;

(viii)  o editor do blogue não conhece o Umaro Djau, tendo no entanto recebido deste,  em 13 de fevereiro de 2007,  no seu endereço pessoal, a seguinte mensagem:  (,,,)" Chamo-me Umaro Djau e fiquei deveras surpreendido com o seu maravilhoso blog. Sou guineense e Jornalista. Resido nos EUA há mais de 11 anos. Trabalho para a cadeia da TV mundial, CNN. Gostaria de poder corresponder consigo".

(ix) o nosso coeditor Carlos Vinhal convidou-o, em 2008,  para integrar a Tabanca Grande, convite que não teve resposta até hoje (*).

(x) apoio a petição mas não consigo assinar, devido a erro informático... LG
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Nota do editor