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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6637: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): E as crianças, Senhor, por que lhes dais tanta dor?















Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça e as crianças (Mansambo, Candamã e outros locais)

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados


Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe Fotos falantes (I, II, III), o que é uma expressão curiosa que vamos manter, e que faz jus à ideia de senso comum de que vale mais uma imagem do que mil palavras... Eu concordo, em parte, porque acho que uma boa fotografia exige sempre uma boa legenda...


FOTOS FALANTES >  As Crianças
por Torcato Mendonça

[Fotos falantes  III – 1.1, 2, 4, 19, 21, 38 e outras]

Dizer que a criança é a grande vítima dos conflitos… é um lugar comum…Todos o  sabem, apesar de muitos disso não quererem saber.

Crianças a merecerem atenção hoje, por todos nós, talvez pouco ontem. Outros tempos. Referimo-nos só á Guiné.

A criança guineense vivia, na quase totalidade do seu território,  uma realidade, nada consentânea com a sua condição de criança. Não havia escolas, não aprendiam a falar português, a alimentação era deficiente, não tinham quaisquer cuidados de saúde ou higiene.

Nas cidades a vida seria ligeiramente diferente. Pouco melhor, excepto na Capital. Pelo que, naquela altura pude constatar. Eu era homem do mato. Por isso, focalizo mais a criança das tabancas, no mato ou nos bairros periféricos dos maiores centros populacionais. Havia outras, nas pequenas cidades ou na capital. A sua condição sócio-económica permitia-lhes uma vida diferente.

A Administração Colonial não fazia nada. Aliás, nunca fez nada pelo desenvolvimento das populações do território, em séculos.

Não curiosamente mas, propositadamente, nas ditas zonas libertadas, mesmo só em zonas de supremacia do PAIGC, procurava-se ensinar, em escolas rudimentares e em português. A higiene e a saúde eram também preocupações, para com crianças e adultos. A prová-lo o material que apreendemos nalgumas dessas zonas. (É assunto a ser tratado fora deste tema da criança).

Nas auto defesas, aldeias (tabancas) onde se juntavam outras tabancas de menor população e que tinham defesas próprias, auxiliadas pelas nossas tropas, sempre que era possível a criança era tratada com alguma atenção.

Em Candamã, havia uma mais que rudimentar escola, ensino de certas regras de higiene e alguns cuidados de saúde. Na zona de Galomaro, na auto defesa de Nova Cansamba, creio ser esse o nome, um homem grande, velho e sabedor, ensinava numa simples madrassa versículos do Corão. Certamente os ensinamentos iam além do Corão. Parece que era o imã da pequena mesquita lá existente. Falei com ele… só que o tempo e a memória, por vezes, falham.

Em Bambadinca sabia haver uma escola. Havia certamente em pequenas cidades e noutros centros populacionais.

Ver foto 19 o pé da criança. Elefantíase? Nem médico nem a família estavam interessados em resolver o problema. Vivia na zona de Fá, este miúdo.

Abordamos, por agora, o mais ligeiramente possível este tema da CRIANÇA. Continuaremos depois, tentando aprofundar com algumas “estórias”.

[ Revisão / fixação de texto / edição das imagens : L.G.]
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

24 de Abril de 2007  > Guiné 63/74 - P1694: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Paisagens: a árvore dos dezassete passarinhos

26 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1626: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): O Moicano e os milícias

24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou?

terça-feira, 24 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1694: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Paisagens: a árvore dos dezassete passarinhos




Guiné > Zona leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > A célebre árvore dos 17 passarinhos que servia de mira para os ataques do IN...

Floresta densa nas imediações de Mansambo... Possivelmente junto à Fonte de Mansambo, de triste memória para o pessoal da CART 2339...

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados (1)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Na foto é vísivel a célebre árvore dos 17 passarinhos...

Foto: © Humberto Reis (2006) . Direitos reservados.



Fotos falantes (11): Paisagens: a árvore dos 17 passarinhos
por Torcato Mendonça

Desta vez o nosso ex-Alf Mil (e fotógrafo) de Mansambo deixou-nos sem legenda... e passou a bola ao editor do blogue... Ou melhor: para quê legenda ? Esta secular árvore era um verdadeiro ex-libris de Mansambo... É verdade que os tipos do PAIGC estavam gratos à rapaziada, por que ela funcionava como um excelente mira para os apontadores de morteiro e de canhão sem recuo...
O que ainda hoje me intriga é por que razão a deixaram de pé, quando os valentes soldados da CART 2339 construiram o campo fortificado de Mansambo, como lhe chamava o PAIGC... Sempre me intrigou este detalhe, quando por lá passava em colunas logísticas ou operações... Hoje arrisco uma explicação: para aquelas toupeiras humanas, que foram simultaneamente arquitectos, engenheiros, trolhas, carpinteiros, caboqueiros, etc., a árvores dos 17 passarinhos era um traço de distinção no meio daquela paisagem quase lunar, angustiante, de floresta recém desmatada, um buraco no meio do inferno verde, na fronteira com as zonas libertadas do PAIGC, no Sector L1, Zona Leste, ao longo da margem direita do Rio Corubal... Um pouco à semelhança dos grafittis com que os artistas plásticos underground marcam as paredes e os muros da nossas desoladas cidades de cimento armado...
A árvore dos 17 passarinhos humanizava, de algum modo, aquela paisagem de campo de concentração, visível na foto aérea do Humberto Reis... E um dos poucos pequenos luxos que os construtores de Mansambo se permitiram dar foi justamente não deitá-la abaixo...
A primeira impressão que fiquei de Mansambo, quando por lá passei, deixei-a escrita do meu diário, em 17 de Setembreo de 1969:

(...) "O problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné" (2).

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

26 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1626: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): O Moicano e os milícias

24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

(2) Vd. posts de:
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça).

Vd. também os seguintes posts:

29 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CD: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (2): as CART 2339, 2714, 3493 e 3494 (Carlos Marques dos Santos / Manuel Cruz)

24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVII: Mansambo e a árvore dos 17 passarinhos (Carlos Marques dos Santos)

segunda-feira, 26 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1626: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): O Moicano e os milícias


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "Moicano bêbedo, louco ou a aclimatar-se... tudo junto"

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O milícia e guia das NT, Seco Camará: 56 minas detectadas e muitas guerras" (1)...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O meu amigo Sargento do Pelotão de Milícias, Mádia Baldé"...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "Eu e milícias"...

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados (1)

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Desta vez, uma segunda série. Chamou-lhe Fotos Falantes, o que é uma expressão curiosa que vamos manter, e que faz jus à ideia de senso comum de que vale mais uma imagem do que mil palavras... Eu concordo, em parte, porque acho que uma boa fotografia exige sempre uma boa legenda...

O Torcato Mendonça, um homem do sul, vive hoje no Fundão, onde eu há tempos, no princípio deste ano, tive o grato prazer de conhecer pessoalmente. Foi Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

_______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

(...) "Vou republicar hoje, 26 de Novembro de 2006, o relatório da Op Abencerragem Cadente (que raio de nome esotérico!), desdobrando um texto que, de certo modo, dá o pontapé de saída a este blogue (ou mellhor, ao Blogue-Fora-Nada, que antecedeu o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)...

"Fá-lo homenageando os nossos camaradas que tombaram na Ponta do Inglês: o furriel miliciano Cunha, o soldado Soares e os outros camaradas - cujs nomes não recordo - da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).

"Quando publiquei esse texto - em 25 de Abril de 2005 -, eu tinha alguma dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconhecesse que ele fora um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos e anos a fio.

"Como muitos outros pobres diabos, o Seco fora também um mercenário, um colaboracionista, um torcionário, um homem para os trabalhos sujos da guerra: ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da política de terra queimada, da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha (Samba Silate, Poindon, Nhabijões...) , ele próprio era encarregue pelo capitão tuga do Xime (sic), para matar, à paulada (sic), em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados...

"Tenho dificuldade em fazer recuar esses tempos, mas é bem possível que sejam anteriores ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schulz (1965-1968),o mesmo é dizer, que devem ser do tempo dos seus antecessores: 1959 - 1962 António Augusto Peixoto Correia (1959-1962) e Vasco António Martínez Rodrigues (1962-1965).

"No regresso ao quartel, o capitão, manga de bom pessoal (sic), pagava-lhe um sumol (sic)... O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente os pertencentes aos grupos étnicos islamizados...

"O Seco Camará morreu ingloriamente em 26 de Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se alguma vez se sentiu (ou poderia sentir) português. Sei apenas que foi um bravo soldado - ou melhor, auxiliar dos militares portugueses - e eu não posso julgá-lo, sumariamente, com base nos meus valores ou princípios éticos. É claro que também não vou absolvê-lo com base no relativismo cultural: o facto de ser mandinga, descendente de um povo de guerreiros e conquistadores, não lhe davam quaisquer direitos, e muito menos o direito de vida ou de morte...

(...) "Alguém, da população do Xime - que me desculpe o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, que nessa altuta teria 7 anos! -, nos terá traído nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Ou se calhar nem foi preciso isso: 250 homens em armas são uma multidão ruidosa, a entrar e a sair de um quartel... No mato, na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, são uma cobra gigantesca, de quilómetro e meio" (...).

(2) Vd. posts anteriores:

24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)

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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 50 a a 100 metros.

Texto e foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça , ex- Alf Mil da CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/70) (1)

Fotos falantes (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca- Mansambo - Xitole, Março a Maio de 1969)

por Torcato Mendonça


Operação Cabeça Rapada: Uma mente, com um QI superior, resolveu juntar talvez milhares de africanos e capinar, limpar toda a vegetação, de ambos os lados da estrada Bambadinca/Mansambo, nos locais onde o IN atacava com mais frequência. Talvez 20 a 50 metros de cada lado.

A madeira cortada ficou empilhada na zona final do corte. Resultado: fizeram abrigos para o IN e limpámos-lhe o campo de tiro.

Palavras para quê? Eram artistas portugueses.

Atenção junto a aquartelamentos e em determinadas zonas foi positivo.

Nota posterior do T.M.:

A foto e a legenda referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 25 de Março de 69, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Em 8 de Março tinha havido a Operação Lança Afiada… Era necessário dizer ao PAIGC: A população está connosco

Em 9 de Abril houve a Cabeça Rapada II, com duração de um dia. Ver escrito do Carlos Marques dos Santos (2). O itinerário escolhido foi Mansambo/Ponte dos Fulas. Em 30 de Abril e até 2 de Maio, teve lugar a Cabeça Rapada III, já de maior envergadura, quer pelas nossas forças e nativos envolvidos, duração e itinerários escolhidos – Samba Juli/Mansambo; Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. (Fonte: Historial da Cart 2339).

A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória…

________

Notas de L.G.


(1) Vd. posts anteriores:

16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?


(2) Vd. post de 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)

(...) "Cabeças Rapadas

"Prenúncio da abertura definitiva da estrada Bambadinca/ Xitole, intransitável desde Novembro de 1968 a 4 de Agosto de 1969 (Op Belo Dia).

"Haverá concerteza alguns dos tertulianos que estiveram envolvidos nesta série de operações (?). Então relembrem:

"Nós, CART 2339, especialmente na segundo Operação [Op Cabeça Rapada II], vibrámos com o movimento. Espantoso. Caldeirões de arroz (meio bidão de gasóleo, em fogueiras espalhadas pelo aquartelamento, movimento de viaturas e homens, um barulho ensurdecedor, homens deitados por tudo o que era sítio, em suma uma anarquia bem controlada). (...) "Op Cabeça Rapada II

"Em 9 de Abril, às 5.40h, inicia-se com a duração de 3 dias a Op Cabeça Rapada II, no itinerário Mansambo/ Ponte dos Fulas.


(...) "Os" (...) trabalhos envolveram 2150 trabalhadores nativos, que dormiram e comeram em Mansambo, tendo a segurança ficado montada de noite no itinerário.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968


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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> Junho de 1968 > Restos de uma batalha que poderia ter sido um trágico para as NT, desfalcadas, empenhadas na construção de um aquartelamento de raíz, em pleno mato...

Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça , ex- Alf Mil da CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/70) (1)

Fotos falantes (8): Rescaldo do grande ataque de 28 de Junho de 1968

por Torcato Mendonça

Foi o maior ataque que sofremos em Mansambo, quer pela duração quer pelo potencial de fogo do IN.

A companhia estava divida. Três grupos em Manssambo, um grupo e a secretaria em Bambadinca. Estávamos a construir um aquartelamento numa zona praticamente controlada por eles. De quando em vez vinha visitar-nos. Viam, fora do arame na orla da mata, como iam os trabalhos. Era giro. De quando em vez uma flagelação.

Naquele dia vieram para arrasar. Dos três grupos um estava fora, numa tabanca próximo do cruzamento da picada para Candamã. Foi desactivada pouco tempo depois. Ao todo estávamos em Mansambo cerca de 60/70 militares e parte dos picadores na tabanca.

Por volta da uma da madrugada rebentou o ataque. Armas pesadas e ligeiras com um potencial de fogo enorme. Vimos logo que o ataque nada tinha a ver com os anteriores. Durou até às seis e meia da manhã. Nessa altura poucas munições tínhamos. Nenhumas do morteiro 81, duas ou três dos dois 60 (mas de fumos), talvez nenhuma de bazuca, um dilagrama e talvez um cunhete de G3. Não recordamos já e o Historial da Companhia falha o relato.

Certo é que o Xime e o Xitole pensavam que eles tinham arrasado. Tivemos dois ou três feridos, muito ligeiros. Eles deixaram muitos rastos de sangue. Junto à segunda fiada de arame, já tinham passado a primeira, ficou metade de um belo cinturão e uma pistola Ceska.

Fomos reforçados pelo grupo que estava fora e pelo Pel Mil 145 da Moricanhe. Depois de restabelecidas as comunicações soubemos que vinha tropa de Bambadinca.

Meses depois vieram os obuses 10.5 e, a partir daí, os ataques eram feitos de longe com armas pesadas. De quando em vez, não posso precisar, ataques de curta duração, de armas ligeiras ou emboscadas como a da fonte.

PS - Reposta do Torcato, na volta do correio, a algumas dúvidas minhas, incluindo uma sobre a famoso barco que fazia o trajecto Bambadinca-Bissau, chamado BOR (com umas estranhas pás, na popa)... Aqui vão os esclarecimentos...

Luís Graça: Abri agora e vi o mail e o post.

Não tenho, procurarei todavia, foto da Bor…Via-a passar quando fazia seguranças a Mato Cão.
Aquela viagem foi uma palermice minha. Só que eu tinha que experimentar… havia outro motivo. Talvez um dia conte… sem esse motivo, obviamente. Óbvio para mim mas certos acontecimentos falam-se... e não se escrevem.

O militar da foto - referente ao ataque de 28 de Junho - sou eu. A partir desse dia, os meus ouvidos ficaram afectados, principalmente o direito. Tenho a audição muito diminuída nesse ouvido. O passar do tempo agravou. Faço tratamento, às vezes. Uma granada de 82 rebentou muito perto do fosso do 60 e dos dilagramas.

Felizmente, naquele momento, estava lá só. O Serra tinha vindo ao abrigo buscar material, para enviar ao IN… O da Ceska recebeu, com os cumprimentos…

O braço ligado é ligeira queimadura: é que o 60 aquece com o uso.

Não houve feridos, a Ceska foi entregue a um Major do [Batalhão] 1904 e a vida continuou. O relatório foi feito por mim e suavizado posteriormente pelo Capitão (creio eu). Ele estava em Bambadinca, claro. Houve efectivamente dois ou três feridos ligeiros.

Enfim, tantas estórias… Este texto creio ser só legenda à foto. Mais longo, porque o ataque foi demolidor e teve assim relato maior. Posteriormente os 10.5 em directo, bom Genebra…resolveu…mas a 3 de Janeiro de 1969 mataram-me o Bessa, no posto de sentinela com um RPG7. Um descuido de fim de tarde.

Foi o 1º morto do meu grupo. Apanhei-o, carinhosamente, para um lençol… porra.

Bom domingo, meu caro camarada.

Um abraço,
Torcato Mendonça
______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou?

domingo, 19 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...


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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> 1968 > "Mariema ou Nalhu... A minha bajuda"... (TM)

Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.

Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, ou melhor, de uma primeira selecção de trinta e tal fotos. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 8 de Novembro de 2006 (1)

1. Caro Luís Graça:

Certamente não enviei a legenda das fotos e slides. Anexo agora, com chamada de atenção para a 6 e 24 [Mariema ou Nalhu]. Porquê, mudas, caladas? Pu-la (s) então a falar e vai noutro anexo. É o relato possível.

A Pedra tem significado para aquelas gentes.

Ontem era uma simples mensagem (2). Por vezes uso frases de que gosto. Geralmente faço breve referência – frase copiada, plagiada, etc. Não digo de quem são. Parece-me que posso ser entendido como snobe ou coisa pior. Tantas Vidas é de um blogue[, do nosso camarada Virgínio Briote]. Prazeres da memória é uma frase da Margarite Yourcenar.

Um abraço,

2. Fotos Falantes (7): Mariema ou Nalhu...

A 24 ficou muda! Eu, catchurri di dus pés – cachorro de dois pés - me confesso. Não é necessário dizer tudo, mas a foto 24 merece falar.

Tabanca de Mansambo, num fim de tarde. Em primeiro plano, a Pedra. Estávamos na zona do chefe de tabanca, Leonardo Baldé. Homem Grande e antigo empregado, ele e a mulher, no Palácio do Governador.

Meditando, encostada a um suporte do telheiro a Mariema ou Nalhu. Era uma fula de menos de vinte anos. Olhar meigo, sorriso pronto, mama firme. Era a minha bajuda. Minha é termo forte demais. Não temos dono e ela também não. Lavava-me a roupa e tínhamos uma boa amizade.
Creio que veio do Xitole. Seguiu a tropa e, em Bambadinca, a conselho do Lali, veio até Mansambo. Tinha a sua história. Metia um encontro, na sua tabanca, com combatentes do PAIGC. Daí a sua fuga. Verdade? Talvez.

Em Mansambo tornou-se lavadeira dos militares. Tratava-me da roupa, de outras coisas, era pessoa de minha confiança. Nalguns fins de tarde, ou à noite, conversávamos. Ia-me contando muito do que eu queria saber. Jogaria com um pau de dois bicos? Creio que não.

Nas minhas ausências tratava da roupa de outros. Quando eu ia para operações ficava a olhar. Na chegada aí estava ela ao longe. Acenava e sorria. Um dia disse-me: - Quando tu vai no mato não como.

Conversas e daí… talvez não. Nunca procurei saber. Estava interessado no que ela me contava e não só.

Ofereceu-me um ronco com mesinho para colocar na cintura. Eu já tinha um para a cintura e um outro para usar ao pescoço. Ainda os tenho. O fio com caixa é mandinga. Veio da zona de Fá no inicio da comissão. Foi e é o meu amuleto. Anda sempre no meu saco, metido num pequeno saco plástico. O desgaste provocado pela idade não perdoa. Os outros e o velho cinturão, estão guardados algures.

Quando ia a Bafatá comprava roupa e bujigangas para a Mariema. Nada de especial. Antes de sair de Mansambo no fim da comissão, ela tinha-se ido embora.

Voltei a ter notícias dela, talvez entre 70 e 72. Um furriel meu amigo falou com ela. Depois esfumou-se…

Que sejas ou tenhas sido feliz, Mariema!

3. Comentário de L.G.:

Há um toque de delicadeza, humanidade e até poesia nas tuas palavras... Mesmo lá no cu do mundo, em Mansambo, um clareira no mato, era possível estalecer uma relação humana positiva, afável e até cúmplice, entre pessoas que estavam nos antípodas, desempenhando papéis (sociais) muito diferentes, não raro antagónicos: alferes / lavadeiro, tuga / nharro, homem / mulher... Também eu, às vezes, me interrogo sobre a dura, difícil, senão mesmo trágica, condição da mulher africana, de ontem e de hoje... A evocação da Mariema trouxe-me à lembranças as doces, alegres, esquivas submissas fulas (e mandingas) com que convivi/convivemos em Contuboel e em Bambadinca... Não vejo mal em que uses o adjectivo possessivo... Afinal, todo o mundo tinha a sua bajuda...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Julho de 1969 > O pelotão do Alf Mil Torcato Mendonça (na foto, à esquerda), pertencente à CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esteve aqui em reforço da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70).

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça , de eperfil, em segundo plano, à conversa com os Alf Mil Rui Felício, à esquerda, e Jorge Rijo, à direita, de cigarro na mão. Estes dois úlimos oficiais pertenciam à CCAÇ 2405.

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça e os homens do seu pelotão, todos já velhinhos, a pensar no regresso a casa.. (Em Outubro deixariam Mansambo)... Nesta última foto, à esquerda, reconhece-se o Alf Mil Rui Felício, de bigode, que pertencia à CCAÇ 2405.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

6. Galomaro > Julho de 1969

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira.

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Legenda do T. M.:


Talvez em Julho ou Agosto de 1969. O meu Grupo de Combate esteve lá em reforço à CCAÇ 2405. Era a Companhia do Cap Mil Jerónimo [e dos alferes Rui Felício, Victor David e Paulo Raposo, membros da nossa tertúlia]. Estivemos em Galomaro e Cansamba. Os Paras estavam em Bafatá [vd. carta geral da província e depois a carta de Bafatá] e faziam-se operações na zona – COP7.

Creio que nessa altura escoltei (para trazer as viaturas de volta) a CCAÇ 12 para Madina Xaquili [, a nordeste de Duas Fontes, vd. carta de Cansissé]. Aqui na foto só reconheço a minha malta. Talvez os da CAÇ 2405 se lembrem do meu grupo.

O Capitão Jerónimo foi buscar-me a Cansamba. Estava com o meu 5º ou 6º ataque de paludismo. Em Galomaro estava um médico (do COP 7?) e estive dois ou três dias num barracão, sempre com um africano - de dois que vieram comigo... São outras vidas...

Comentário do Paulo Raposo (depois de ver as fotos):

Nas tuas 3 fotos estão os Alferes Felício e Rijo e os Furriéis Esteves e Fereira, da minha CCAÇ 2405.
O Cmdt do Cop 7 era o Major Parquedista Pardal, que mora em Cascais. O nosso médico de Galomaro era o Carlos Pereira Alves, hoje cirurgião famoso e Director do Hospital dos Capuchos. São ambos da corda, são grande e bons amigos nossos (da família da CCAÇ 2405). O Jerónimo Cap 1000 - Miguel Novais Jerónimo -, mora em Lisboa, em Benfica, na Rua Cláudio Nunes. Está velhote. Foi operado à vista nos Capuchos, com a protecção do Carlos.

Comentário de L.G.:

Torcato, foi em Julho de 1969. Confirmei na história do BCAÇ 2852 (1968/70), Cap. II, pag. 90, bem como na História da Minha Unidade, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

As coisas andavam bravas lá para aqueles lados (vd. carta de Duas Fontes ou Bangácia, nome do sede do posto administrativo que, com a guerra, terá perdido importância, em detrimento de Galomaro): Na madrugada de 30 de Julho de 1969, eu estava em Candamã, ainda as armas dos defensores da tabanca fumegavam ... Eis o filme desse mês (só registo a actividade da guerrilha que, haveríamos de saber mais tarde, era comandada pelo Mamadu Indjai, na zona de acção da tua CART 2339, Mansambo):

(i) No dia 1 de Julho, às 20h00, um Grupo IN , estimado em 30 elementos, flagelou à distância o destacamento de Dulombi [, a sudeste de Galomaro / Duas Fontes]... durante duas horas (!). Os  "camaradas" do PAIGC utilizaram Mort 60, LGFog , Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas. Causaram 1 morto e 7 feridos, todos civis. Retiraram na direcção Norte...

(2) Em 10, um outro grupo IN (não se sabe quantos) emboscaram um grupo de 4 civis de Dulombi, a partir de uma árvore, em Paiai Numba [, a sul de Padada, vd. carta da Padada]. Só dois dos civis consequiram regressar a Dulombi, para contar o sucedido...

(3) Quatro dias depois, a 14, por volta das 16h05, um bigrupo (cerca de 60 elementos) - que presumivelmente se dirigia a Dulombi - reagiu a uma emboscada nossa em (PADADA 2E4), com Mort 60, LGFog e armas automáticas durante cerca de 35 minutos... Antes de retirar para Sudoeste, o IN causa às NT 1 morto, 2 feridos graves (1 civil), 3 feridos ligeiros, além de danos materiais num rádio CHP (de mal o menos)...

(4) No dia seguinte, às 20h00, um grupo IN (estimado em cerca de 40 elementos) atacou as tabancas de Cansamba e Madina Alage, durante 60 minutos, com Mort 60, LFog e armas automáticas mas, desta vez, felizmente, sem consequências... O IN retirou na direcção da tabanca de Samba Arabe, levando consigo um elemento da população...

(5) A 20, pelas 20h00, tocou de novo a vez a Cansamba, flagelada por um grupo de 30 guerrilheiros, durante 20 minutos, sem consequências... Retirou na mesma direcção (Samba Arabe)...

(6)A 24, às 00h45, é atacado o destacamento de Dulombi, da direcção SSW. O IN, estimado, em 60 elementos, utiliza LGFog e armas automáticas.

(7) Nesse mesmo dia, às 17h20, o aquartelamento de Mansambo é flagelado, a grande distância, com Mort 82, a partir da direcção sudoeste. Sem consequências. Na outra ponta do Sector L1, o Xime é flagelado, às 19h45 por canhão s/r.

(8) Meia hora depois, a sul de Madina Xaquili, a cerca de 1 Km, um grupo IN não estimado reagiu a forças da madeirense CCAÇ 2446 , causando 6 feridos ligeiros, entre os quais 2 milícias. Simultaneamente, este destacamento é flagelado à distância, com Mort 60 e LGFog. Há apenas danos numa viatura GMC. O IN retira na direcção de Padada. Três Grupos de Combate da CCAÇ 12 (na altura, ainda CCAÇ 2590) tiveram aqui, nesse dia, o seu baptismo de fogo... em farda nº 3 (!) (*)

(9) No dia seguinte, à 1h20, é atacado o destacamento de Quirafo, durante 3 horas (!), por um grupo estimado em mais de 100 elementos, que utilizam 3 Canhões s/r, 3 Mort 82, vários Mort 60, RPG 2 e 7, Metr Lig e outras armas automáticas... Felizmente, há apenas 1 ferido, mas as instalações do destacamento ficam praticamente destruídas, bem como os rádios DHS e AN/RC-9 e quatro G-3... O arame farpado fora cortado em vários pontos...

(10) A 26, há uma nova flagelação do Xime, às 17h45, da direcção Sul, com Canhão s/r e Mort 82. Durante 10 minutos. No Xime está a CART 2520, com menos dois pelotões (um destacado em Galomaro e outro - duas secçõas - na Ponte do Rio Udunduma).

(11) No dia seguinte, 27, às 16h50, Mansambo volta a ser flagelado, à distância, durante 10 minutos, com Mort 82. Sem consequências.

(12) Em 28, por volta das 22h30, o dcstacamento de Madina Xaquili vai conhecer o inferno: durante 1 hora e meia, é atacado de todas as direcções, por um grupo de cerca de 60 elementos, com Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas. Há dois feridos. (**)

(13) A 29, às 10 da manhã, um grupo IN reagiu, durante 10 minutos, a um patrulha nossa, a 200 metros a SW de Dulombi, que acabava de sair na sequência do rebentamento de uma mina A/C. O IN, que utilizou Mort 60, LGFog e armas automáticas, causou 2 feridos civis.

(14) A 30, às 18h00, Mansambo sofre nova flagelação à distância, da direcção SW. Durante 20 minutos, com Canhão s/r e Mort 82. Sem consequências.

(15) A fechar o mês (quente) de Setembro, é a vez da tabanca em audodefesa de Candamã [, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo, ] conhecer o inferno: a 30, às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas, causando um 1 ferido grave e 4 feridos feridos às NT e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil... Valeu o comportamento heróico dos homens - menos de um pelotão - de Mansambo! (****).

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Notas de L. G.:

(*) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

(...) "Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau](...)".

(**) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono de) Madina Xaquili

"Por outro lado, o 1º e o 2a Gr Comb seguiam para o sub-sector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

"A 28, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos, tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (hoje inoperacional) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP/Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

"Na reacção ao ataque, o apontador de mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

"A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7 [Bafatá] e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população" (...)

(***) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)


(...) "Ataque de duas horas a Candamã

"E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).

"Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.

"Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.

"Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

"Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2.

"Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].

"O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

"A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará" (...).

(****) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

sábado, 28 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira

Photobucket - Video and Image HostingGuiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > 1968 ou 1969> O Alf Mil Médico David Payne Pereira faz uma pequena cirgurgia a um militar da CART 2339, em condições precárias, à luz da vela... A qualidade da foto é fraca mas tem algum valor documental... (LG).

Foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (1) .

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

5 . Um médico e um amigo, o Dr. Payne (2)

Não se acomodava ao conforto de Bambadinca e ia visitar as Companhias [do Sector L1]. Aqui veio tratar da saúde do pessoal de Mansambo. Á luz de fraca lâmpada faz uma pequena cirurgia a um sobrolho de um militar.

Tive agora conhecimento do seu desaparecimento (3). Lastimo profundamente.

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

(2) Alferes Mil médico, da CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Era psiquiatra. Referido pelo Beja Santos no seu post de 24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P904: SPM 3778 ou estórias de Missirá (3): carta a Alcino Barbosa, com muita intranquilidade (Beja Santos)

(...) "Não sei se deva contar como foi a nossa retirada até Finete, para vir buscar reforços. Os soldados válidos ficaram a tomar conta dos feridos. Retirei com crianças, com uma granada em cada mão. Em Bambadinca, encontrei a solidariedade do costume, regressei a Finete com o médico, David Payne (já falecido) e com o Alferes Reis, o sapador (nunca se recompôs da guerra, aparece-me no meu trabalho de vez em quando, sofre da mania da perseguição) e no dia seguinte, após a vossa evacuação por helicóptero, regressei a Missirá. Era minha intenção escrever-te, e depois visitar-te no Hospital Militar" (...).

(3) Em 1999, o Dr. David Payne Pereira foi entrevistado para a revista do Instituto do Consumidor (nº 81, 1999). No respectivo sítio, na Net, está disponível em linha um dossiê sobre o stress, em que o nosso amigo Payne é citado como médico especialista em psiquiatria, "com 30 anos de experiência". Creio que, em Bambadinca, foi substituído pelo Dr. Saraiva (4)

(4) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

Há uma referência, nas minhas notas, ao médico da CCS do BCAÇ 2852 ("que teve vários, entre eles o David Payne Rodrigues Pereira, psiquiatra"). Na altura (Março de 1970)era o Alf Mil médico Saraiva (que reside em Vila Nova de Gaia, segundo preciosa informação do nosso camarada Humberto Reis):

(...) "Veio no helicóptero de reabastecimento com o Beja Santos, para prestar assistência médica aos casos mais graves de intoxicação (devido ao ataque de abelhas) e de desidratação... Acabou por ficar em terra uma vez o que o helicóptero, danificado, já não voltou... Deixou o Beja Santos no Xime e zarpou para Bissau...

"O Dr. Saraiva acabou por aguentar, de pé firme, o resto do dia e toda a noite e toda a manhã, acompanhando-nos na nossa extremamente penosa vaigem de regresso, até ao aquartelamento do Enxalé. Onde quer que ele esteja, daqui vai um abraço para ele. Era muito raro um médico ir para o mato. O mesmo acontecendo com os furriéis enfermeiros...

"O Zé Luís Vacas de Carvalho, que foi comandante, em Bambadinca, do Pelotão Daimler 2046, lembra-se bem dele: "Estivémos com ele`há 2 anos em Ferreira do Zêzere. Penso que é médico (ainda) em Gaia. Lembro-me uma vez que o Piça [, 2º sargento da CCAÇ 12,] entornou um jipe cheio de gaiatos e, como eu queria ir para medicina (5), estive a ajudá-lo a fazer curativos"...

(5) Referência a outros médicos no nosso blogue: vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingo Diaz, 1966/67)

Que eu saiba, temos até agora apenas dois médicos na nossa tertúlia: O Dr. Vitor Junqueira e o Dr. Sadibo Dabo....

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa







Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > Candamã > 1969 > O Alf Mil Torcato Mendonça e o seu Grupo de Combate em reforço do sistema de autodefesa da tabanca fula de Candamã, pertencente ao regulado do Corubal.

A população balanta e beafada do regulado estava sob controlo do PAIGC, desde o início da guerra, vivendo ao longo da margem direita do Rio Corubal. A população fula sobrevivia e resistia (mal) em meia dúzia de tabancas, pobres, em decadência, dispersas, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, nomeadamente depois da contra-ofensiva lançada pelo PAIGC como resposta à grande operação (1300 homens) que foi a Operação Lança Afiada (Março de 1969).

Neste tipo de aldeias, os tugas viviam em condições precárias, como as imagens documentam. Durante o dia, pouco ou nada havia para fazer... A caça era escassa e perigosa. A temperatura e a humidade do ar eram perigosas para o tuga... Vivia-se confinado ao espaço restrito da aldeia e do seu perímetro, demarcado por valas e toscos abrigos para a população, as milícias e os militares. A população local passava mal, não podendo afastar-se para longe para caçar, pescar ou lavrar os seus campos.

Para a própria tropa, havia dificuldades de abastecimento e a dieta alimentar era má. Em geral, os militares eram rendidos ao fim de quinze dias, regressando à sede da sua unidade (neste caso, Mansambo, sede da CART 2339). As tarefas de defesa monopolizavam praticamente todas as energias das NT. A coexistência com a população local era relativamente fácil mas superficial: havia sempre as barreiras étnicas, religiosas, culturais e linguísticas. As autoridades gentílicas eram gentis e hospitaleiras, mas poucos recursos para honrar a tradicional hospitalidade dos fulas.

Para os fulas, nós éramos vistos como aliados. Não éramos tropa ocupante, como acontecia nas tabancas balantas (Nhabijões ou Mero, por exemplo). Mas havia sempre tensão na nossa presença. As tabancas em autodefesa e com reforço das NT tornavam-se um alvo prioritário ou preferencial das acções da guerrilha. Era o círculo vicioso da guerra. Várias tabancas em autodefesa tornavam-se insustentáveis: lembro-me, logo no princípio da nossa comissão (CCAÇ 12), do caso de Moricanhe, Madina Xaquili... Entre ser milícia toda a vida, o jovem fula optava pela integração no exército dos tugas. Sempre dava mais prestígio e... patacão. Em último caso, havia a fuga para os países vizinhos, que eram um prolongamento do chão fula: Senegal, a norte; Guiné-Conacri, a leste e a sul...

Desgraçadamente, depois da independência, este homens que apostaram na aliança (político-militar) com os tugas (régulos, milícias, militares) pagaram uma pesada factura: em muitos casos, a perseguição, a prisão e até a própria vida... Pergunto-me: o que terá sido feito do jovem régulo [do Corubal]?

Observando as fotos do álbum do Torcato Mendonça, registo a nossa tremenda solidão, a existência de dois mundos que dificilmente conseguirão comunicar entre si, e, por fim, o voluntarismo de alguns de nós que, contra ventos e marés, ainda teimam em ser úteis aos guineenses ou, muito simplesmente, tentam cumprir a sua missão civilizadora... Uma escola é sempre uma iniciativa merecedora de aplauso... Mas não chega para justificar a tardia vocação civilizadora (no campo da saúde, da educação, do desenvolvimento...) que alguns de nós tinham a tentação (ou até a secreta esperança) de atribuir ao exército... Eis aqui, por exemplo, a escolinha que o Torcato ou alguém da sua CART 2339 se lembrou, em boa hora, em abrir... (LG).

Fotos: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.


Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (2)

4. Candamã, uma tabanca em autodefesa
Nesta tabanca vivia o Régulo António Bonco Baldé. Era uma pessoa fascinante. Foi empregado administrativo da Casa Gouveia, creio eu, ou da Ultramarina. Educado numa Missão Católica, conheceu, lá ou no emprego em Bissau, o Luís Cabral. Não me lembro.

Quando o pai faleceu, voltou ao seu Chão. Tempos depois, graduaram-no em Alferes de 2ª linha. Quando da visita de Américo Tomás, em 1968, recebeu espada e arreios de Oficial. Mas nunca teve tropa nem entrou na guerra. Ele lá sabia porquê. Sabíamos. Vestia como um Homem Grande Fula, comia na sua morança com as mãos, com os outros homens, e servido pelas suas esposas.

Acompanhei-o poucas vezes. Quando o convidava, comia com o talher. Falávamos longamente. Nunca direi o teor de algumas dessas conversas. Aprendi muito sobre os usos e costumes daqueles povos, sobre a Guerra e sobre a Vida.

Eu era um homem com 24/25 anos, o poder das armas, a deformação imposta por uma instrução dura, a convicção de que só a disciplina e o suor salvavam vidas, a dureza daquela guerra e o peso que quem comanda sente.

As autodefesas eram a forma de, concentrando melhor, defendermos aquela gente. Só que era doloroso para eles abandonarem os seus chãos. Para nós eram ordens e estas cumprem-se. Não fui incorrecto, uma vez, para o António Bonco. Ele compreendeu. Tanto assim que fiz um relatório, depois de relato dele, sobre a ida de muitos homens para a apanha da mancarra no Senegal. Era a exploração colonial daquela gente. Explorados na ida, durante o trabalho e no regresso. O câmbio do franco senegalês pelo peso guinéu era abjecto. Nós militares passávamos ao lado desse comércio…ou outras formas de escravidão.

Infelizmente, quase 40 anos depois temos os africanos em fuga.... e para onde? Saí das fotos falantes…mas África tem que ser discutida. Não é logicamente este o local, nem eu a pessoa indicada. Mas sou cidadão e não abdico a opinar. Estive lá.
_________

Notas de L.G.

(1) Segundo os meus registos, a CART 2339 passou a ter um pelotão (menos 1 secção) em Candamã, a partir de Junho de 1969, e uma secção em Afiá. Em Abril, tinha um pelotão em Afiá. As fprças da CART 2339 vão-se manter nestas duas tabancas em autodefesa, pelo menos até Outubro de 1969. Em 30 de Julho, Candamã irá sofrer um violentíssimo ataque. Recordo-me de ter chegado a Candamã, nessa madrugada, integrado numa força da CCAÇ 12: o cenário era o de um campo de batalha... Desolador. As forças da CART 2339 (1 pelotão) tinham-se portado heroicamente na defesa da tabanca (3).

(2) Vd. post de 5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

(3) Vd. post de:
29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Ataque de duas horas a Candamã
"E finalmente a 30 [de Julho], o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).
"Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.
"Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.
"Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.
"Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2."
"Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].
"O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.
"A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará" (...).
(...)

30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) (Luís Graça)

(...) O ataque a Candamã [, tabanca em autodefesa, atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de Julho, ] surgiu, de resto, na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada (...).

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu


Photobucket - Video and Image HostingGuiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1969 > "Chegada do Braimadicô. Veio de helicóptero de Bissau. Era um Quadro do PAIGC (Comandante e correio entre Conacri e a Frente Leste). Tive que assinar a papelada da entrega Vinha para servir de guia na operação Lança Afiada, pois tinha sido capturado na zona de Mina".

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved. Foto e texto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados.

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

As minhas imagens - Fotos da Guiné 1968/69 - 1ª Escolha (1)

São cerca de três dezenas de imagens com algumas notas ou singelas estórias. Farei outras escolhas posteriormente, digitalizo e envio. Entretanto talvez vá respondendo a alguns acontecimentos que leio no blogue.

Tenho cá uma sacola escolar que roubei talvez na zona do Fiofioli. Meti lá dentro propaganda nossa etc. Será para enviar um dia, se resolverem juntar material da nossa ida á guerra. Veio para cá, a servir de protecção numa mala minha em madeira entregue ao Andrade – Soldado do meu Grupo - que há muito estava apanhado. Lá dentro estavam garrafas de bebida, uísque, gim, vodka, livros, outras coisas com interesse mas… para não haver choque de tão diverso material, o bom do Andrade colocou frascos de champô vazios e outro material. Como perdeu as chaves dos dois cadeados e da fechadura só cá, na metrópole, foi aberta. Por arrombamento claro. Confesso que foi um espanto ver o conteúdo.

Ver breve legenda destas fotos.

Foto acima : Chegada do Braimadico.

Veio de helicóptero de Bissau. Como era um Quadro do PAIGC (Comandante e correio entre Conacri e a frente Leste) tive que assinar a papelada da entrega. Isso responsabilizava-nos por tudo o que viesse a acontecer-lhe. Teríamos que justificar em auto. Vinha para servir de guia na operação Lança Afiada, pois tinha sido capturado na zona de Mina.

Foi mal recebido pelo meu grupo. Pouco tempo antes tínhamos sofrido o primeiro morto (Soldado Bessa). Para evitar aborrecimentos foi para a zona das transmissões e perto do cripto. Não era o melhor local. Ficou ao cuidado de um soldado e da malta das transmissões. Boa gente.

O prisioneiro não comeu, bebeu ou falou. Parecia mudo ou desconhecer qualquer língua – português, crioulo, francês ou qualquer dialecto. Sabíamos quem era, que línguas falava. Não colaborar era com ele, por enquanto, claro. Quando fosse necessário, fá-lo-ia. Agora mudo e quedo estava melhor.

Iniciámos a Lança Afiada (2) e ele acompanhou-nos. Fui evacuado no 2º dia e regressei no 4º dia. Soube que se alimentava e pouco mais. Curiosamente, passado pouco tempo, cumprimentou-me em francês e saudou o meu regresso. Além de francês, falava português, crioulo e vários dialectos. Era do Norte, de etnia Bramame. Colaborou e bastante a partir daí. Levou-nos a uma arrecadação de material e não só. Falamos bastante, talvez demais porque, tempos depois Bissau fez perguntas sobre mim! A relação entre nós era boa. Eu queria ter determinados elementos, preciosos para nós além da curiosidade pessoal. Se ele fugisse ou era abatido por nós (apesar do futuro auto) ou era fuzilado pelos seus camaradas do PAIGC. Ambos o sabíamos. Por isso chegou a ter a minha arma na mão.

Se escrever sobre a Lança Afiada contarei… Terminada a operação um héli veio buscar o Braimadicô, como gostava de ser chamado. Assinei novos papéis, um singelo abraço e um cumprimento militar. Porque éramos militares, ele por convicção, eu por obrigação.

Fora o que acima referi nunca mais soube dele. Pensem o que terá acontecido!? Sei lá.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

(2) Sobre a Op Lança Afiada, vd. posts:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII: Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli (Luís) Graça)

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas (Luís Graça)

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli (Luís Graça)

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O terceiro e penúltimo Comandante da Companhia (Capitão Q. P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos, também conhecido por Pimbas.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852 em visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte (em cima) - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Por motivo de doença o terceiro Cmdt da Cart 2339 foi substituído, em Dezembro de 196, pelo quarto e último Comandante, o Capitão Q. P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão no Ultramar.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Material IN apreendido pelas NT.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > CART 2339 > 1968 > Um Capitão (Lima) e três Alferes periquitos em Fá. O Capitão Lima foi o segundodos quatros comandantes que a companhia teve.

Fotos e texto: © Torcato Mendonça (2006)

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (1)

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Fotos falantes (2)

Fotos do Alf Mil Cardoso, enviadas pelo Marques dos Santos (4 fotos) (Como o Cardoso aparece em algumas destas fotos, o autor não é, logicamente, ele. Certo é terem-me sido enviadas pelo Marques dos Santos. Vou enviar-lhe uma cópia do CD).

Um Capitão e três Alferes periquitos em Fá. Este Capitão (Lima) era o 2º comandante que tivemos. O primeiro (Cap Mil Meira de Carvalho), logo em Évora, devido a doença, teve que abandonar a Companhia. Aconteceu o mesmo a um Alferes.

A outra foto é já em Mansambo: material IN apreendido pelas NT.

O terceiro Comandante da Companhia (Capitão Q.P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos.

Trata-se de uma visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Isto porque, devido a doença o terceiro Cmdt da Cart 2339, foi substituído, em Dezembro de 1968 pelo quarto e último Comandante. Quanto a mim o verdadeiro Comandante [da nossa CART 2339], Capitão Q.P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão [no Ultramar]!).

Tenente-Coronel Pimentel Bastos

Falemos um pouco dele. Chegamos à Guiné em Janeiro de 68. Depois de breve estadia na Capital, mandaram-nos para o Leste. Fomos para Fá, como Companhia de intervenção do BART 1904, com sede em Bambadinca – Sector L1. O seu Comandante era o Tenente-Coronel Branco.

Fizemos o treino operacional no Xime, onde estava a Companhia 1746, comandada pelo Cap Mil Vaz. Um dos Alferes era o Madaíl (já falado aqui neste Blogue). Depois fomos à nossa vida. A primeira Operação foi destruir o Galo Corubal. Louvor à CART 2339 pelo Cmdt do BART 1904.

Talvez no último trimestre de 68, o Batalhão 1904 foi rendido pelo Batalhão 2852. Era seu Comandante o Tenente-coronel Pimentel Bastos.

A 2339 estava sedeada em Mansambo, empenhada na construção do aquartelamento, a fazer patrulhas e operações, a proteger as Tabancas da zona. Por isso passávamos muito pouco tempo em Bambadinca, Bafatá ou Nova Lamego. Só lá íamos para reabastecimentos, operações ou, a Bafatá, passar um dia, como prémio por algum ronco, correio ou compra de vacas no Sonaco.

Era uma vida, em Mansambo e nas tabancas, sem o mínimo de condições – alimentares, higiénicas, médicas ou outras - que nos proporcionassem o mínimo de conforto.

Bambadinca era uma maravilha para nós. Vivia-se lá um clima de tranquilidade e de bom convívio. Para isso contribuía o Comandante e vários militares. Como a segurança era boa, estavam lá as esposas do comandante, do médico e do tenente da Secretaria.

Estive várias vezes em Bambadinca, por um dia ou dois, no intervalo de colunas, operações ou similares. Verifiquei sempre o óptimo e descansado ambiente que se vivia no Bar/Messe de oficiais e no resto do quartel. Não tive curiosidade em conhecer a povoação, instalações dentro do quartel ou outras. As minhas viagens iam até a certos locais da tabanca, acompanhado do Lali, Sukel ou outro. Tanto assim que não me recordo da escola, menos da professora ou dos comerciantes.

A calma vivida era tão boa que quando as portas batiam eu fazia um movimento. Os do Batalhão sorriam. Nós não tínhamos portas e o som era parecido a uma saída de arma pesada, coisa desconhecida para a maioria deles. Até um dia, pois! (2) ...

Voltando ao Tenente-coronel Pimentel Bastos, além de ser pessoa faladora e de óptimo trato, tentava quer ele quer a esposa e mesmo outros militares proporcionar um ambiente agradável. Como militar não o julgo e espero não o fazer com ninguém. Ele e outros eram profissionais. Muitos não estavam preparados para aquela guerra, creio mesmo que para nenhuma. Eram militares para outros desígnios. Os milicianos, sargentos e oficiais eram iguais, muitos não estavam minimamente preparados. Mas esses não tinham que estar.

Naquele tempo, de 1968 até meados de 1969, viver em Bambadinca era bom, para quem fazia a guerra na Guiné. Isso gerou o laxismo da defesa, o não tratamento das informações e não se compreenderem certos sinais do IN. Gerou-se assim, um irreal clima de confiança. Eles não atacam Bambadinca. Mas atacaram e a defesa não estava acautelada. Houve uma resposta fraca, cenas que eram evitáveis. Comportamentos correctos e determinantes pela parte de alguns militares. Outros, não cumpriram! O major pode ter dado tiros para o ar... agora berrar pelo Pimbas? Creio que não.

Nós, em Mansambo, ouvimos o ataque e pensamos ser na Moricanhe. O rádio informou: ataque a Bambadinca e a ordem de irmos, no dia seguinte, ao Batalhão. Foi o Cmdt da 2339 e dois grupos de combate pois um ficava lá. Ficou esse Grupo em precárias condições (para ser leve) no pontão, semi-destruído na estrada para o Xime (Rio Udunduma, 3º Grupo de Combate do Marques dos Santos).

Estávamos na época das chuvas. Vivia-se em Bambadinca, se bem me lembro, um mau ambiente e uma certa desorientação. Regressámos a Mansambo preocupados quer com o nosso grupo que tinha ficado no pontão quer com o que se tinha passado.

Bambadinca nunca mais foi a mesma. Este ataque deixou marcas profundas. O bater das portas começou a ter outro significado. A carreira de certos militares profissionais ficou afectada. O Tenente-coronel Pimentel Bastos ficou com a sua carreira cortada. Regressou à Metrópole em 4 de Dezembro de 1969, no Uíge. Nós, os da 2339, vínhamos lá. Pela última vez, comandou-nos porque era o Comandante Militar das tropas embarcadas.

Não falo mais sobre o ataque ao Batalhão 2852. Para terminar digo que a Administração Colonial gostou ao que aconteceu aos militares. Talvez alguns militares também.

Um dos profissionais que estava no seu posto, melhor na sua cama, na noite do ataque, fez uma operação a meu lado na zona do Xime. Foi a 1ª em que o Malan Mané serviu de guia. Deu barraca porque o Malan se perdeu e nós estávamos detectados. Mas o dito Oficial profissional estava apavorado, desorientado e não sabia o que fazer. Na reunião antes da operação sabia quando, em frente dos alferes, berrou com o Cap Mil que comandava a Companhia do Xime. O Capitão Miliciano disse-lhe:
- Meu Major, eu sou Professor do Liceu.- Voltou a dizer-lho em reunião no mato quando, e bem, regressámos ao Xime.

O Tenente-coronel Pimentel Bastos, no dia que fez 50 ou 51 anos, foi numa operação com malta da 2339. Não fui com ele porque o paludismo foi mais forte. Á volta dele estavam quatro ou cinco militares do meu grupo, houve tiroteio e ele era mais um…! Deixou resolver a situação, por quem tinha que o fazer e a isso estava habituado. No regresso, em Mansambo, disse-me calmamente:
- Não era necessária tanta gente á minha volta.
- Não sei de nada, meu Comandante.- Sorrimos, claro. Ele ainda acrescentou:
- Os rapazes merecem uns dias fora disto, temos que falar.

Não era um guerreiro, era um militar igual a tantos. Nas horas mortas era poeta. Assinava PIMBAS (3).

A última vez que o vi foi em Lisboa, no desembarque a 10 de Dezembro de 1969.

Encontrei por acaso a esposa, D. Alzira, em Lisboa e soube que o marido estava bem.
Recordo a D. Alzira (confesso que já não me lembrava do nome, vi-o no blogue) e relato um episódio que se passou comigo. Antes digo que era uma Senhora com quem gostava de falar. Geralmente, enquanto aprontavam a coluna eu metia combustível no bar e falávamos. Certo dia cheguei a Bambadinca vindo das autodefesas. Tínhamos passado uma má, uma péssima temporada. Falta de comida e bebida, tabaco, correio, roupa. Felizmente tivemos a visita do General Spínola e, passados poucos dias, fomos rendidos.

Depois do duche, de vestir roupa limpa, de me desinfectar com uma boa dose de uísques, fui ao bar. Uma bebida fresca, comer uma sandes de fiambre era um luxo. Estava lá a esposa do Comandante. Cumprimentei-a, pedi os comes e bebes, olhei para as revistas que estavam em cima da mesa. Talvez a Flama e outras da época. Vi um homem com um fato de astronauta e a legenda, não recordo, falava do homem e da Lua. A D. Alzira disse-me:
- Está a ver, o homem já andou na Lua! - Calou-se talvez devido á cara que fiz.

Confesso que pensei:
- O clima apanhou-a ou bebi demais. -Ela acrescentou:
- Na metrópole viram em directo.- Aí tive pena dela:
- Passou-se…!

O militar do bar deu-me a bebida fresca, a comida, e safou-me.
- Olhe, na minha casa nem se deitaram. O meu alferes tem estado no mato? Veja aí nas revistas.

Claro que vi e li. Acabámos a rir e eu fui, depois de mais um copo, ler o meu correio.

Eram situações caricatas. Só quem lá esteve e as viveu compreende o que valia um cigarro, uma bebida gelada, uma meia – daí – garrafa de uisque e outras coisas tão simples. Além de – isso mesmo… – uma bajuda, mesmo que já tivesse na segunda volta dos cem mil. O isolamento era terrível.

Guerra estúpida a causar sofrimento a tantos. A defender interesses de minorias poderosas, a servir as políticas de uma mão cheia de loucos. Ontem e hoje, é igual. Passado tanto tempo sofre-se ainda na Guiné e no antigo Império. Sofrem hoje outros povos, vítimas de ditadores, loucos e detentores de novos impérios. Em cada dia que passa, fruto da recordação ora trazida, da notícia lida, ouvida ou vista, aumenta em mim a repulsa da resolução dos problemas pela força das armas.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postd e 26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue..."Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava "libertada"... Eu faria o mesmo, na minha terra...Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico:"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros". (...)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006)

(3) Vd. posts de:

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)