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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16427: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXXIV - Memórias de um pobre cabo quarteleiro que teve de pagar, do seu magro bolso, o valor de 15 cantis que faltavam no inventário...


1. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, com fotografias). (*)

Trata-se de uma brochura, com cerca de 6 dezenas de curtas histórias, de uma a duas páginas, e profusamente ilustrada (cerca de meia centena de fotos). Chegou às mãos dos nossos editores, em suporte digital, através do Luís Nascimento, que vive em Viseu, e que também nos facultou um exemplar em papel, para consulta.

Temos a devida autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71).

O primeirop poste desta série é de 16/4/2014. As primeras 25 páginas são do comandante da companhia, o cap inf Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor ref. Tanto esta companhia como a minha CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) viajaram, juntas no mesmo T/T, o Niassa, em 24 de maio de 1969, e regressaram juntas, a 17 de março de 1971, no T/T Uíge!... Temos, pois, aí uma fantástica coincidência!..

Hoje reproduz-se o texto da autoria do ex-1º cabo Silva, o "arrecadação", o 1º cabo quarteleiro Silva, que, para poder embarcar para a metrópole, e regressar a casa,  teve de pagar do seu magro bolso o valor de 15 cantis que faltavam no inventário (pp. 107-108). 

Como ele esclarece, com fina ironia, ele era o responsável máximo da arrecadação, estando abaixo dele o 1º e o 2º sargentos...

Há "histórias do arco da velha", esta é seguramente uma delas... Como diz o nosso povo, "quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão"...  Enfim, uma história pouco ou nada edificante sobre os supremos valores que norteavam o nosso glorioso exército... Moral da história: na tropa havia os xicos, os xicos espertos e os filhos do Zé Povinho... que só de 50 em 50 anos é que fazem o célebre manguito,  imortalizado, em 1875,  pelo genial Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)...  Enfim, somos um povo com reflexos de dinossauro que, dizem, levava  meia hora a reagir quando lhe pisavam o rabo...






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In Histórias da CCAÇ 2533. Edição de Joaquim Lessa, tipografia Lessa, Maia, s/d, pp. 107-108.
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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15397: (Ex)citações (301): O álcool na génese de não poucas baixas mortais no CTIG: relato de um quase acidente que se passou comigo, e que podia ter resultado em tragédia (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

1. Mensagem de ontem do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74), com a seguinte nota:

 "Caros camaradas destas e de outras lides: Aqui vos envio mais uma pequena peripécia (uma rapidinha) vivida por um bravo do ar condicionado durante o seu "martírio" por terras de Kaku Baldé.
Abraços".

Acontece que esta história já fora publicada, na série "Um Amanuense em terras de Kako Baldé ", há um ano e meio atrás  (*)... O Abílio já não se devia lembrar...Mas merece ser de novo reproduzida aqui (**), tendo em conta  a questão da existência ou não de "batota", na classificação das nossas "baixas" (por acidente, doença e em combate), ainda recentemente objeto de debate no nosso blogue.

Esta história ilustra muito bem a arte lusitana do "desenrascanço" (por exemplo, na gestão de conflitos). Também pode servir para ilustrar um certo "nacional-porreirismo" e, seguramente, a camaradagem que existia entre nós, no TO da Guiné, independentemente do sítio onde se estava, não sendo relevante, para o caso, a distinção  entre quem estava no mato ou em Bissau... Camaradagem também significava bom senso  e recusa do militarismo do RDM...

Por fim, o caso aqui relatado pelo Abílio chama a atenção para o grave problema do álcool em tempo de guerra: já antes tinham sido publicadas outras histórias com casos  que originaram tragédias (***)... As baixas mortais que daí resultaram foram classificadas, eufemisticamente, como "acidentes"...  Mais uma vez o nosso "nacional-porreirismo"...

Também ficamos a saber que a PIDE/DGS, em Bissau,  tinha as "costas quentes", ou melhor, sabia que podia dormir decansada,  com segurança militar à porta, de noite e de dia... Sinais dos tempos. 

Acrescentámos os comentários que, na altura, foram feitios e enriqueceram o poste do Abílio Magro. LG
______________

Pelas tarefas que desempenhava na CSJD/QG/CTIG (Serviço de Justiça), fui-me apercebendo que muitas doenças, ferimentos e até mortes, eram resultantes do abuso na ingestão de bebidas alcoólicas, mas quem, durante a sua comissão, não apanhou a sua "tosgazita"?

Porém, quando estamos num TO e somos possuidores de uma arma de guerra, uns copitos com os camaradas e algum descontrolo, podem resultar em tragédia. 

Este pequeno episódio que se passou comigo é bem elucidativo disso mesmo, e se o multiplicarmos por dezenas, ou até centenas (durante toda a guerra colonial, talvez milhares) e o transpusermos para uma qualquer companhia no mato, não será difícil adivinhar a quantidade de incidentes com finais trágicos que ocorreram durante aquela guerra.

Numa das minhas muitas seguranças nocturnas que fiz às instalações da PIDE-DGS em Bissau, junto ao bairro do "Pilão", comandando um pequeno grupo de 6 ou 7 homens, deu-se um episódio que me deixou bastante incomodado e "acagaçado". 

O pessoal que integrava estes pelotões pertencia à CCS/QG e apresentava-se à noite para efectuar o "serviço" já bastante cansado das muitas picadas percorridas durante o dia entre gabinetes e, alguns, com muitas paragens para reabastecimento no Bar. 

Por norma estacionávamos numa pequena ruela, nas traseiras da DGS, que dava acesso ao Bairro do Cupilom e ali, junto a uma palhota, o pessoal "ferrava o galho" com uma "pinta do caraças"!
Eu nunca dormia e não era por medo ..., não senhor! Era pelo meu elevado sentido de responsabilidade e pela obrigação moral de zelar pelo merecido descanso daqueles bravos militares. 

Nessa noite, íamos talvez fazer o turno das 00h00 às 04h00 e tínhamos acabado de chegar ao "objectivo" quando entra na ruela um táxi conduzido por um negro e com um "pendura" negro 
também.
De repente, um "fabiano" do pelotão manda parar o táxi, puxa a culatra a trás, e apontando a arma ao "pendura", indaga: 
- "Quem és tu, para onde vais!?" 

Oh balha-me Deus, carago, que é isto!? Pergunto-me a mim próprio, completamente abananado. 

Passados uns segundos logo me apercebi que o "fabiano" estava com uma valente "tosga", daquelas chamadas de "caixão à cova". Ai meu Deus se o gajo dispara aquela merda!
Com pinças e tentando manter a calma do "fabiano" (eu tremia todo e devia estar azul - ai s'aquilo dispara!), a muito custo, mas muito de levezinho, lá consegui retirar-lhe a arma e desarmá-la, apetecendo-me logo de seguida dar-lhe uma valente coronhada na "tola", mas, lembrando-me de algumas "tosgas" próprias, lá pedi desculpas ao taxista e Companhia e mandei-os seguir viagem. 

Pelo "telemóvel" contactei o Alferes Mil de prevenção (um amigo dos tempos do QG de Lisboa) e, com receio de possíveis escutas, disse-lhe apenas que precisava da presença dele pois havia um pequeno problema. 

Apareceu passado pouco tempo de Unimog e com mais um pelotão, meio abananado também por não perceber o que se estava a passar. 

Chamei-o à parte e lá lhe contei o que acontecera. Substituiu-se o "fabiano" que seguiu de Unimog 
para o Quartel e tudo o resto decorreu normalmente. 

Acordamos depois que não faríamos qualquer participação e o "fabiano" livrou-se duma valente "porrada". 

Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".

Abílio Magro
______________

Notas do editor:


Comentários:

(i) JD disse...

Caro Abílio,

Bom regresso ao meio tabancal. A minha intervenção agora tem a ver com o epíteto "fabiano". Retenho que foste contemporânio do Fabião, pelo que associo o termo ao nome do futuro comandante da entrega da Guiné. Asim, peço-te para me esclareceres, se sim, ou não, a associação existe, e em que circunstâncias o pessoal recorria ao termo "fabiano".

Um abraço
JD



(ii) Abílio Magro disse...

Caro JD:
"Fabiano" nada tem a ver com o Brig Carlos Fabião e trata-se de um termo que ouvi algumas vezes ser usado por militares do QP quando se queriam referir a um qualquer militar do QC e outras pessoas usam-no em vez de "fulano", por brincadeira, como é o meu caso.

Durante a minha passagem pela Guiné nunca me apercebi de que fosse comum entre os militares.
Abraço

(iii) Abílio Magro disse...

O texto que enviei terminava assim: Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".
O camarigo Carlos Vinhal resolveu não incluir a última frase que, efectivamente, é perfeitamente desnecessária por se encontrar sobejamente implícita nos outros postes que enviei.
Sempre atento o nosso Editor-Mor!
Abraço


(iv) Abílio Magro disse...

fabiano
adjetivo
HISTÓRIA relativo a Fábio, general e estadista romano (275-203 a. C.)
nome masculino
1. HISTÓRIA antigo sacerdote romano
2. popular indivíduo indeterminado
3. popular indivíduo inofensivo
4. membro da associação socialista inglesa, Fabian Society, criada em Londres em 1863
(Do latim Fabiānu-, «Fabiano»)

fabiano In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014.
(v) JD disse...

caro Abílio,
Muito obrigado pela diligência explicativa. Com isto acabo de enriquecer o meu léxico.
Manda mais, que voltarei a pedir-te ajuda, se me esquecer da Infopédia.
Um abraço
JD



(vi) Carlos Esteves Vinhal disse...

Calma e pára o baile!!!
O editor não corta nada, pelo menos sem antes "conversar" com o autor dos textos.
Não consigo justificar a falta da última frase que já foi posta no seu sítio.
Ao camarada Abílio Magro as minhas desculpas.
Carlos Vinhal
Co-editor


(vi) Abílio Magro disse...

Ok, siga o baile!


(vii) Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Já fazia tempo que não tínhamos recordações de Abílio Magro (amanuense, porra!), lembram-se?

E desta vez contempla-nos com um pedaço da sua vida atribulada em Bissau.´

O 'pessoal do mato' costuma falar depreciativamente dos que estavam em Bissau. É natural, faz parte do modo de estar em zona de guerra, essa confrontação entre os que estão 'no mato' e os que estão no 'bem bom', no 'ar condicionado'...

Mas, a verdade, é que várias situações perigosas também aí sucediam. Quem não se lembra das questões, com vítimas, entre elementos das nossas "especiais"? Dos problemas com os fuzileiros? E os paraquedistas? E o Pilão (Cupilom)?
Portanto, este relato é apenas mais uma amostra de como nem tudo era 'pêra doce'.

Abraço
Hélder S.

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15395: (Ex)citações (300): (i) Conheci de perto, em Alhandra, o Conjunto Académico João Paulo... Ouvi-os ensaiar vezes sem conta... Fiquei farto... Mesmo assim preferia-os a eles a ter que ouvir, até à exaustão, nos "rangers", em 1966, o "Sambinho Chato" e o "Et Maintenant" (Mário Gaspar); (ii) link com a canção "O Salto" (EPI, Mafra, 1966) (Inácio Silva)

(***) Vd. por exemplo poste de 23 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9256: À margem da história oficial ou oficiosa (2): A tragédia, em São João, que ensombrou o Natal de 1966 da CART 1613: o assassínio do Cap Fausto Ferraz, substituído depois pelo Cap Eurico Corvacho (que morreu anteontem)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15383: Inquérito 'on line' (19): Batota em relação às causas das baixas das NT? Provavelmente não havia... Havia, isso sim, dualidade de critérios e os trâmites normais da burocracia da justiça militar (Abílio Magro / Manuel Amaro / Carlos Vinhal / Luís Graça / José Martins / Jorge Cabral)


Comentários ao poste P15378 (*):
1. Abílio Magro ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

Os processos eram instruídos nas Companhias e, de acordo com o respectivo "instrutor", a caracterização era efectuada na CSJD/QG/CTIG. [CSJD = Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina],

Supõe-se que muitos dos "instrutores" nada sabiam das consequências futuras para os militares ou seus familiares, pelo modo pouco rigoroso como era instruído o processo. Por outro lado, outros "instrutores", bem mais preparados e conhecedores destes "meandros", lá conseguiam "dourar a pílula",  escondendo habilmente alguns factos e, assim, conseguir algum benefício para o militar atingido ou acometido de doença.

Na CSJD/QG/CTIG, face aos factos constantes do processo (reais ou não) era emitido o respectivo parecer.
´
Tenho a ideia, não a certeza, que o relato das testemunhas era manuscrito pelo instrutor (Alf. Mil, por norma) e as testemunhas não assinavam, ficando o instrutor responsável por elas. Neste contexto, o processo podia muito bem ser conduzido para o lado mais conveniente, houvesse vontade e engenho para isso. 

Para ficarem com uma ideia de como a "coisa" funcionava, quero referir o assédio de que fui alvo, em Setembro de 1974, por parte de alguns Capitães Milicianos, comandantes das Companhias que tinham regressado a Bissau e que aguardavam embarque para a Metrópole.

E o assédio tinha em vista a minha colaboração diária (nocturna e paga) a fim de os ajudar na conclusão dos vários processos pendentes na Unidade, sem o que esta não poderia embarcar, denotando os Capitães Milicianos, portanto, algum desconhecimento da matéria em causa.

Noutras circunstâncias tê-los-ia ajudado,  com muito gosto e "sem honorários", mas acontecia que eu também estava ansioso para "bazar dali" e, naquela altura, chegava ao fim do dia cansado de tanto queimar papelada e, com o calor das chamas e a fumaça, tinha sempre a garganta seca.


2. Luís Graça [editor, ex fur mil, arm pes inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]


Não deixa de ser significativo que mais de um terço (22 em 59, ou seja, 37%) dos respondentes ao inquérito 'on line' desta semana, tenham optado pela resposta "Não sei / não tenho opinião"...

A questão é técnica e juridicamente complexa... Poucos de nós, ao fim e ao cabo, lidaram com este problema... Temos, muitos de nós, a experiência das "baixas", dos camaradas que morreram ou foram feridos... Não sabemos, em muitos casos, como é que o processo burocrático se desenrolou, seguindo os trâmites normais da justiça militar...

A alguns de nós causa estranheza ou provoca até revolta ao vermos, nas listas oficiais dos mortos na guerra do ultramar, camaradas nossos, que conhecemos, como o Quaresma, da CART 2716 (Xitole, 1970/72), terem morrido por "acidente"... 

O Quaresma morreu por estar numa zona de guerra e todos os dias armadilhar e desarmadilhar o engenho explosivo colocado numa das entradas do quartel, para a malta poder dormir "mais descansada"... E quantos casos não houve como o do Quaresma ?! Ora é preciso que estes casos venham à luz do dia!...

3. Manuel Amaro [ex-fur mil enf, CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71]

Se houve "batota",  não tive conhecimento.
Os três mortos da minha Companhia, a CCAÇ 2615, foram todos mortos em combate e todos eles considerados como tal.

O problema creio que estaria na separação entre combate e... acidente.

Não espero, nem faria sentido, aparecerem hoje os coronéis reformados a dizer que, quando eram capitães (ou alferes),  tinham mentido, tinham feito "batota".

No meu Batalhão houve dois casos complicados. O alferes Queiroz (CCAÇ 2616, Buba),  morto a levantar uma mina, junto ao quartel, creio que foi considerado em combate. Já o furriel Ferreira, da mesma companhia, morto a levantar uma mina, na estrada Buba-Nhala, terá sido considerado acidente.

Mas creio que os investigadores dos factos e as testemunhas dos mesmos, agiam sempre de acordo com a legislação.


4. Carlos Vinhal [, editor, ex-fur mil art MA, CART 2732, Mansabá, abril de 1970/março de 1972] 

No caso das minas, normalmente a diferença entre morto por acidente ou em combate dependia de a mina ser "amiga" ou do IN.

Na minha Companhia, o Alferes de Minas e Armadilhas morreu ao tentar neutralizar uma mina AP inimiga, sendo considerado morto em combate. Naturalmente, diria eu.

Um camarada, por ironia do destino impedido na Messe dos Oficiais, quando se dirigia para um abrigo para entrar de reforço, caiu abaixo do Unimog,  sendo considerado morto por acidente.

Acho que não haveria muita batota, existiriam por vezes situações dúbias que cada um classificava como queria. Os afogados, por exemplo, mesmo a fugir do IN, eram mortos em combate ou por acidente?


5. Luís Graça / José Marcelino Martins:

Veja-se mais este caso, infeliz, já aqui abordado no blogue:

7 de agosto de  2007 >  Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)


(...) 8º VOLUME – Mortos em Campanha
Tomo II
Guiné – Livro 1
1ª Edição (2001) Página 553 (2º registo)

Nome - Guido Ponte Brazão da Silva
Posto - Alferes Miliciano de Cavalaria – Operações Especiais
Numero - 19769668
Unidade - Companhia de Cavalaria n.º 2748
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Estado Civil - Solteiro
 (...) Freguesia - São Vicente
Concelho São Vicente – Madeira
Local de Operações - Camamelifén [, deve ser gralha: Canquelifá]
Data do Falecimento - 22 de Outubro de 1970, em Canquelifá
Causas da morte - Acidente, com arma de fogo
Local da sepultura - Cemitério da Ajuda – Lisboa

Observações: Accionamento de granada – armadilha IN


6. Jorge Cabral [, ex-alf mil art, cmdt  Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá. 1969/71[

E os suicídios, Luís? 
Tive um no meu Pelotão, mas desconheço como foi classificado...

Abraço.
J.Cabral
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15378: Inquérito 'on line' (18): Fazia-se 'batota' com as nossas baixas ? (i) "O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões" (António J. Pereira da Costa); (ii) "Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas" (Abílio Magro)

1. Dois comentário de António J. Pereira da Costa sobre o tema objeto, esta semana, de inquérito de opinião no nosso blogue ["Fazia-se batota com  as causas das nossas baixas (combate, acidentem, doença")] 

[Cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art  e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]


(i) Sobre a manipulação dos números, quero afirmar que tal não se deve à acção ou omissão dos vivos que com os feridos ou mortos lidaram. O problema residia na concepção economicista da guerra e na "necessidade" de a gerir com números de merceeiro (hoje diríamos folha de excel).

Ainda recentemente encontrei no blog "A Bigorna" uma frase do Salazar que lhe é atribuída pelo embaixador Franco Nogueira:

25 de Agosto de 1965

Trabalho no Forte do Estoril com o chefe do governo. Conversámos e conversámos sobre o problema ultramarino e a nossa posição internacional. Sobre a luta em África, diz Salazar: «A verdade é que os nossos militares não se têm batido completamente bem, salvo excepções, é claro. Não. Talvez apenas o Schulz na Guiné. Aí tem havido muita pancada. Mas em Moçambique ainda não se meteram bem dentro do assunto. E em Angola andam muito de um lado para o outro, estão sempre a contar as tropas, mas não se atiram aonde o inimigo se encontra».

Sobre a situação política interna: «As oposições, está claro, fazem o jogo americano. É o dinheiro, são os whiskies americanos. Mas há pessoas isentas, de responsabilidade e até da situação, que também vão nas mesmas ideias. Dizem que tudo se resolveria se proferisse uma palavra, uma palavrinha mágica: a de que oportunamente encararíamos a independência de Angola e Moçambique. Se disséssemos isso, tudo se resolveria. Pois têm razão: tudo se resolveria, na verdade, por perda e abandono. Mas tenho receio, temos de caminhar mais depressa. Tenho medo que aqui se perca a paciência.

E temos que baratear a guerra, senão esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência».


Reparem na última frase.

Foi, portanto,  estabelecido o conceito de morte em combate ou por acidente em serviço ou fora dele. A diferença não é clara, às vezes. Creio que as NEP da 1ª Rep/QG/CTIG ou as do COMCHEFE - PesLog devem ter estes conceitos discriminados.

O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Da esquerda para a direita, os fur mil David Guimarães e Joaquim Manuel da Palma Quaresma, sapadores, junto ao abrigo de sargentos. Este último morreu por "acidente", em 20/10/1970. Todas as noites armadilhava a entrada para o quartel, junto à casa de Jamil Nasser, o comerciante libanês. (**)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. ]Edição de LG].

(ii) A "manipulação" quantitativa está fora de questão. Nem por doença (adquirida ou agravada em serviço) como foi o caso das hepatites que, a dada altura, obrigaram a criar um "pavilhão" no HM 241, nem por acidente, nem em combate.

O problema resulta da qualificação "em combate",

Há muitos casos de acidente puro,  como sempre sucede.

A doença poderia ser devida a uma situação de campanha que a agravava ou que a iniciava. Seria um caso de doença em campanha, sendo que ninguém adoece devido ao combate.
Todavia persistem dúvidas como por exemplo os mortos/feridos a montar minas. Estavam a combater ou tiveram um acidente com arma de fogo?

Não me restam dúvidas de que um sapador morto/ferido com uma mina IN estava a combater, mas há quem queira considerar que teria havido "erro humano" na manipulação do engenho...

Já a contagem dos mortos/feridos sofridos pelo IN levanta dúvidas. Por isso, a dada altura ainda nos anos 60 só contavam os mortos que o IN deixava e por isso ele procurava lavá-los ou os feridos que se traziam ou evacuavamm  conforme os casos.

As estimativas não passavam disso mesmo.

Nunca chegámos aos números que o IN apregoa(va) e que levavam a uma verdadeira carnificina.
Creio que o que está em causa e poderemos questionar é a relação dos ferimentos/mortes com o combate e campanha.

Creio que as NEP do QG/CTIG-1ª REP definiam explicitamente esta situação ao falarem de baixas devidas ou não devidas ao combate. Aí tudo passava para o relatante e para o que efectivamente tinha sucedido.

2. Comentário do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, 
CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74):

Pelo que me recordo dos meus tempos [de furriel mil amanuense] da CSJD/QG/CTIG [Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné], a caracterização das Doenças, Ferimentos e Mortes está correctamente descrita por um tal "Mendes", num comentário ao "post" do António Duarte.

Quanto à legislação, confesso que nunca a vi, mas acredito que existisse e que fosse com base nela que os advogados da CSJD (Alferes Milicianos) proferiam os seus pareceres que, depois, eram confirmados pelo Chefe (Ten Cor Manuel de Moura) e, seguidamente, despachados pelo Comandante Militar /Brigº Alberto da Silva Banazol).

Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas, isto é: tinham de declarar que juravam por Deus (ou pela sua honra,  se não fossem católicos) serem verdadeiras todas as declarações efectuadas (burocracias...)
____________



(...) Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar

O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas A/P m/966 (,,,).

Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (,,,). Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.

Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei (...)

E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado (,,,), o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!!

Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida (...).

terça-feira, 21 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14908: Consultório militar de José Martins (14): Restrições à consulta dos processos de casos disciplinares / justiça militar


O nosso colaborador permanente José Martins no seu escritório em 2006. É um homem organizado, metódico, persistente e um camarada generoso... Foi revisor oficial de contas noutra encarnação. Perguntem-lhe qualquer coisa sobre a vossa história militar, que ele responde... Responde sempre, mesmo que não seja logo, porque são ínvios os caminhos dos arquivos... (LG)


1. Pedido, com data de 17/6/2015 (*):

Zé Martins: Será que os processos de justiça militar existem em arquivo, e nomeadamente no Arquico Histórico-Militar ? E será que podem ser consultados, mesmo com restrições ? Haverá estatísticas sobre a justiça militar no tempo da guerra colonial ?

Vê se me sabes responder... É um pedido para o teu "consultório militar"... 

Um alfabravo. Luis

2. Resposta:

Enviado: terça-feira, 14 de Julho de 2015 23:23

 Viva,  Luis

Só hoje fui ao AHM para consultar alguns documentos:

(i) o pedido do Ley Garcia (**), que tentei aprofundar mais, mas sem resultado;
(ii) uma pesquisa sobre um Cirurgião Militar, que esteve em Leiria no inicio do século XX, no Hospital Militar;

(iii) pesquisa sobre um tia-avô da minha mulher;

(iv) caso dos Processos Disciplinares.

Conclusão: estão no AHM, mas não podem ser consultados se:

(i) se tiverem matéria criminal ou que ponha em causa o bom nome do indivíduo;

(ii) que ainda não tenham decorridos 50 anos após a morte do réu;

(iii) que sejam descendentes do próprio.

Eu próprio deixei, à condição, um pedido para consultar um processo transitado em julgado em Maio de 1923, dum tio. Após de me perguntarem se o réu ainda era vivo (foi há 92 anos), se a esposa era viva ou se tinha filhos, aceitaram o pedido porque, na prática, lhes disse a data do julgamento, o tribunal, o "crime" de que era acusado e a sentença aplicada, assim como a data de execução da mesma.

Resultado: Ainda é TABU.
Abraço
Zé Martins

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14759: (Ex)citações (283): Sexo em tempo de guerra... Um caso de violação, em que foi condenado um camarada do António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, autor do livro "A jornada em África".


Capa do livro de António Reis, agora aumentado e reeditado: "A minha jornada em África", Vila Nova de Gaia, Palavras &  Rimas, 2015, 110 pp.  O autor foi 1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966-68 (*). E teve a gentileza de nos mandar 3 exemplares do seu livro. Vamos fazer a sua devida nota de leitura.


1. Excerto: "A justiça não tinha cor", por António Reis…

O colega P., mas que não se chamava Pedro, era um colega porreirinho e era um bom colega, mas um dia a cabeça não teve juízo, foi o corpo quem pagou. Foi acusado de violação. Nós, por ironia, dizíamos: “Não estava a mãe, foi a filha”.

A verdade é que esta mãe não teve receio perante a situação de levar a filha ao hospital e apresentar queixa. Esta mãe não teve receio de represálias.

O colega P. terminou a comissão e continuou em serviço a aguardar julgamento. Não me recordo qauntos foram os meses que teve de aguardar até que chegasse o julgamento. Julgado, a sentença foi: “Prisão com ele!”.

Também não me recordo o tempo que esteve preso, mas recordo-me de o ter ido visitar à cadeia do Quartel-General em Bissau.

No mato era olho por olho, dente por dente. Fora do cenário de guerra havia respeito e carinho pelas populações.” (…).

Excerto publicado com a devida vénia: In: REIS, António – A minha jornada em África: a todos os netos, a verdade que eu vi!. Vila Nova de Gaia: Palavras & Rimas Lda, 2015, p. 81

2. Comentário do editor: 

Não sabemos, infelizmente, quantos casos, semelhantes, por alegada violação de mulheres, foram parar à justiça militar. Este caso, passado com um camarada (presumivelmente maqueiro ou auxiliar de enfermeiro)  que fazia serviço no HM 241, em Bissau, ocorreu no tempo do governador e com-chefe gen Arnaldo Schulz,  antecessor de Spínola.  (O autor do livro, nascido em 1944. em  Avintes, Vila Nova de Gaia, esteve no TO da Guiné entre 13 de março de 1996 e 20 de março de 1968). E é uma das 27 histórias compõem o livro, nesta nova edição com a chancela de Palavras & Rimas Lda.

E vem a propósito citar uma carta que escrevi de Bissau, em 10/2/1970, onde refiro ter conhecido, nos Adidos, um capitão e um furriel, da mesma companhia, que estavam a contas com a justiça por alegados crimes de  "violação e assassínio a sangue frio de bajudas, além da tortura e liquidação de suspeitos" (**)... 

Na altura, em Bissau,  o caso era muito badalado, e o furriel, o único que foi condenado (, segundo depois vim a saber, ainda há pouco tempo) , é conhecido de alguns camaradas nossos da Tabanca da Linha.

A haver mais casos, na época,  de violação de mulheres guineenses, por parte de militares portugueses, seria interessante (e importante, para todos nós, ex-combatentes), que eles pudessem vir a ser relatados e publicados no nosso blogue, sem a identificação, obviamente, dos seus autores e das suas vítimas. (***)
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Notas do editor:

(*) 5 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5596: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (20): Antonio Reis, ex-1º Cabo Enf, Bissau, HM 241, 1966-1968, e escritor (Rui Alexandrino Ferreira / Luís Graça)

(**)  Vd. poste de 14 de novembro de 2007 >  Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

(...) De facto, aqui desaguam todos os rios humanos da Guiné: a carne que já foi do canhão e agora é do bisturi (ou dos vermes, em caixões de chumbo, discretamente empilhados, à espera que o Niassa ou o Uíge ou o Alfredo da Silva os levem nos seus porões nauseabundos); os desenfiados, como eu, todos os que procuram safar-se do inferno verde, quanto mais não seja por uns dias ou até umas breves horas, que o tempo aqui conta-se, de cronómetro na mão, até à fracção de segundo; os prisioneiros de guerra, esfarrapados, andrajosos, a caminho da Ilha das Galinhas; as populações do interior desalojadas pela guerra; os jovens recrutados para a nova força africana; enfim, os criminosos de guerra como o capitão P. que está aqui detido no Depósito Geral de Adidos à espera de julgamento em tribunal militar – suponho eu -, juntamente com um furriel miliciano da sua companhia. Ambos estão implicados em vários casos, muito falados, de violação e assassínio a sangue frio de bajudas, além da tortura e liquidação de suspeitos. (...)

(***) Último poste da série > 15 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14746: (Ex)citações (282): Sexo em tempo de guerra... Ha(via) um raio de um "santo inquisidor" dentro de cada um de nós... (Francisco Baptista, natural de Brunhoso, Mogadouro; ex-alf mil inf, CCAÇ 2616, Buba, 1970/71, e CART 2732 , Mansabá, 1971/72)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12545: O segredo de... (14): António Graça de Abreu (,ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74): Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971... E até sonhei um dia em ser... bombista!

1. Comentário, com data de ontem,  de António Graça de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74, ] ao poste P12540 (*):

Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971. (**)

Encartado, licenciado,  nunca mais esqueço uma barras de trotil, amarelinhas, cilíndricas que roubei e escondi na cozinha da minha casa, em Benfica, com uns detonadores e cordão lento guardados no outro lado, na sala, à espera de fazer umas bombas para ajudar a rebentar com o regime. 

Santa e perigosa ingenuidade! Depois do 25 de Abril, o trotil, os detonadores, o cordão lento foram metidos em dois sacos diferentes, com umas pedras de lastro, e lançados por mim para o fundo das águas do Tejo, num barco, a meio do rio, na carreira Belém/Trafaria. 

Nunca contei isto em parte nenhuma. Vai agora. As coisas que um homem faz, ou não faz, na vida!... Abraço, António Graça de Abreu 

 2. Comentário de L.G.:

Vai fazer, em abril próximo, quatro anos que esta série (***) tem estado parada... Publicaram-se até então 13 postes, com pequenos/grandes segredos que camaradas nossos quiseram partilhar connosco... Um deles, o Luís Faria (1948-2013) infelizmente já não está entre nós... Ontem por acaso, tropecei neste pequeno/grande segredo que o nosso camarada António Graça de Abreu quis divulgar... "Nunca contei isto em parte nenhuma. Vai agora. As coisas que um homem faz, ou não faz, na vida!"... O propósito deste série é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo de vida militar que, até então, por uma razão ou outra, guardámos só para nós... 

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que  esses factos pudessem eventualmente, à luz da época,  constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou  ética militar, etc. ...Saibamos ouvir sem julgar.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 4 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12540: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (5): Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 e terminado 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE), em Tancos

(**) Vd. poste de 16 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10809: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (20): Notícias da minha antiga companhia, a CCAÇ 3460/BCAÇ 3863, e do meu substituto, o alf mil Potra

(...) Canchungo, 18 de Setembro de 1972

Entrei para a tropa em Outubro de 1970. Durante seis meses em Mafra, com a recruta e especialidade, fizeram de mim um pequeno aspirante a oficial miliciano atirador de Infantaria. Fui colocado no Batalhão de Caçadores 5, em Lisboa, onde dei instrução a soldados durante um curto espaço de tempo.

Segui para Tancos, para a Escola Prática de Engenharia e em dois meses tirei um curso de Minas e Armadilhas. Fui mobilizado para a Guiné e colocado no Regimento de Infantaria 1 na Amadora, para formar Batalhão, exactamente este Batalhão 3863 que veio para o chão manjaco. A minha companhia 3460 foi parar ao Cacheu, mas eu não parti para a Guiné juntamente com estes homens.

Uma operação a uma velha luxação crómio-clavicular no ombro direito, resultado de uma cena de pancadaria em que fui o personagem principal quando tinha dezassete anos, devidamente explorada, possibilitou-me a passagem aos serviços auxiliares. Fui reclassificado com a especialidade de Secretariado e desmobilizado. (...)

(***) Vd. postes anteriores desta série O Segredo de...

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

(..) Estando com o meu grupo de comandos no Xitole, sensivelmente em meados de 1965, fomos fazer uma patrulha de reconhecimento pois o inimigo há muito mostrava sinais de intensificar a sua actividade na região. Porém, as informações eram escassas. Desconhecia-se com precisão por onde andavam os guerrilheiros e as possíveis localizações dos acampamentos. Por tal facto, foi-nos dada a missão de efectuar um reconhecimento ofensivo, tentando localizar o destruir o inimigo. (...)
30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

(...) Tinha acabado de receber notícias trágicas acerca da morte dos meus dois amigos de infância.Isolava-me e chorava e este sentimento de perda prolongou-se por alguns dias.O poiso escolhido era o topo da paliçada, onde fingia estar a fazer a vigilância habitual, embora perfeitamente exposto. Apetecia-me morrer. Foi terrível. P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira) (...) 

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato

(...) Tinha-a comprado no Porto. Era equilibrada adaptava-se muito bem à minha mão, éramos inseparáveis e até dez passos o lançamento não falhava o alvo. Levantou 1032 minas, mas nunca chegou a ser usada em/contra alguém. Um dia, numa operação na zona de P. Matar, embrulhei (amos) forte e feio. (,,,)


11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

(...) Numa das saídas das explorações que nos eram confiadas, foi apanhado um guerrilheiro e feito prisioneiro. Quando o pessoal chegou, já era noite. Não eram horas de entregar o prisioneiro à PIDE. Então o capitão lembra-se da brilhante ideia, como o Colaço está de serviço permanente ao posto rádio, fica a guardar o prisioneiro. Ordens são ordens e não há que contestar. (...)


4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

(---) Das nossas lides bloguísticas eu sabia, talvez há mais de dois anos, que o meu amigo e camarada Virgínio Briote acalentava a secreta esperança de um dia poder entrevistar (ou ter uma conversa franca com) o Luís Cabral... Fez várias tentativas. Em vão. Até que a morte do histórico dirigente do PAIGC, ocorrida há dias em Lisboa, veio fechar-lhe a última porta (...) 

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

(...) Amigos e Camaradas Editores, há muito que quero contar um facto real que se passou comigo e o grupo do PAIGC da minha zona de guerra que era Bajocunda, mas como é um facto que pode ser sensível a alguns Camaradas de blogue. (...)

(...) Apesar de me terem advertido para a eventual polémica a propósito da revelação da entrega de gasóleo ao PAIGC , surpreendeu-me a quantidade e agressividade dos comentários produzidos. Vou tentar clarificar as coisas. (...)


(...) Eu era um simples Aspirante a Oficial. Não tinha culpa de levar a sério a minha posição. Já tinha estado no RII 19 no Funchal nos meus primeiros meses de activo depois do curso de Oficiais Milicianos em Mafra. Destacado para Évora para preparação da Companhia que me iria levar para o Ultramar, eu levava as minhas responsabilidades muito a sério. Se era para ser Oficial de Dia ao Batalhão, era mesmo Oficial de Dia.(...) 


(...) O meu irmão, José dos Santos Moreira, [Fur Mil,] fez parte da CCAV 2483, Cavaleiros de Nova Sintra, BCAV 2867 [, Comando e CCS em Tite]. Em 1969 feriu a tiro de G3 o Cap Médico do batalhão.Regressou a Portugal em 28 de Dezembro de 1969. Teve baixa de serviço por incapacidade física em Março de 1970. Foi julgado no Tribunal Militar Territorial do Porto, em Novembro de 1973. Libertado depois do 25/4/74. (...)


(...) Desde há algum tempo tenho vindo a pensar que nem sempre éramos correctos no nosso relacionamento com os civis e que essa faceta raramente ou nunca tem sido aqui objecto de qualquer relato. Parecendo-me que esta perspectiva da nossa (con)vivência com a população também faz falta à verdadeira história da guerra do ultramar ou colonial, eis-me aqui a falar de mim, falando dos meus pecados (...)



(...) Vou contar a história real dum ataque a Bissau feito em 1971. Um dia, eu e o meu amigo Julião Pais dos Santos (o Django), pensámos em atacar Bissau... Dito e feito. Mas faltava a estratégia. Depois de alguns dias a pensar na estratégia, finalmente chegou a luz ao fundo do túnel. (...)

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)

(...) Uma das primeiras operações (a segunda, depois de uma ida ao Óio) que o Amadú fez, integrado no Grupo Fantasmas, do Alf Saraiva, foi no meu conhecido Buruntoni, no Xime, em 11 de Novembro de 1964. Na véspera, o grupo deslocara-se de barco, de Bissau até ao Xime. A 11, andaram toda a noite, a corta-mato, com um guia local. Como era quase inevitável, nas matas do Xime, o guia perdeu-se. O objectivo era um acampamento da guerrilha. Chegaram ao Buruntoni por volta das 7h00, quando o sol já ia alto… Deparam-se, entretanto, com um “rapazito de 8 ou 9 anos” (...)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9090: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (5): O desenrascanço... na justiça militar!

1. Mais uma história do José Ferraz (ex-Fur Mil, Op Esp, CART 1746, Xime e Bissau, 1968/70; era filho de um oficial da Marinha, e está radicado nos EUA há desde 1970):


Quando prestava serviço na CCS/QG em Bissau, uma vez por mês tinha que prestar serviço como sargento da guarda na prisão do QG (à direita da porta d'armas do dito quartel), guarda de honra em funerais locais e ainda montar segurança no Pidjiguiti ao navio de abastecimento quando atracado nas suas fainas.


Numa dessas missões estava eu com a minha secção a bordo do Carvalho Araújo quando um soldado me veio informar que o condutor do jeep que me estava designado, estava no porão de vante com uma grande bebedeira (era Balanta). Fui pelo convés até esse porão, olhei para dentro e vi que o grupo de estiva,  ao carregar a rede de estiva,  tinha partido um das centenas de caixas de uísque e estavam,  todos eles,  a festejar. Entre eles algums dos meus soldados (manga de ronco).


À hora do almoço tinha que ir à messe de sargentos comer e o condutor bêbado... Como tinha carta militar,  nem sequer pensei que o que aconteceu em seguida me iria criar tantos problemas. Pus o condutor no assento do passageiro e conduzi o jeep do cais, passei pela messe a caminho da Companhia de Transportes do QG onde deixei a viatura e pedi outro condutor.


Nunca mais pensei nisso. Dias depois fui chamado ao gabinete de um alferes da CCS/QG para prestar declarações no âmbito de um auto de averiguações  que me tinha sido levantado quando um furriel me tinha visto a conduzir esse maldito jeep. Fui falar com o tenente coronel, chefe da justiça, que por acaso conhecia o meu pai, e expliquei-lhe a alhada em que estava metido (, a dois meses antes de acabar a minha comissão).
- Eu não posso acabar com o inquérito mas deixe-ver o que é que se pode fazer.

Dias depois dei-me conta que este assunto não andava nem desandava e o tempo a fugir e a minha data de embarque a aproximar-se... Dois dias antes do meu embarque para Lisboa,  o bendito tenente coronel chama-me ao seu gabinete e diz-me:
- O nosso furriel foi condenado a 12 dias de prisão disciplinar agravada pelo CCM [, Comandante do Comando Militar,], pelo que na ordem do dia de amanhã sai a ordem de que se apresentou no QG para começar a cumprir essa pena...

Continuou o bendito TC:
- Depois de amanhã, no seu dia de embarque, vai sair na ordem desse dia o seguinte: 'Saiu hoje da prisão do QG o furriel etc., etc,  depois de cumprir a sua sentença,  etc., etc.'... 

E prosseguindo:
- O nosso furriel faz as malas e... aqui está a tua guia de marcha... Embarcas, ficas muito caladinho e boa viagem!...  Não te esqueças de dar os meus cumprimentos aos teus pais.
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Nota do editor:

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6630: Tabanca Grande (227): Rui Barbot / Mário Cláudio, ex-Alf Mil, Secção de Justiça do QG, Bissau (1968/70)




Guiné > Bissau > Quartel General > Ex-Alf Mil Rui Barbot Costa, que fez o serviço militar obrigatório na Secção de Justiça do QG... Aí conheceu, em 1970,  o nosso camarada Carlos Nery. O Rui, aliás Mário, passou doravante a pertencer à nossa Tabanca Grande, trazido pela mão do nosso camarada Carlos Nery. Já está na lista alfabética, de A a Z, na Letra M,  como Mário Cláudio.

Fotos: © Mário Claúdio (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Nery (ex- Cap Mil Inf,  CCAÇ 2382, Buba, 1968/70):

Caros Camaradas,

Junto o texto que me acaba de enviar o Rui Barbot, meu amigo desde 1970 em Bissau. 

Tivemos arte e engenho para, nessa altura, organizar um grupo de teatro, aliciar pessoas para esse empreendimento e, do nada, levantar um espectáculo. Quem se compromete numa tal "sopa de pedra"  fá-lo para toda a vida... Não há divórcios possíveis... 

Pergunto-me onde anda quem nela deitou o sal e os temperos e a ajudou a pôr ao lume; estamos a preparar um Poste sobre essa experiência e gostaríamos de reunir depoimentos, ou a seu pretexto, reunirmo-nos nós...

O Barbot, além de uma das molas impulsionadoras, foi um dos actores que tive a grata oportunidade de dirigir. Já lho disse e repito sem hesitar, se não tivesse optado pela escrita, que domina como o texto que se segue evidencia ["Para o livro de ouro do Capitão Garcez"], poderia ter sido um grande actor. Tinha a intuição, a inteligência e o "nervo" necessários para tal. Ganhou-se um grande escritor e, não o esqueçamos, um grande dramaturgo. Não se ficou a perder...

Carlos Nery

2. Mensagem do Rui Barbot / Mário Cláudio (cujo endereço de email não divulgamos, para já), com data de 17 do corrente, dirigida ao Carlos Nery

Meu Caro Carlos Nery,

Aqui segue o que lhe prometi. O que não constar dos anexos seguirá depois, ou irá ter-lhe às mãos por via postal.

Grande abraço amigo do
Rui Barbot

3.  Breve nota biobliográfica de Mário Cláudio, pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa , baseada em elementos fornecidos pelo próprio e/ou recolhidos pelo editor L.G, na Internet ou nos livros do escritor.

  [ P - Neste momento, estou a falar com o Mário Cláudio ou com o Rui Barbot Costa? R - Está a falar com os dois ao mesmo tempo, embora a segunda entidade a que se referiu tenda a desaparecer cada vez mais, porque, entretanto, se avolumou o autor. Excerto de uma entrevista, em 2/2/2009, ao JN- Jornal de Notícias ]

(i) Nasceu no Porto [, em 1941]. ["Não sou um escritor do Porto. Sou um escritor no Porto, que é uma coisa diferente".]

(ii) ["Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos"].

(iii) [Fez o liceu no Porto; em seguida, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo depois se transferido para a Universidade de Coimbra]; 

(iv) Licenciou-se, em 1966, em Direito, pela Universidade de Coimbra;

(v) É igualmente diplomado com o Curso de Bibliotecário-Arquivista, pela mesma Universidade, Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais, pela Universidade de Londres [, em 1976];

(vi)  ["Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, 'Ciclo de Cypris', publicado no ano seguinte".]

(vii) Ficcionista, poeta, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é autor, entre outros, dos volumes de poesia Estâncias e Terra Sigillata, dos romances Amadeo, Guilhermina, Rosa, A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins, As Batalhas do Caia, O Pórtico da Glória, Peregrinação de Barnabé das Índias, Ursamaior, Oríon, Gémeos, Camilo Broca e Boa Noite, Senhor Soares, e das peças de teatro Noites de Anto, O Estranho Caso do Trapezista Azul e Medeia

(viii) Tem numerosíssima colaboração dispersa por jornais e revistas, portugueses e estrangeiros. 

(ix) Está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata. 

(x) Recebeu os seguintes galardões: 

Grande Prémio de Romance e Novela (1984), da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio de Ficção, da Antena 1;
Prémio Lopes de Oliveira;
Prémio de Ficção, do PEN Clube Português;
Prémio Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa;
Grande Prémio da Crónica, da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio Pessoa (2004);
Prémio Vergílio Ferreira (2008);
Prémio Fernando Namora (2009).

(xi) Foi galardoado pelo Presidente da República com a Ordem de Santiago da Espada [, em 2004,] e pelo Governo Francês com o grau de Chevalier des Arts et des Lettres.

4. Comentário de L.G.:

Mário, sê bem vindo à Tabanca Grande, a  caserna virtual aonde se acolhem os camaradas (e os amigos) da Guiné... O tratamento romano é norma, entre homens que estiveram física e psicologicamente muito próximos uns dos outros no Teatro de Operações  (TO) .

 Não podemos ignorar que és mais famoso, pelos teus livros (e prémios), do que  nós todos juntos.  Isso não nos impede de nos sentirmos irmanados pelas circunstâncias da vida que nos levaram à Guiné, no longo período em que decorreu a a guerra do ultramar / guerra colonial / luta de libertação (1963/74) (conforme os 'óculos' do observador)...

Como fazemos gala de dizer (e de tentar praticar) os amigos e camaradas da Guiné têm como maior denominador comum a experiência de (ou a relação com) a guerra colonial, a guerra do ultramar ou a luta de libertação na Guiné, entre 1963 e 1974... Tudo o mais que nos possa separar (a idiossincrasia, a ideologia política,  a religião, a nacionalidade, a origem social, a etnia, a cor da pele, as antigas patentes e armas, a orientação sexual, a riqueza, a fama,  o proveito, etc.), é secundário. Direi secundaríssimo.

Sabemos que, pelos teus afazeres de escritor activo, produtivo e famoso, um dos maiores da língua portuguesa actualmente vivos, e potencialmente Nobelitável, não terás muito tempo para, com regularidade, escreveres no nosso (e doravante teu) blogue,  e/ou compareceres nos nossos convívios períódicos (Tabanca Grande, anualmente, em Monte Real; Tabanca de Matosinhos, semanalmente, em Matosinhos; Tabanca do Centro,  em Monte Real, trimestralmente, etc.).

Mas fica a saber que será um grande prazer, para mim e para os restantes amigos e camaradas da Guiné, conhecer-te em pessoa, ao vivo, um dia destes. Somos calorosos, às  vezes até demais, fervendo em pouca água com alguns ditos & escritos. Mas vamos regando, todos os dias, a nossa cultura da tolerância...

Já leste, de certo, os nossos "dez mandamentos" (disponíveis na coluna do lado esquerdo do nosso blogue), o último dos quais diz o seguinte: "(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos"...

Agradeço-te antecipadamente o envio do texto, soberbo (e julgo que inédito), "Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez", que nos chegou, juntamente com as fotos, através do Carlos Nery... Oxalá o nosso blogue também te possa inspirar muitas outras e boas histórias relacionadas com este povo, fantástico e às vezes demasiado humilde, de soldados, marinheiros, poetas e aventureiros. de quem os altivos castelhanos diziam: "Portugueses, pocos, pero locos".

É, naturalmente, também uma honra, para nós, poder publicar e ler em primeira mão textos, de ficção ou não, de um grande escritor como tu, que também foi nosso camarada. Bem hajas. Prometo publicar o teu primeiro texto  muito em breve. LG.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P5003: Controvérsias (36): A Justiça Militar e os presuntos implicados (João Seabra)

1. Uma peça (de antologia, de finíssimo humor...) que eu acabo de receber do ilustre jurista João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Piratas de Guileje (Guileje, 1972/74), e querido (como todos os demais) membro da nossa Tabanca Grande:

Caro Luís,

Recebi, há dias, um mail teu em que vinha anexo o actual RDM (*).

Andando para trás no blogue, encontrei uma sugestão tua para que eu e o Jorge Cabral, entre outros, nos pronunciássemos sobre as hipotéticas consequências criminais do constante numa narrativa do Amílcar Ventura (**).

Antes de mais, deixa-me dizer-te que tenho o Amílcar na conta de boa pessoa. Aliás, já foi muito simpático comigo, a propósito de uma correspondência tumultuária que manteve, há tempos, com um terceiro e que desencadeou, por iniciativa deste último, numa grande agitação em cavalariças e canis.

Todavia, aqui para nós, parece-me (podendo estar enganado) que a história dele é uma fantasia que terá descambado em convicção. Aliás não é a primeira, nem será a última, que aparece no blogue.

O menos que se poderá dizer é que o frete foi muito pouco produtivo. Porque não levou ele mais dois ou três bidons de gasóleo? Era para uma emergência?

De qualquer modo, o RDM dispõe sobre ilícitos disciplinares, e a matéria de que se trata é de natureza criminal e está contemplada no Código de Justiça Militar (CJM). Que eu saiba, ao CJM em vigor em 73-74 seguiu-se outro de 77, outro de 2003, e ainda outro mais recente.

Acontece que as minhas áreas de actuação profissional são as do direito fiscal e do direito das sociedades. Neste momento, por exemplo, estou muito atrapalhado porque tenho de opinar urgentemente sobre a vexatória questão da hipotética neutralidade fiscal da fusão inversa. Se calhar vou-lhe chamar reverse merger porque, como diria o Serafim Saudade, “o verdadeiro artista é o que fala estrangeiro”.

Do CJM ocorre-me – “entre as brumas da memória” – a curiosa figura do “presumido delinquente”, e pouco mais. E mesmo assim, porque – por vezes e com grande gáudio – ouço colegas espanhóis aludirem aos “presuntos implicados”.

Para tratar adequadamente a vertiginosa questão da sucessão de leis penais, e da qualificação da hipótese em causa, a pessoa indicada é, realmente, o Jorge Cabral. Mas seria um desperdício, porque o iria distrair das valiosas opiniões periciais que nos vai dando sobre matérias menos áridas.

No fundo seria preferível encerrar o assunto, como o fez, há muitos anos, um magistrado do Ministério Público, quando soube que tinha sido bem sucedido num concurso para a carreira diplomática.

Os impulsos processuais do Ministério Público, designam-se, no nosso jargão, por “promoções”.

Vai daí o nosso futuro diplomata, no primeiro processo que lhe chegou às mãos, exarou o seguinte:

Tendo decorrido o prazo,
e operado a prescrição
vão os autos para arquivo
- eis a minha promoção.


Aplicando o que antecede a mim próprio, diria que muito me preocupa a eventualidade de, involuntariamente, concorrer para envenenar o ambiente de um blogue fundado por um grupo de amigos e que vive, sobretudo, da inexcedível dedicação dos seus editores.

Assim sendo, vou fazer o possível para, de futuro, escrever apenas para arquivo ou para “presuntos interessados”. Se e quando tiver tempo, já se vê.

Abraço amigo do
João Seabra

P.S.: Uma observação (ou “nota”, como se diz agora) final. Fiz serviço militar na Guiné na condição de “compelido”. Mas, uma vez lá, a situação, para mim, era muito simples: de um lado estavam as nossas forças (às quais eu pertencia) e do outro o inimigo. Tudo o mais são subtilezas que estão fora do meu alcance.

[ Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Dirigido ao Jorge Cabral e com conhecimento a outros juristas da nossa Tabanca Grande:

"Jorge: Aqui tens o novo RDM... Não sei se tens tempo e pachorra para o analisar, do ponto de vista daquilo que pode interessar ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande".

(**) Vd. poste de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias

domingo, 5 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4143: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (5): A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

1. Mensagem de António Paiva (*), ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70, com data de 1 de Abril de 2009:

Caros Luís, Carlos e Virgínio

Vou falar de mim.
António Paiva


A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

Soldado e Furriel

Tendo regressado em Junho de 1970 a bordo do Carvalho Araújo com destino à disponibilidade, senti-me feliz, missão cumprida. Estou livre.

Em Novembro do mesmo ano, 5 meses depois, algo me surpreende, recebo em minha casa um postal do Ministério do Exército a notificar-me com apresentação obrigatória, dia tantos de tal, no Serviço de Justiça em Sapadores.
- Mau, que querem de mim, que fiquei a dever, que tenho para pagar?

Muitas perguntas fiz a mim próprio e não encontrei respostas.
Comecei a pensar:

- Como me apresentei com um dia de atraso no CICA 5 em Lagos e ouvi dizer que dava uns dias de prisão, o que não veio a acontecer, segui em frente ficando registado na caderneta como Refractário, apresar de estar registado na caderneta a data certa 18 de Setembro de 1967.

- Por cá, nada mais de anormal se passou, só fui uma vez ao Cais da Rocha e duas ao aeroporto, na segunda vez embarquei por ter faltado um Oficial.

- Na Guiné, em Novembro de 1969, a faltar poucos meses para fim de comissão, tive um acidente com um táxi na Estrada de Santa Luzia, mesmo atrás do Hotel Avenida (penso que era assim que se chamava) tendo o mesmo batido na porta do prédio, a meu lado levava um camarada que me tinha pedido boleia no QG até á Amura, grande amigo, que ficou com leve ferimento na testa por ter batido no pára-brisas, o qual partiu, mas foi-se embora dali para me evitar um Auto de corpo-delito.
No dia seguinte estava no Hospital o senhor António, à minha procura, dono do Restaurante que havia na estrada entre os Adidos e a BA12, onde íamos comer o bacalhau assado, para me informar que tinha ido ao QG assinar um termo de responsabilidade pelo acidente e que o processo iria ser arquivado. Este senhor era também dono do Táxi. Dias depois saiu no Boletim Informativo do Hospital o arquivamento.

- No dia 31 de Dezembro de 1969, não por culpa minha, mas sim do whisky, sou apanhado na estrada do aeroporto com excesso de velocidade, levo 10 dias de detenção, a minha sorte foi não soprar no balão, senão os dias eram mais. Era fim de ano.

- No dia em que cá cheguei, fui aos Adidos, não me aceitaram, teria de ir ao RSS em Coimbra por ser a Unidade a que pertencia e só lá podia passar à disponibilidade e entregar a restante farpela militar.
Tudo bem, fui para casa tomar banho, que bem precisava, almoçar com meus pais e depois parti para Coimbra, onde cheguei pelas l6h e 45m.
Azar, bati com o nariz na porta, a Companhia a que eu pertencia, Auto Macas, tinha fechado mais cedo, só lá estava o cabo com quem falei e lhe disse:
- Já que aqui estou, vou lá cima ao Norte ver a família, Castro Daire, e amanhã mais cedo passo por cá.
E assim fiz, às 15h do dia seguinte lá cheguei, fui ter com o cabo que prontamente me diz:
- Estás f…, o Sargento não me deixou fazer o espólio do que cá deixaste, que vinhas à civil e não te apresentaste a ninguém, tens de ir falar com ele e podes ter 15 dias de prisão à perna.
Quem teve o corpo todo, 33 meses e 7 dias, preso à vida militar, 15 dias à perna não seria grave.
Lá fui ter com o sargento, figura cativa do quadro.
Depois de dizer tudo o que tinha para dizer, ao fim de alguma conversa entre ambos, volta a olhar para os papéis, pensei que antes não os tinha visto bem, olhando para mim me diz:
- Os c… que vem da Guiné, vem malucos, vá-se embora.
- Obrigado. - Agradeci.
Lá fui com o cabo entregar o que tinha.

Tudo isto era os meus pensamentos até ao dia em que tinha de lá ir. Algo teria ficado mal e eu não tinha pago no tempo.

Chegado o dia, lá me dirigi à Secção de Justiça em Sapadores, onde fui recebido por um Capitão.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Recebi este postal para me apresentar aqui.
- Sim, senhor. É o sr. António Duarte de Paiva?
- Sou.
- Com o numero mecanográfico O6243167?
- Sim.
- Esteve na Guiné?
- Estive.
- Veio cá de férias?
- Vim.
- Mas não voltou.
- Voltei, sim.
- Como pode ser, se você está aqui.
- Diga o que se passa.
- Você é Furriel, estava numa Companhia do Batalhão 1911 (penso ser este o número que ele disse) veio cá de férias e desertou, pode ficar detido.
- Se fui Furriel, o Estado deve-me dinheiro, recebi como Soldado, aqui tem minha caderneta.

O Senhor Capitão, examinou a Caderneta, só me disse:
- Desculpe, há aqui um lapso.
- Lapso não, erro e bem grande!

Resolvido o problema, lá vim embora em liberdade.

Será que esse Furriel existiu ou foi só imaginário? Se existiu, safou-se bem com o meu nome e nunca foi procurado.

O certo, é ter sido mais um erro dos muitos que se cometeram nesse tempo.

Um abraço
António Paiva


2. Comentário de CV:

É caso para dizer que um homem cumpre o seu tempo de comissão integralmente, já depois de estar a gozar a peluda, não merece apanhar um susto destes.

Sabendo nós como funcionam os burocratas, que logo pela manhã, quando começam a trabalhar, ligam a máquina de complicar e então na Tropa muito pior, devido a uma cadeia hierárquica, em que cada um pisa com prazer o de baixo, o nosso camarada António Paiva teve muita sorte em não ser graduado em Furriel, só para apanhar com a porrada destinada ao outro sortudo desenfiado.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo

terça-feira, 31 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2013: Questões politicamente (in)correctas (31): o racismo e a disciplina militar (Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 52 > Natal de 1970 > Comentário do BS: A fotografia chegou-me a Lisboa depois do Natal de 1970. Tem escrito Recebe um abraço do Nelson Reis, Fá, Natal de 1970. Parti do Xime para Bissau a 4 de Agosto desse ano. O Nelson Wahnon Reis chegara meia dúzia de dias antes. Creio que se cometeu um erro tremendo com a sua nomeação para um pelotão de fulas e mandingas, felizmente que tudo acabou em bem. A seu tempo falarei desse período na Operação Macaréu à Vista. Agradeci as notícias, mas logo informei que estava a preparar exames, o que não era bem verdade. Estava tomada a decisão de cortar radicalmente o contacto, tinha aqui os estropiados, e chegaram mais, nos anos seguintes. O Nelson está ao centro, de pé. Tem a sua direita, já bem gordinho, o Cabo Queirós, o 81 ( ajudava-me no morteiro, nos dias de festa...), sentado à direita, de mão no queixo o meu inesquecível guarda-costas, Tcherno Suane. Comentário do L.G.: O Alf Mil Nelson Wahnon Reis, que foi substituir o Beja Santos, no comando do Pel Caç Na52 (entretanto transferido para Fá Mandinga, por troca com o Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, que foi para Missirá) era natural de Cabo Verde.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Disparidade de Critérios: Cabo metropolitano ou cabo guineense?

por Beja Santos

Luís, tu questionaste-me se a minha reacção face ao comportamento repreensível do Cabo Benjamim Lopes da Costa (ver episódio "Mataste uma mulher, branco assassino!") (1) teria sido idêntica caso tivesse ocorrido com um Furriel ou Cabo metropolitano. Desculpa só hoje responder, foi só por pura falta de tempo.

Respondo sem hesitar: sim, teria sido a mesma. A minha relação com e Cabos não tinha distinção, orientei-me sempre pela dedicação, motivação e competência. Para falar só de Benjamim, meses mais tarde sobre esta triste ocorrência, ele foi louvado por "ter demonstrado excepcionais condições de trabalho, desembaraço e entusiasmo em todos os serviços de quem tem sido encarregado... Abnegado e competente, também nas actividades operacionais se revelou um elemento cumpridor e com quem se podia contar".

Em 1971, tinha já a guerra acabado para os dois, convidou-me para padrinho de casamento (assistiu e participou na boda do meu casamento, em Abril de 1970), não podia nem queria aceitar, enviei-lhe a prenda que ele me pediu, as alianças. Através do irmão, o Benicío Lopes da Costa (foi secretário-geral da Assembleia Nacional Popular e brilhante aluno de Filosofia da Cristina) fui sempre tendo notícias e estivemos juntos em 1991, por várias vezes. Veio a morrer num estúpido acidente de automóvel.

Tu, que conheces melhor que ninguém o volume publicado no blogue, não encontras discriminação nos tratamentos. Havia três Furriéis, aparece sempre o Casanova e o Pires, nunca escrevo sobre o Pina, que adoptou connosco um estranho comportamento de um desenfianço permanente (terá direito ao episódio "O dedo mindinho do Furriel Pina"). No entanto, ele será transferido para o [Pel Caç Nat] 63 e receberemos o Furriel Vitorino Ocante, um guineense, um homem afável, cumpridor e competente.

Não te esqueças igualmente que eu sempre tratei o Cabo Costa como o mais culto dos meus colaboradores. Era um papel de Bissau, frequentou o liceu e tinha uma preparação cultural muito acima da média. Na emboscada de Malandim (1), produto das circunstâncias, certamente por ser a primeira vez que via sangue, o Benjamim fraquejou. Ou eu cortava a direito ou o sentido de justiça que é crucial na comunicação com a tropa guineense estava definitivamente perdido e os meus créditos arruinados. Vi assim, sentia assim, se voltasse atrás teria procedido assim.

Beja Santos

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Nota de L.G.

20 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
Comentário ao post:

Luís Graça disse...

Meu caro Mário e restantes camaradas da Guiné: Uma das regras de ouro do nosso blogue é: Ninguém condena ninguém!... Nenhum camarada que fez a guerra da Guiné diz para outro camarada de armas, a esta distância (de 33 a 44 anos): Foste herói, ou foste coberde, ou foste assassino, ou foste criminoso de guerra... Ninguém, nesta caserna, está em condições de dizer, olhos nos olhos, a outro camarada: Procedeste bem, procedeste mal...

Nenhum de nós quer ser ou pode ser juiz em causa própria: Mal ou bem, estivémos num lado da barricada; lutámos ou fingimos que lutámos; matámos (por muito que nos custe admiti-lo); destruímos aldeias, meios de vida, gado; envenenámos poços; regámos culturas de arroz com napalm... Como em todas as guerras, defendemos e atacámos. E, como muito bem nos lembra o Briote, fizémos escolas, abrimos centros médicos, mobilizámos milhares de jovens guineenses, criámos a ilusão da Guiné Melhor... Enfim, fomos capazes de fazer a paz, em condições dífíceis...

Há guineenses, hoje - não posso quantificar - que guardam boas recordações de nós; outros nem tanto... Na realidade, a guerra colonial foi também uma guerra civil, em que valia tudo (ou quase tudo), incluindo a demagogia...

Serve este preâmbulo para saudar o Mário Beja Santos pela sua coragem e honestidade intelectual. Toda a gente sabia, na Bambadinca do meu tempo, que ele montava emboscadas, à noite, às gentes de Madina (leia-se: às forças do PAIGC) que vinham abastecer-se nas aldeias ribeirinhas do Rio Geba, de etnia balanta, que por sua vez faziam as suas trocas comerciais com os comerciantes (brancos) de Bambadinca...

Alguns de nós, como eu, não apreciavam muito o comportamento (militar) do Tigre de Missirá que levava a sua missão até ao extremo limite das suas forças... Por isso, ele teve a sua cabeça a prémio... Mas na véspera de acabar a sua comissão, quando escapou por um triz de uma mina, os seus camaradas da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852, e de outras unidades, atravessaram a bolanha de Finete, de noite, para ir em seu socorro... Ele era nosso camarada. E eu também estive lá. Eu, o Humberto, o Carlão e tantos outros.

Hoje, ao ler os seus escritos, que temos vindo a publicar ao longo de um ano, eu entendo melhor os terríveis dilemas morais de um homem só, a quem foi confiada uma missão hercúlea, quase impossível...

Não vou julgá-lo, não tenho esse direito, a respeito do que se passou na emboscada de Malandin, no dia 3 de Agosto de 1969, às 19h...

Quero apenas acrescentar que também sou capaz de entender (compreender, o que não implica nenhum juízo de valor) o comportamento do 1º cabo Costa, papel, oriundo de Bissau...

Gostava de perguntar ao Mário, qual teria a sua reacção, se em vez do Costa, tivésse sido outro cabo, metropolitano, ou até um dos seus furriéis, o Pires ou o Casanova o autor das terríveis palavras "Assassino, mataste ua mulher"!... É uma mera hipótese teórica, mas a questão é interessante para suscitar uma reflexão (crítica) entre todos os camaradas que fizeram aquela guerra e que tinham, nas suas fileiras, militares guineenses, como foi o caso do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, do Pel Caç Nat 53, do Paulo Santiago, do Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, da CCAÇ 13, do Carlos Fortunato ou da CCAÇ 12, do Luís Graça, do Humberto Reis, do Joaquim Fernandes, do Tony Levezinho, do Abel Rodrigues ...

Como é que eu ou qualquer um de nós teria reagido se houvesse, nas nossas fileiras, alguém, camarada, a gritar-nos na cara: "Assassino, mataste uma mulher!"...

Retomando as palavras de Jesus Cristo, quem de nós, hoje, está em condições de lançar a primeira pedra a um camarada que foi capaz de pôr o seu nome por baixo de um texto portentoso e ao mesmo tempo perturbante como este, que acaba de ser publicado no nosso blogue ?

Luís Graça