(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 17 de novembro de 2023
Guiné 61/74 - P24858: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (20): O calão do Bairro Alto em finais do séc. XIX, algum do qual chegou à nossa caserna...
(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...
sábado, 11 de novembro de 2023
Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...
Capa do livro de Avelino de Sousa (1880-1946), "Bairro Alto: romance de costumes populares". Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa, 1944, 290 pp.
1. Já não é do nosso tempo de meninos e moços...Mas se fosse, não nos deixavam lá ir, sozinhos... Nem já é do tempo dos nossos pais, nascidos por volta dos anos 20... Estamos a falar de 1896/97/98, e de um dos guetos de Lisboa... o mal afamado Bairro Alto.
Irreconhecível hoje, ou talvez não: as suas ruas, o seu casario, são os mesmos... Ainda existem casas com aventais de pau (meias-portas, nos pisos térreos), e persianas de tabuinhas nos andares de cima. Mas já ninguém sabe hoje o significado da expressão, "estar de avental de pau" (estar debruçada, a mulher, sobre as meias-portas, oferecer-se, prostituir-se).
A toponímia pode ter mudado num caso ou noutro. As tascas dos galegos desapareceram. Tal como os candeeiros a gás, de iluminação pública. E a redação dos jornais e as tipografias, que começaram a concentrar-se nesta zona histórica, logo desde meados do séc. XIX. Já não há cheiro a peixe frito nem se servem entaladas, candas, iscas com elas, etc., nem se bebe um meio-curto (copo mal cheio, com café, vinho, canela e açucar)... Ou uns tintos.... cortados (vinho com soda).
A fauna humana também mudou... Todos/as tinham alcunhas, "nomes de guerra", das rascoas aos faias, dos artistas aos amigos do alheio: Pinoia, Enjeitada, Pantera, Micas, Camélia, Pinta-Monos, Pé de Chumbo, Zé-Bode, Garrafão, Fininho, Janota... O fadista ou faia, com o seu traje característico e o seu calão, perdeu-se na voragem do tempo...As modas são outras,,, A fadista de faca na liga, também.
Grosso modo, há o antes e o depois de Amália Rodrigues, que ajudou a branquear o passado "lumpen", proletário, rasca, ordinário, popular, do fado...O mesmo é dizer: nobilitou o fado, arrancando-o da rua, da viela, do vicio, da taberna...
E já não há Adelaides Pinóias a cantar ou a gemer: "Quem nasceu no Bairro Alto / há de sofrer e chorar / ao ouvir uma guitarra / docemente a soluçar" (pág. 289). Nem o Bairro Alto é mais o dos "amores tão delicados": se o foi, foi no bom tempo do palácios e conventos do séc. XVI... Degradando-se, foi apropriado pelas "classes laboriosas" e pelos grupos socialmente marginalizados. O "acantonamento" das prostitutas em certas zonas da cidade, bairros populares, ribeirinhos degradados, imposto por postura municipal de 1833, por razões de "saúde pública" e de salvaguarda da "moral pública", de acordo com o discurso liberal então dominante, acabou por estigmatizar o Bairro Alto (e outros; Mouraria, Alfama, Madragoa, etc.) durante mais de um século... Mas foi também um dos "laboratórios sociais" do fado, "canção popular urbana de Lisboa"... hoje "património imaterial da humanidade", tal como o "cante" (que nasceu nos campos, na rua, na taberna...).
Perderam-se "bons e maus costumes"... Ganharam-se outros. Em 2013, o antigo bairro aristocrático quinhentista fez 500 anos. O antigo Carnaval de Lisboa. com as suas cegadas, também não existe mais, "muito bruto, por vezes malcriado, mas ao mesmo tempo divertido e com graça" (pág. 159). Em 1963, o Estado Novo hipocritamente fechou as "casas de passe" (nome eufemístico para os prostíbulos, em que as prostitutas tinham número de matrícula e inspecção médica periódica)... Já o tinha feito, de resto, no Ultramar (em 1954).
Vinte anos depois, em 1983, Portugal legalizou a prostituição, mas não resolveu o problema das suas suas causas e consequências.
Vale a pena, todavia, dar aos nossos leitores uma "ideia" e um "cheirinho" do que foi o Bairro Alto das últimas décadas do século dezanove, social e espacialmenteĺ segregado, mal afamado tantos anos (até mesmo para lá do 25 de Abril de 1974)...
Alguns de nós ainda o conhecemos nos anos 60/70, ao tempo da tropa e da guerra colonial ... Mesmo para aqueles que nunca lá foram, ficou no seu imaginário, tal como o Pilão, em Bissau...
A partir dos anos 80, o Bairro Alto "aperaltou-se", lavou a cara, passou a ser uma zona turística, sítio obrigatório da noite de Lisboa, e hoje cada vez mais "gentrificado"... Novas formas e lugares de prostituição apareceram, a começar pela prostituição de luxo (a que as elites do Estado Novo, de resto, já recorriam: veja-se o "escàndalo" do Balet Rose, em 1967).
Reproduzimos a seguir alguns excertos deste pitoresco "romance de costumes", do Avelino de Sousa, publicado em 1944, mas que começou por ser uma opereta, com o mesmo nome, e do mesmo autor. (Terá tido bastante sucesso no ano de 1927, já em plena Ditadura Militar...)
O Bairro Alto de antigamente
(...) Bairro Alto – bairro de gente honesta, bairro de artistas e de operários, bairro da Imprensa, de boémios e de fadistas e também – na época em que decorre a ação deste romance – bairro de rascoas que se estendiam como que em alas de ambos os lados da maioria das artérias, debruçadas sobre os aventais de pau [nome dado vulgarmente às meias portas], por todas as ruas, da Atalaia, dos Calafates, da Barroca, das Salgadeiras, do Norte, das Gáveas, Travessas da Cara, da Boa-Hora, da Água da Flor, dos Fiéis de Deus, das Mercês, da Espera, do Poço da Cidade. (…) (pág. 58).
(...) A velha casa das iscas do Bairro Alto na rua da Atalaia, à esquina da Travessa da Água da Flor, era a mais antiga de Lisboa, depois da que ainda existia na rua do Arsenal, à esquina da Travessa do Cotovelo. Os seus proprietários, dois irmãos galegos, Manuel e José, usavam matacões [suiças],(...) (pág. 76).
***
(…) Havia no Bairro Alto um fadista − ajudante de cortador no talho do Augusto, na rua da Rosa, esquina dos Inglesinhos − rapaz alto, desempenado, aloirado, de pequeno bigode e nariz saliente, vestindo rigorosamente à fadista: jaquetão e colete de astracã preta, camisa de cordões de seda em substituição da gravata, calça de boca de sino, até ao bico do sapato, em fantasia às riscas, num tom acastanhado, algibeiras ao alto, larga pestana a guarnecer a perna, cinto de seda vermelha, chapéu de aba de tela. Usava uma grande melena, em caracol como que colada à testa, bamboleava muito o corpo, quando andava, e fumava charutos cortados de dez cada um.
Bons tempos!
Chamava-se Augusto César de Carvalho, mas era conhecido pelo Augusto Bombinhas. (…) (pp. 116/117)
***
(...) − Ora, graças!... A velha, foi amiga!... Doze mal reis!...Ena pai!... 24 c’roas!... É melhor do que nada e eu estava sem vintém! (…)
E metendo o dinheiro no bolso do colete, abandonou o saquito num canto, desceu a escada, saiu pela rua Formosa, meteu-se à calçada do Combro, entrou na Adega do Estucador ao lado do quartel dos Paulistas, e, ao mesmo tempo que tirava do prato, que estava em cima do balcão, um ovo cozido pintado de encarnado à força de anilina,molhando-o no sal grosso, depois de rebolar a casca sobre o balcão para a partir, pediu:
− Dê cá três celitros, ó patrão!... – e deu uma dentada no ovo.
Mas, nisto, uma voz, por detrás dele, dizia-lhe ao ouvido:
− Não pagas nada, ó Cambalhotas ?...
Era o Pé
de Chumbo – gatuno como ele.
− Estás teso ?...
− Palavra de honra que estou! Não tenho chapeca, e o raio da Micas, hoje, ainda não se estreou!
− Andas com azar!... Olha, come um ovo cozido, que estão bons!...Vá anda, e bebe um copo! O cofre, está aberto! Queres duas c’roas emprestadas?...
− Estás armado ?...
− E bem armado! Tive um belo gancho!,
camarada.
− Não percebo!
− Contos largos! Toma lá as duas c’roas,
não se fala mais nisso!
− Viste o Garrafão ?...
− Hoje, não. Ontem à noite,estive com ele no João da Arruda na rua da Atalaia. Estava danado com a dor!
− Está no pinho?... [não ter
amante]
− Pois, tá!... A Pantera
correu com ele, e passou-se para o Zi-Zi!
− E o gajo não lhe deu um flàquibaque na
tabuleta [ bofetada na cara] ?
− Não, porque tem medo do Zi-Zi. Tu sabes que o Garrafão não é mau rapaz, mas é fracalhote. Aquele corpo, todo é balofo!
− Ora, meu amigo, tu também quando a pregas é à carunfa [à traição] ! – disse o Cambalhotas.
− É como calha! Também não és tu quem dá os bons dias [ser o mais valente, ou o mais cotado em qualquer manifestação da vida].
O Cambalhotas engoliu em seco,
e disse, fugindo à discussão:
− Também o Garrafão não perdeu
nada! A gaja era um estojo horrível!
−Tá bem, ela é atanado, é feia que nem um pente de pau do ar, mas governa-se bem a vender os trapos às outras! Olha que o Garrafão talvez não arranje outra assim!
− Não sei… Ele andava a fazer-se [a atirar-se, a fazer o cerco] todo com a Beatriz Gorda, e também com a Augusta do Campos! Mas esta não deixa o João da Isabel [Também cantava o fado e era irmão do Zé-Bode e do Júlio Martelo].
− Pelo lado do interesse, nenhuma
delas vale a Pantera! Agora como mulheres…
Enquanto estes dois patifes conversavam, comendo ovos cozidos e bebendo a sua pinga, na Adega do Estucador, outras cenas de roubo se desenrolavam em todas as casas de penhores do Bairro Alto (…) (pp. 129-131).
***
(...) Pendurados junto às ombreiras das portas de um lado e outro da Travessa do Poço da Cidade, no renque de luz indecisa, os candeeiros de petróleo difundiam uma claridade bruxuleante, mal eliminando as caras pintadas das infelizes rascoas, encostadas às tradicionais meias portas. Nos primeiros andares, de tabuinhas, a mesma luz soturna lucilava, mal se distinguindo da rua.
A cada esquina , um candeeiro de iluminação pública, espalhava aquela luz amarelada e mortiça do gás da Companhia. Lá em cima, na esquina da rua da Rosa, um polícia, de palestra com o guarda noturno, chupava um magro cigarro.
No Bairro Alto, pelo menos na época que estamos descrevendo. a maioria das raparigas da vida, como era de uso chamar-lhes, eram comedidas de linguagem e de atitudes, raro sofrendo uma admoestação policial, e até se dava o caso interessante de cumprimentarem e serem cumprimentadas, cortesmente, por pessoas honestas da vizinhança. (…) Acarinhavam e beijavam a petizada da vizinhança, tornando-se assim simpáticas aos pais e às mães das crianças.
E não se pegava nada, como diz o povo judiciosamente, ou – quem sabe ? − talvez houvesse menos maldade naquele tempo! (...) (pp. 137/138)
***
(…) A Enjeitada afastou um pouco a cortina de ramagem, sentou-se no canapé, de guitarra em punho, e a Adelaide, sem sair da porta, pegou no papel dos versos.
− Dá-me entrada, sim?...
A Enjeitada começou a tanger a guitarra, tirando uns acordes à maneira de introdução.
− Entra agora!
E a Adelaide começou:
Este livro é a grilhetaÉ o nó que à perdição
A Pinoia interrompeu-se:
− Vou bem ?
− Muito bem ! Segue, anda!
A Adelaide prosseguiu:
É ferro em brasa,Um passaporte p’ra viver no lodaçal:
− Que tal, ó Enjeitada ?
− Muito bem, Adelaide! E os versos ? Cheios
de verdade!... (pp. 184/185) (**)
***
(...) E a Adelaide senta-se no canapé. O Pinta-Monos toma lugar a seu lado e observa:
− Ah!, Adelaide se tivesses sido a minha, já não estavas aqui!
Ela solta uma gargalhada, e contrapõe;
− Tu estás doido, rapaz ?! Deixar esta vida, eu ?! Aqui, é que eu sou gente! Fora disto, seria uma mulher corriqueira, uma senhora honesta, como outra qualquer!
− Mas...
− Já te disse: aqui, sou eu Rainha! (...) (pág. 198) (**)
(Seleção / revisão e fixação de texto / adaptação: LG. As notas dentro dos parênteses retos são notas de rodapé, da responsabilidade do autor, Avelino de Sousa)____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série de 5 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24824: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (18): a taberna em meio rural (António Eduardo Ferreira, 1950-2023, Moleanos, Alcobaça)
Alcouce - Bordel, prostíbulo (etimologia duvidosa)
Alcoveta -Mulher intermediária no comércio do sexo (do árabe, al-qawwâd, intermediário.)
Belfe - Calote
Meio-curto - Copo mal cheio, com café, vinho, canela e açucar.
domingo, 5 de novembro de 2023
Guiné 61/74 - P24824: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (18): a taberna em meio rural (António Eduardo Ferreira, 1950-2023, Moleanos, Alcobaça)
Fado (1910), quadro a óleo sobre tela, de José Malhoa (1855–1933). Museu de Lisboa. Imagem do domínio público. Cortesia da Wikimedia Commons.
Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014). No nosso blogue é autor das séries O tempo que ninguém queria e Pedaços de um tempo,
As tabernas, para além das bebidas… eram também o local onde se vendia quase tudo que as pessoas necessitavam para o dia a dia: o açúcar, o café (para fazer na cafeteira), a massa, o arroz, o colorau, o petróleo, o bacalhau, o sebo para as botas, entre muitas outras coisas. [ Noutras sítios também se chamava "venda" à taberna onde se ofereciam, para venda, além de vinho e comida, artigos de mercearia; topónimos como Venda das Raparigas podem ter na sua origem um destes estabelecimentos à beira da estrada; e nas feiras a taberna era a "tenda". ]
Naquele tempo, na aldeia de Molianos, as mulheres não frequentavam as tabernas, a não ser para irem fazer as compras e logo regressavam a casa. Diziam os homens que as tabernas não eram para as mulheres. Mas não se pense que algumas, mesmo sem estarem na taberna, de vez em quando, não apanhavam também a sua piela de tal tamanho... que as fazia ziguezaguear, não conseguindo passar despercebidas junto das pessoas com quem se cruzavam.
Por aquela altura não existiam na aldeia coletividades de desporto, cutura e recreio ou outros espaços públicos onde os homens se pudessem juntar, a não ser nas tabernas, ou no tempo da apanha da azeitona em que também os lagares eram sítios onde muitos se encontravam no fim do dia. Apesar de ser no inverno, os lagares eram locais onde existia um ambiente confortável a que eles não estavam habituados, um espaço aquecido… e com boa iluminação, coisa inexistente nas casas da aldeia.
Naquele tempo, as pessoas não saíam para fora da terra a não ser para trabalhar, algumas vezes para muito longe. Os transportes públicos apenas havia à segunda-feira, para Alcobaça, por ser o dia em que lá tinha lugar o mercado. Os transportes particulares também não haviam.
Só à segunda-feira, havia a camioneta da carreira como as pessoas lhe chamavam, mas mesmo assim nem todos a utilizavam, eram muitos os que faziam os dez quilómetros para cada lado a pé, para pouparem o valor do bilhete… que era pouco, mas necessário para ajudar nas compras que iam fazer, o pouco dinheiro de que dispunham a isso os obrigava.
Se as tabernas durante algum tempo era o sítio onde os homens se encontravam quando não era possível trabalhar, também havia algumas épocas em que os frequentadores eram poucos. Isso acontecia, quando quase todos os homens e rapazes, alguns com doze ou treze anos, saíam da aldeia para irem trabalhar para as vindimas para a região saloia, assim como para outros serviços, em particular, para a zona de Lisboa.
Quando regressavam à terra voltava a ser grande o ajuntamento nas tabernas aos domingos à tarde, onde a bebida e as conversas à mistura eram sempre muitas.
As tabernas, para além do já referido… desempenhavam também uma "função social": não davam nada a ninguém, mas tornavam possível, sem aumento de preço, a algumas pessoas, adquirir bens essenciais para o dia a dia das famílias, quase sempre numerosas, permitindo-lhe comprar fiado com a promessa de vir pagar quando tivessem dinheiro. Se assim não fosse, as pessoas não podiam comprar e as dificuldades que eram sempre muitas, seriam ainda mais. (...) (*)
domingo, 20 de agosto de 2023
Guiné 61/74 - P24569: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (40): Comidinhas de verão: amêijoas, atum fresco e salada... ("E quando os coentros no Norte sabiam a "fedelho" e não iam à mesa do rei?!")
Fica aqui mais a sugestão gastronómica de verão do nosso "vagomestre de serviço", mesmo que os ingredientes estejam mais caros do que no ano passado (o atum, as amêijoas, até a batata e a cebola). Mas já que falamos de batata, tenho que deixar aqui o sítio de um homem da minha terra, o Raul Reis, do Sobral, Lourinhã, que fala "de cátedra" sobre a(s) batata(s) do nosso contentamento (era um luxo na Guiné, no nosso tempo). Batata Ratte, batata olho de perdiz, batata raiz-de-cana, batata Asterix... Tudo produtos "gourmets"...
Amigos e camaradas, boa continuação do verão, bebam água, protejam-se do sol (que também faz bem aos ossos), cuidado com as insolações e o cancro de pele... e sobretudo com as minas & armadilhas espalhadas ao longo do troço da picada que nos falta palmilhar neste terço da vida.
Continuamos, entretanto, à espera que os outros nossos 'vagomestres' nos mandem ao menos as fotos dos seus "petiscos de verão"... Comam bem o que bem vos apetecer (e se puderem...), mas não se esqueçam de partilhar as vossas fotos... gastronómicas (LG).
fedelho|â|ou|ê|
(fe·de·lho)
Regionalismo | Entomologia
Inseto hemíptero (Nezara viridula), de cor verde, que liberta um cheiro desagradável quando se sente ameaçado.
nome masculino
1. Criança que ainda cheira a cueiros.
2. Jovem muito novo.
3. Criança traquinas ou impertinente. = Badameco
4. [Regionalismo] [Entomologia] Inseto hemíptero (Nezara viridula), de cor verde, que liberta um cheiro desagradável quando se sente ameaçado. = Percevejo-do-Monte, Percevejo-Verde
"fedelho", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/fedelho.
Último poste da série >: 19 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24568: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (39): Lagoa de Óbidos, Bom Sucesso: Enguias fritas no "Covão dos Musaranhos"
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24047: (In)citações (230): Nunca digas adeus, até sempre! (José Belo, Key West, Flórida)
Data - domingo, 5/02/2023, 22:58
Assunto - Na boa companhia da fadista clássica (!) Hermínia Silva
Caro Luís
Os anos passam, as idades aumentam, as adaptações cómodas tornam-se… saudáveis!
Depois de ter ressuscitado pelo menos quatro vezes (o que, mesmo usando os parâmetros da Bíblia Sagrada, é inaceitável!) é tempo da quase mítica Tabanca da Lapónia encerrar definitivamente o portão voltado à imensidão Árctica. (**)
As tentações e decadências da floridiana Key West acabam por sobrepor-se na vida deste hermita lusitano. O tal luso-lapão factualmente único, dentro do espírito épico (!) do que… se mais terra houvera lá chegáramos!
Quanto às fronteiras extremas da Tabanca Grande,
norte europeu pelo extremo do extremo sul norte-americano. (Certamente que isto dos “extremos” saltitantes terá algo a ver com um capitão extremista de um impossível de esquecer… PREC!)
Foi numa procura de comunicação com Amigos e Camaradas da Guiné que procurei levar até aí alguns dos exotismos do dia a dia dentro do Círculo Polar Árctico. Sentindo orgulho em amizades que hoje não existiriam sem o meio de ligações que tem sido a Tabanca Grande.
Se julgam que neste momento de despedida se ouve na Lapónia sueca um clássico e triste hino fúnebre, enganam-se. Ecoa nesta escura imensidão gelada o... Fado da Mariquinhas, cantado na versão clássica da tão nossa Hermínia Silva!
Um grande abraço do JBelo
2. Nova mensagem do Joseph Belo:
Data - terça, 7/02/2023, 05:43
Assunto - Pare! Escute! Olhe!
Por vezes a saudade e as distâncias acabam por nos colocar o… ”carro à frente dos bois “! O texto que te enviei está demasiado pessoal ao referir uma mudança, importante para mim e para alguns amigos próximos, mas que acaba por se tornar o tal “conversar com o meu umbigo”.
Um grande abraço, JBelo
3. Resposta do Luís Graça
Data - terça, 7/02/2023, 11:48
Querido amigo e camarada:
Fico, às vezes, na dúvida sobre o que é pessoal, reservado e intransmissível, de circulação e partilha mais restrita (entre familiares, amigos...). Ía-te pôr essa questão... Mas, se me dás luz verde ou amarela intermitente, terei todo o gosto em publicar no nosso blogue as tuas mensagens sempre originiais e com o seu quê de sabedoria e mistério (como, aliás, acabo de o fazer, às tuas duas últimas).
Sei que estás, há uns tempos a esta parte, a fazer o luto desse lugar, mágico, onde foste feliz, a tua (e também já um bocadinho nossa) Tabanca da Lapónia... Confesso que, por minha parte, vou ter saudades... Só conheço a Suécia até Kalmar (aliás, da Suécia só conheço Kalmar)...
Eu, por exemplo, eu e a Alice, sabemos que um dia destes vamos ter que dizer adeus a Candoz... onde investimos tempo, dinheiro, sobretudo afetos... Até fizemos um blogue!... A nossa sociedade (e família), pela lei natural da vida, vai perdendo vigor e liberdade de ação: surgem as doenças, as incapacidades, a morte, etc. Os nossos filhos têm outros sonhos, interesses, preocupações, limitações, lugares... Candoz está a 400 km de Lisboa e a 80 do Porto... Acontece o mesmo noutras famílias, como a tua, a minha, as dos nossos camaradas...
Pessoalmente, não tenho o sentido de propriedade, mas valorizo o pouco que tenho, dividido por Alfragide, Lourinhã e Candoz... Há decisões dolorosas, a da alienação, sobretudo das coisas que são "animadas", as nossas geografias emocionais, as nossas relações... Mas será que essas se perdem? Podemos cultivá-las no jardim da memória (a única coisa que não nos podem tirar...).
É Belo, não Ruy, José,
Diz que o mar o despejou.
- Lappland near Key West: http://lapplandnearkeywest.blogspot.com/
- Lusitano...40 Anos na Lapónia: https://tabancalaponialusitano.blogspot.com/
- Sempre Renas: http://semprerenas.blogspot.com
Assunto - Trovas ao vento que passa
Caro Amigo
Grato pelo teu E-mail. Nele apercebe-se teres compreendido o difícil que é, nas nossas idades, o fecharem-se definitivamente certas portas.
O termo “definitivamente” tem hoje um significado que não é o mesmo de quando tínhamos vinte anos. Alguém terá escrito: “Para se sentir a falta de algo, há que perdê-lo primeiro“.
E lá se cai nas tais subjetividades valorativas quanto ao viver-se (sem um único vizinho!) num círculo de trezentos quilómetros em volta da casa. Para uns assustador pelo total isolamento. Para outros indiscritível na sensação de independência.
Mas quanto aos “fechar de portas”, o mesmo clássico acima referido terá escrito mais ou menos isto: “Ao atravessar esta porta não estou só saindo de um local mas simplesmente entrando noutros”
Como já te escrevi, a publicação destes subjectivismos (!) fica ao inteiro critério editorial (***).
(***) Último poste da série > 2 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24030: (In)citações (229): A matança do porco... do nosso contentamento (Francisco Baptista / Alberto Branquinho / Joaquim Costa / José Belo / Luís Graça / Valdemar Queiroz)
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
Guiné 61/74 - P23518: O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje ? (1) : É estar no mundo como em casa (Telma Pinguelo, Toronto, Canadá, citando o etnólogo Jorge Dias)
Segundo ele, a imagem histórica de Portugal não é resultante de observações baseadas em realidades. Resulta antes de sonhos político-ideológicos criados por uma minoria urbana, como referido pelo realismo de Eça de Queiroz. Uma aristocracia (e burguesia) endinheirada sempre com o pé no estribo do 'Sud-Express', arrastando-se para uma Europa onde se produz a verdadeira cultura e o conhecimento.
A existência de um mítico 'povo simples' torna o diálogo literário entre estes polos opostos num… monólogo literário limitativo. É neste espaço (ou contradição) entre a 'falta' e o 'regresso' que, segundo ele, surge a palavra 'saudade'."(,,,)
O que é ser português? É a pergunta que volta e meia paira no ar e tema que ouvi ser inúmeras vezes debatido durante os anos em que tenho convivido com a comunidade lusa em Toronto.
Os nossos clubes e associaçōes têm de momento em mãos a difícil tarefa de passar as suas casas, tão arduamente construídas, para as mãos das novas geraçōes. É difícil porque os modelos de organização e também muitas tradiçōes que alegravam os nossos pais e avós estão a cair em desuso e já não cativam os jovens.
Se pergunto ao condutor do Uber que me leva a casa, ele diz “Portuguese chicken”, os meus colegas dizem “Cristiano Ronaldo”, num encontro de amigos falam-me das “férias com paisagens lindas, deliciosa comida e ainda melhores bebidas”, nos eventos fala-se de “fado” e nos jantares vem sempre à conversa o famoso pastel de nata, aqui batizado “Portuguese custard tart”.
Mas então é isto? Será que ser português se resume a frango de churrasco, futebol, turismo, música, vinhos e bolos? Tenho a certeza de que existe muito além das belezas, sabores e conquistas deste nosso país plantado à beira-mar. O que mais faz de nós portugueses ? A língua, o território, o passaporte?
O povo português nunca teve, nem tem, problemas de identidade. Ainda que a resposta não esteja na ponta da língua, não é por isso que ela deixa de existir. Antes pelo contrário. Esta é uma daquelas situaçōes em que andamos à procura das chaves pela casa toda e depois damos conta que afinal estiveram sempre no bolso do casaco que temos vestido. É o que eu vejo acontecer com esta pergunta. Esquecemo-nos de olhar para dentro.
Eu digo que ser português está naquilo que não se saboreia, não se vê nem se toca. A portugalidade está no nosso caráter.
- o português é “ao mesmo tempo sonhador e homem de ação”, ou seja, “um sonhador ativo que mantém sempre um olhar realista sobre os seus objetivos”;
- é "humano e sensível, amoroso e bondoso, contudo, sem ser fraco";
- "não gosta de fazer sofrer e evita conflitos";
- "mas quando ferido no seu orgulho pode ser violento e cruel";
- "tem um grande sentido de fé";
- "tem uma ligação muito forte com a sua natureza e herança";
- "é individualista, mas tem uma forte solidariedade humana";
- "tem espírito crítico e trocista e uma ironia pungente”.
Pegando nas palavras de Jorge Dias, eu acrescento:
Mesmo com a globalização e os crescentes fluxos migratórios, os portugueses espalhados pelo mundo continuam a manter a essência da sua identidade. A verdadeira portugalidade acontece nos empregos em que somos conhecidos como um povo trabalhador, nos nossos círculos sociais em que somos calorosos e acolhedores, acontece em cada uma das nossas mesas em que há sempre espaço para mais uma pessoa.
Ser português é falar de uma História que não é perfeita, mas que nos tornou no que somos hoje. Somos lutadores, resilientes, somos um povo guerreiro, endurecido pelas batalhas travadas ao longo dos tempos e sofrido com a tão nossa saudade. O encanto é que embrulhamos tudo isso com a também muito nossa bondade, hospitalidade e fé.
Sim, há algo em ser português que é especial. É a nossa vocação de “estar no mundo como em casa”, assim o diz muito bem o autor Jorge Dias. Feliz Dia de Portugal!
Telma Pinguelo