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sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23979: Notas de leitura (1542): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Muito se tem discutido os resultados da Operação Tridente, os ensinamentos que trouxe para responder em termos de contra-guerrilha, etc. É facto que Spínola entendeu que o destacamento do Cachil para nada servia, mas observando a evolução da guerra, a região do Como tinha perdido pertinência, através da República da Guiné encontraram-se corredores e, mais tarde, o Senegal passou a autorizar a passagem de pessoas e bens por toda a fronteira norte, o PAIGC sabia de antemão que não se podia implantar nos Bijagós. Aqui se descreve o papel da FAP na Operação Tridente, os elementos indicados pelos autores comprovam que os dados historiográficos já existentes são sólidos, o que verdadeiramente permanece na penumbra é como Louro de Sousa, e depois Schulz e mais tarde Spínola entendiam o uso de grandes meios e durante um lapso apreciável de tempo. Recordo que houve uma operação que demorou 12 dias, a Lança Afiada (1969), que visava entrar nas bases criadas pelo PAIGC desde 1963 nas margens do Corubal, abaixo da Ponta do Inglês. Foi um fiasco completo, o uso de tantos meios deu tempo a que o PAIGC transferisse o seu potencial armamentista para a outra margem do rio, levaram a população e os alimentos, as nossas tropas encontraram uns velhinhos e canhangulos. Enfim, tanto barulho para nada.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (12)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Estamos exatamente num momento em que os autores abordam os comportamentos militares dos primeiros comandantes-chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. E vamos imergir na Operação Tridente e avançar para o primeiro período da governação Schulz.

No que toca à Operação Tridente, a atividade aérea iniciou-se, tal como acordado, em 14 de janeiro, um Auster lançou folhetos sobre a ilha de Como e Caiar, mais tarde, no mesmo dia, os T-6 dispararam foguetes de 37 mm contra canoas perto de Curco, no Como, e em Poilão de Cinza, uma ilha costeira próxima, enquanto os P2V-5 bombardeavam embarcações e a aldeia de Catabão Segundo, destruindo estruturas do PAIGC. Na sequência destas atividades aéreas, iniciou-se a intervenção por grupos, tropa do BCAV n.º 490 e fuzileiros que desembarcaram em Caiar e Como, não encontraram resistência e iniciaram a sua marcha para norte, os desembarques foram progredindo, as forças portuguesas chegaram às aldeias de Caiar e Cauane, estamos já a 16 de janeiro, começou a resistência do PAIGC procurando retardar a progressão das forças portuguesas, um terreno difícil, com uma floresta quase impenetrável, pântanos e tarrafe. Para apoiar esta progressão, entraram em ação os F-86, isto já em 18 de janeiro, metralhando e bombardeando a floresta e a povoação de Cachil no norte do Como; seguiram-se ataques de P2V-5 na noite de 25 de janeiro; a FAP usou napalm pela primeira vez em 29 de janeiro durante um ataque de F-86 contra a Mara de Cassacá e a povoação de S. Nicolau, mas rapidamente se descobriu que o napalm era uma arma inapropriada contra alvos em áreas densamente florestadas, como veio a reconhecer o comandante da ZACVG, Coronel Francisco Delgado, no relatório que elaborou.

Havia uma necessidade imperiosa de continuar a progressão e usar material bélico apropriado. O governador da Guiné, Comandante Vasco Rodrigues, ex-aviador naval, ajudou a conceber uma solução inovadora, os C-47 lançaram cargas de profundidade antissubmarinas, depois dos técnicos terem substituídos os detonadores por cargas de demolição subaquáticas. Em 1 de fevereiro, um C-47 lançou duas bombas de profundidade de 350 quilos sobre o Como e no dia 21, houve novo ataque descarregando bombas em Curco e na mata adjacente. Durante esta segunda missão, o bombardeiro improvisado foi atingido por fogo de superfície, mas regressou a Bissalanca com danos mínimos. O uso destas bombas improvisadas teria causado poucas baixas no PAIGC, mas as suas detonações massivas terão tido certamente um efeito psicológico desmoralizador no inimigo. O mesmo foi dito sobre os P2V-5, que voltaram à ação na noite de 28 de fevereiro bombardeando a Mata de Cassacá e a povoação de Catabão Segundo, seguido de uma incursão de Neptune à luz do dia no dia seguinte. Foram detonações tão fortes que tremeu o chão onde estávamos, como explicou o então comandante de fuzileiros. Apertou-se o cerco ao redor do produto da guerrilha, combinado com o assédio aéreo implacável, e daí a carta escrita por Nino a pedir reforços em termos frenéticos a outros comandantes da guerrilha. Finalmente, a resistência da guerrilha quebrou; à medida que se avançava em março, as forças portuguesas verificavam que havia menos contactos hostis. Quando a Operação Tridente terminou, em 24 de março, o PAIGC tinha retirado a sua última organização, deixando atrás as suas bases destruídas, tinham abandonado a sua estrutura de apoio militar e logístico para aquela região. Os pilotos da FAP registaram 1105 horas de voo em apoio à Operação Tridente. O ritmo das operações aéreas foi mais intenso durantes as fases iniciais da ofensiva. Durante os 71 dias da operação, houve 781 surtidas, transportaram-se cerda 1500 militares, dispararam-se 710 foguetes, lançaram-se 356 bombas e 40 mil cartuchos.

Obviamente que ocorreram importantes gastos, sobretudo nos helicópteros, registaram-se faltas de pneus e munição, a disponibilidade dos F-86 caiu para metade, dois Sabre ficaram parados por falta de peças sobressalentes. A operacionalidade dos meios aéreos foi crucial para apoiar a ofensiva terrestre, não se podiam usar viaturas no terreno e inicialmente o PAIGC tinha controlo nas vias navegáveis dos canais. O abastecimento das nossas tropas teve momentos críticos, houve mesmo aconselhamento de colher arroz nas ilhas e abater o gado local; as tropas também foram obrigadas a cavar poços para beber água, uma água salobra que levou a bastantes militares ficarem incapaz de combater, tiveram de ser evacuados quase um quinto das tropas terrestres. Na hora do balanço, as nossas tropas tiveram 47 feridos, 9 mortos, um total de 6 aeronaves foram atingidas pelo fogo do PAIGC. Embora a propaganda do PAIGC declarasse que tinha abatido 3 aviões portugueses, a única perda ocorreu no dia 23 de janeiro quando um T-6 pilotado pelo Alferes João Manuel Pité foi abatido perto de Cauane; os seus restos mortais carbonizados foram recuperados pelo mesmo pessoal que ele tinha estado a apoiar. Um outro piloto da FAP, Frederico Manuel de Machado Vidal morreu em 24 de fevereiro atingido na cabeça. O seu observador, o Sargento Pinto da Rocha – felizmente ele também aviador – teve que retirar o cadáver do piloto para operar a aeronave até aterrar em Bissalanca.

Apesar das perdas, a Operação Tridente foi inicialmente considerada um sucesso. O PAIGC teve que se retirar de uma das suas regiões onde estava mais ativo, perdeu 76 combatentes, teve 15 feridos e 9 prisioneiros; a captura de um guerrilheiro permitiu informações valiosas. No longo prazo, a Operação Tridente foi classificada a mais ingrata em toda a guerra colonial, um sacrifício inútil. Instalou-se um destacamento em Cachil, e a partir do verão de 1964, o PAIGC retomou as flagelações. O novo Governador e Comandante-Chefe, Spínola, ordenou a retirada da guarnição portuguesa, deixando aquela região abandonada, e o PAIGC propagandeou-a como zona libertada – transformou uma derrota tática em vitória estratégica.

No auge da batalha do Como, Amílcar Cabral reuniu 60 dos seus dirigentes militares e políticos para uma reunião que rapidamente se transformou em congresso, isto em território continental, em Cassacá, a poucos quilómetros do teatro de operações. Cabral e os outros dirigentes de topo estavam plenamente informados de graves irregularidades cometidas por alguns comandantes militares, havia mesmo fenómenos de tribalismo, foram denunciados crimes abomináveis e fugas de pessoas das zonas libertadas que viviam em estado de terror.

A reunião-congresso de Cassacá durou 7 dias, começou a 13 de fevereiro; foram adotadas medidas de longo alcance para procurar restaurar a unidade e a disciplina do partido; os dissidentes foram drasticamente punidos, entregues a tribunais populares, alguns deles foram executados, assim como aqueles que resistiram à prisão. Cabral impôs a primazia da política sobre as considerações militares, deu-se início à reorganização das Forças Armadas Revolucionárias do Povo – FARP, assente em três pilares, o Exército Popular, a Guerrilha Popular e a Milícia Popular. Criaram-se quadros militares especiais a pensar nas armas pesadas e nos canhões antiaéreos. Para garantir a disciplina política, Cabral fez aprovar uma estrutura de comando duplo, um oficial sénior das FARP exercia o controlo geral das operações de combate enquanto um oficial político assegurava que as atividades militares estavam em concordância com a estratégia delineada pela liderança do PAIGC.

Com a atenção concentrada nas operações do Como, naqueles primeiros três meses de 1965, o PAIGC aproveitou para se implantar no Morés, o que iria complicar as atividades operacionais portuguesas, a área controlava o tráfego rodoviário e fluvial no norte e oeste da Guiné. Não se deu pausa a esta implantação no Morés, a FAP teve presente, houve danos num Alouette II. De 22 a 26 de abril, decorreu a Operação Alvor, uma operação anfíbia na Península de Gampará, a FAP interveio, a operação foi bem-sucedida, limpou-se provisoriamente a península, fizeram-se 13 prisioneiros e estimaram-se 50 baixas. Alvor seria a última operação sob o comando do brigadeiro Louro de Sousa. No dia 21 de maio, o brigadeiro Arnaldo Schulz assumiu as funções de governador e comandante-chefe, considerado a quintessência da linha dura, chegou à Guiné proclamando que vinha vencer a guerra em seis meses, trazia a convicção de que seriam suficientes para tal tarefa mais homens e mais poder de fogo.

Um helicóptero da FAP operando num barco durante a Operação Tridente (Arquivo Histórico da Marinha)
Meios anfíbios usados na Ilha do Como (Arquivo Histórico da Marinha)
Aproximação da Ilha do Como, 15 de janeiro (Arquivo Histórico da Marinha)
Forças portuguesas preparam assalto à tabanca de S. Nicolau (janeiro (Arquivo Histórico da Marinha)
Uma imagem que mostra as dificuldades sentidas na Operação Tridente (Coleção Armor Pires Mota)
Uma imagem do Congresso de Cassacá, à esquerda de Amílcar Cabral está Nino Vieira, o comandante da frente Sul (Coleção Albert Grandolini)
Um destacamento das FARP, equipado com morteiros 60 mm chineses (Coleção Albert Grandolini)
Operações do PAIGC na região do Morés, janeiro-fevereiro de 1964 (Matthew M. Hurley)

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 6 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23965: Notas de leitura (1541): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores passam em revista as facilidades e impossibilidades verificadas para a aquisição de aeronaves, houve uma enorme flexibilidade por parte das autoridades francesas e alemãs ocidentais, foram inúmeras as reticências britânicas e norte-americanas, estas exigiam a declaração formal de que as aeronaves a adquirir jamais iriam ser utilizadas em solo africano; neste trabalho também fica claro o desempenho da FAP na Operação Tridente, como é observado no texto aquela operação nunca teria chegado a bom porto sem o apoio dado aos desembarques, a cadeia de bombardeamentos, os abastecimentos de emergência e o transporte de sinistrados. Penso igualmente que para o blogue é uma fonte de enriquecimento as imagens que Hurley e Matos inscreveram no seu livro e que tiveram a amabilidade de as deixar fixar no nosso blogue.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Estamos exatamente num momento em que os autores abordam os comportamentos militares dos primeiros comandantes-chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental.

Está historicamente comprovado que o Brigadeiro Louro de Sousa falou inteiramente verdade em Lisboa, perante o Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1963, justificando a urgência em reforços e envio de recursos para travar os ímpetos da guerrilha, fundamentava as suas posições com relatórios tanto das forças terrestres, como navais e aéreas, caso do Coronel Krus Abecasis que era o Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea. Este identificou as deficiências mais críticas na organização e operacionalidade da FAP: havia muito pouca cooperação entre os serviços e uma supercentralização das cadeias de comando. Observou ele também uma ausência de coordenação entre os pilotos e as forças terrestres, havia uma concentração de informações nos níveis mais altos do comando, mas os pilotos ignoravam-nas. Foram questões gradualmente resolvidas nos anos seguintes pela introdução de vários mecanismos organizacionais que visavam melhorar a coordenação entre as diferentes forças e entre os escalões de comando.

Há também a registar a melhoria na disponibilidade de aeronaves dadas as boas relações militares e políticas com os governos da França e da Alemanha Ocidental. Dizem os autores que Paris procurou com caráter de urgência, tendo uma força nuclear independente fora da NATO, estabelecer uma estação de rastreamento no meio do Atlântico para o seu incipiente programa de mísseis balísticos, escolheu-se a Ilha das Flores como a base ideal, assinou-se um acordo em 7 de abril de 1964, este acordo de arrendamento da base das Flores teve um impacto positivo na ajuda militar francesa. A França tornou-se no principal fornecedor de armas a Portugal entre 1964 e 1971. Como lembrou o ex-Chefe de Estado-Maior da FAP (1977-1984), o General Lemos Ferreira, “não foi difícil para Portugal comprar material de guerra francês. Que eu saiba, nunca levantaram qualquer problema.” E assim se deu o fornecimento de um número impressionante de helicópteros Alouette III, recém-construídos, o primeiro dos quais foi entregue em 1963. O Alouette III iria desempenhar um papel fundamental na evolução da guerra na Guiné.

O apoio da Alemanha Ocidental à FAP não foi menos importante que o da França. Em 1960, o Ministério da Defesa da RFA identificou a necessidade de uma base de formação, depósito de logística e instalações a fixar como área de retaguarda continental da NATO. Lisboa ofereceu-se para construir uma instalação específica em Beja, que foi inaugurada em 21 de outubro de 1964, designada por Base Aérea N.º 11. Beja tornou-se na primeira base aérea estrangeira alemã, desde a Segunda Guerra Mundial, estará operacional até ao final da década de 1980. O acordo que levou à criação da base de Beja assegurou a entrega por parte de Bona de aeronaves, apesar de um embargo de armas da Alemanha Ocidental a Portugal, após o início das hostilidades em Angola. No final de 1963, o Ministério da Defesa da Alemanha Ocidental concordou na entrega de 46 DO-27 novos e usados e 70 T-6, com grandes descontos, sobretudo para os DO-27. Embora tivesse ficado estipulado que as aeronaves permaneceriam em Portugal e seriam usadas em defesa dos interesses da NATO, o governo português encontrou um expediente dizendo que a defesa do Ultramar servia os interesses da NATO. No final da década de 1960, a RFA tinha vendido ou alugado mais de 200 aeronaves à FAP incluindo os DO-27 e T-6, 40 caças Fiat G.91 e 15 Noratlas, aeronaves que serviram em África.

Lisboa encontrou parceiros menos dispostos a fornecer aeronaves, casos do Reino Unido e dos EUA. Entre 1962 e 1964 Portugal tentou adquirir vários tipos de aviões de combate britânicos, incluindo 6 bombardeiros Canberra, 15 bombardeiros Hunter e, pelo menos, uma dúzia de helicópteros de dimensão média Wessex ou Whirlwind. Lisboa elevou o nível dos seus pedidos, mas o Reino Unido recusou fazer acordo justificando o embargo com as guerras que Portugal travava em África, isto a despeito da Grã-Bretanha inicialmente ter estado inclinada a permitir a venda. O Reino Unido insistiu sempre que Lisboa desse a garantia que os bombardeiros não seriam usados em África, Lisboa recusou. O embargo de armas imposto pelos Estados Unidos da América parecia que iria dificultar tudo, invocava-se sempre a NATO, ficava interdita qualquer venda se qualquer das aeronaves fosse utilizada em África. Quando se soube que havia aviões norte-americanos em África, as relações entre Lisboa e Washington ficaram seriamente comprometidas. Franco Nogueira insistia que as aeronaves eram necessárias para dissuadir as frequentes “intrusões do espaço aéreo da Guiné Portuguesa no Senegal”. O principal aliado de Portugal na NATO suspendeu toda as entregas de todas as aeronaves e materiais prometidos no âmbito do Programa de Assistência Militar, incluindo peças de reposição e equipamentos de manutenção. Além dos F-86 terem ficado formalmente interditos, ameaçou-se o embargo aos P2V-5, F-84 e DC-6. Para atenuar as tensões existentes, Lisboa aceitou as exigências norte-americanas e reencaminhou os Sabre para a metrópole no final de 1964. A partida dos F-86 deixaria a FAP sem nenhum avião a jato na Guiné por quase 2 anos.

No último trimestre de 1963, a situação militar estava profundamente delicada, a guerrilha e a sua propaganda falavam na existência da República Independente do Como, o PAIGC deslocara centenas de militantes para esta região onde deixara de haver presença portuguesa. A dita República Independente incluía 3 ilhas: Como, Caiar, Catunco, separadas por canais estreitos, representava um ambiente clássico para operações de guerrilha. Os comandos militares portugueses tomaram nota dos dois riscos: o efeito da propaganda em meios internacionais e o facto destas ilhas estarem bem posicionadas para ataques e emboscadas em todo o Sudoeste da Guiné e poderem perseguir o tráfego marítimo ao longo da costa Sul. As crescentes bases do PAIGC eram também excelentes pontos de partida para a penetração da Península de Tombali e, a partir daí, em todo o Oeste da Guiné. Esta força de centena de homens do PAIGC era comandada por Nino Vieira acolitado por um grupo de 15 assessores militares ou observadores da República da Guiné. A 13 de dezembro de 1963, o Ministério da Defesa Nacional deu luz verde à Operação “Tridente”. O plano previa uma invasão anfíbia ao longo de múltiplos eixos, apoiada por forças aéreas e navais, o objetivo era ocupar as três ilhas e destruir ou obrigar o PAIGC a abandonar os redutos. Não vale a pena aqui voltar a desenvolver o decurso da operação.

O Comandante-Chefe Louro de Sousa revelava otimismo quanto ao sucesso da operação, otimismo que era igualmente compartilhado pela FAP, o comandante da ZACVG, Coronel Francisco Delgado, deu o seu aval ao plano geral das operações, direcionando as suas unidades para: proteger as zonas de desembarque, em cooperação com a marinha, realizar reconhecimento aéreo, evacuação médica, abastecimento de emergência e fornecer um posto de comando aerotransportado. Antes dos primeiros desembarques (14 de janeiro) foram lançados panfletos nas ilhas, alertando a população civil, era uma tentativa para reduzir as baixas de não combatentes, apesar da perda de surpresa operacional que tal alerta inevitavelmente causava. Os F-86, T-6, bombardeiros P2V-5 foram destacados para os bombardeamentos aéreos, enquanto os Do-27, Auster e os Dakota iriam cumprir as inúmeras funções de apoio; pelo menos um C-47 também foi colocado em serviço e três Alouette III foram envolvidos na operação, foi num desses helicópteros que viajou o ministro da Defesa, General Gomes de Araújo até ao comando de operação na fragata Nuno Tristão, ali se construiu uma plataforma improvisada para a aterragem de helicópteros.

Foram frequentes as avarias dos F-86 na Guiné, os motores tiveram que ser reenviados para Portugal depois de aproximadamente 200 horas de operação (Coleção Touricas)
Dois Alouette III em atividade operacional, no canto esquerdo está um Do-27 (Coleção Tiago Nóbrega)
Portugal tentou comprar bombardeiros Canberra B.2 no princípio dos anos 1960, mas a venda nunca se materializou, acabou-se por comprar aeronaves B-26 (Coleção Fred Willemsen)
Em 1964, Portugal foi obrigado a retirar os F-86 da Guiné devido à decisão norte-americana (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Guerrilheiros do PAIGC na Ilha do Como (Coleção Alberto Grandolini)
Guerrilheiro do PAIGC a colocar uma mina antipessoal (Coleção Alberto Grandolini)
Operação Tridente, janeiro-março de 1964 (Matthew M. Hurley)
Chegada do ministro da Defesa Nacional, general Gomes de Araújo, à fragata Nuno Tristão (Arquivo Histórico da Marinha)

(continua)

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Notas do editor:

Postes anteriores de:

28 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

7 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23769: Notas de leitura (1514): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

25 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)

2 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)

9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

30 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23783: Fichas de unidades (28): BCAV 490 (Bissau e Farim), CCAV 487 (Farim), CCAV 488 (Jumbembem), e CCAV 489 (Cuntima), 1963/65


(Tem 117 referênias no nosso blogue)

Identificação BCav 490

Unidade Mob: RC 3 - Estremoz

Cmdt: TCor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro

2.° Cmdt: Maj Cav Alexandre António Baía Rodrigues dos Santos | Maj Cav Raul Augusto Paixão Ribeiro

OInfOp/Adj: Cap Cav Domingos Vilas Boas de Sousa Magalhães

Cmdts Comp:

CCS: Cap Cav Luís Augusto Rodrigues de éarvalho | Cap Cav Luís Alberto Paço Moura dos Santos | Cap Cav João Luís Moreira Arriscado Nunes | Cap Cav Manuel Correia Arrabaça
Cap SGE António Joaquim Marques

CCav 487: Cap Cav António Varela Romeiras Júnior | Cap Cav Rui Gonçalves Soeiro Cidrais

CCav 488: Cap Cav Fernando Manuel Lopes Ferreira | Cap Cav Manuel Correia Arrabaça | Ten Cav Lourenço de Carvalho Fernandes Tomás

CCav 489: Cap Cav António Ferreira Cabral Pais do Amaral | Cap Cav João do Nascimento de Jesus Pato Anselmo |  Cap Mil Cav António Tavares Martins

Divisa: "Sempre em frente"

Partida: Embarque em 17Ju163; desembarque em 22Jul63 | Regresso: Embarque em 12Ago65

Síntese da Actividade Operacional

Após o desembarque, permaneceu em Bissau em função de intervenção, com duas subunidades em reforço do BCaç 512, a partir de 2ago63, por rotação, a fim de actuarem intensivamente na região de Óio-Morés e Mansoa.

De 14jan64 a 24mar64, assumiu o comando das forças terrestres da  Op Tridente, realizada nas ilhas de Como, Caiar e Catunco, reforçado com outras subunidades, incluindo fuzileiros especiais e paraquedistas.

Em 23mai64, seguiu para Farim a fim de preparar a organização, deslocamento e instalação das forças no Sector C3, mais tarde, Sector 02, então criado e cuja área se encontrava incluída do antecedente na zona de responsabilidade 
do BCaç 512. 

Em 31mai64, assumiu a responsabilidade completa do referido sector, com a sede em Farim que abrangia os subsectores de Cuntima, Jumbembém, Bigene e Farim e a partir de 29jun64 o de Binta, então criado.

Em 25mar65, instalou forças para ocupação da povoação de Canjambari, no seu sector, tendo as suas subunidades ficado integradas no seu dispositivo e
manobra do Batalhão, a partir de 31Mai64.
 
O batalhão continuou a desenvolver assinalável actividade operacional de reconhecimentos, emboscadas, batidas, abertura e protecção dos itinerários e
acções sobre grupos inimigos.

Destacam-se, pelas baixas causadas e pela captura de bastante armamento e outro material, as operações "Jocoso", "Vouga" e "Invento", entre outras.

Dentre o armamento capturado mais significativo, destaca-se uma metralhadora
ligeira, 19 pistolas-metralhadoras, 36 espingardas, 10 minas e 9145 munições de armas ligeiras.

Em 15Jun65, foi rendido no Sector 02 pelo BArt 733 e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, tendo ainda destacado nesse período alguns efectivos das suas subunidades para segurança e protecção dos meios de travessia do rio Cacheu, em S. Vicente.

***


A CCav 487, enquanto na função de intervenção, foi empregada em diversas operações nas regiões de Encheia, Fajonquito, Bissorã e Morés, em reforço de outros batalhões e, integrada no seu batalhão, na Opperação Tridente, atrás referida.

Em 11Mar64, seguiu para Farim a fim de substituir a CArt 640 na função de subunidade de intervenção e reserva do sector, inicialmente na dependência do BCaç 512 e depois do seu batalhão. 

Em 15Ju165, após curto período na dependência do BArt 733, foi substituída em Farim pela CArt 731 e recolheu então a Bissau a fim de se integrar novamente no seu Batalhão até ao embarque de regresso.

***

A CCav 488, enquanto na função de intervenção, foi empregada em diversas operações nas regiões de Mansoa, Cutia, Bissorã e Morés, em reforço do BCaç 512 e, integrada no seu batalhão, na Op Tridente atrás referida.

Após deslocamento por Bafatá, Cambajú, Canhamina e Sitató, ocupou e instalou-se em Jumbembém em 31mai64, assumindo a responsabilidade do espectivo subsector e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu
batalhão.

Em 06Jun65, foi rendida pela CArt 730, tendo recolhido seguidamente a Bissau com o seu batalhão e onde se manteve até ao seu embarque de regresso.

***


A
 CCav 489, enquanto na função de intervenção, foi empregada, com base emMansabá, em diversas operações efectuadas nas regiões de Mansabá, Bissorã e Morés, em reforço do BCaç 512 até 27dez63 e, integrada no seu Batalhão, na
Op Tridente,  atrás referida, tendo ainda sido atribuída temporariamente
ao BCaç 236 e depois ao BCaç 600 para colaborar na segurança e protecção das
instalações da área de Bissau, de 03Set63 a 210ut63, a fim de colmatar a saída
da CCaç 154.

Após deslocamento conjunto com a CCav 488 até Sitató, instalou-se em Cuntima em 31mai64, onde substituíu forças da CCaç 461 e da 1ª CCaç, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector, então criado e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 6jun65, foi rendida pela CArt 732, tendo recolhido seguidamente a Bissau com o seu batalhão e onde se manteve até ao seu embarque de regresso.

Entretanto, a partir de 13jun65, dois pelotões estiveram temporariamente deslocados em Bula, em reforço do BCav 790, por períodos de 10 a 15 dias, com
vista à realização de patrulhamentos e contactos com as populações da região de
S. Vicente.

Observações  - Tem História da Unidade (Caixa n." 127 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 253/255


Imagens: Cortesia de Coleção de Brasões, Guiões e Crachás de Carlos Coutinho (2009)
________

Nota do editor:

Último poste da série > 17  de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23714: Fichas de unidades (27): 1.ª CCAÇ/CCAÇ 3 (Bissau, Nova Lamego, Farim, Barro, Guidaje, Bigene, 1961/74)

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23736: Casos: a verdade sobre... (31): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte II: Visto do lado de lá

Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM desembarcando as NT. Foi a maior ou uma das maiores operações realizadas no TO da Guiné, durante toda a guerra (1963/74). Segundo o Mário Dias, as baixas de um lado e doutro foram as seguinte: das NT, 8 Mortos, 15 Feridos; do PAIGC: 76 Mortos (confirmados), 29 Feridos, 9 Prisioneiros... 

Erradamente, ao que parece, demos a seguinte informação no poste P2406, de 4 de janeiro de 2008 (*): "Na batalha do Como, morreu um dos primeiros heróis do PAIGC, o comandante Pansau Na Isna, cuja história poucos jovens guineenses de hoje devem conhecer, apesar de ter dado o nome a uma das principais avenidas de Bissau". 

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > PAIGC > A Libertação do Komo. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC, 1966 (1). 

Foto: © A. Marques Lopes  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007) 


Infografia: © Mário Dias / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005)

4. Quem foi Pansau Na Isna?  Sabemos pouco da sua vida, é um dos heróis nacionais da Guiné-Bissau, que tem nome de avenida no centro histórico da velha Bissau colonial. 

A Av Pansau Na Isna (antiga Av Alm Américo Tomás) é, a par da Av Domingos Ramos (antiga Av Governador Carvalho Viegas), uma das paralelas à Av Amílcar Cabral (a antiga Avenida da República). Os seus restos mortais repousam no Mausoléu Amílcar Cabral e dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, na Fortaleza de Amura.

Já vimos algumas versões sobre quem foi este homem, que para os guineenses é sobretudo o "herói do Como" (tinha 26 anos quando comandou os 300 guerrilheiros que os portugueses enfrentaram no decurso da Op Tridente). Para os portugueses (ou os "tugas") que o combateram, tende a ser visto como um valente combatente balanta e sobretudo como uma figura  "excêntrica", do qual se sabia pouco, no nosso tempo (anos 60/70),  oscilando "entre o mito e a realidade" (**).

Vejamos agora o que se diz "do outro lado de lá"... É a versão (no mínimo, romantizada),  de alguém, da mesma etnia, balanta, que na década de 80 do século passado, primeiro com 10 anos e depois com 16, já adolescente, ouviu e registou, na sua memória, as conversas tidas com o seu tio, N'tchaagn, antigo companheiro de Pansau Na Isna, tendo com ele resistido à ofensiva desencadeada pelas NT (Op Tridente, 14 de janeiro / 24 de março de 1964). 

Saibamos também ouvir as "histórias do outro lado", o que nem sempre é fácil, entre antigos combatentes...  Nem todos, de um lado e do outro, souberam "fazer as paees"... Mas, por favor, leia-se ou releia-se, a seguir,  o nosso querido amigo Mário Dias (***) que, esse, também lá esteve, na ilha do Como, tal como o tio N'tchaagn... 

E faço minhas as palavras deste srgt 'comando' reformado,  um histórico da nossa Tabanca Grande, um homem sábio e um grande amante daquela "terra verde rubra" (onde viveu na sua juventude e onde combateu), justamente a propósito do balanço final da Op Tridente (***):

(...) "Finalmente, uma palavra de apreço a quantos, de ambos os lados, se esforçaram e sacrificaram superando todas as dificuldades e... sentida homenagem aos que tombaram. A todos. De ambos os lados." (...)

 
Blogue "Intelectuais Balantas na Diáspora" > 20 de janeiro de 2018 > Homenagem a Herói Kpänsau Na Ysna,  conhecido como Pansau Na Isna  > Artigo de opinião do dr. M'bana N'tchiga

[Seleção de excertos / resumo / condensação / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos / itálicos: da responsabilidade do editor do nosso blogue, para efeitos de publicação neste poste... 

Os itálicos   correspondem ao texto, adaptado,  do autor, M'bana N'tchiga ou Na Tchiga, nascido por volta de 1970; os itálicos a negrito são  citação de excertos do  discurso direto atribuído ao tio do autor, antigo guerrilheiro, combatente na Ilha do Como, N'tchaagn; chama-se a atenção para a extrema dificuldade de, para os lusófonos, grafar corretamente os vocábulos da língua balanta (ou brasa), a começar por topónimos e antropónimos; o artigo em causa está, além disso, escrito em mau português... 

Não sabemos onde o autor se licenciou, mas não deve ter sido em Portugal, talvez no Brasil (a avaliar pela construção das frases, pelo uso de termos como "flagrar" ou "codinome", etc.); de qualquer achamos interessante o seu depoimento sobre Pansau Na Isna, mesmo que ele não o tenha conhecido: estava a nascer, em 1970, quando o seu herói Pansau Na Isna morreu, ao que parece em Nhacra... Mas, pelo menos, teve o mérito de  passar ao papel as memórias do seu tio, o que é raríssimo  na Guiné-Bissau, entre os antigos combatentes, que estiveram de um lado ou do outro da barricada... 

Se ele o dr. M'bana N'tchiga nos ler, queremos que saiba que lhe estamos gratos por ter realizado essa tarefa ou missão... 

Com a devida vénia, vamos então reproduzir aqui uma "condensação" do seu artigo, esperando que ela seja amigável para todos e que, no essencial, não traia o sentido das palavras do autor... LG]


Kpänsau Na Ysna (na língua brasa ou balanta) (****), mais conhecido por Pansau Na Isna, nasceu em 1938 e morreu em combate em 1970, aos 32 anos, em Nhacra. 

Era oriundo de uma família balanta (brasa), do sul da Guiné. Era um homem alto, de pescoço saliente e cabeleira farta. Destacou-se pela sua audácia e coragem na batalha do Como (em crioulo,  Köm), com apenas 26 anos. Era o comandante da Baraka Garandi, o quartel-general das tropas do PAIGC, cujos abrigos ficavam a 7 km da praia.

Como quase todos os nomes Braasa, Kpänsau, também tem significado...  
Na língua balanta (brasa), Kpänsau quer dizer literalmente morança ou tabanca acabou, desmoronou-se... Em sentido figurado, pode significar o fim ou aniquilação da geração, do clã, da comunidade...

O "Na" equivale à preposição preposição "de", "do", "da"... E neste caso indica, não a filiação, mas a pertença ao clã, à morança, à tabança (Ysna). 

Os Braasa raramente carregam apelidos dos pais junto aos seus nomes. Daí que se deve entender a horizontalidade e a democracia deste grupo. O filho é do clã e não do pai...

Aos dez anos, em 1980, o autor, M'bana N'tchiga,  ouviu, hipnotizado,  o seu tio, N'tchaagn, antigo guerrilheiro e companheiro do Pansau Na Isna na Ilha do Como, durante a Op Tridente (que decorreu 
de 14 de janeiro a 24 de março de 1964).

 Com sotaque Braasa,  ele disse: 

− Köm... Köm e Kation... Como você não sabe ainda, mas Köm é um dos setores de Kation, ou seja, Catió. De porto de Köm até aos nossos esconderijos distavam 7 km apenas.

Durante os combates, alguns portugueses descreveram-na como a ilha maldita. Para outros, era a ilha que deixava os cabelos de qualquer um em pé.

  De Kation até à ilha eu não sei, mas imagino que seja uma distância de 15, 20, no máximo 30 km. E, como os portugueses  estavam aquartelados em Catió, não podiam  tolerar a presença de terroristas, o termo  com que se referiam a nós, os  de PAIGC, naquela época. Daí o seu interesse em nos expulsar do Como,  definitivamente,  para legitimar e assegurar a sua hegemonia.

E o autor acrescenta, da sua lavra, que um comerciante português, de seu nome Brandão, tinha na ilha um comércio florescente, praticamente sem concorrência. Não havia libaneses na ilha. Noutras partes da Guiné, eram eles, os libaneses, que dominavam o comércio.

 E tio N’tchaagn fez uma pausa  e tomou um gole de seu vinho de cíbi (palma):
 
− O comandante Kpänsau Na Ysna sabia disso. Pois além da gente  que nos informava sobre a manobra e a intenção de tugas na ilha, ele próprio, Kpänsau, era um homem inteligente, um estratega de guerra, um guerreiro nato, corajoso como poucos que conheci. E intransigente, quando a questão era defender a nossa posição. Não gostava de perder. Eu, N’tchaagn, nunca conheci igual. Cada um dos nossos comandantes tem as suas características próprias de comandar, mas Kpänsau continua a ser uma  lenda na minha mente até hoje. 

Pansau Na Isna não estaria na ilha do Como aquando do início  da Op Tridente. 

− Estava em missão fora da ilha. Não sei muito bem, estava lá para os lados de M’brüi (Caboxanque), Tchüm-Kpáss (Cadique) ou Yembrém (Jemberém)...

Ao saber que a ilha do Como ia ser atacada pelo exército português, apressou o seu regresso, andando na maioria das vezes à noite e  atravessando Tchüm-Kpáss (Cadique), Flágck-N’ñandy (Ilhéu de N’fandá), Kybíl, Katün, atravessando pântanos e bolanhas, até chegar ao interior do Como.

A guerra já tinha começado antes, no dia 14 de janeiro de 1964. Era uma  terça-feira. Dois outros comandantes, Guádn Na Ndamy e  Biotchá  Na M’batcha [seguramente não Biohctá, deve ser gralha] já estavam na ilha.  

Pansau Na Isna  misteriosamente caiu enfermo. As pernas incharam e não conseguiu andar durante duas semanas".  Mas ninguém podia saber, muito menos os tugas... 

 Só Biotchá Na M’batcha e mais outros comandantes, sabiam que o lendário (sic) estava doente. Perguntaram-lhe se não seria melhor evacuá-lo para fora do Como  por estar doente. Logo esbraceejou, e com voz determinante disse: 'N’keia yânta. Bitën luza. Bbürtikìz tën luza. Köm ka wínbu'. (Não saio daqui. Têm que ir embora. Os Portugueses é que têm que ir embora. O Como é nosso)....

Mas, prossegue o tio falando para o sobrinho:  

− Não foi  só o Kpänsau  quem fez tudo. Para além dele,  foram o  Guádn Na Ndamy e Biotchá Na M’bátcha. Bravos camaradas que estavam sempre por perto,  obedecendo ou contestando o que convinha ou não, pronunciado por Kpänsau. Contudo, as decisões partiam sempre dele, como comandante em chefe. Ao entardecer, com o  crepúsculo,  chamava Biotchá Na M’batcha para tomar vinho de palma e aliviar a tensão do dia trabalhoso, analisar a ação que já tinha sido desencadeada até então e preparar o amanhã. 

O  tio N’tchaagn parou e me pediu para levar vinho de cíbi ao seu primo na varanda da outra casa ao lado. Fui e voltei rápido. Já tinha feito os  16 anos quando esta história reaparece para mim através dele. Mas o combatente N’tchaagn, como contador de histórias nato, lembrava-se  com detalhe dos episódios da batalha que Kpänsau dirigiu. Continuando, disse: 

− O exército português batizou a guerra contra o Köm de 'Operação Tridente'. Nas suas imaginações recuperaria não só Köm, mas, também, Katugn, Cayar (...) e, se instalaram também em Kônghan. (...) Estrategicamente instalaram no porto de Köm, Katchil, N’komny, Kônghan (onde se instalou general português que dirigiu a operação). Mas, nada que intimidasse o lendário, pois os portugueses desconheciam ou ainda subestimavam o poderio da força e do grau de organização de Kpänsau Na Yisna com seus homens, que já se encontravam bem instalados. Sobretudo ao nível dá tática móvel que ele sabia usar muito bem.

Passava já das 23 horas da noite e tio N’tchaagn já  ansado e tomado por força da embriaguez pediu para parar (...) E parámos. Fui dormir, empurrei a porta e a minha mãe perguntou: 'Você ainda não está a dormir, M’bana?'...  Não respondi,  com medo de ela me dar um par de açoites,  enfiei-me, silencioso, no quarto.

Passaram-se dois dias, após o que o tio N’tchaagn me pede para lhe relatar o que eu havia ouvido por ele sobre Kpänsau. Eu repeti tudo. O que ele aprovou e disse: 

− Ótimo, bom menino, guarde bem para ninguém te falsear com outra história que não seja essa. 

E prosseguiu. 

 Kpänsau organizou os seus homens em dois grupos diferentes. Em primeiro lugar,  um grupo armado de guerrilheiros em área territorial fixa. Esse grupo encarregava-se de defender o espaço aéreo de Köm, instalando a defesa antiaérea e hospitais debaixo do chão. O grupo detinha armamentos sofisticados que os tugas não imaginavam que tivesse. 

Ao todo, nós homens de Kpänsau, éramos 300 guerrilheiros armados contra 800 ou mais da força dos tugas. Eram forças desproporcionadas e, claro, com vantagem para os tugas. Uma vez que, para além de 800 homens, os tugas tinham armas em quantidade e em qualidade superior às que tínhamos. Tinham ainda aviões, navios e outras embarcações menores para se deslocarem à vontade. Eram facilidades que nós não tínhamos. Nós já tínhamos armas que começavam a igualar-se  a algumas das deles. Mas a distância entre nós e as armas que ficavam na fronteira de Conakry era imensa. Transportá-las até nós era uma enorme dificuldade. O único transporte que havia eram as pessoas dispostas ou obrigadas a ir a pé para buscar armas e munições na fronteira com Guiné-Conakry.

A viagem para ir buscar munições durava 4 a 5 dias. Isto é, se o grupo não se se encontrasse com os tugas no caminho. O percurso era saindo de Köm: WedëKaya ou Kantônaz, Ndin-Welgglè, Kandjóla, Kan, Kangnha-Ley, Katché, Kambíl, N’gháfu, N’thâne, Banta-Silla, N’dala-Yèll, Sambassa, Linga-Yèll, N’tchintchedaré, Yeng até fronteira de Conakry.

Essa distância em linha reta era de 160 a 200 km, aproximadamente. Mas a pé  tinham que dar muitas voltas, imagino que fossem 200 a 230 km. Imagina,  M’bana, percorrer essa distância com munições pesadas, à cabeça?! Às vezes com fome, apenas bebendo açúcar cubano misturada com água.

Não posso ser injusto em relação ao Kidèlé Na Arítchn, não o mencionando. Devo falar dele  um pouco,  para ti, nessa história das munições... Quando as munições chegavam ao porto, para serem introduzidos na ilha, era mais difícil de que a própria luta. Tuga estava ao longo de todo o perímetro da ilha. E vigiando o tempo todo para ver como é que iríamos receber reforços. Literalmente não havia ninguém que se atrevesse a desafiar os tugas atravessando o mar para o Köm. É aí que surge um único, chamado Kidèlé Na Arítchn que enche de munições uma B’sahë Në Braasa (canoa Brasa/Balanta) e põe-se a remar atravessando um mar perigoso vigiado dia e noite pela tropa inimigas.

Assim Kidèlé Na Arítchn abasteceu-nos de  munições,  atravessando o mar várias vezes sem que os  tugas alguma vez o apanhassem em flagrante. A pergunta que não tem resposta até hoje, é:  Como é que ele nunca se encontrou com os tugas? Será que podemos acreditar em milagres..? Coincidência ou não, não é à toa que os seus pais lhe puseram esse nome de Kidèlé (que na língua brasa quer dizer literalmente... Milagre). Aconteceu um verdadeiro milagre no abastecimento, feito por esse homem, aos guerrilheiros da ilha. 

Pkänsau sabia da força do inimigo e soube admitir a sua fragilidade antes de encarar a guerra. Mas soube também desafiar os tugas provocando-os para, com isso, causar o desgaste físico, de munições e de seus aparatos bélicos. Até mesmo contra  umas simples silhuetas de soldados falsos montados na escuridão da noite os tugas gastavam munições. 

Conseguiu colocar muitos combatentes inimigos fora de combate com apenas dois e ou três guerrilheiros. (...) Era capaz de enganar os fuzileiros dos tugas, "obrigando-os" a desembarcar no lodo que dificultava a sua progressão. Ou a seguir num caminho estreito na mata densa através de alarmes falsos. E quando os tugas caíam nessa armadilha era a altura de nós, os homens de Kpänsau, tirarmos vantagem (...) Daí a expressão: “tuga ka pudi anda na lama.” (Tugas não sabem andar no lodo). (...)

Kpänsau conhecia os espaços que nos eram favoráveis. Por isso não admitia que a marinha portuguesa chegasse por perto e controlasse esses locais. Atraíamos os tugas sempre para o lado de lodo, mangue, ourique e para clareira, seguido de mato fechado onde os homens de Kpänsau estavam fortemente armados. A sua firme postura na luta de Köm encorajou até as mulheres a disparem contra barcos portugueses que se atreviam a subir nos rios, floresta adentro.

O céu da ilha estava coberto de fumaça devida  aos disparos de canhões a partir de Kayar, Kônghan e Kambontõ contra nós em Köm. E, por terra,  homens, mulheres, jovens, crianças e, claro, 300 guerrilheiros liderados por lendário Pänsau Na Ysna não arredavam pé de onde estavam. 

A população de Köm sofreu. As mães com crianças de colo, a amamentar,  sofreram e perderam a vida com seus bebés que,  quando choravam, a resposta da força portuguesa, sem pena não se fazia esperar: , metralhavam, disparavam morteiro ou bombas de napalm contra o local de onde vinha o choro da criança,  matando populações civis indiscriminadamente. 

 O povo de Köm viveu situação desumana durante  75 dias. 'Djigân' (bicho de pé) e as lêndeas de piolhos infestaram pés e cabelos de pessoas. Muitos abandonaram a ilha, desmoralizados, chamando a Kpänsau  'Balanta teimoso', que não vai vencer a guerra contra brancos. 

Chegavam relatos dizendo que Amílcar Cabral pedira que Kpänsau e nós, guerrilheiros em Köm, abandonássemos a guerra para poupar massacre que tropas colonial praticavam contra populações civis, mas Kpänsau intransigente meneou a cabeça, dizendo: 'Wisaguë Kanã' (Não acredito nisso). Ignorou essa ordem e prosseguiu o seu trabalho. Certo de que a vitória estava próxima. 

Como se não bastasse, M’bana, um dos nossos soldados recebeu informação triste, no dia 19 de fevereiro, quarta-feira, de 1964, de que os tugas estavam a queimar o arroz dos Brasa,  deliberadamente,  como forma de impedir a persistência dos guerrilheiros de PAIGC na luta. Pois sabiam que nós Brasa (Balanta), além de constituirmos mais de 90% da guerrilha do PAIGC,  éram0s produtores de arroz e que os nossos excedentes alimentavam os guerrilheiros. 

O que eu, N’tchaagn,  esbravecei com lamento: 'Hack N’ghala, biotë bìg impanpan ni Bifilá, Biafadá kinë a binalú... bë thëd malu ni Braasa tida. hack, Bëbábm match bu. Weñan miin yá ki Braasa a bi ka hera0. (Meu Deus; ignoraram impanpan [?]  de Fulas, Biafadas de Quínara e de Tombali..., só queimam arroz dos Brasa. Então, tuga nos detesta..? Já está claro que declararam guerra a nós, Brasa!) 

Isto era o que dizia N’tchaagn, horrorizado, ao lembrar aquele episódio. 

No dia 20 de março, numa sexta-feira, de 1964, quatro dias antes de terminar a guerra, recebemos mais informações, de que agora tugas estavam a matar bois e vacas em Katün, a tiro, deliberadamente, sem levar a carne. Era a  destruição pura e simples,  com a intenção clara provocar mais danos ao nosso povo. 

Sempre as vacas e os bois de Braasa serviram de carne para eles ao longo da guerra. Sempre que invadiam terras Brasas pilhavam, saqueavam,  matavam e escolhiam  as melhores cabeças, de entre bois e vacas,  para comer nos seus quartéis. Agora que estavam a perder a guerra,  estavam a  matar sem levar. N’tchaagn contava para mim, horrorizado.

  Nunca foram às tabancas desses grupos étnicos para queimar os cereais deles. Por representarem pouco valor em termos de abastecimento aos guerrilheiros do PAIGC. Mas num só dia, M’bana, antes de tu mesmo nasceres, o exército português queimou,  nesse ano de 1964,  o arroz das tabancas de Kablôn, M’brüi, N’ñaaé Thúe/Tchuguê, Kátche, Kângha-lei, Kibumbän, Kambyl, N’thäny, SaráckDjaty, Saráck-Cull, Sambassa, Botche-Thãntä, N’dala-Yièll... Ou sejam, 14 aldeias dos Brasas sofreram perdas do seu arroz. Por serem realmente tabancas que abrigavam armazéns de povo e que produziam arroz em larga escala para abastecer o PAIGC

Isso chegou aos ouvidos de Kpänsau que ficou em silêncio, por uns segundos,  perante o informante. Para depois responder; 'Wìì biotte Bin hera ki bo? Wil wólo kei bo tchóhg-na sifá kë sif-bu. Be mada thedá, bë kite thët, wetè kher ka herë kantë be-fida buidn ya bitën lusa ka botchi-bu'. (Por que não vêm combater-nos?... Nada vai nos fazer desistir do nosso trabalho. Que queimem arroz da nossa população, mas a guerra vai prosseguir até que entendam que tem que sair da nossa terra.) 

Os abusos que as tropas coloniais cometiam, matando  civis,  doía muito a Kpänsau. Mas ele sabia que era guerra psicológica que os homens de Salazar estavam fazendo para intimidá-lo e levá-lo a  abandonar as armas. 

Kpänsau não se abateu e manteve-se firme na luta para libertar esse povo. Deslocava-se  pessoalmente à  linha de frente para ver cada desatamento e como é que as coisas estavam a acontecer.  Não era um comandante para dar ordens e ficar no seu QG. Ao chegar à linha de frente, via alguns famintos sem comer durante dias que apenas misturavam açúcar cubano com água e bebiam para continuar entrincheirados. Encorajava-os com palavras tais como: ' Herá, botche-bo win' (Lutemos, a terra é nossa!) 

O dia começava, para Kpänsau,  a partir das 05h00 / 6h00. Nesse horário, toda a movimentação para mais um dia sangrento começava  a ser cronometrada. Instalado na Baraka Garandi (comando central de PAIGC, seu quartel-general) elaborava e decretava ordens para uma missão quase impossível. 

Em matéria de crenças, Kpänsau era animista. Na sua fé religiosa, reuniu anciãos, anciãs, sacerdotes e sacerdotisas na Baraka Garandi para pedir proteção e vitória. No centro de adoração (Baloba, guardiã da ilha de Köm) separou anciãos e sacerdotes das anciãs e sacerdotisas. Sem se misturar, os  sacerdotes faziam sacrifícios e consultavam a Baloba, a guardiã. A sacerdotisa-mãe, ladeada pela sua gente, murmurava palavras inaudíveis pedindo proteção para o  comandante Kpänsau e  os  guerrilheiros que estavam combatendo os tugas ferozmente. 

As árvores,  M’bana, testemunharam durante 75 dias tudo que estava a acontecer e que hoje te conto. Assim foram estes dias, de  14 de janeiro (terça-feira) a 24 de março (terça-feira) do ano de 1964 na ilha de Köm.

PS - O autor, M'bana N'tchiga (sobre o qual não temos mais qualquer informação adicional) quis sobretudo fazer uma homenagem a um herói guineense, Pansau Na Isna, e por tabela ao seu próprio tio e aos demais combatentes do PAIGC que lutram no Como. Mas faz uma prevenção, reveladora da sua boa fé e honestidade intelectual: "Com todo o respeito aos meus leitores, eu não sou dono da verdade"... Sujeita-se, pois, ao contraditório. 

E diz isto nomeadamente em relação à questão de se saber qual foi o papel do 'Nino' Vieira na batalha do Como. Contrariando outras versões, ele defende o ponto de vista de que o 'Nino' Vieira não participou na batalha do Como, pela simples razão de que estaria em Conacri, e ao que parece "doente". O seu tio confirmou-lhe que nunca viu o 'Nino' Vieira em nenhum dos combates que se desenrolaram ao longo de 75 dias. Sabia-se (ou constava) que ele estava em Conacri, e talvez em tratamento por doença.

A ser verdade (que o 'Nino' Vieira não pôs os pês na Ilha do Como, durante a Op Tridente) pode ser apócrifa a mensagem que lhe é atribuida, e que, segundo o Màrio Dias, estava "em poder de um prisioneiro por nós capturado":

(...) “Hoje faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Camaradas, tenham paciência, porque não tenho outra safa senão o vosso auxílio… As tropas estão a aumentar cada vez mais as suas forças… camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem os nossos guerrilheiros. Já estamos a contar com as baixas de 23 camaradas… do vosso camarada, Marga - Nino “ (...).

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23723: Casos: a verdade sobre... (30): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte I: Visto do lado de cá


Efígie de Pansau Na Ina (1938-1970), na nota de 50 pessos emitida em 1990 pelo Banco Central da Guiné-Bissau. Já agora, chamamos a atenção para o valor de cada nota, com a efigie dos heróis da Guiné-Bissau, a seguir à independência: o Domingos Ramos aparece na nota de 100 pesos, o Francisco Mendes (o Chico Tê) na de 500 pesos... O Amícar Cabaral deu a cara nas notas de 1000 pesos (1990), 5000 pesos (1993) e 10 mil pesos (1990)... O peso foi a moeda da Guiné-Bissau de 1975 até 1997, sendo então subtituido pelo franco CFA.


Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura (ou de São José da Amura> Talhões dos Heróis da Pátria, ao lado do Mausoléu de Amílcar Cabral > Túmulo do Pansau Na Isna  (1938-1970), o "herói do Como".

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A Av Pansau Na Isna é uma das principais artérias da parte histórica, colonial, da cidade de Bissau. Em 20 de janeiro de 1975, a antiga Av Almirante Américo Tomás foi "rebatizada" pelo novas autoridades do país, passando a chamar-se Av Pansa Na Isna: é lá que se situa o hospital nacional Simão Mendes. 

O mesmo aconteceu com outros topónimos: (i) a Av República passou a designar-se por Av Amílcar Cabral); (ii)   a Av Governador Carvalho Viegas  é hoje a Av Domingos Ramos, e (iii) a Praça do Império, obviamente, teria que ser a Praça dos Heróis Nacionais.

Fonte: Adapt de António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,). Com a devida vénia..


Guiné > Bissau > c. 1960/70 > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).

Legenda:  1=Av República (depois de 1975, Av Amílcar Cabral); 2=Av Alm Américo Tomás (hoje, Av Pansau Na Isna); 3= Av Governador Carvalho Viegas (hoje, Av Domingos Ramos); 4=Praça do Império (hoje. Praça dos Heróis Nacionais)


1. Quem foi Pansau Na Isna (1938-1970) (*) 

Recordo-me de ter perguntado, nos primeiros anos do 3.º milénio, a um médico, guineense, meu aluno, filho de um antigo comandante da guerrilha, que actuou no Morés, entre 1963 e 1974, quem era o Pansau Na Isna, ou se sabia, mais exatamente, quem tinha sido.

  Sim, sei que é um dos nossos heróis nacionalistas, um dos nossos grandes combatentes da liberdade da Pátria. Era balanta.

– Sabe quando e onde morreu? E em que circunstâncias?

– Infelizmente, não sei…

O meu aluno estava a frequentar o curso de saúde pública, e não era seguramente balanta. Para a população, então ainda fracamente escolarizada,  da Guiné-Bissau , e sobretudo para os mais jovens, já sem  quaisquer memórias da luta pela independêbcia, o Pansau Na Isna seria apenas o nome de uma das principais avenidas da capital, Bissau (onde, por exemplo, a OMS tem a sua representação e onde fica o Hospital Nacional Simão Mendes, e a sede de diversas outras  organizações nacionais e estrangeiras).

Eu também não sabia na altura responder à pergunta, para vergonha minha… De facto, nunca tinha ouvido o nome dele, no meu tempo de Guiné, 1969/71; e a batalha do Como, onde se terá notabilizado, já havia ocorrido há meia dúzia de anos, em 1964, e ninguém sabia localizar, com precisão, no mapa, onde ficava essa ilha... Minto: tinha ouvido umas vagas "estórias" deste homem, que seria uma figura bizarra, vestindo-se à cobói e alvejando, com a sua Kalash, os helis dos tugas... Numa destas bravatas terá encontrado a morte... Claro, nunca consegui confirmar a "estória".

Foi através do episódio da série "A Guerra", que passou na RTP 1, no dia 18 de dezembro de 2007, que eu soube que o Pansau Na Isna era um dos três comandantes do PAIGG que combateram os portugueses, na Ilha do Como, durante a Op Tridente. Mas esta era outra versão, nova, para mim. Nunca voltei a ver este episódio, desde então.

De origem camponesa e de etnia balanta, lá teria  encontrado a morte, na ilha do Como. Ele e outro comandante. Percebi isso do depoimento do único sobrevivente dos três, cujo nome não retive.

Fiquei com a ideia de que o Pansau Na Isna terá sido morto pelos fuzileiros navais. Os seus restos mortais (?) repousam hoje, no Forte da Amura, ao lado  do mausoléu de Amílcar Cabral, e dos túmulos de outros míticos guerrilheiros Domingos Ramos e Titinha Silá. Esse mausoléu pelo menos eu vi-o com os meus próprios olhos, em Bissau, na Amura, em 7 de março de 2008, na primeira (e única vez) que voltei à Guiné.

Rapidamente este  guerrilheiro balanta tornou-se uma lenda. Foi, por exemplo,  tema (e título) de canção, criada e interpretada pelo popular conjunto musical, dos anos 70/80, Super Mama Djombo, no seu álbum Super Mama Djombo (2003, etiqueta: Cobiana). Muito acarinhado pelo regime de Luís Cabral (mas não pelo do seu sucessor), manteve-se vivo até hoje, apesar das muitas mudanças por que passou o país e a própria banda (Vd. aqui a sua página no Facebook).

Este grupo musical, sob a liderança inicial de Adriano Atchutchi, estilizou a música tradicional guineense e deu ao conhecer ao mundo (e às gerações mais novas da população da Guiné-Bissau), ao ritmo do estilo Gumbé, o que foi o sonho de Amílcar Cabral, a luta de libertação e a esperança dos guineenses no futuro... A origem do grupo remonta ao início dos anos 70...

 
Retomando o 9.º e último episódio da 1.ª Série do programa A Guerra (1):


Do lado português, bem gostaria de ter ouvido o testemunho do meu querido amigo e nosso camarada Mário Dias, que tem, no nosso blogue,  três notáveis textos sobre a Op Tridente. 

Joaquim Furtado e a sua equipa privilegiaram  os depoimentos dos militares portugueses de alta patente, a começar pelo homem, que comandou as nossas forças terrestres, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro (1917-2012), coronel de cavalaria na reforma, entretanto já falecido. Na altura da Op Tridente era também o comandante do BCAÇ 490.

A justificação para a mobilização de vastos meios terrestres, aéreos e marítimos, numa operação de dois meses e tal (14 de Janeiro de 1964 a 24 de Março de 1964) teria a ver com a necessidade de impedir, ao PAIGC, a autoproclamação da República Independente do Como…

A ilha, o melhor, o conjunto de ilhas (Caiar, Como, Cantungo), era um intrincado puzzle de rias, braços de mar, bolanhas, lalas, ilhotas, floresta-galeria, tarrafo, de cerca de 200 Km, onde o PAIGC não teria mais do que 400 homens armados (300, segundo o Mário Dias), controlando no entanto uma vasta população e os seus recursos.

A ilha do Como era farta em gado e arroz, como muito bem frisou o almirante Ribeiro Pacheco. Talvez ainda mais importante, o Como era um ponto vital para as linhas de reabastecimento do PAIGC, dada a sua proximidade com a Guiné-Conacri. E o seu controlo afectava seriamente o reabastecimento das posições portuguesas na região de Tombali.

Outro oficial da Marinha entrevistado foi o comandante  José Luís Gouveia, dos Fuzileiros, que também participou na batalha do Como. Um dos mitos que caiu por terra era existência de bunkers, de cimento armado, onde os guerrilheiros do PAIGC se entrincheiravam e resistiam aos bombardeamentos da aviação e da marinha portuguesea. Não havia bunkers nenhuns… Dos meios navais, retive que eram compostos por uma Fragata (Nuno Tristão), 4 Lancha de Fiscalização, 4 LDP e 2 LDM.

'Nino' Vieira, que também foi entrevistado, era o comandante militar da Região da Sul, mas não participou directamente na batalha do Como, por se encontrar hospitalizado, na Guiné-Conacri, segundo percebi. Ora, ele é muitas vezes apresentado, indevidamente,  como o herói do Como: isso não corresponde à verdade histórica... 

A haver um herói - e os movimentos nacionalistas e os povos que lutam pela sua identidade, emancipação e liberdade precisam, historicamente, de heróis e de mitos - foi o Pansau Na Isna e os seus guerrilheiros-camponeses... 

'Nino' Vieira, de qualquer modo, terá sido, à distância, o principal responsável pela estratégia de defesa da Ilha do Como. Enfim, os louros da vitória (a havê-la, para um lado ou para o outro) terão que ser analisados e discutidos, com objectividade e rigor, pelos historiadores.

Ao que parece, em balanta, Pansau Na Isna (ou N'Isna) quererá dizer a tabanca que está a morrer. Pansau era muito próximo de Amílcar Cabral, mas analfabeto (isto é, sem qualquer grau de escolaridade formal). Também li algures que ele não morreu no Como, mas mais tarde, em Nhacra, em 1970, num bombardeamento da aviação portuguesa. 

A ter morrido em Nhacra, morreu como ele teria gostado de morrer: vestido de maneira excêntrica, cheio de roncos, de cores garridas, muito ao gosto dos balantas, segundo as versões mais ou menos fantasistas que há anos memorizei... Enfim, provavelmente é mais um lenda, tal como aconteceu com outros combatentes de um lado ou do outro ('Nino' Vieira, Marcelino da Mata, etc.).

De qualquer modo, a versão da morte do Pansau Na Isna em Nhacra, posteriormente à batalha do Como, não bate certo com o depoimento que ouvi no 9.º episódio do programa da RTP...

Na batalha do Como, o grande inimigo dos portugueses terá sido  a falta de água potável, as dificuldades de reabastecimento, as rações de combate, os mosquitos, o terreno… Muitos militares portugueses já não podiam com a intragável carne de vaca à jardineira, que faziam parte da invariável ementa das NT... Valeu-lhes, de alguma maneira, o suplemento de carne de vaca, porco e cabrito que abundava pela ilha, deixada para trás pelas populações em fuga,  estratégica ou não...

A G3, que fez a sua estreia em combate, também não se portou muito bem: era muito sensível, às poeira, à areia, etc... A densa floresta-galeria com árvores de grande porte, seculares, frondosas, tornou praticamente inofensivos os bombardeamentos da aviação portuguesa, à parte o terror que as nossas bombas inspiravam, sobretudo nas mulheres, crianças e velhos…

Por outro lado, os guerrilheiros cedo aprenderam a defender-se dos bombardementos, escondendo-se atrás de bagas-bagas. Alguém confirmou que foram utilizados aviões da NATO (F86 e PV2 e 2-5), operando a partir de Cabo Verde. Não ficou claro o uso de napalm. A FAP fez cerca de 850 missões, largou mais de mil bombas.

O PAIGC terá perdido 150 homens e 6 armas. O Mário Dias fala apenas em 7 dezenas de mortos confirmados. Os mais de 1200 militares regressaram a Bissau, depois da mais cara e mais longa operação, levada a cabo na Guiné-Bissau. Os oficiais portugueses entrevistadaos consideram-na como uma operação que teve um sucesso absoluto.

O PAIGC, por sua vez, transformou em mito a batalha do Como. Para Luís Cabral,  a Ilha do Como foi a primeira região libertada. Usando as clássicas tácticas da guerrilha, o PAIGC evitou afinal o confronto directo com as NT, pondo a sua população a recato.

Pelo lado do PAIGC também foi entrevistado o comandante Gazela, entretanto falecido, em Portugal. Também foi dado o testemunho do médico da CCAÇ 557, entretanto falecido, o Rogério Leitão (1935-2010), membro da nossa Tabanca Grande a título póstumo.

Segundo a Comissão para o Estudo das Campanhas de África (2014), o Pan Sau (sic) não seria mais do que um 2.º chefe ou adjunto:

(...) Situção > Forças inimigas (...)

Há notícias que referem:

- Ilha do Como - Chefe Saja e 2.° Chefe Pan Sau.

- Ilha de Catunco - Chefe Sumba Na Quedum, tendo como subchefe Imbali Na Noi e Sia Na Ba.

- Ilha de Caiar - Chefe Bacar Sambu (beafada), Abdu Sandem (beafada) e Ansumane Indjai (nalú). (...)

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II: Guiné: Livro 1. 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, pp. 199/200.

Na segunda parte, veremos o ponto de vista de um "intelectual balanta" sobre esta figura lendária (para os balantas e para o PAIGC), prematuramente desaparecida, o Pansau Na Isna. (**)


2. Comentário de Pezarat Correia a este último episódio, o nono, da 1.ª série do programa RTP sobre a guerra colonial:

(...) Creio que chegou ao fim a 1.ª série do programa “A Guerra”, de Joaquim Furtado, na RTP 1. Estamos já em condições de fazer um primeiro balanço e penso que a “expectativa positiva” que registei no meu “Giro do Horizonte 6” de 17 Out, se justificou. O programa, no conjunto dos 9 episódios, merece-me um julgamento favorável.

Encerrou bem com a “Operação Tridente” na ilha do Como, T.O. da Guiné, em que o confronto entre opiniões dos responsáveis portugueses e do PAIGC puseram em destaque um paradigma da guerra colonial. Tinham razão os primeiros quando, na sua perspectiva, diziam que a operação tinha sido um sucesso, pois cumpriram as missões atribuídas, apesar dos insignificantes resultados em baixas ao IN e material capturado. Mas foram ao objectivo e, naquelas operações, os objectivos não eram para se conquistarem, eram para se ir lá. Tinham também razão os segundos quando se congratulavam por, afinal, depois da operação as tropas portuguesas terem retirado e os guerrilheiros reinstalado no terreno, tornando insustentável a vida da reduzida guarnição portuguesa que lá ficou num extremo da ilha, sem poder sair do seu buraco.

Esta controversa foi paradigmática da guerra, disse eu, porque, de facto, esta foi, para nós, militares portugueses, um somatório de sucessos de operação em operação, até ao inevitável insucesso final.

Os sucessos que os responsáveis pelas três maiores operações nos três TO  reclamaram, “Tridente” na Guiné, “Quissonde” em Angola e “Nó Górdio” em Moçambique, às quais poderemos acrescentar a “Mar Verde” na Guiné com a particularidade de esta ter ocorrido em território da Guiné-Conakri, foram, afinal, rotundos fracassos estratégicos.

Aqui reside o fulcro da questão guerra ganha/guerra perdida, que me parece que este programa ajuda a esclarecer. Este será um dos seus méritos. (...)


Extractos de: Blog A25A > Pezarat Correia > 19 de dezembro de 2007 > Giro do Horizonte 17 - Guerra Colonial 2 (conteúdo já não disponível "on line", nem no Arquivo.pt)


3. Comentário de Virgínio Briote:

(...) Não se pode falar da Guerra na Guiné sem evocar Pansau Na Isna. Tal como muitos homens da guerrilha, de Pansau Na Isna sabe-se muito pouco e do que se sabe, muito é lenda.

Os tempos difíceis, como são sempre os inícios, tornam-se propícios a figuras que, de uma ou outra forma, deem nas vistas. De tal forma a sua figura é lendária que, até na morte pairou muito tempo a dúvida, de quando e onde ocorreu. 

Enquanto alguns ainda insistem ter sido um dos mártires da guerra do Como, outros juram que o fim de Pansau ocorreu muito tempo depois e bem longe dali. Pansau Na Isna (ou N’Isna), nome que em Balanta significa “morrer na aldeia”, foi, apesar de analfabeto (aprendeu a ler no decorrer da luta, em acampamentos da guerrilha), um valioso combatente e um dos braços direitos de Amílcar Cabral nos primeiros anos de luta.

O nome de Pansau ficou para a história por ter sido um dos comandantes da resistência na batalha de Como, que se travou nos primeiros meses de 1964. Apesar de, ao fim de cerca de 72 dias de combate, as tropas portuguesas já não encontrarem resistência significativa, a batalha do Como foi considerada pelo PAIGC como uma grande vitória. Porque conseguiram sobreviver ao constante bombardeamento a que estiveram sujeitos e porque, com a saída das tropas portuguesas (ficou apenas uma unidade no Cachil) foram retomando o controle do arquipélago.

O combate do Como foi de enorme importância para o PAIGC, especialmente no capítulo da propaganda interna e externa e Pansau Na Isna foi um dos heróis mais visíveis, ganhando com essa batalha enorme respeito e prestígio entre os camaradas da luta. Não poucos, dos que com ele lutaram, partilham a ideia de Aristides Pereira (que foi secretário-geral do PAIGC), que o descreveu como um lutador excepcional.

Diz-se que Pansau era algo excêntrico, devido às roupas brilhantes e à fita rosa que amarrava à cabeça. E a história mistura-se com a lenda, aceitando como realidade (os que afirmam não ter ele morrido no Como) que foi pelo brilho e cor da roupa que viu os seus dias acabarem no terreno enlameado de Nhacra (entre Bissau e Mansoa).

Fonte: Nota do editor ("copydesk") originalmete elaborada para o livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), Consta do "manuscrito" a que tivemos acesso, por cortesia sua, mas não do livro impresso.

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 5 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23664: Casos: a verdade sobre... (29): os fotogramas do vídeo com a visita da delegação do Movimento Nacional Feminino a Cufar, no início de fevereiro de 1966 (Mário Fitas / Sílvia Espírito-Santo / António Murta / João Crisóstomo / Joaquim Mexia Alves / Miguel Rocha)