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quinta-feira, 3 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures entre Iemberém e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > 2 de Março de 2008 > Visita, da parte da manhã, ao Acampamanto (Baraca) Osvaldo Vieira... O típico tarrafe (ou mangal) da Guiné, que nos infernalizava a vida, em patrulhamentos junto aos cursos de água... Nas fotos pode ver-se um das escapatórias dos guerrilheiros, em caso de ataque... Havia também pirogas, camufladas, que permitiam também a fuga organizada...

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Cópia do Manual do Oficial Miliciano de que o A. Marques Lopes nos mandou uns excertos, como sugestão de leitura... natalícia. Edição do Ministério do Exército (!), Estado Maior do Exército, Rep Instrução... Não deixa de ser irónico: este manual do oficial miliciano foi um presente envenenado para muitos jovens portugueses que passaram pelo TO da Guiné e das outras frentes de guerra, com responsabilidades de comando de homens, mal preparados e mal equipados para uma guerra de contraguerrilha num meio - físico, simbólico e cultural - hostil para qualquer europeu... Basta só reparar num pormenor (hilariante) deste manual: o equipamento com que se partia inicialmente para o TO da Guiné (e antes disso Angola, e depois Moçambique) incluía o capacete de aço... Há, na nossa tertúlia, gente desse tempo... Mas também podíamos falar na total inadequação das nossas rações de combate, de grande parte do nosso armamento, etc. Tudo indica que este manual, editado em 1965, seja uma tradução, apressada e manhosa, de algum manual da infantaria americana da II Guerra Mundial... (LG)

Foto: ©
A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados


1. Texto enviado pelo A. Marques Lopes, com data de 11 de dezembro de 2007, como sugestão de leitura para a época natalícia...

Caros camaradas

Envio-vos o que vem no Manual do Oficial Miliciano, no seu 1.º Volume, Parte Geral, sobre o 'Combate na Selva'. Foi escrito em 1965 e foi-me dado quando estive no COM (Curso de Oficiais Milicianos) em 1966. Este texto vem nas páginas 300 a 331 desse volume. Dá para ler nas férias de Natal... A. Marques Lopes


CAPÍTULO VII > O COMBATE NA SELVA

146. A GUERRA NA SELVA

a) Considerações gerais:

O termo «selva» a que nos queremos referir é aquela zona de terreno com densa vegetação tropical, com arbustos, árvores acácias, trepadeiras e fetos gigantes que se estende desde as praias e desde as baixas regiões das montanhas até aos cumes.

A vegetação varia em densidade de acordo com a quantidade de luz de sol que penetra através do emaranhado dos ramos das árvores. Nos locais onde a vegetação é espessa, a progressão é excessivamente vagarosa e laboriosa; em muitos casos as colunas de tropas estarão em grande perigo de serem atacadas de flanco ou isoladas e cercadas, pois somente cortando o mato com enorme dificuldade se consegue abrir um caminho.

Cursos de água, quer correndo à superfície quer encaixados, gargantas apertadas e ravinas estreitas, aumentam dificuldades àquelas que a selva já por si apresenta. Em terrenos montanhosos, ribeiros que têm normalmente pequeno volume de água podem tornar-se torrentes perigosas dentro de uma hora, depois de uma chuva abundante.

O terreno é quente e húmido e caracterizado por mudanças bruscas. Num período de alguns minutos o tempo claro e quente pode tornar-se numa chuva torrencial. Com igual rapidez a chuva pode cessar e o sol, incidindo na massa espessa da vegetação, produzirá uma humidade relativa máxima.

A vida desenvolve-se num ambiente de calor e humidade. O perigo dos animais ferozes que existem na selva é em grande parte uma criação da imaginação. Os animais são bastante abundantes nuns lugares e raros noutros, mas mesmo quando são abundantes, só raramente são vistos pelo homem. Muitos animais têm medo natural do homem e o seu instinto de conservação obriga-os a manterem-se escondidos. As cobras pouco se vêem na selva, embora possam ser abundantes. As cobras venenosas, embora muitas vezes não representem uma ameaça fatal, implicam a necessidade de precauções especiais.

Nalgumas regiões, os crocodilos são uma ameaça e habitam nos pântanos, lagoas, rios e ainda nas praias próximas da foz dos rios.

A importância militar da vida animal reside no facto de o movimento rápido de animais e aves poder alertar os exploradores, indicando-lhes a presença do homem. A identificação apropriada das plantas e animais é de um valor incalculável para as unidades e indivíduos que tenham os seus abastecimentos cortados e estejam na dependência das plantas e aniais que possam apanhar para a sua alimentação. Contudo é tão difícil entrar dentro da distância de tiro dos animais da selva que é melhor não contar com a caça como meio de obter alimentos; os frutos carnudos e as plantas são mais fáceis de obter.

Na guerra, na selva, o soldado combate dois Inimigos: o homem e a natureza. O soldado deve ser instruído não só para combater na selva, mas para ser capaz de viver nela e de a aproveitar no combate. A selva é todavia bastante exigente.

Se um indivíduo não se adaptar às condições que ela impõe não será capaz de viver nela muito tempo, mesmo que não exista mimigo humano.

b) Factores característicos da selva:

(1) Visão limitada

A visão é limitadíssima, resultando daí um limitado campo de tiro e alvos que desaparecem rapidamente—aspectos que têm as seguintes consequências:

(a) O constante uso de vários tipos de armas portáteis (a espingarda, a baioneta, a pistola, a pistola-metralhadora, a granada e o lança-chamas) pelo que o combatente deve estar apto a manejar todas igualmente e no momento mais apropriado, devendo sobretudo ser intenso o treino de granada de mão, em virtude de seu notável emprego.

(b) Falta de apoio das armas pesadas e muitas vezes tam bém dos morteiros, devido à dificuldade de observação.

(c) Dificuldades de sinalização à vista, de qualquer tipo, e consequentemente necessidade de nos servirmos do telefone, telefonia sem fios e dos estafetas para fins de intercomunicação.

(d) Necessidade de tomar especiais precauções .contra a surpresa numa emboscada ou várias formas de assalto imprevisto. Quer no ataque, na defensiva, ou na marcha, para qualquer lado que se "caminhe, há flancos descobertos que se podem atingir por caminhos perfeitamente cobertos ou cuja aproximação pode ser obtida a coberto, sofrendo no entanto, como é óbvio, o inimigo as mesmas dificuldades.

(e) Facilidade de envolvimento e infiltração, com notável vantagem para o assaltante.

(f) Necessidade de limpeza dos terrenos próximos quando se ocupa uma posição defensiva no interior da selva com o inconveniente de denunciar a posição à observaçâo aérea inimiga.


(2) Informação pelo som

Ainda que a visão seja má podemos utilizar o ouvido. Consequentemente:

(a) Os homens devem ser treinados para a escuta Devem conhecer todos os ruídos normais da selva, para que possam ser postos em alerta por um som não usual ou pela ausência de ruído. Devem compreender que o silêncio raramente reina na selva e quando a quietude prevalece, deve ser em regra causado pelo receio, despertado pelo homem ou pelo vaguear das feras. O homem deve mover-se silenciosamente.

(b) Devem do mesmo modo, ser treinados para cuidarem dos seus ouvidos. Devem procurar desenvolver o seu poder de audição para tirarem partido dele, no mais alto grau.

(c) Para as sentinelas e patrulhas a protecção é grande- mente facilitada, pois podem permanecer estacionadas e escondidas. Quanto ao inimigo, se avança, move-se ruidosamente, através de pequenos arbustos, sendo a sua presença prontamente assinalada e denunciada; as veredas que possam existir deverão ser guardadas e atravessadas com pequenos arames, minas, armadilhas ou emboscadas, para evitar que o inimigo se sirva delas de modo a obter a aproximação silenciosa.

(d) Quando um homem, individualmente, tenha de se apro- ximar de outro, o assaltante, se avança, não deve rastejar porque agindo assim faz pelo menos mais barulho do que se fosse caminhando direito, e, o que é importante, perde de vista, porventura para sempre, o seu inimigo. Por outro lado, num ataque por uma força militar, em que a direcção geral é fácil de manter, a acção de rastejar é recomendável nos terrenos desen fiados e também porque a tendência do defensor na luta da selva é fazer fogo alto.

(e) E, não somente devemos fazer o maior uso dos nossos ouvidos, mas- devemos também procurar interferir ou reduzir a capacidade inimiga para ouvir e distinguir

(3) Mobilidade restrita

O movimento é difícil e é principalmente limitado às veadas. Por consequência:

(a) Homens e animais têm de marchar, a menos que me- lhores caminhos tenham sido abertos e completados por eles, ao longo de caminhos estreitos e sinuosos, frequentemente em coluna por um. Desta restrição, resulta a marcha ou em colunas multo longas ou em formações de um grande número de pequenas colunas.

No primeiro caso, duas exigências são feitas; primeira, uma severa disciplina de marcha pois que, como tudo o que se estende, resultará num interminável e desalinhado alongamento; a segunda, é que a reparação dos caminhos tem que ser executada em cada sector, à medida que for necessário; de outro modo as tropas da retaguarda encontrarão o caminho impraticável. No caso de numerosas colunas, como os caminhos são raramente paralelos e os impedimentos ao movimento são abundantes e severos, o estabelecimento de ligações laterais apresenta problemas espinhosos. Por esta razão, os altos com o fim de ajustar a marcha têm de ser feitos a horas estabelecidas e feitas correcções, calculadas com grande meticulosidade, para que não haja avanço nem atraso.

(b) Com tais restrições, os movimentos nocturnos são de uma dificuldade extraordinária. Devem raramente ser feitos, porque como principal razão para o seu uso na guerra em campo aberto, é essencialmente, o perigo dum ataque aéreo a tropas marchando de dia, esse perigo dificilmente existe na selva.

(c) Como as reservas quer na sustentação dum avanço ou retirada, quer para apoiar um ataque ou defesa, são incapazes de se moverem livremente de um lado para outro, têm usualmente, ao invés de serem concentratradas, de serem distribuídas em grupos, próximo dos vários núcleos de tropas em primeiro escalão, que elas tenham necessidade de apoiar. Este procedimento acarreta uma indesejável dispersão das forças.

(d) Como os caminhos, raramente têm uma direcção que convém e como correm, no caso de serem para animais para as águas mais próximas e no caso de serem para homens para as aldeias ou terrenos de cultura mais próximos, por toda a parte serpenteando para adear os obstáculos, torna-se difícil manter a direcção que se pretenda e a avaliação das distâncias per- corridas.

(e) A facilidade de movimento depende do vestuário usado. E se alguém tiver alguma dúvida acerca desta verdade, percorra 25 km em calções e botas altas e repita a aventura em «Shorts» e sapatos e compare o resultado.

(4) Dificuldade de Reabastecimento

O reabastecimento dum exército moderno numa floresta tropical é o mais difícil dos problemas.

Quando as colunas estejam distribuídas em profundidade, ao longo de caminhos estreitos não se pode prover ao reabastecimento regular e periódico de grupos numerosos tais como unidades inteiras. Em primeiro lugar, os mantimentos tinham de ser transportados à retaguarda das tropas combatentes, caso contrário interferiam no dispositivo e nos movimentos tácticos. Em segundo lugar, se a testa da co luna chegasse ao acampamento escolhido ao escurecer, como sucede muitas vezes, os escalões de abastecimento teriam ainda uma longa caminhada para chegar às tropas. Em terceiro lugar, o piso, excepto em períodos muito secos, estraga-se devido à marcha dos elementos que seguem na frente, dificultando assim o movimento dos elementos da retaguarda. Finalmente, quando a perspectiva da luta é eminente, é aconselhável cessar o transporta de mantimentos, construir um abrigo e montar-lhe uma guarda, operação que mais uma vez contribuiria para a perda de tempo. Ainda, quando uma força considerada esteja em movimento, não há a certeza se as rações chegarão muito tarde ou mesmo no dia seguinte. Por estas razões e porque uma grande parte do trabalho da floresta é feito por homens aos pares, ou em pequenos grupos, será normalmente necessário entregar as rações individualmente.

A água é o requisito mais importante; porque, apesar de abundar nas florestas é facilmente expelida do corpo humano, devido à alta temperatura e humidade, tendo que ser substituida para o soldado se conservar activo. Deve, portanto, haver muito cuidado. A água deve ser servida purificada ou fervida.

Altemadamente deve-se misturá-la com pastilhas esterilizadoras que são fáceis de se transportar.

A seguir, em ordem de importância vêm as munições e o seu transporte. Condensado e pesado é um fardo considerável, especialmente quando., o que é frequente, as tropas têm de ser empregadas no seu transporte. Para isso as munições devem ser empregadas com muita economia.

Finalmente, porque no caso de emergência o homem pode viver sem comer durante alguns dias, vêm os alimentos.

A dificuldade de fornecimento de abastecimento e a irregularidade da sua distribuição, sugere que o soldado deve ser encorajado a ser frugal e a viver como for possível em qualquer região.

No reabastecimento de alimentos e munições, e, particularmente, em tempo oportuno, no de armas de fogo e outros materiais, as forças aéreas podem prestar incalculáveis auxílios. Para facilitar o lançamento de tais abastecimentos as colunas têm usualmente que fazer consideráveis clareiras. No entanto, as tropas, no terreno, devem estar sempre prontas para cobrir falhas ocasionais, cultivando a sua capacidade para viver da região.

(5) Perigos para a saúde

A selva é insalubre, quente e húmida e é, nas estações das chuvas, umaq região de chuva torrencial. Está impestada de cobras, sanguessugas, aranhas, mosquitos e muitas outras espécies peçonhentas. É o inimigo número dois, e na verdade, para tropas inexperientes, é muitas vezes nais perigosa do que o homem, que é o inimigo número um.

Os médicos e os enfermeiros nem sempre podem estar presentes num lugar onde as tropas marcham e às vezes não existem comunicações. Portanto, se quisermos reduzir as pesadas baixas por motivo de doença, o soldado deve saber alguma coisa de higiene pessoal. Ele deverá compreender, principalmente, a necessidade do banho, se não for possível todo o corpo, pelo menos os sovacos, as articulações e os pés. Ê absolutamente necessário que o soldado considere isto tão importante como o treino militar. Quase tão necessário é a noção do uso de antídotos e o tratamento de mordeduras.

Outros pontos principais são: o uso de latrinas à prova de moscas e pulverização nos pântanos próximos com matérias desinfectantes, a limpeza completa dos recipientes de alimentação antes e depois das refeições, enterrar os restos das cozinhas e latas de conservas vazias e a construção de chuveiros improvisados.

(6) Dificuldade de observação aérea

As acções na selva estão ao abrigo da observação aérea, por conseguinte uma superior força aérea pode prestar relativamente pequeno apoio às tropas por acção directa.

Pelas considerações atrás escritas vê-se perfeitamente que a guerra na selva é intensamente individual. Muitas vezes o soldado tem de atacar ou defender-se contando só consigo. Muitas vezes caminha isolado e se se, perde é o próprio provisor, cozinheiro, médico, carregando ele próprio as munições.

Tudo isto se impõe o sacrifício de um grande número de horas de treino individual com o fim de os princípios fundamentais, por constante repetição, se tornarem hábitos.

147. O SERVIÇO NA SELVA

a) A instrução para o serviço na selva

(1) Condições físicas


Durante a instrução para as operações na selva, deve ser dada especial importância às condições físicas. Nos períodos finais da instrução todo o trabalho deve ser no campo. Devem-se realizar frequentemente marchas difíceis e os exercícios tácticos devem ter lugar nos piores terrenos.

(2) Aclimatação

Antes de entrar nas áreas de combate da selva, as tropas oriundas dos climas temperados devem ser submetidas a um período especial de instrução, que irá aumentando gradual- mente em rudeza e dificuldades, numa zona de selva de clima e terreno semelhantes àqueles onde futuramente vão combater. Para as tropas experimentadas, um período de quatro semanas é suficiente. Períodos mais longos resultam em cansaço e diminuição de eficiência.

Nos trabalhos, de início, a exposição ao calor deve ser progressiva. O homem aclimatado mostra-se alegre e executa o seu trabalho energicamente e sem esforço. Em contraste, o homem não aclimatado, trabalhando ao calor, torna-se estúpido e apático, executa o trabalho em más condições e pode manifestar, em vários graus, os sintomas e sinais de exaustaçâo pelo calor.

(3) Necessidade de água

Na selva, onde a humidade é elevada, o suor não evapora mas corre pela pele, por isso o arrefecimento é menos eficiente e as perdas de água são elevadas.

Quando a temperatura é elevada, um homem em descanso pode perder, pelo suor, cerca de melo litro de água por hora; se trabalhar, as suas perdas de água aumentarão na razão directa da quantidade de trabalho realizado. O pessoal que executa trabalhos pesados, como os Sapadores, homens marchando a pé, necessitam cerca de 10 litros de água por dia. Qualquer restrição de água abaixo do nível necessário para um homem resultará numa rápida perda de eficiência, redução nas possibilidades de trabalho e abaixamento de moral. Os melhores resultados obtêm-se tomando a água em pequenas quantidades sempre que haja sede.

(4) Necessidade de sal

Em todas as circunstâncias, a perda pelo suor de um grande volume de água é associada a uma perda de sal. A quantidade de sal ingerido com a comida normal é o suficiente para restabelecer e recompletar o perdido, quando o total da água ingerida é inferior a 5 litros por dia. Acima desta quantidade é necessário adicionar sal, e a melhor forma de o ingerir é em solução na água que se bebe. Ë absolutamente necessário que se tome sal nos primeiros dias de exposição ao calor, uma vez que as perdas de sal são então maiores que depois da aclimatação.

Não é recomendável o consumo de tabletes ou comprimidos de sal sem serem dissolvidos em água.

(5) Insolação, exaustação e cãibras

As tropas em instrução ou em operações nos climas quentes podem sofrer efeitos de doenças devido à exposição a altas temperaturas. Este facto aumentará se houver, também, grande humidade. Três estados bem definidos se podem apresentar e que devem ser conhecidos de todos. São eles: a insolação, a exaustaçâo e as cãibras. As causas e os métodos de evitar estas doenças são semelhantes. Contudo produzem sinais distintos, e qualquer deve ser capaz de reconhecer imediatamente, por forma a ministrar os cuidados e atenções necessárias às vitimas:

— Insolação

Este estado, muitas vezes, aparece repentinamente. Dá dores de cabeça, tonturas, muitas vezes com náuseas e vómitos, dando então colapso, delírio e inconsciência. O primeiro sinal pode ser o colapso. É importante lembrar que a pele estará quente e seca. É devido a este facto que na insolação a temperatura sobe bastante (41 "C ou superior).

Tratamento de emergência: Fazer baixar rapidamente a temperatura do paciente. Quando no campo, não esperar por tratamento médico ou por ambulância, mas tirar imediatamente a roupa do paciente, excepto os calções, e, quanto possível, espargir o corpo com água. Ter alguns ajudantes friccionando energicamente os braços, pernas e tronco para aumentar a circulação do sangue na pele, enquanto outros o vão abanando (arejando) continuamente, a fim de aumentar a velocidade de evaporação da água e o seu correspondente efeito de refrigeração. Os cuidados médicos devem ser assegurados logo que possível e o paciente deve ser hospitalizado. Contudo, as medidas de arrefecimento do corpo devem continuar durante a transferência do paciente para o hospital.

— Exaustação

Este estado manifesta-se por dores de cabeça, adormecimento, extrema fraqueza, tonturas e incapacidade para andar. Poderá também ter cãibras. É importante lembrar que na exaustação a pele está húmida, fria e viscosa. Apesar de este estado se verificar com frequência, a percentagem de mortes é baixa.

Tratamento de emergência: Colocar o paciente num lugar fresco, onde possa descansar e tomar grandes quantidades de água salgada. Isto, normalmente, bastará para a recuperação. Contudo, não se deve tentar a sorte, mas sim assegurar os cuidados médicos ou hospitalizar o paciente.

— Cãibras

As cãibras são manifestadas por espasmos dolorosos dos músculos, com mais frequência nas pernas, braços e parede intestinal. Variam de simples aborrecimentos a severa e completa incapacidade.

Tratamento de emergência: Estes sintomas são directamente devidos à perda de sal do corpo. Desaparecem quando a perda do sal é recuperada. O tratamento consiste em beber livremente água salgada. Os casos graves devem ser hospitalizados e possivelmente tratados com Injecções de solução de sal, intravenosas.

(6) Instrução mental e psicológica

Os efeitos psicológicos da selva só podem ser totalmente vencidos pela experiência, se bem que as palestras sobre moral também sejam vantajosas. A instrução em áreas da selva é o melhor meio para os vencer. No combate da selva, como aliás em toda a espécie de combate, o treino mental e psicológico, a fim de acostumar a mente dos homens aos rigores do campo de batalha, é essencial. Exercícios de fogos reais, de explosivos, tiro por cima das nossas tropas e outros exercícios tendentes a darem a ideia real do campo da batalha, são de grande importância, porque a própria selva, só por si, é mais uma dificuldade a juntar às das outras áreas de combate.

b) Necessidades do serviço na selva

(1) Disciplina

Para o sucesso das operações na selva é absolutamente essencial um invulgar estado de disciplina—disciplina mental, disciplina de camuflagem, disciplina de fogo, disciplina de marcha, disciplina de luz. Todas as fases do combate devem ser norteadas por um estrito senso dos efeitos que uma acção individual possa ter na acção do conjunto. A disciplina, em todas as suas formas, deve ser inculcada na mente de todos, de forma que não só cada um se conduza convenientemente, como também saiba que os outros homens da unidade farão o mesmo sob as mesmas condições de incerteza e desânimo. Na selva, em todas as fases do combate, é essencial que os comandantes das unidades tenham uma grande noção da disciplina.

(2) Desconfiança

O combatente na selva deve desconfiar de tudo. O grau de ocultação que a selva oferece requer vagarosa e cuidada pesquisa do inimigo. Os elementos destacados em missão de segurança devem pesquisar todos os lugares de possível ocuitacão, a fim de evitar ultrapassar qualquer grupo de inimigos, que os poderão atacar de flanco ou pela retaguarda. Há sempre a possibilidade de observadores Inimigos estarem abrigados nas proximidades para descobrirem e relatarem os preparativos da nossa próxima operação. É preferível, pois, pensar que o inimigo está sempre próximo, observando e escutando. Na selva, a visibilidade limitada facilita a táctica da surpresa; uma surpresa engenhosa pode frequentemente permitir que uma pequena unidade vença outra de maior efectivo. Podem aplicar-se estratagemas de várias espécies. Demonstrações de força numa área, enquanto se ataca noutra; emboscadas e infiltrações para atacar postos de comando, postos de reabastecimentos ou comunicações; largo uso de atiradores especiais são formas de tácticas de surpresa que flagelam o inimigo e que se adaptam bem aos terrenos da selva. B preciso não esquecer que o inimigo também utiliza estratagemas e devemos estar prevenidos para não cairmos vitimas da surpresa.

(3) Paciência

Um dos principais requisitos das operações na selva é o segredo. Os movimentos furtivos requerem paciência. Da mesma forma é preciso paciência para deter os movimentos furtivos do inimigo. A paciência, embora não seja característica de todos os homens, pode ser aprendida e desenvolvida com a prática. E essencial no sucesso das operações na selva.

(4) Vedetas e patrulhas

As pequenas patrulhas de atiradores, quando bem treinadas, poderão mover-se através da selva, evitar os postos avançados nimigos, deslizar através das defesas inimigas e penetrar nas áreaa inimigas da retaguarda. Tais patrulhas, muitas vezes, constituem um dos mais importantes meios à disposição do comando para obter informações do inimigo.

A instrução especial dos elementos de tais patrulhas deve incluir grande número de conhecimentos sobre a selva, treino de ocultação, movimento, observação, conhecimentos característicos e hábitos do inimigo e ainda identificação das armas pelo som.

(5) Arte de comandar

As privações das operações da selva reclamam um bom comando. As dificuldades de controle obrigam a uma descentralização que resulta num importante aumento de acções elementares. Assim, os oficiais subalternos e os sargentos devem possuir extraordinária Iniciativa, bravura e decisão. Um importante objectivo da instrução é o desenvolvimento da confiança própria em todos os indivíduos.

c) Armamento, fardamento e equipamento

(1) Armamento

O armamento tem muitas vezes de- ser reduzido, tal como as munições, ao que possa ser transportado pelas próprias tropás ou nos limitados transportes capazes de as acompanharem. Isto, frequentemente, reduz o número de armas de apoio, requer que os planos tácticos sejam baseados fundamentalmente no uso de armas que possam ser transportadas à mão, que se não utilizem muitas munições e que estas não sejam muito pesadas. As ordens referentes à quantidade de munições, espécie de munições e armas que devem ser transportadas são decisões do comando, depois de cuidadosas considerações sobre as dificuldades de transporte e dos tipos de armas necessárias para cumprir a missão.

As armas mais convenientes para serem usadas na guerra da selva, onde a observação e o campo de tiro são muito limitados, são armas de curto alcance, de fácil remuniciamento e fácil transporte sobre terreno difícil. As armas que reúnem melhores condições são a espingarda, a baioneta, a espingarda-metralhadora, a pistola-metralhadora, a carabina, granadas de mão e de espingarda, a catana e a faca de mato.

Metralhadoras ligeiras, metralhadoras pesadas, os morteiros ligeiros e médios são armas menos manobráveis, menos convenientes para o emprego momentâneo e necessitam de munições mais difíceis de transportar; contudo, são de muito valor e podem ser transportadas em pequenos carros ou às costas dos homens. Os morteiros de 60 e 81 transportam-se mais facilmente e a sua eficiência na guerra da selva é igual à dos modelos mais pesados. Os lança-foguetes, utilizando munições carregadas com explosivos ou fósforo branco, são esplêndidas armas contra tropas abrigadas, em cavernas ou contra posições defensivas bem construídas; os lança-chamas são também eficientes contra tais posições.

(2) Fardamento e equipamento

Na selva, cada artigo de fardamento e equipamento deve ser considerado em função da sua necessidade e utilidade. A leveza é fundamental devido às dificuldades de transporte. Devem fazer-se todos os esforços para reduzir ao mínimo o equipamento, mas deve haver o máximo cuidado em não omitir equipamento essencial.

O fardamento justo e apertado não é conveniente pois torna-se quente e reduz os movimentos.
O calçado com sola, fornecido para a campanha, satisfaz em geral.

O capacete de aço pode ser facilmente camuflado, usando folhas e ramos que se seguram com a rede de camuflagem do capacete.

(Continua)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2535: PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX Parte): Defesa anti-aérea (A. Marques Lopes)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: A antiaérea que era pressuposto proteger o pessoal contra eventuais ataques ... dos Migs russos da República da Guiné-Conacri. Um dos objectivos (falhados) da Op Mar Verde - que consistiu na invasão do país vizinho, em 22 de Novembro de 1970 - foi justamente a tentativa de destruição dos Migs soviéticos, estacionados no território da Guiné-Conacri, cuja hipótese de utilização, a pedido do PAIGC, era terá sido seriamente ponderada por Spínola e o seu Estado Maior.

Foto gentilmente cedida pelo António Almeida, o intérpetre do Hino de Gandembel, soldado da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69) (1).

Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 > Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, por ocasião da visita do Presidente da República, Alm Américo Tomás > Metralhadoras pesadas Degtyarev, de origem soviética, em reparos de utilização terrestre e antiaérea (2).


Foto: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados .




Continuação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado, de que nos foi enviada uma cópia, em 18 de Setembro de 2007 pelo nosso camarada A. Marques Lopes (qie acrescenta, à margem, a seguinte nota sibilina: Quando eles ainda não tinham os Strella...) (3)


PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX) >

(G). DEFESA ANTI-AÉREA


(1) De documentos capturados foram extraídos os seguintes elementos relativos a defesa anti-aérea:


CONHECIMENTO DA DEFESA ANTI-AÉREA


I – As funções dos aviões de combate



1.º Fazer reconhecimentos pelo ar, uer observando a baixa altitude quer fotografando a alta altitude.

2.º Transportar tropas e materiais.

3.º Lançar espiões.

4.º Atacar de surpresa os objectivos principais.


II – As fraquezas dos aviões


1.º O avião é muito influenciado pelas condições meteorológicas e limitado pelo aeredino e pela gasolina.

2.º Para o avião é muito difícil encontrar os objectivos dissimulados ou camuflados no chão.

3.º O avião não pode ocupar os objectivos terrestres pois somente a infantaria pode resolver o combate terrestre.

4.º Se os destacamentos efectuam movimentos e dispersam, o avião não pode desenvolver plenamente as suas funções.

5.º Se conhecermos as fraquezas e as funções dos aviões podemos evitar as suas qualidades e aproveitar as suas fraquezas. Portanto, os aviões não são omnipotentes nem medonhos. As experiências revolucionárias provaram que, embora o inimigo seja forte, o seu equipamentyo excelente e as sua armas potentes, podem-se inventar muitos meios bons para vencer os aviões inimigos.


III – Como se distinguem os diferentes aviões


Distinguimos o avião para conhecer as suas capacidades e as suas tarefas, para julgar as suas intenções e tomar as medidas convenientes.

1.º As categorias dos aviões segundo a as utilização são as seguintes:

- aviões de combate

- aviões de bombardeamento

- aviões de transporte

- aviões de reconhecimento


2.º Os aviões distinguem-se segundo as suas formas e características.

- Os aviões de combate são de forma pequena e velocidade grande. Andam 300 metros por segundo.

- Os aviões de bombardeamento são de forma grande e velocidade equena; o barulho é grande e os motores são numerosos.

- O avião de reconhecimento é de forma estreita e longa e a velocidade é pequena, o barulho é lento e pode voar a grande altitude.

- O avião de transporte é de forma grande e velocidade pequena – máximo 450 Kms por hora, 125 metros por segundo.


IV – Como se organiza a defesa anti-aérea


Organizar de uma maneira planificada as diferentes armas para abater o avião e os paraquedistas do inimigo, agora vai-se estudar como se deve atirar sobre o avião e os parquedistas com as espingardas e as metralhadoras ligeiras e pesadas.

- O tiro sobre o avião

As condições de espingarda e metralhadoras para atirar no ar são vantajosas por serem fáceis de manejar. Podem-se apontar e atirar rapidamente e o tiro com elas pode formar uma rede de fogo.

- O tempo de começo de tiro

Quando o avião entra no alcance eficaz das nossas armas pode-se começar a atirar. Para atirar sobre o helicóptero do inimigo instalam-se as tropas numa região onde o helicóptero pode aterrar e desde que ele toca a terra é preciso concentrar o fogo para atirar vivamente sobre ele antes que os paraquedistas desçam dele.

Pode-se também organizar e instalar grupos de tiro nas proximidades onde o inimigo pode provavelmente passar e quando o helicóptero passar atirar-lhe de surpresa.

Como se atira sobre o avião inimigo:

- Se o avião se encontra a uma distância de 500 metros marca-se a alça n.º 3;

- Se o avião se encontra à distância de 100 metros vê-se clramente a cabeça e a face do aviador; a 600 metros vê-se claramente a fuselagem do avião, a frente e as asas do avião; a 1200 metros pode-se ver o contorno do avião não se podendo distinguir as diferentes partes;

- Se não se faz o cálculo do alcance do avião escapa-se a posição; para que seja atingido de modo certo calcula-se o alcance do avanço em relação à posição A e quando o avião chega à posição B choca-se com a bala.





Para se saber esta distância há que conhecer duas condições:

- a velocidade do avião;

- o tempo de duraçãoda trajectória, isto é, em quantos segundos a bala percorre a distância da arma ao alvo.

Se o tempo de duração for de 0,5 segundos e a velocidade do avião 100 metros por segundo teremos: o alcance de avanço = 0,5 x 100 metros. Se o avião se encontra em A, aumenta-se 50 metros à frente do avião e o projéctil ai encontrar-se com o avião na posição B.


A direcção da trajectória = correcção da alça + N a multiplicar por duas vezes o menos alcance a dividir por 100.


Velocidade inicial / Algarismo a adicionar

750 m/s .................................... 14

800 m/s .................................... 12

850 m/s .................................... 20


A velocidade inicial da espingarda automática é geralmente 750 m/s; a da espingarda de repetição é geralmente de 800 m/s e da metralhadora ligeira é geralmente de 850 m/s.




(2) Organização defensiva (anti-aérea) de CASSEBECHE

(a) Resumo da Evolução


- Em 06OUT67, estavam referenciados em CASSEBECHE 3 espaldões para metralhadora anti-aérea, localizados nas posições 21,24 e 27 (Ver pág. 82).


- Em 24JAN68, existiam espaldões nas posições 1,2,3 e 4 (este com a forma circular) a oeste e, pelo menos, as posições 21, 24, 25 e 27 a leste, emboa algumas com aspecto desactivado.

- Em 09MAR69, quando da operação VULCANO, existiam espaldões nas posições 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste, todas desactivadas, e possivelmente três posições para atiradores em 6.

A leste encontravam-se activadas 12 das posições 21,24,25,29,32,34,37,40,48,52 e 55, sendo a posição 37 a da metralhadora quádrupla.

No decorrer da operação, e bem assim na actividade aérea subsequente, foram destruídas ou danificadas as armas instaladas em cinco das posições, deixando o IN de reagir com as restantes, que desmontou.

Verifica-se, assim, que entre 24JAN68 e 09MAR69 o IN modificou o espaldão da posição 4 que passou a ser do tipo “espiral” permitindo montagem da metralhadora quádrupla; construiu as posições 5 a 10 a oeste e cerca de oito outras posições a leste.

- Em 30OUT69 foram identificados os seguintes espaldões: 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste (a posição 5 com três posições de atiradores) e os espaldões 17,19,20,21,22,23,24,25,27,28,31,32,34,35,37,39,40,41,44,46,48,51,52,53 e 55.

Parece notar-se a realização de trabalhos de beneficiação de quase todas as posições 21,24,28,48,37,44 e 51.

Em data relativamente próxima deviam ter-se iniciado trabalhos de beneficiação na posição 25.

- Em 16DEZ69, não se notaram ainda trabalhos de protecção dos espaldões das armas anti-aéreas nas posições 30, 33 e 38, notando-se já a posição 28 e possivelmente a 47

- Em 10 e 11JAN70, reconhecimento fotográfico e fotográfico/visual revelaram:

(i) recente construção de uma trincheira – 11,12 a 15 – com posições para atirador isolado e, provavelmente, duas posições de armas pesadas destinadas a tiro rasante, 13 e 14, e a construção de uma trincheira de combate de traçado irregular, 16; salienta-se que estas trincheiras se situavam de forma a evitar qualquer aproximação pelas direcções por onde foi tentada a das tropas pára-quedistas em MAR69;

(ii) a construção de mais um espaldão de metralahdora anti-aérea, 42;

(iii) a construção de posições defensivas avançadas para protecção dos espaldões; posições 26, 28, 30, 33, 36, 38, 43, 47 e 54 (admite-se como possível que as posições 28 e 47 já estivessem iniciadas em 10DEZ69;

(iv) a realização nítida de trabalhos de beneficiação dos espaldões 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 46, 48, 52, 53 e 55.

(v) Salienta-se que nos espaldões 24, 25, 34, 48 e 53 os trabalhos de beneficiação pareciam ser apenas nos espaldões e não no poço e trincheira para a instalação de armas e guarnições respectivas.

(vi) Destacava-se, ainda, a ausência de trabalhos de beneficiação nos espaldões 21, 27, 44 e 51.

(vii) Não foi possível concluir da existência de trabalhos de beneficiação nas posições 1 a 10.

(viii) A ligação entre a trincheira de comunicação 15 e a trincheira de combate 16 não estava ainda concluída.


(b) Procedimentos assinalados



- A partir da acção de pára-quedistas em MAR69 e dos ataques aéreos subsequentes verificou-se um desembaraçamento dos campos de tiro, realizado à custa de abate de árvores e palmeiras.

- Verificava-se o extremo cuidado posto na camuflagem das posições à medida que se processava a sua construção, sendo os espaldões das posições de anti-aérea camuflados com ramos de palmeira colocados radialmente e as trincheiras e posições de combate para atiradores de armas ligeiras camufladas com tufos de capim que dão um aspecto “mosqueado” às posições.

- A falha mais assinalável era a falta de camuflagem das áreas onde foi feita remoção de terras, nomeadamente no interior das trincheiras e poços e na área adjacente aos espaldões de metralhadora anti-aérea.

- Após a concluisão dos trabalhos procedeu-se à instalação do armamento pesado, havendo que distinguir dois tipos de espaldões, provavelmente destinados a tipos diferentes de armamento.


Espaldões tipo “espiral”

Têm parede dupla e admite-se que se destinam a receber material cujo reparo seja susceptível de ser montado sobre rodado, sendo de admitir que se destinem a metralhadoras quádruplas.


Espaldões circulares


Têm paredes simples, com uma pequena entrada – 19 – apresentando no centro um poço ligado a uma trincheira em forma de “T”.

Admite-se que um dos ramos do “T” possa vir a ser coberto, ficando com a forma de “L”, como nas posições mais antigas – 23 -, servindo o ramo coberto para a guarnição se abrigar.

Estes espaldões admite-se que possam vir a receber apenas metralhadoras com um raparo relativamente pequeno, e portanto metralhadoras simples, no máximo duplas.

Estão neste caso as posições 1, 2, 3, 5, 7, 9, 17, 20, 21, 23, 25, 27, 34, 35, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 48 e 55.


Espaldões de outro tipo


Com contorno exterior diferentes aparecem-nos os espaldões 29 e 53.

Verificou-se o crescimento da organização defensiva com vista à instalação de armas ligeiras, caso das trincheiras, posições avançadas, etc., podendo-se admitir que o In visou estabelecer uma organização defensiva anti-aérea e terrestre sendo, neste caso, os espaldões circulares destinados também à instalação de armas de tiro curto.


(c) Possibilidades de tiro


A forma como os espaldões estavam construídos faz supor que as posições dotadas com armas antia-aéreas dificilmente poderiam ser utilizadas em tiro terrestre com uma rasança aceitável.


(d) Instrução das guarnições


- No interior do perímetro defensivo notava-se a existência de diversas cubatas que poderão agrupar-se em três tipos mais ou menos distintos:

(i) do tamanho normal de uma casa balanta – A –

(ii) sensivelmente com metade desse tamanho – B –

(iii) de dimensões mais reduzidas – O –

- Admite-se que nalgumas destas casas pudessem habitar as guarnições das armas enquanto que outras poderiam servir de depósito de munições e material.

As casas de dimensões muito reduzidas pareciam cobertas de “IRÃS”.

- Não se notava em todo o perímetro defensivo a existência de escavações destinadas a abrigos nem terreno sobreelevado que pudesse corresponder à cobertura desses mesmos abrigos.

- A verificar-se a existência de tais abrigos admite-se que tenham sido cavados em “galeria”, o que, dada a consistência do terreno de areia, levaria à necessidade da existência de um sistema de cofragem eficiente.


(e) Finalidade da organização defensiva


- Admitindo-se o princípio, geralmente aceite, que a organização defensiva é uma envolvente das instalações a defender, não se vislumbram no interior da posição a existência de qualquer instalação de valor que justificasse tamanha organização do terreno.

- Admitindo-se que aquela organização defensiva pretendia garantir a defesa de quaisquer instalações excêntricas não se vê que as tabancas situadas imediatamente a norte, 5 casas, ou as situadas a sul, com sinais de intensa actividade e apreciável número de casas, fossem de molde a justificar só por si tamanha organização, ainda que se parta do princípio ser aquela uma região extremamente rica em gado, arroz e cola, visto que a área efectivamente defendida é muito reduzida relatiamente à extensão total da região.

Parece igualmente pouco provável que o IN tivesse concentrado na região depósitos de material, pois embora a região lhe permita um acesso fluvial fácil podê-los-ia construir com maior segurança em zona de mata densa, a coberto das vistas da nossa FA.

- Pondo de parte estas duas hipóteses poderemos ainda admitir que:

- as instalações tenham apenas um fim de propaganda e sejam aproveitadas para tentar materializar os cuidados dispensados pelo PAIGC às populações sob o seu controle no, por ele chamado, “território libertado”;

- o PAIGC tenha instalado na região um campo de treino, aproveitando para instruir o pessoal na construção de trincheiras e espaldões e, eventualmente, na reacção contra meios aéreos; a região tem um acesso fácil por via fluvial permitindo o transporte de material pesado;

- o PAIGC vise desviar a atenção dos nossos meios aéreos para uma região de menos interesse relativamente a instalações principais existentes no QUITAFINE; esta hipótese parece, aliás, pouco provável pois nesse caso deveria ter o cuidado de afastar as populações ad proximidade, facto que se não verifica, e não é de admitir que o PAIGC queira expor desnecessariamente essas populações;

- o PAIGC procure apenas causar baixas nos nossos meios aéreos; esta hipótese parece igualmente pouco lógica pois poderia obter resultados mais compensadores noutros pontos do território, actuando por surpresa, concentrando e dispersando as suas armas AA por forma a não oferecer um alvo remunerador par acções das NT ou da nossa Força Aérea.

- Embora não se disponha de elementos que permitam concluir a existência de trabalhos de beneficiação de núcleos de posições 1 a 10, aliás desactivadas em MAR69, há ainda a possibilidade de apoio dos dois núcleos 1/10 e 51/55 e a sua colaboração na defesa de qualquer objectivo intermédio, que também não está referenciado.


(f) Conclusão




Este estudo, baseado essencialmente em documentação fotográfica, tem apenas avaliar da evolução da organização do terreno não permitindo avaliar as intensões do IN quanto à montagem de armamento e objectivos a defender, pelo que as hipóteses postas em (a) não podem considerar-se como válidas sem uma análise conjugada com o conhecimento das suas intenções, facto que nunca foi obtido.


(g) Pormenor de espaldões



Organização Defensiva da Ilha de Cassebeche [, a sul de Cacine, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, incluída no mapa de Cassumba, um dos poucos mapas que nos falta pôr em linha]


____________________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

22 de Novembro de 2007 < Guiné 63/74 - P2295: Hino de Gandembel, cantado no almoço da mini-tertúlia de Matosinhos (A. Marques Lopes / Carlos Vinhal)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2311: Vamos expor o Álbum Fotográfico dos homens-toupeiras de Gandembel ? (António Almeida / Idálio Reis / Luís Graça)

(2) Vd. postes de:

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (1): Metralhadoras pesadas Degtyarev, antiaéreas (Nuno Rubim)

(3) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2146: Documentos (5): PAIGC - Instrução, táctica e logística (3): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (III Parte): Deslocamentos (A. Marques Lopes)

Recortes de imprensa > Jornal O Século > s/ data > Notícia da agência noticiosa ANI [de 11 de Junho de 1971], sobre o primeiro ataque do PAIGC a Bissau, com foguetões de 122 mm, em 9 de Junho de 1971 (1).

Imagens digitalizadas por © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.


Mensagem de 13 de Setembro de 2007, do A. Marques Lopes, com mais um texto do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971:

PAIGC > Instrução, táctica e logística > III parte (2)


[Fixação do texto: A.M.L. e editor L.G]

TÁCTICA

1. Generalidades

Os procedimentos tácticos prescritos nos regulamentos e demais documentos de doutrina, são normalmente aplicados pelo IN mormente as variações por vezes surgidas, fruto como se referiu já, não só da evolução dos processos de actuação, como também de adaptação às diferentes circunstâncias, em que o IN procura as modalidades mais apropriadas e rendosas para obtenção dos seus objectivos.

Nas alíneas seguintes vai procurar-se dar a conhecer algumas actividades tipo da actuação do In, não só pela apresentação de procedimentos preconizados em diversa documentação capturada, como também pela descrição de casos reais, elaborados com base nos relatórios das NT.

Em Anexo H publica-se ainda um extracto de apontamentos de Táctica de Guerra de Guerrilhas, de cursos frequentados no estrangeiro (provavelmente China Popular), por elementos do PAIGC.

Deslocamentos; Progressões

(1). Dos elementos disponíveis referem-se em primeiro lugar as declarações de Carlos Silva, elemento IN capturado, que diz:

(a). Progressões


Durante a progressão dum bigrupo IN num trilho, os elementos são dispostos em coluna por um, constituindo 3 grupos. No primeiro e último vai um chefe de grupo indo o comandante do bigrupo no meio. Os lança granadas e as metralhadoras são distribuídas ao longo da coluna.

O deslocamento é feito por lanços sucessivos, sendo, normalmente, feitos ao anoitecer, com receio dos aviões. Só se deslocam de dia se a mata é fechada.

(b). Deslocamentos ao longo de uma estrada

Nos deslocamentos ao longo de uma estrada os elementos IN são dispostos de um lado e do outro da estrada, com a distribuição equitativa do armamento pessoal, indo num grupo o comandante do bigrupo e um chefe de grupo e no outro o comissário político e o outro chefe de grupo. A distância a que seguem da estrada está condicionada à vegetação.

Tratando-se de um grupo, ou menos, o deslocamento efectua-se dum único lado da estrada. As forças articulam-se conforme o esquema:

Comissário Político
Chefe de Grupo

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
======================
-> -> -> -> -> -> -> ->
======================
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Cmdt Bigrupo
Chefe de Grupo


(2) Esquemas Representativos de Técnicas Doutrinárias (deslocamentos com transposição de obstáculos)

Os esquemas que se apresentam foram extraídos de um caderno de apontamentos pertencente ao chefe de grupo João Landim e interpretado em função do código de sinais usado pelo IN.

(a) Passagem de uma zona estreita






Comentário: A figura mostra-nos a passagem de um grupo IN numa zona estreita. A passagem é feita por escalões, para o que, o primeiro, após a travessia da zona feita com o apoio do segundo no qual estão incluídas armas pesadas, desenvolve-se em linha instalando-se para proteger a travessia do segundo escalão.


(b) Passagem de um campo minado



Comentário: Parece ter sido detectado ou mesmo aberto um corredor através de um campo de minas por onde passa o primeiro escalão que após a travessia desenvolve em linha e instala, protegendo a passagem do segundo.

(c) Guarda de flanco a uma coluna que se desloca



Comentário: A figura mostra-nos um destacamento de guerilhas que se desloca sob a protecção de duas guardas de flanco.

(d) Progresso de um grupo de infantaria



Comentário: A figura representa a progressão de um grupo em coluna que em determinada altura desenvolve em linha, com vista ao desencadeamento e um ataque a um objectivo.

(e) Patrulhamentos
É difícil considerarem-se casos tipo pois que se caracterizam em função da zona em que se realizam. Nas regiões que o IN denomina de libertadas actua com efectivos reduzidos, isto é, grupos de 5 a 10 elementos enquanto que nas outras actua com efectivos que chegam a atingir o bigrupo.

Progride normalmente durante a noite a fim de se furtar à observação aérea, alvo nas regiões de vegetação densa onde progride à vontade mesmo de dia.
Quando progredindo em trilhos ou estradas, fá-lo com efectivos de homens, chefes e armas num dispositivo equilibrado a fim de poder reagir com eficiência. Notícias várias referam que muitas vezes o faz ao lado de trilhos como meio de evitar o armadilhamento dos mesmos.

2. Emboscadas

(1). Generalidades
É a operação clássica da guerra de guerrilhas invariavelmente caracterizada pela violência e grande volume de fogos com que é desencadeada. Conjugada muitas vezes com o uso de engenhos explosivos, a emboscada caracteriza-se ainda pela sua curta duração. Não sendo no TO da Guiné a acção de guerrilha mais usual do IN, a partir de 1970, parece ter vindo a acentuar-se a sua realização e a tendência para ser tentado o assalto como remate final para uma acção em que se verifica estarem a ser empregues efectivos cada vez mais numerosos.

Nem sempre o local de desencadeamento desta acção é o considerado ideal pois que o IN, preferindo usar da surpresa e dissimulação, actua onde melhor julga obter êxito. Quando assim sucede, realiza trabalhos sumários de organização do terreno, prepara itinerários de retirada e vai sendo normal cobrir a retirada das suas forças com fogos de armas pesadas as quais, colocadas numa base à rectaguarda da posição de emboscada, evitam assim a perseguição que eventualmente lhe seja movida pelas NT.

(2). Do estudo e interpretação de documentos capturados durante a Op Pardal Negro na área de Cubisseco extrairam-se os seguintes elementos relativos a esta operação:


"Emboscadas contra os Inimigos”


Emboscada é a principal maneira de poder derrotar os inimigos no momento de combate. Num combate há 7 espécies de emboscadas:
- Emboscada de aniquilamento
- Emboscada de contenção ou adversão
- Emboscada de impedimento
- Emboscada contra barcos
- Emboscada contra paraquedistas
- Emboscada contra helicópteros
- Emboscada para prenser prisioneiros.

Para fazer uma emboscada devemos ter uma boa informação dos inimigos, devemos conhecer o indivíduo que trouxe a informação, se ele é da população ou guerrilheiro. Devemos saber se os inimigoa andam a pé, de carro ou via aérea. Qual é a cautela que eles poderão tomar no momento da marcha para a linha de combate.

Nós devemos escolher um bom terreno onde possamos fazer fogo contra o inimigo.

Sistema de fogo – é uma cooperação de ditribuir todos os veículos no momento do combate para aniquilamento dos ocupantes.

Organização da emboscada – nós podemos recebr uma informação através dum camarada; devemos conhecer esse indivíduo, o seu nome e se ele é um guerilheiro do povo, se está em contacto com os inimigos ou não.

Camuflagem – no momento da emboscada devemos fazer abrigos individuais para cada camarada. Esses abrigos devem ser camuflados.

Realização de Exploração – devemos controlar todos os locais antes de fazermos uma emboscada e temos de saber se o terreno é favorável para nós.

(3) Declarações do capturado Formoso Mendes referem:

As emboscadas tanto a colunas de viaturas como a forças apeadas são feitas da mesma maneira, isto é, o pessoal é distribuído ao longo da estrada, colocando em cada extremidade uma equipa de LGFog e ML, estando um chefe de grupo junto de cada uma. A distância em relação à estrada é em função da vegetação.

Quando as colunas de viaturas tazem segurança dos flancos, as emboscadas são montadas bastante à rectaguarda.

No caso de desconfiarem que vem tropa pela rectaguarda, colocam uma equipade LGFog e ML, bem como mais pessoal, montando uma emboscada de segurança.

Quando as viaturas ou forças apeadas atingem a zona de morte, a equipa da frente abre fogo sobre a testa da coluna e em seguida abre fogo a equipa da outra extremidade. Os elementos do meio abrem fogo retirando de seguida, o mesmo fazendo as equipas de detenção.

Por vezes as emboscadas são conjugadas com a implentação de minas, sendo a acção desencadeada simultaneamente com o rebentamento dum desses engenhos.

O esquema que se segue representa a disposição das forças em emboscada:

Cmdt Bigrupo
Comissário Político

A – Equipa de detenção à frente (LGFog, ML, chefe de grupo)
B – Equipa de detenção à rectaguarda (LGFog, ML, chefe de grupo)
C – LGFog
D – ML (Metralhadoras Ligeiras)

(Continua)
_________

Nota de L.G.:


(1) Vd. post de 17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)
(...) "Bissau é flagelada pela primeira vez com foguetões de 122 mm em 9 de Junho de 1971 A 9 de Junho, o PAIGC, por intermédio do CE 199/70 (estacionado em Morés), chefiado por André Pedro Gomes e, na artilharia, por Martinho de Carvalho e Agnelo Dantas, flagelou Bissau pela primeira vez com foguetões de 122 milímetros.
"Este ataque foi possível dado os esforços da unidade de artilharia referida, que, apoiada pelos grupos de infantaria, conseguiram penetrar para lá da linha defensiva do exército português e bombardearam as suas posições na cidade, embora tal tivesse sido possível porque também se realizaram acções simultâneas da frente Nhacra-Morés, o que permitiu proteger a retirada das unidades que atacaram Bissau" (...).
(2) Vd. posts anteriores:

22 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2124: PAIGC - Instrução, táctica e logística (1): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (I Parte) (A. Marques Lopes)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2126: PAIGC - Instrução, táctica e logística (2): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (II Parte) (A. Marques Lopes)

sábado, 22 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2124: PAIGC - Instrução, táctica e logística (1): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (I Parte): Formação e treino (A. Marques Lopes)

Guiné > PAIGC > 1970 > Algures, numa zona libertada. Guerrilheiros e população. A guerra de libertação teve muito pouco de romântico. Os militares portugueses que combateram o PAIGC na Guiné, sabem quão duras eram as condições de vida, tanto dos seus combatentes como da população sob o seu controlo, nas regiões libertadas, ou seja, dentro das fronteiras do território da antiga província portuguesa da Guiné (TN - território nacional, reclamavam as autoridades portugueses)... A foto é do húngaro Bara István (n. 1942). Foto: Foto Bara (com a devida vénia...) Foto: © Fundação Mário Soares (2007) (com a devida vénia...) Continua ainda hoje a ser muito difícil encontrar, disponível na Net, documentação fotográfica sobre Amílcar Cabral, a sua vida e a sua luta, o PAIGC e a sua organização política e militar, a luta de guerrilha no interior da Guiné-Bissau, etc. Na Fundação Mário Soares pode ser consultado o importante Arquivo Amílcar Cabral. Infelizmente, essa documentação não é do domínio público, estando sujeita às leis do copyright. É de reconhecer, no entanto, o excelente trabalho que está a ser feita por esta fundação em cooperação com a Fundação Amílcar Cabral. No sítio da Fundação Mário Soares, pode ler-se a seguinte apresentação do Arquivo Amílcar Cabral: O acesso público ao Arquivo Amílcar Cabral, disponibilizado em Bissau, na Cidade da Praia e em Lisboa, constitui um passo decisivo na conservação e transmissão da nossa memória colectiva recente, o que foi viabilizado pelo recurso às novas tecnologias de informação. Ainda falta muito trabalho, que se prevê concluir no prazo aproximado de um ano. Mas o que já foi feito representa uma experiência pioneira de cooperação internacional em matéria de preservação e tratamento de arquivos. Considera-se ainda que o Arquivo Amílcar Cabral pode, e deve, receber outros acervos documentais que o enriqueçam e completem, ao mesmo tempo que importa incentivar o estudo, a investigação e a edição, com referência aos Documentos Amílcar Cabral. Prosseguindo este caminho, a cooperação entre a Fundação Mário Soares e a Fundação Amílcar Cabral contribuirá, seguramente, para o melhor conhecimento da nossa História comum, estreitando laços e construindo projectos de interesse mútuo. 
 ___________________ 

 Primeira parte de um conjunto de textos que o nosso amigo e camarada, o Coronel DFA, na reforma, A. Marques Lopes, nos começou a enviar, em 13 de Setembro de 2007: Caros camaradas: Envio-vos um primeiro texto que é o começo de uma explanação sobre a instrução ministrada pelo PAIGC aos seus militantes e guerrilheiros, sobre a forma como accionava as suas forças no terreno e sobre todo o esquema logístico que apoiava a sua acção. Este, e os que farei chegar ao vosso conhecimento depois, foram extraídos do SUPINTREP nº 32 (1), um documento distribuído em Junho de 1971 aos Comandos das unidades do CTIG. É, pois, uma visão que se tinha, menos de três anos antes do 25 de Abril, do tipo de guerra em que andávamos envolvidos e das perspectivas da sua evolução. Nessa altura e nos anos seguintes estavam na Guiné muitos dos principais intervenientes na preparação e no desenlace do 25 de Abril de 1974. Talvez por isso, porque começaram a ter uma visão mais clara da situação. Os textos (não na totalidade, por haver aspectos que considero de pouco interesse, e dada a sua grande extensão) são transcritos ipsis verbis, limitando-me eu, num caso ou noutro, a fazer um comentário pessoal (devidamente assinalado como tal). PAIGC > Instrução, táctica e logística > I parte [Fixação do texto: A.M.L. e editor L.G] SITUAÇÃO GERAL [...] Considera-se vital para a vida do PAIGC o substancial apoio que tem disfrutado quer da parte dos países limítrofes, quer da maior parte das potências de ideologia comunista, bem como das Organizações Internacionais, apoio esse que, considerado nos mais diferentes aspectos, lhe é indispensável para a manutenção do seu esforço de guerra. Assim, nos países limítrofes da República da Guiné e da República do Senegal, mercê das facilidades concedidas, montou o PAIGC toda uma “máquina de apoio” às forças que no interior do TN [território nacional] e junto à linha de fronteira, mantêm e incrementam luta armada. Dos restantes países e organizações internacionais, o apoio concedido e já referido, materializa-se por: - Instrução de quadros, quer políticos quer militares, na Rússia, China Popular, Argélia e Cuba; - Fornecimento de material de guerra da parte da Rússia, China Ppular e Cuba; - Instrutores e Conselheiros Militares de Cuba [,além de médicos, L.G.]; - Fornecimento de bolsas de estudo com vista à formação de técnicos, médicos, advogados, engenheiros agrónomos, civis e de máquinas bem como outras licenciaturas na Rússia, China Popular, Alemanha de Leste e Bulgária; - Auxílios em dinheiro quer dos países já referidos, quer da Suécia e numerosas Organizações Internacionais. Para esta situação, tal como se definiu, nada permite antever qualquer alteração no que respeita aos países do bloco comunista. Quanto aos países limítrofes há a considerar para já a diferença entre o apoio incondicional e o apoio com determinadas restrições concedidos respectivamente pelos governos da República da Guiné e República do Senegal, os quais, aliás, mantêm entre si acentuado antagonismo. Assim, só uma mudança do actual regime político da República da Guiné, não previsível mormente os graves problemas de política interna com que se debate, conduziria a uma quebra que se adivinha muito significativa no apoio que este país concede ao PAIGC e que levaria muito provavelmente o governo senegalês, tradicionalmente mais moderado, a impor um maior número de restrições à liberdade de acção de que o PAIGC goza em todo o Casamance. [Expressa-se aqui uma certa mágoa pelo falhanço da Operação Mar Verde, em Novembro de 1970 - A.M.L.] GENERALIDADES No quadro da organização geral do PAIGC, ressalta a absoluta necessidade da criação de elites para enquadramento dos diferentes sectores da vida do Partido, já que, face ao avanço da luta, se torna necessária a obtenção de dirigentes qualificados. Em função dessa necessidade e aproveitando as numerosas bolsas de estudo obtidas dentro do quadro geral de apoio que pelos países do bloco comunista é concedido ao PAIGC, o Partido tem enviado com regularidade elementos seus para o estrangeiro a fim de se especializarem nos diferentes ramos de actividade da Guerra de Guerrilhas e para a frequência de cursos superiores e técnicos. Assim, tem sido referenciada a ida de “bolseiros” do PAIGC para a Rússia, Checoslováquia, Alemanha de Leste, Bulgária, China Popular, Cuba, Marrocos, Argélia, Ghana, Argélia, Senegal e Guiné, países estes onde está referenciada a frequência dos seguintes cursos e especializações: (1) Cursos e especializações de Carácter Militar e Político (a) Os cursos e especializações de Aeronáutica são ministrados na Rússia; (b) Os de Marinhagem e Fuzileiros (tropas de assalto) estes últimos a incluir a especialização de minas aquáticas e transposição de cursos de água, são ministrados na Rússia; (c) As especializações de Política e Guerra Subversiva são obtidas na China (Instituto Popular de Política Estrangeira, em Pequim, e na Universidade Política Militar, em Nanquim) e ainda na Rússia; (d) A preparação militar dos futuros quadros do Exército Popular é ministrada na Rússai, China Popular, Argélia, Marrocos e CubaA. (2). Cursos e especializações civis (a) Na Rússia são ministrados: Cursos de Medicina e Agronomia (Universidade Patrice Lumumba, em Moscovo); Direito Internacional (Moscovo); Medicina e Enfermagem (Kiev) [Kiev é a capital da Ucrânia, que pertenceu à União Soviética, a Rússia, como se lhe chamava. A.M.L.]; Geologia, Pedagogia, Sindicalismo, Cursos Comerciais e Mecânica Auto (Kiev); (b) Na Checoslováqui os alunos do PAIGC cursam Engenharia d Minas, Máquinas e Civil; Medicina e Sindicalismo (controle dos bens do Estado); Espionagem, Higiene e Profilaxia Social; (c) Na Alemanha do Leste, Electricidade e Máquinas; (d) Enfermagem e Sindicalismo na China Popular; (e) Na Bulgária, Agronomia e Medicina, Medicina Veterinária, Enfermagem, Pesca e Indústria Conserveira; (f) Na Hungria, Engenharia e Minas e Economia; (g). Transmissões e Enfermagem em Cuba; (h). Serviços de Vacinação no Senegal; (i). Sindicalismo na República da Guiné. É possível que, além destes cursos e especializações cuja duração vai dos três meses aos cinco anos, existam outros funcionando nestes ou noutros países, o que de momento se desconhece. A instrução militar geral e a instrução literária é também ministrada nas bases de instrução que o IN mantém nos países limítrofes e nas escolas do Partido[...]. INSTRUÇÃO POLÍTICA Os elementos que assumem responsabilidades no âmbito da organização do Partido, são, na sua maioria, recrutados entre caboverdeanos e nas etnias mancanha e papel em virtude de serem estas as que apresentam um maior grau de evolução. Uma vez seleccionados, os futuros quadros políticos vão para o estrangeiro nomeadamente Rússia e China Popular, sendo conhecidos neste último país, o Instituto de Política Estrangeira, em Pequim, e a Universidade Político-Militar de Nanquim, estabelecimentos estes já frequentados por inúmeros quadros do PAIGC. Estes, após o regresso, são submetidos de tempos a tempos a estágios de aperfeiçoamento, denominados Seminários de Quadros, tendo-se conhecimento que o último foi realizado em Conakry, de 19 a 24 de Novembro de 1969. Os quadros inferiores e combatentes treinados nos campos de instrução dos países limítrofes, recebem também educação política a qual consiste em conhecimentos elementares sobre a história da Guiné, sobre os dirigentes do Partido, o Partido e seus programas, situação política e económica da Guiné e Portugal, aprendendo ainda como fazer a propaganda da luta de Libertação Nacional entre as populações. Igualmente as populações são educadas politicamente, função esta principalmente a cargo dos Comissários Políticos dos diferentes escalões da estrutura político-administrativa, o mesmo acontecendo com os alunos das escolas do Partido [...]. (Continua) ___________ Nota de L.G.: (1) SUPINTREP: Do inglês, Supplementary Intelligence Report, ou seja, Relatório de Informação Suplementar.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1543: Uma estória da minha recruta, em Beja, no RI3 (Tino Neves)

Beja > RI 3 > 1969 > Dia do Juramento de Bandeira. Sinalizado com círculo vermelho , o autor desta estória.


Beja > RI 3 > 1969 > Vista do Quartel


Beja > RI 3 > 1969 > "Eu mais dois camaradas, um foi para a PM [Polícia Militar] e o outro para Rádio-Montador. Semana de Campo em terras do Baixo Alentejo" (TN)



Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.
Texto enviado pelo nosso camarada Tino Neves > Constantino Neves, ex- 1º. Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71) (1).

Caro Luís Graça

Vou-te contar uma pequena história da minha recruta, pelo facto de que aquilo que fomos na Guiné, Angola ou Moçambique, tem a ver com o que se passou na nossa recruta.

A recruta foi mais importante que a especialidade, porque foi na recruta que tudo começou. Começámos a conhecer e aprender a conviver com outros iguais e com os nossos superiores, pois já os nossos pais diziam que a tropa era a escola da vida. Como também diziam que havia muitos filhos de muitas mães e que a tropa abria os olhos a quem os tinha fechados e fechava-os a quem os tinha muito abertos, os chamados Xicos Espertos. Pois havia daqueles que mal sabiam falar, como um do meu pelotão, que nem sabia dizer de onde era, só sabia dizer que era do outro lado da ribeira. Mas também havia os ditos Xicos Espertos, como um também do meu pelotão, que o Furriel o mandou ao armazém de material de guerra buscar uma caixa de estrias, e chegou junto do Furriel estafado com uma caixa às costas, cheia de pedras, julgando que eram estrias.

A recruta não foi só a preparação física. Também, e principalmente, aprendeu-se a ser amigo do seu amigo e a criar e a manter o espírito de camaradagem, como há muitos que começaram na recruta e acabaram no Ultramar sempre juntos.

Agora vou então contar a minha história da minha recruta (não era Xico Esperto, mas sabia de onde era) (2).

Durante a semana de campo parti a coronha da espingarda G3 (como sabem a coronha da G3 era muito frágil na zona onde acaba o plástico e começa a parte de metal), e o Furriel ameaçou-me que o Capitão ia-me dar uma porrada (entenda-se, um castigo). Também os meus colegas me intimidavam, assim como um que me disse:
- Estás feito, vais para atirador para a Guiné. - Mas eu não ligava a tudo isso que me diziam, porque já tinha acontecido a outros colegas e eles não foram castigados.

Quando regressámos ao quartel, fui chamado ao Comandante de Companhia (um Capitão, de não me recordo o nome). Aí já fiquei com algum receio.E lá fui eu ao gabinete do Capitão.
- Dá-me licença, meu Capitão?
- Entra
- Apresenta-se o soldado recruta 10.087/69, meu Capitão!
- Ah... és tu aquele que anda a destruir património do Estado...
- Sim, meu Capitão, sou eu mesmo.
- Sabes, vais ser castigado.
- Sim, meu Capitão, mas queria pedir ao meu Capitão que me deixasse contar como se passou tudo.
- Está bem, conta lá.

Então contei-lhe a minha versão:
- Ontem, o nosso Furriel Magno resolveu fazer uma prova de Combate, para isso tivemos que apanhar uma porção de pedras, do tipo calhau, para junto dele, e depois disse-nos: 'Eu sou um inimigo, quando eu apitar uma vez, quero todos no chão, quando tornar a apitar, quero todos de pé e em passo de corrida, mudar de posição, e quando voltar a apitar não quero ninguém de pé, que eu disparo um tiro, uma pedra, aviso já que sou bom atirador'.
- E então ? - pergunta o Capitão.
- Então, é que na altura em que estavamos a mudar de posição e ouvi o apito, eu encontrava-me de costas a pouca distância do inimigo e, para que não fosse alvejado, lancei-me ao chão num grande salto. A G3 caiu mal e partiu-se, só depois é que analisei a minha reacção, e cheguei à conclusão de que deveria ter dado uma cambalhota...Mas estou aqui a ser preparado para a Guerra, não é verdade, meu Capitão?
- Tens razão, rapaz, estás a ser preparado para a Guerra, desta escapas, mas dou-te um conselho, trata da tua arma melhor que a tua namorada, que ela pode salvar-te a vida.
- Sim, meu Comandante.

Fiz a continência, dois passos atrás, e saí do gabinete do Capitão, todo satisfeito, não somente por não ter sido castigado, mas por, apesar de não ter namorada na altura, ter entendido o recado.

Um Abraço
Tino Neves
Almada
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(2) Vd. outros posts anteriores do Tino Neves:

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1404: Um pequena estória dos Magriços de Guileje (CCAÇ 2617) (Tino Neves)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1349: Quartel Novo de Nova Lamego: paredes finas e chapa de zinco (Tino Neves)

23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1310: Postais Ilustrados (12): Ponte-Cais de Bissau e estátua de Diogo Gomes (Tino Neves / Carlos Fortunato)

9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970

3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1145: Na fonte... com o Inimigo (ou a água quando nasce é para todos) (Tino Neves, CCS do BCAÇ 2893, Nova Lamego)