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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3762: Fauna & flora (14): O que nós comíamos sem saber (Manuel Rodrigues, ex-Fur Mec, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74)

Guiné > Região leste > Bambadinca > O Alf Mil Dias (CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74) em cima de uma Daimler do Pel Rec Daimler

Guiné > Região leste > Bafatá > Passeio de jipe por Bafatá, em 1973. O Alf Mil Luís Dias (CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/1973) em frente à Fonte Pública local, de 1918.

Fotos: Blogue de Luís Dias > Histórias da Guiné >CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) (com a devida vénia...)


1. Mensagem de Manuel António Lobo Rodrigues, ex-Fur Mec da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/4)


Assunto - O que nós comíamos sem saber! (*)

Em Galomaro, havia um único restaurante, que ficava à esquerda, um pouco antes do quartel, na estrada Bambadinca-Dulombi, parte de terra batida.

A CCAÇ 3491 fazia o seu normal reabastecimento em Bambadinca e Bafatá. Como fazíamos a picada à saída e por vezes à entrada, tínhamos, pelo menos alguns, no mesmo dia de ir a Bambadinca e Bafatá, e nem sempre havia tempo de comer em Bafatá.

No regresso ao quartel, alguns paravam no dito restaurante de Galomaro, que servia bifanas, acompanhadas de umas bejecas, claro.

Já tinha ouvido falar pelos condutores, geralmente bem informados, que não era carne de vaca nem de porco, como dizia o dono do restaurante, mas sim de macaco cão.

Um dia à noite, quando bebia vinho de palma, e assistia, impressionado, a ver um nativa já de idade avançada a comer piripiri, como nós comemos tremoços, fui surpreendido, por nativos que mostraram diferentes caveiras.

Segundo os nativos, as caveiras mais parecidas com o ser humano na região de Galomaro eram as do macaco cão.

As bifanas que o dono do restaurante fazia passar por carne de porco ou vaca, também eram de macaco cão. Segundo os nativos, as dos outros macacos era intragável, e porcos, poucos havia, já que a influência Balanta na região era reduzida.

A etnia Balanta criava porcos, a etnia Fula, predominante na região, provavelmente por influência Árabe não criava porcos, cuja carne é proibida pelo Corão.

Passei a parar lá só para beber cerveja, já que fora do quartel não havia mais nada onde beber, o calor e por vezes a fome, apertavam sempre muito.

Anel, Ex-furriel mecânico da CCAÇ 3491, BCAÇ 3872 (**)

Portugal, dezoito de Janeiro de 2009

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3758: Fauna & flora (13): Macaco cão a ladrar, gente do PAIGC a chegar (Joaquim Mexia Alves)

(**) Luís Dias, membro da nossa Tabanca Grande, também pertenceu à CCAÇ 3491. Vd. postes de:

5 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3022: Tabanca Grande (78): Luís Dias, ex-All Mil da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro (1971/74)

Vd. também o poste de 22 de Abril de 2007 >Guiné 63/74 - P1686: Fichas de unidades (1): BCAÇ 3872, CCAÇ 3489, 3490 e 3491 (Sector L5, Galomaro, 1972/74) (José Martins)

sábado, 10 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Viagem Porto-Bissau > Babuíno, macaco-cão (sancu, macaco, em crioulo), em cativeiro.

Foto: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de Maria Joana Ferreira Silva:

Boa noite, Sr. Luís Graça

O meu nome é Maria Joana Silva e sou uma aluna de doutoramento da Universidade de Cardiff (Reino Unido). O meu projecto de doutoramento é acerca da genética do babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom).

Tenho-me deslocado à Guiné-Bissau, mais propriamente a Cantanhez, onde comecei por fazer uma recolha de amostras biológicas exploratória. Logo percebi que a história demográfica desde primata está intimamente ligado à história daquele local. Fiz algumas entrevistas a antigos caçadores da tropa portuguesa que me falaram do tempo da guerra, do facto dos babuínos terem sido caçados principalmente por tropas do PAIGC e que durante o tempo da guerra era relativamente fácil encontrar babuínos.

Gostaria de pedir a ajuda dos bloguistas para obter informações acerca dos babuínos daquele tempo (1963-1974). O que gostaria de saber é:

(i) onde foram avistados os grupos de babuínos;

(ii) quantos animais existiriam num grupo social e quantos machos adultos;

(iii) se os babuínos eram caçados pelos caçadores das tropas para os portugueses;

(iv) se as crias de babuínos eram levadas para os quartéis;

(v) se os bloguistas ouviram falar de medicinas tradicionais que usassem peles de mamíferos (nomeadamente babuínos);

(vi) onde se comeria "cabrito pé de rocha" na Guiné;

(vii) e outras informações deste teor que considerem relavantes.

Estas informações poderão ser enviadas para o meu e-mail: .

Por outro lado, os antigos caçadores referiram alguns nomes de antigos combatentes (e também amigos). Gostaria de saber se algum dos bloguistas conhece as seguintes pessoas (com quem gostaria de ser posta em contacto):

- do destacamento de Cabedu, da milícia G3, o coronel Peixoto;

- do grupo caçador 6 de Bedanda/1974, companhia 34/1993, o capitão Pimenta e o capitão Miliciano Pereira da Silva.

Estas pessoas que entrevistei, pareceram-me bastante saudosistas dos portugueses e gostariam de saber notícias dos seus amigos!

Agradeço qualquer ajuda que vocês possam prestar.

Atenciosamente,

Maria Joana Silva

2.Comentário de L.G.:

Amigos e camaradas da Guiné:

Recebi o mail, acima transcrito, de uma bióloga portuguesa, que está fazer um trabalho de investigação, para efeitos académicos (doutoramento, no Reino Unido), sobre os babuínos da Guiné-Bissau, mais concretamente o nosso tão conhecido e querido macaco-cão, tão abundante ainda no tempo da guerra, apesar da guerra...

Hoje o macaco-cão é uma espécie ameaçada, a par de outras como o dari (o chimpazé): o babuíno continua a ser caçado e comido pelos guineenses, é um iguaria apreciada em Bissau, parece ser também um bom substituto para a falta de uma alimentação mais proteica nas cidades (e no campo) (*)...

Vamos ajudar a nossa nova amiga, Maria Joana, com depoimentos, fotos, histórias, etc. relacionados com o babuíno... Já publicámos no nosso blogue algum material. Lembro-me de fotos do Joaquim Mexia Alves, do Hugo Costa, do Samúdio... E de uma história fabulosa do Victor Junqueira que comeu a mais saborosa sandocha do mundo, em Bissau, com carne de "cabrito pé de rocha" (**)...

Vamos ser solidários: ajudando a conhecer melhor a genética, a demografia e o habitat do babuíno, também ajudamos os guineenses a conhecer, a admirar, a respeitar e a proteger o seu património biológico (fauna e flora), que inclui esse animal fabuloso que é o babuíno, nosso parente (uma vez que, segundo os zoólogos, pertence à ordem dos primatas, como nós...).

Quanto à nossa amiga Maria Joana, podemos dizer-lhe que o seu pedido já seguiu através da nossa rede de 3 centenas de mails. E desejar-lhe bom sucesso para a sua tese de doutoramento. Dentro de pouco tempo vai a nossa máquina solidária a funcionar...

A nossa amiga também faz referência a alguns antigos militares portugueses, que terão sido citados em entrevistas com habitantes do Cantanhez... Há referências a Cabedu e a Bedanda... Há erros na identificação das unidades militares, que não será difícil de corrigir: por exemplo, Grupo Caçador 6, de Bedanda (em vez de CCAÇ 6 )... Mas o mais importante são as saudades que nos traz do sul da Guiné e as notícias que nos dá desses homens que andaram connosco em Bedanda, Cabedú e outros sítios da Região de Tombali... Vamos ver se localizamos os nossos camaradas citados...

_____________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)

Vd. reportagem na TSF > 2 de Março de 2007 > Dari, Primata como Nós

"No sul da Guiné-Bissau, o chimpanzé tem nome de gente. Na pista de Dari, uma equipa de cientistas portugueses estuda, há cinco anos, os chimpanzés das matas de Cantanhez com o objectivo de ajudar a salvar uma espécie ameaçada.

"Um jornalista da TSF passou 15 dias com o grupo de investigadores, coordenado pelas primatólogas Catarina Casanova e Cláudia Sousa. Acompanhou o quotidiano das caminhadas pelo mato, da recolha de vestígios, das conversas com os habitantes das tabancas e testemunhou, guardando o registo sonoro do momento raro, o encontro com um grupo de chimpanzés.

"Reportagem de Carlos Vaz Marques com montagem e sonorização de Alexandrina Guerreiro".

Para escutar o ficheiro áudio (43' 2'') clicar aqui.

(**) Vd. poste de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1024: Pel Caç Nat 52, destacamento de Mato Cão (Joaquim Mexia Alves)

Leiria > Monte Real > Termas de Monte Real > O Joaquim Mexia Alves, hoje... Um conhecido empresário ligado ao sector do turismo...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > O Alf Mil Joaquim Mexia Alves, pousando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (na primeira), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé.


Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006)


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves (ex-comandante do Pel Caç Nat 52 , 1971/73) (1)

Segundo percebi, o Beja Santos comandou antes de mim o Pel Caç Nat 52, por isso anexo uma fotografia tirada no Mato Cão em que poderão estar soldados ainda do seu tempo.

Agachados estão: o Macaco-Cão, eu, o Braima Candé e, de pé, o Mamadu (uma espécie de meu impedido) e o Manga Turé.

Abraço

Joaquim Mexia Alves

2. O Beja Santos, surpreendido, agradece a informação mas pergunta, intrigado: Pel Caç Nat 52: moranças em Mato Cão? Não haverá um exagero? Aposto que se trata de Finete!

Caro Luis, Obrigado por esta informação.

Não reconheci ninguém [da foto]. Foi o Mexia Alves quem substituiu o Nelson Wahnon Reis?

Gostava muito de saber. Abraços, Mário.

3. Comentário de L.G.:

Este destacamento é posterior à nossa estadia no Sector L1. Foi guarnecido por sub-unidades como o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12.
____________

Nota de L.G.

(1) O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, durante o período de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, pertenceu a: (i) ; CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); (ii) Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão) ; e (iii) CCAÇ 15 (Mansoa ) (aqui já já como capitão miliciano).


Vd. ainda posts de:

11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P958: 'Gajos das tropas africanas eram doidos' (Joaquim Mexia Alves, CART 3492, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

16 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P962: Pensamento do dia (5): Português, sem dúvida(s) (Joaquim Mexia Alves)

17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)

19 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P969: Mexias Alves e a malta do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (Sousa de Castro)

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P992: 'Estar apanhado' dava muito jeito e algum gozo (Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4328: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (7): Atolado no Mato Cão, com a CCAÇ 1439, a madeirense do Enxalé

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Outubro ou Setembro de 1966 > Uma coluna de 3 Unimogues, da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67), a caminho de Missirá, passando por Mato Cão... Um pesadelo, no tempo das chuvas. Temos de reconhecer que eram umas máquinas fantásticas, possantes, flexíveis... Nunca nos deixavam mal, a não ser debaixo de uma mina A/C...

Fotos do soldado Leiria, da CCAÇ 1439, gentilmente cedidas ao ex-Alf Mil Henrique Matos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68). Recorde-se que o Henrique Matos, depois de chegar à Guiné, em Agosto de 1966, foi fazer o IAO a Bolama, para depois ser embarcado numa LDM e despejado no Enxalé, ferebte ao Xime, "ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca".

Fotos: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados

1. Mensagem do Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68):

Caro Luís e co-editores (ainda a tempo de dar as boas-vindas ao novo co-editor, o Eduardo)

Estando Mato Cão na berra com a última estória do Jorge (sempre surpeendente) e do Mexia Alves sobre o Bu...rako onde esteve com os nharros do 52 que eu ensinei e da bolanha que havia ao lado (**), mando uma fotos da estrada (?) que atravessava a mesma bolanha e por onde tínhamos de passar (penso que era por quinzena ou à semana, já não me recordo...) para levar reabastecimentos ao destacamento de Missirá ou quando precisavamos de ir à sede do Batalhão em Bambadinca.

Estas fotos, de que já não me lembrava, foram-me cedidadas pelo Leiria que era Condutor, no passado dia 9 no encontro da CCaç 1439 que se realizou na Praia da Vieira. Trata-se de uma coluna que fiz a Missirá, em Setembro ou Outubro de 1966 (época das chuvas), constituida por 3 Unimogues, única viatura que passava naquelas condições.

Na 1ª estou no Unimogue da frente (sou o único de camuflado novo, ainda era periquito). Repare-se que este Unimogue tinha guincho, uma peça fundamental quando ficávamos atascados. Na 2ª estou ali na frente a ver não sei o quê, e a 3ª é para apreciar a navegação da viatura.

Aproveito para enviar uma foto do encontro que já referi, onde só apareceram 8 elementos e respectivas famílias. O nono sou eu que apenas fui para o Enxalé reforçar a companhia, já eles tinham mais de meia comissão. Embora sejam uns jarretas (foi mesmo o que lhes chamei) que não vão à Internet, os filhos prometeram mostrar a foto aos pais.

Praia da Vieira, Vieira de Leiria, Marinha Grande > 9 de Maio de 2009 > Convívio da malta da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67). O Henrique Matos é o segundo a contar da direita.

Foto: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados

Só uma nota final: Falava-se no meu tempo que a origem do nome Mato Cão ou Mato de Cão se devia à existência naquela zona de muitos babuínos, mais conhecidos por Macaco Cão. Confirmo, porque os vi às dezenas numas árvores frondosas que lá havia. E quando não havia macacos era mau sinal, havia gente por perto (**).

Agora façam disto o que entenderem.

Como sempre, aquele abraço e até à Ortigosa [, dia 20 de Junho de 2009].

Henrique Matos (***)

___________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)

11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

Vd. também poste de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)


(**) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3758: Fauna & flora (13): Macaco cão a ladrar, gente do PAIGC a chegar (Joaquim Mexia Alves)

Vd. também poste de 27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

(...) Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai (o Bubaque, antiga traineira algarvia, adquirida pela Marinha portuguesa e transformada, nos inícios da guerra, em Lancha Patrulha nº4, até ser comprada pelo meu Pai e transformada em navio de transporte, mais popularmente conhecido por Djanta Kú Cia).

A jornada começava com a enchente da maré, passando por Portogole, Ponta Varela, Xime e daqui para a frente quase sempre a rasar as margens, ora de um lado ora de outro, ver passar o Mato Cão e Nhabijões até chegar ao pequeno mas movimentado porto de Bambadinca, onde sempre havia lanchas e batelões.

Não raras vezes, no regresso, saíamos de noite de Bambadinca rezando, tripulantes e passageiros, para que nada acontecesse até passarmos o Mato Cão. Salvo raras ocasiões, as preces foram escutadas. O encanto era absorvente em noites de luar a descer o Geba a favor da maré, com o maquinista a ficar satisfeito, em termos de rotações do motor, só quando via faíscas e fumo espesso a sair da chaminé. Parecia que andávamos numa estrada cheia de curvas tal a velocidade com que descíamos o rio. As apreensões só desapareciam, na última curva, quando víamos as luzes do quartel do Xime. De noite Ponta Varela não constituía perigo. Passávamos a uma razoável distância.

Faço estas referências porque acabei por rever muitas imagens de Bambadinca e das suas gentes, onde passei férias com mais colegas estudantes e ia à caça, idas à boleia em viaturas militares ou civis, sem escoltas até ao Xime para ver o macaréu passar, cambanças para a outra margem do porto de Bambadinca de canoa, visita ao aquartelamento de Nhabijões que muito impressionou pela vetustez das instalações e más condições que facultava. (...)



(***) Vd. postes anteriores da série:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

11 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2173: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (4): O capitão de 2ª linha Abna Na Onça, régulo de Porto Gole

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2191: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (5): O baptismo de um periquito no Enxalé

23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2376: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (6): Insularidade e solidariedade no Natal dos açorianos

Vd. também outros poestes do Henrique Matos:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)

30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3256: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (5): Lembrando o Ten Pil Av Bettencourt (Henrique Matos)

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos..


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 > Um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ... Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo).

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Hoje temos de encorajar os nossos amigos da Guiné e o povo guineense a proteger o "sancu"  e o "dari"


por Luís Graça


Eu já respondi ao inquérito 'on line' desta semana... Tinha de resto a obrigação de ser o primeiro ou um dos primeiros a fazê.lo. E a resposta foi: "1. Nunca comi [macaco]"... ( E se comi, juro que nunca soube...).

Sem ofensa para ninguém, comer babuíno é, para mim, como comer um parente nosso, mesmo que muito afastado... Zoologicamente falando, pertencemos à mesma ordem, a dos Primatas... Temos um antepassado comum, longínquo, que ainda vem do tempo dos dinossauros (, ou seja, de há cerca de 70 milhões de anos)... Claro que os babuínos não são hominídeos... São macacos, nem sequer são símios, nem muito menos hominídeos...

 Mas macaco, infelizmente, é produto "gourmet" em muitas partes do mundo (incluindo a Guiné-Bissau)...

Tanto quanto me lembro e sei, nós - as nossas tropas - não caçávamos babuínos (a não ser muito esporadica ou pontualmente: havia muiras armas naquele tempo, e nem todas estavam em boas mãos...  Eu também não, nunca cacei, não sou nem nunca fui caçador...

Os nossos  soldados fulas, da CCAÇ 12,  também não os caçavam, de resto as ocasiões não eram muitas: a atividade operacional era intensa e eles não tinham tempo para ir à caça. Por outro lado, eles eram crentes e tementes a Alá.

As milícias e os caçadores das tabancas em autodefesa poderiam eventualmente  fazê-lo,  um pouco às escondidas... Também os comiam, nas nossas costas - dizem que com algum sentimento de culpa, sendo muçulmanos. Além disso, os nossos amigos fulas  sabiam que, para os "tugas", carne de macaco era tabu alimentar (tal como o porco, para eles; tabu que procurávamos respeitar quando partilhávamos as nossas rações de combate com eles, embora também houvesse quem gostasse de pregar partidas de mau gosto com os derivados da carne de porco como o chouriço, mas os fulas não se deixavam enganar facilmente).

Nas tabancas fulas por onde passei ou onde estive em reforço ao sistema de autodefesa, vi crianças ou adolescentes com mausers (!) nos campos de cultivo: afugentavam os macacos-cães e às vezes matavam os mais atrevidos, quando eles tentavam invadir (e destruir) os campos de "mancarra" (amendoim)... Não acredito que os enterrassem ou os deixassem para os "jagudis" (abutres)... Em tempo de guerra, a carne era um luxo...

Amigos e camaradas, não façamos apressados juízos de valor, em função dos nossos próprios padrões civilizacionais,  princípios, valores ou pré-conceitos: no passado, os nossos caçadores também matavam, por exemplo, as aves de rapina, para poderem ter coelhos em abundância... E ainda hoje matam, o que é uma vergonha para todos nós, além de crime!

O consumo de carne de macaco era raro ou esporádico, entre os "tugas". Alguns faziam-no por "bravata", por "fanfarronice", por "desfastio", por "tédio" ou simples "provocação": um gajo na guerra tem de provar de tudo, desde que sobreviva;  noutros casos, terá sido  por mera "curiosidade" e ainda, também, por "necessidade" (que é uma coisa fisiológica, elementar,. animal)... Não ignoremos nem escamoteemos o facto de ter havido muito boa gente, do nosso lado,  que passou fominha, fome  mesmo, na Guiné, durante o longo período da  guerra em que estivemos envolvidos, para mal dos nossos pecados...

Enfim, nalgumas situações haveria também o "gosto do petisco" que leva os "tugas" a comerem coisas "esquisitas" (e até "nojentas", para outros)  como os "túbaros de carneiro"  (no Alentejo) ou as "tripas" (à moda do Porto), os "pézinhos de coentrada",  o ensopado de enguias, os passarinhos fritos,  as perninhas de rãs,  os caracóis e as caracoletas, a moreia frita, a sopa de navalheiras,,,, e eu sei lá que mais!

No meu tempo, vi uma vez um macaense, de origem chinesa, nosso camarada (já não posso precisar a subunidade, creio que era já no tempo da CCS / BART 2917,  Bambadinca, 1970/72), preparar e assar na brasa um pequeno babuíno (macaco-cão)... No final, a pequena carcaça (completamente preta) fez-me lembrar os nossos bebés (humanos)... Reconheço que me chocou, apesar do meu "relativismo cultural" e da tolerância que julgo ter em relação a "usos e costumes" que não são  os da "minha tribo"...

Nas diversas tabancas fulas, em autodefesa, por onde andei (em geral, por períodos de duas semanas), nunca me apercebi do consumo de carne de babuíno... Mas havia tantas coisas de que a gente não se apercebia naquela terra e naquela guerra (por exemplo, a mutilação genital feminina, o infantícídio, a feitiçaria, entre os fulas; as negociatas e a corrupção, entre os chefes "tugas")...

A única (e pouca) carne de caça que eu relutantemente comprava (ou que me ofereciam) era de gazela... O estado sanitário da caça era sempre suspeito... A carne, o peixe e os demais produtos frescos deterioravam-se rapidamente com o calor (e as moscas)... "Peixe da bolanha", julgo que comi pouco: sabia a lodo... No destacamento rio Udunduma, apanhávamos peixe, em abundância, com granadas de mão... Já dos lagostins ou camarões gigantes do Rio Geba Estreito eu era fá...

A caça era uma actividade de risco nas tabancas por onde passei, de diferentes regulados: Joladu, a norte do Geba, Corubal, Xime... Implicava sair do relativo "conforto" da  tabanca e internarmo-nos no mato, que era "terra de ninguém"...Por outro lado, a caça já era escassa no meu tempo, devido à guerra: para além de lebres, galinhas e porcos de mato, só me lembro de ver uma gazela a atravessar, como uma bala a bolanha de Ponat Coli no Xime...

Para o Zé Turra, o pobre do macaco-cão era o substituto da vaca... Quem tinha vacas eram sobretudo os fulas. E só as matavam na morte do dono... Nas chamadas "zonas libertadas" era arriscado ter vacas... Entre os apoiantes do PAIGC havia muçulmanos, cristãos e animistas...  Nas tabancas da margem direita do Rio Corubal, de biafadas e balantas,  em tabancas onde só podíamos ir no tempo seco ou em operaçõe com tropas helitransportadas (por ex., mata do Fiofioli),  havia vacas, porcos e galinhas... Contra as mais elementares regras de segurança, diga-se de passagem...

Mas hoje sabemos que os guerrilheiros do PAIGC,  animistas  e não-animistas,  caçavam em larga escala o macaco-cão... Ninguém pode fazer a guerra com a  barriga a dar horas...Por muito frugais que eles fossem (e tinham fama de só comer arroz um avez por dia!), de vez em quando era preciso "macaco-kom" para fazer o "mafé"...

Pobre do "sancu" que foi também uma das vítimas daquela maldita guerra!

Quanto à fauna e flora da Guiné que se tem vindo a  degradar nos últimos 30/40 anos, ou seja, desde que o PAIGC é poder... Nas floresta-galerias do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole e nas matas do Cuor, era relativamente frequente depararmo-nos, no decurso de operações, com bandos de cem e mais babuínos, ruidosos e agressivos perante a invasão do seu território... Eram zonas sem população ou que a guerra tinha despovoado... "Terras de ninguém", ou terras onde a guerrilha do PAIGC se movimentava muito melhor do que nós..

Quem esteve no sector L1 (Bambadinca), connosco, " tropa macaca" - como eu, o Humberto Reis, o Jorge Cabral, o Beja Santos, o Joaquim Mexia Alves, só para citar  alguns "senadores" da Tabanca  Grande ... - nunca mais esquecerá o maldito Mato-Cão onde se fazia segurança às embarcações (civis) que passavam pelo Geba Estreito, entre Xime, Bambadinca e Bafatá... Enfim, mais tarde, por volta do último trimestre de 1971 foi lá construído um destacamento, inaugurado pelo Pel Caç Nat 63...

De um modo geral, pode dizer-se que as populações da Guiné-Bissau, não muçulmanas,  tradicionalmente caçavam e comiam o "sancu". E «as que estavam no "mato" (ou seja, do lado ou sob controlo do PAIGC) deviam recorrer mais vezes à carne de macaco...

Depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão terá aumentado significativamente. E as populações de algumas espécies começam a figurar na lista vermelhas das espécies criticamente em perigo...

Já em relação ao "dari", o chimpanzé das matas do Cantanhez e do Boé (Pan troglodytes verus  cuja população estimada, em 2015, é de 35 mil indivíduos, em toda a África Ocidental, tendo sofrido um brutal decréscimo de c. 6,5% ao ano, entre 1994 e 2014!), parecia todavia haver, tradicionalmente, um maior respeito, por parte da população local, devido  às suas "semelhanças" com o ser humano. Pelo menos, no meu tempo!...

No entanto, o seu habitat , na África Ocidental,  está cada vez mais ameaçado pelas actividades humanas (destruição da floresta, fragmenmtação da mancha florestal, expansão das áreas de cultivo, captura ilegal para o mercado negro, doenças e epidemias, industrialziação, instabilidade política, corrupção, falhanço das políticas de conservação...). Em toda a África ocidental, esta  espécie (uma das três espécies de chimpanzés) vai mesmo desaparecer se falharem as políticas de conservação, se falharmos todos nós... Em boa verdade, não sei se ainda vamos a tempo....MAS TEMOS QUE IR A TEMPO!

Voltando ao babuíno, e às recordações do meu tempo: era difícil precisar o números  de machos adultos, talvez dois ou três, que integravam um bando de 100... Talvez mais (posso estar a ser influenciado pelas minhas leituras posteriores na área da etologia, pela qual me interesso...).

Nunca vi, felizmente, ninguém, à minha frente, matar um babuíno... Em contrapartida, havia crias de babuíno que serviam de mascote nos nossos quartéis... Um triste hábito que era tolerado por todos nós... Naquela época não havia "consciência ecológica", nem se falava de "direitos dos animais"...

Também nunca dei conta da utilização da pele do babuíno para efeitos medicinais, por parte das populações com quem lidei (fulas, mandingas, balantas), quer em Contuboel (junho/julho  de 1969), quer em Bambadinca (julho de 69 / março de 71)...

Passado meio século, e face às dramáticas mudanças  que se estão a operar na Guiné, ao nível  da fauna e da flora, nós, antigos combatentes, temos a obrigação de alertar e encorajarar  a Guiné e o seu povo para a necessidade de proteger o seu património natural, e mais concretamente proteger o "sancu" e o "dari".

Não é admissível que haja restaurantes em Bissau que tenham nas suas ementas a carne do "sancu"...Igualmente inadmissível, é o crime (irreparável) da destruição das sagradas florestas-galeria da Guiné...

Em suma, passemos a mensagem: "Comer macacos... só os do nariz!"...

Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!  Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, a humanidade, nós todos, afinal, os  últimos hominídeos, o Homo Sapiens Sapiens... (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

29 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13667: In Memoriam (196): Claúdia Sousa (1975-2014), estudiosa do dari (chimpanzé) do Cantanhez, morre aos 39 anos, de doença. O funeral é amanhã, na Figueira da Foz

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

8 de março de  2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)

(...) 1. Reportagem TSF > Dari, Primata como Nós > 2 de Março de 2007 .

No sul da Guiné-Bissau, o chimpanzé tem nome de gente. Na pista de Dari, uma equipa de cientistas portugueses estuda, há cinco anos, os chimpanzés das matas de Cantanhez com o objectivo de ajudar a salvar uma espécie ameaçada, sobretudo pela redução do seu habitat e pela dificil coexistência com as populações humanas do sul da Guiné-Bissau (e do norte da Guiné-Conacri).

A par do chimpanzé (em tempos, um homem, ferreiro, que Deus transformou, por castigo, em alimária, segundo as lendas locais), há outros primatas e outros mamíferos como o búfalo e até o elefante na mata do Cantanhez. (...)

(**) Último poste da série >  3 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16678: Manuscrito(s) (Luís Graça) (100): O desertor

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Primatas do Cantanhez: o dari, o fatango... Desenhados nas paredes das instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento em Iemberém

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Pepito (AD- Acção para o Desenvolvimento, Bissau, que tem apoiado e incentivado o ecoturismo, incluindo o turismo científico, no Parque Nacional de Cantanhez):

Luís

O macaco (em geral) foi a base da alimentação proteica dos guerrilheiros, pelo que logo após a independência foi completamente interdita a sua caça. Isto foi mesmo cumprido (o Estado naquela altura tinha mesmo força).

Mais tarde, em finais de 80 o macaco cão passou a ser considerado em Bissau como um grande pitéu e passou a ser moda ir-se comer esta carne nos vários mini-restaurantes que foram surgindo nos bairros populares. Conheço o caso de um proprietário que vinha do sul com 50 macacos-cão mortos de cada vez que lá ia. Foi sobretudo este factor que acelerou a sua caça.

Acresce que outros grandes consumidores são os militares guineenses que, à falta de alimentação nas casernas, fazem autênticas razias.

A sua diminuição é um dado adquirido. Um dos indicadores é a queixa recorrente que ouvimos aos agricultores com quem trabalhamos pelo cada vez maior número de cobras e das suas picadas, muitas vezes mortais. É que para o macaco-cão, a cobra é o seu pitéu favorito... O desaparecimento de um corresponde ao aumento do outro.

O aumento de chimpanzés em Cantanhez (mesmo se contestado pela equipa da senhora investigadora em causa, que nós contestamos) também é um pouco o fruto da diminuição dos macacos-cão, eternos rivais e que conduzem frequentemente a autênticas batalhas campais pela posse de espaço na Mata de Cantanhez.

abraço
pepito

domingo, 25 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3793: Fauna & flora (16): Relações amistosas com o Macaco-cão na zona de Cufar (Mário Fitas)

Mensagem de Mário Fitas, de 12 de Janeiro de 2009


Fauna na região de Cufar em 1965/66

Quando a CCaç 763 tomou conta do sector de Cufar, existia uma enorme lagoa entre o Aquartelamento - antiga quinta do madeirense Sr. Camacho - e a tabanca de Iusse.
Era pois um ponto onde, para além do gado dos moradores daquela tabanca pastoreava e se sedentava, havia outros clientes que passo a referir: gazelas, cabras do mato, javalis, porcos-espinhos e alguns predadores, como uma espécie de gato bravo, mais parecido com o nosso furão.

Quanto a répteis desde as serpentes às mais variadas espécies de cobras, tudo por ali aparecia, até uma espécie de lagarto grande parecido com as iguanas e de que o meu amigo Alfa Nan Cabo se banqueteava.

Mas o verdadeiro espectáculo era dado pelas aves: eu, que depois da guerra fui ornitólogo, fartei-me de identificar variadíssimas espécies que frequentavam a lagoa: desde o grou coroado lá conhecido pela Ganga; pato da Berbéria cá conhecido como pato mudo. Havia diversas qualidades de patos e de todos os tamanhos, assim como rolas, onde conheci pela primeira vez a rola diamante (pequenina com os seus pontinhos nas asas) até às rolas gigantes incluindo pombos verdes.

Os massorongos (conhecidos por papagaios do Senegal) e periquitos verdes. O marabu, os jagudis (almeidas daquela terra) e protegidos por lei. Vinha depois a passarada miúda: desde os barulhentos tecelões que faziam das árvores colmeias de ninhos, até aos pequeninos bicos de lacre, degolados e sumptuosas viúvas do paraíso no seu lindo e ondulante esvoaçar.

Com tudo isto, a guerra foi acabando. Não foi só desastre humano, foi também ecológico.

Quanto aos nossos amigos Babuínos (macaco-cão), nunca houve conhecimento de matança, para comer ou por simples desporto.

Tirando os problemas das suas relações provocatórias com os nossos cães (por esse motivo tivemos de prescindir deles em determinadas operações). As relações eram amistosas e até por vezes nossos batedores, pois quando progredíamos por estrada, eles faziam a mesma coisa que nós, progredindo à nossa frente “em fila de pirilau” e houve pelo menos duas ocasiões se bem me lembro que nos foram úteis. Mas nessas alturas pareceu que fizeram mais barulho que o matraquear das armas.

Em termos que possam servir para estudo, e relativo ao tempo em que estivemos em Cufar, havia dois grupos bem definidos e localizados, e que seguramente se a memória não me falha, andariam pelos trinta e cinquenta exemplares entre todos, fêmeas, machos e é claro o manda chuva dominante, sempre no comando.

Um dos grupos, e o mais numeroso, costumava-nos acompanhar pela estrada (antiga) para Catió. Desde o começo da mata ao cimo da lala a seguir ao cruzamento de Camaiupa (Cabaceira) chegando até às proximidades de Priame.

O outro grupo aparecia na estrada Catió Cobumba, após Camaiupa já próximo da mata de Afiá.

Parece ser tudo, ficarei satisfeito, se este escrito servir para qualquer estudo.

Da esquerda para a direita: Soldado que não recordo o nome, de camuflado o Fur Mil Enf Juvenal, o Fernando que nos acompanhou desde Bissau, Mário Fitas Fur Mil Oper. Espec. e Olindo apontador de bazuca da minha secção. Foto de Mário Fitas.

Foto que me foi concedida pelo Manuel Brita condutor das Fox e que esteve em Cufar no tempo do António Graça de Abreu.
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Notas de vb:


sábado, 6 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21861: Fotos à procura de... uma legenda (142): Que espécie de macaco é este? (Foto: António Marreiros; texto: Luís Graça)



Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > CCAÇ 3544, "Os Roncos de Buruntuma" > 1972 > Miúdo com um macaco, de espécie não identificada (*)

Foto (e legenda): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ora cá uma imagem que hoje o António Marreiros não gostaria, por certo, de tirar nem nós de ver: um primato (como nós), um macaco do Velho Mundo, no cativeiro, como "animação de estimação" de uma criança...

De qualquer modo, é um "documento de época"...Mas não sabemos ao certo, até porque a foto é "preto e branco", de que espécie seria este primata...

Fica aqui o desafio aos nossos leitores, sobretudo àqueles que se interessam mais pela Fauna & flora da Guiné-Bissau (**).



O macaco verde é um pequeno primata semi-terrestre, semi-arborícola e quadrúpede, cinza-malhado, castanho esverdeado, de face preta, colarinho branco, longas pernas e a extremidade da cauda laranja. 

Nome científico: Chlorocebus sabaeus (Linnaeus, 1766)
Nome em inglês: Green monkey, callithrix monkey
Nome em francês: Singe vert
Nome em crioulo: Santcho di Tarafe / Santcho preto
Nomes locais: Cula-Mela (fula)

Habitat: (i) Parque Nacional do Cantanhez: mangal (principalmente), floresta densa sub-húmida, floresta densa seca, savana arbustiva e terras agrícolas; (ii) Outros: savana árida saheliana.

Fonte: Cortesia de Bout  & Ghiurghi (2018), pp. 40/41


2. Sem ter tempo para fazer pesquisas mais aturadas na Net, deixei duas pistas da caixa de comentários:

(i) O macaco fidalgo, vermelho ou preto, não é... Vi-os em Iemberém, no Cantanhez, em 2008... Macaco-cão ou babuíno, muito menos... 

Em minha opinião, será o "macaco verde"... Nome científico "Chlorocebus sabaeus"...

(ii) Também pus a hipótese, mais remota,  de ser  um "macaco vermelho " ou "santcho fula",,, . "Erythrocebus patas (Schreber"), maior, mais corpoiento do que o "macaco verde".
 
Inclino-me mais para a primeira hipótese... Aconselho  a consulta do Guis dos Mamíferos do Parque Nacional do Cantanhez, da autoria de Nicolas Bout  e Andrea Ghiurghi, editado em 2018, 189 pp.  (AD - AIN - IBAP - IUCN ISBN: 9788890894923).

Sobre o "macaco verde", ver as pp. 40... Sobre o "macaco vermelho", vd. pp. 46/47.

Aconselho vivamente este guia, disponível em formato pdf.

Resumo: Neste livro, , os leitores, turistas responsáveis, investigadores científicos, estudantes, amantes da natureza, decisores nacionais, autoridades tradicionais locais e guias de ecoturismo, conhecerão melhor a fauna que vive na Floresta de Cantanhez, Guiné-Bissau, os seus hábitos, preferências alimentares, se estão em extinção ou não, o seu número está a aumentar graças às medidas de conservação entretanto tomadas.

De qualquer modo, talvez o Cherno Baldé nos queira (e possa) dar uma ajuda. Ou o Patrício Ribeiro, Ambos conhecem melhor a fauna da Guiné-Bissau do que nós...

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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...



Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3

Legendas: Foto nº 1 >  Bagabaga Baga Baga – Uma excelente proteção nos contactos no mato com o IN (e vice-versa!). Foto de autor desconhecido

Foto nº 2 > O Soldado Covas brincando com um dos habitantes do Cumbijã.  Cortesia do soldado Covas

Foto nº 3 > O cão rafeiro “Tigre” e a cabra “Joana”



 Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > A hortinha do José Carlos, estrategicamente plantada junto aos nossos chuveiros aproveitando a rega automática. 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. Tem um pósfácio da autoria do nosso editor



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)




Parte XX -  OUTRAS GUERRAS, OUTROS PROTAGONISTA



Para além dos perigos inerentes a um conflito militar, outros, também difíceis de ultrapassar, nos eram colocados:

Os mosquitos (**)

Um inimigo duro, resiliente e nunca vencido. Muitas vezes nos atirando para a cama de um hospital com o paludismo. Lutávamos contra este inimigo implacável utilizando todas as armas disponíveis: rede mosquiteira, repelente, álcool, etc.

Desde muito cedo nos ensinaram que a melhor forma de os combater era... o álcool.

Um sargento, tarimbado e porventura já imune, depois de uma noite bem bebida, dormiu sem rede mosquiteira e de manhã era vê-los todos mortos, os mosquitos,... de “coma alcoólico”!

Tal como o IN, atacava, principalmente, ao cair da noite.

Com este inimigo nunca houve tréguas, nem mesmo depois do 25 de Abril (estavam-se “marimbando” para as revoluções!). A luta foi, implacável, do primeiro até ao último dia de Guiné.

As formigas Bagabaga (**)

Segundo estudo do camarada  Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), eram “térmitas (cupim) que construíam montículos de terra endurecida onde habitava toda a comunidade.  Estes montículos podem atingir até cerca de 8 metros de altura. Espécie de formiga esbranquiçada e de contornos e cabeça avermelhados que vive numa comunidade, aos milhares, uma comunidade organizada com Rei, Rainha, operárias e soldados, e que constrói o bagabaga com a secreção de saliva misturada principalmente com pó de terra fazendo daquela obra de engenharia, arejamento, climatização e arrumação, o seu habitáculo. Desconheço se foi a formiga bagabaga que deu o nome ao montículo ou se o bagabaga (montículo daquela formiga) é que deu nome à formiga”.

Atacavam pela calada, em silêncio, principalmente quando adormecíamos na mata. Entravam por todas as aberturas: Pernas das calças, mangas da camisa e pelo pescoço. Muitas vezes assisti ao desespero de camaradas a tirar toda a roupa e a coçar violentamente os “coisos” (e não só). Depois de se instalarem, era muito difícil desalojá-las. Muito mais difícil do que desalojar o IN na operação “Balanço Final”. Já “calejado”, sempre que dormia na mata, atava um nagalho nas calças e nas mangas e apertava o último botão da camisa.

As abelhas

Estas foram o único adversário que conseguiram desbaratar todo um grupo de combate que fugiu “covardemente” do terreno de batalha. 

O lema deste temível adversário era: Juntos somos invencíveis. Ouve-se lá ao longe em pequeno zumbido (o enxame), que se vai aproximando à medida que aumenta o pânico no grupo de combate, experimentado e disponível para outras guerras que não esta.

Tudo fica em silêncio para não denunciar a sua presença, não conseguindo disfarçar o “cagaço” que reina nas hostes.

De um momento para o outro, militares experimentados, com grande espírito de grupo (cujo lema é ninguém fica para trás), que colocados em situações de grande dificuldade nunca vacilaram ou fugiram, começam a gritar como crianças mimadas e assustadas, a chorar e a chamar pela mãezinha, largando a arma, mochila e tudo o que dificulta a fuga, sem saber para onde, procurando safar-se daquele horror, sem nunca pensar nos que ficam para trás, cada um por si.

Estavam já perto do destacamento, pelo que a maioria alcança-o em corrida louca com dezenas de abelhas coladas na cara e braços, com a estupefação do pessoal que os via chegar, sem arma, sem cinto, sem bornal e sem cantil, olhando para a orla da mata a confirmar se o IN vinha em perseguição. 

Felizmente não participei nesta cena “degradante” que atirou por terra todo o prestígio e respeito conquistado no teatro de operações

Um grupo de combate saiu para recolher todo o equipamento deixado na fuga e ajudar os que ficaram para trás (um militar nunca deixa outro militar para trás!) a regressarem ao quartel.


A Matacanha (**)

A matacanha é uma pulga minúscula, que penetra nos dedos dos pés e se desenvolve produzindo um saco de ovos que pode chegar a atingir o tamanho de um grão de milho. Tem de ser removida com habilidade, utilizando uma agulha fina. Alguns africanos eram de tal forma atacados pelas matacanhas, que acabavam por quase não conseguir andar. Eram então apelidados de calonjandas.

Depois de vários patrulhamentos, na época das chuvas, em bolanhas inundadas, comecei a sentir uma comichão no dedo grande do meu pé direito. Fui coçando supondo tratar-se de uma ligeira micose, comum nestas regiões. A comichão não passava e começou a afetar a minha marcha.

Tomei a decisão de consultar o nosso furriel enfermeiro, numa altura em que este estava a folhear, se a memória não me falha, uma revista de medicina, da especialidade de “anatomia” (penthouse) que o Martins lhe tinha emprestado. Mostrei-lhe o pé e, sem um Raio X, sem uma ressonância magnética ou análises à urina, atira-me, numa fração de segundos, o diagnóstico à cara:

- Temos aqui uma matacanha que precisamos de remover. 

Pensei, é desta que vou passar umas férias a Bissau, tratar de tal coisa que nunca tinha ouvido falar. 

 Ó Caetano! trata lá disso para ser operado o quanto antes em Bissau.
 Está bem  – dise  o Caetano–  dá cá o pé para eu fazer o relatório que te acompanhará até Bissau. 

Dou-lhe o pé e logo ele com a  da faca de mato, que desinfetou com uísque (creio que Ballantines) escarafunchou até encontrar o dito bicho que me colocou na palma da mão a “rabiar”. Ainda não foi desta que fui comer umas ostras a Bissau…

Nota: O Caetano afirma que me tirou a matacanha não com a faca de mato mas com uma agulha bem desinfetada com Whisky. É a palavra dele contra a minha…

Outros protagonistas bem mais pacíficos:

O Macaco-cão

Não havia saída para o mato em que não encontrássemos estes amigos babuínos, vítimas indefesas de uma guerra que que não era a sua. Eu ficava maravilhado com as suas acrobacias de árvore para árvore, alguns com os seus filhotes às costas. Eram grandes observadores repetindo gestos e procedimentos que viam nas nossas tropas. Cheguei a ver ao longe um grupo caminhando na picada mais parecendo um grupo de combate, descortinando um ou outro com um pau mais parecendo picadores.

Em emboscadas noturnas quando pressentiam um ruído estranho,  ladravam como uma matilha de cães. Era nossa convicção que estavam do nosso lado, “ladrando” quanto pressentiam que o perigo espreitava.

Há relatos de muitas vezes serem confundidos por grupos de IN com o descarregar de todas as munições sobre estas indefesas criaturas por tropa periquita ainda num processo de aprendizagem

Como era comum em quase todos os destacamentos, havia dois pequenos macacos no Cumbijã, sendo um deles companhia inseparável do furriel França, ainda periquito, do meu pelotão.

Da grande colónia de macacos com os quais convivíamos diariamente na altura, e que faziam as nossas delícias, de acordo com as informações que chegam de alguns cooperantes, com o consumo nas zonas rurais como subsistência e com o comércio organizado, já é muito raro encontrar esta espécie nas matas da Guiné.

Ainda hoje me repugna o facto de, com alguma probabilidade, ter comido em Aldeia Formosa macaco cão,

Como já referi num post anterior, fui convidado, por um Furriel africano, para comer uma cabra de mato (que estava divinal), que vomitei, depois do anfitrião ter declarado, no final do repasto: “Ainda bem que gostaram do macaco cão preparado por mim!”

Ainda hoje não sei se comi cabra de mato  ou macaca cão..

 O "Tigre" (***)

O nosso cão rafeiro e fiel amigo. Era o primeiro a dar sinal que algo ia acontecer, seja ataque ao arame ou flagelação. Era um “come e dorme” mas não deixava de estar presente sempre que alguém saía para o mato, assim como era o primeiro na “porta de armas” a receber-nos no regresso.

Habituado às carícias de toda a companhia não reagiu bem à chegada da cabra Joana que trouxemos de Nhacobá no dia da operação “Balanço final”

A "Joana" (***)

A simpática cabra que trouxemos de Nhacobá, no dia do assalto, passou a ser a dona do destacamento. Manteve até ao fim um relacionamento conflituoso com o rafeiro "Tigre", numa luta de “titãs” pelo poder.

No dia de abandonar o Cumbijã,  não deixamos de verter uma lágrima por deixar estes dois grandes e fieis amigos entregues à sua sorte.

Continua ...
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 12 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22711: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIX: As hortinhas... dos "durões"

(**) Vd. postes de 

20 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7012: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (1): Paludismo (Rui Silva)

26 de novembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

26 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)

(***) Vd. poste de 1 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22422: Passatempos de Verão (24): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 2: "Ao que parece, nem os macacos se salvaram" (Joaquim Costa)

sábado, 4 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10225: Do Ninho D'Águia até África (4): No aquartelamento, quase em final de construção (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

Aquartelamento de Mansoa

Foto: © César Dias. Todo os direitos reservados


1. Continuação da publicação de Do Ninho de D'Águia até África, de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Op Cripto, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66). iniciada no Poste P10177. O Tony Borié, natural de Águeda, vive nos EUA, Flórida, há 40 anos.

Do Ninho D'Águia até África (4)

No aquartelamento, quase em final de construção

Neste aquartelamento, todos trabalham, ou pelo menos tentam estar ocupados.

Mesmo depois de completas, as principais instalações, havia sempre coisas a improvisar. -sePor exemplo, com a madeira das caixas de munições faziam-se mesas e secretárias, que se usavam para escrever os aerogramas e as cartas para a família e as madrinhas de guerra.

Plantavam pequenas árvores e flores, em alguns locais desertos, que ainda não tinham construção e cada um era proprietário do seu pequeno jardim, que cuidava, e trocavam plantas entre uns e outros.

Chegou a haver uma pequena rivalidade entre o Setúbal e o Trinta e Seis, cada qual tinha o seu jardim, qual deles o mais bonito. O Trinta e Seis era um soldado telegrafista que não sabia quem lhe lhe tinha posto a alcunha, mas todos diziam que era pela estatura do corpo, pois era baixo e forte, mesmo muito baixo e forte, e diziam que era o conjunto de números derivado de uma dúzia. Por exemplo, o corpo inteiro eram doze, metade eram seis, um quarto eram três, e no conjunto dos números, começando por baixo, dava três mais seis, e como ele era baixo e forte, juntaram os números três mais seis e deu no sugestivo nome de Trinta e Seis. Era muito popular entre os militares e conhecido pelo Trinta e Seis.

O Curvas, soldado atirador, alto e refilão, que andava sempre contrariado, não acatava ordens, queria mandar e todos diziam que devia ser general, tinha este nome porque como era alto e magro, caminhava sempre curvado para o lado da frente, por tal motivo ficou a chamar-se o Curvas. Além de andar sempre contrariado, tinha uma linguagem reles, e quando por aquela área passava, dizia:
- Que grande porcaria! Parecem parvos, as flores não servem para comer! Qualquer dia arraso isto tudo!

Com os barris de vinho vazios faziam excelentes cadeiras de encosto e lindos vazos, onde nasciam flores e até pequenas palmeiras. Havia os mais habilidosos que construíam lindas gaiolas para piriquitos, outros pássaros exóticos e macacos bebés.

Os macacos,  depois de conhecerem bem o dono, que os trata e lhes dá de comer, não mais abandonam essa pessoa. Dentro do aquartelamento, debaixo de uma grande árvore, a que chamavam a Mangueira do Setúbal, de quem já aqui falámos, havia um autêntico jardim zoológico, tal era o número de gaiolas com pássaros exóticos e macacos. Todos tinham o seu dono, que os tratava, e perdiam horas na sua companhia.

Alguns andavam a passeá-los pelo aquartelamento, e não raro era o caso em que os traziam para a vila, em especial para a sede o clube de futebol, como por exemplo o Setúbal, que chegou a ter dois macacos, um já adulto e outro bebé, e um periquito. Andava de periquito ao ombro e um macaco a cavalo no outro, isto a passear na vila e, tanto o periquito como os macacos, faziam o que ele mandava, parecia como no circo.

Se algum militar era transferido para outro cenário de guerra, levava o animal com ele. Quando uma coluna militar passava pelo aquartelamento, faziam parte dessa coluna militares, civis, macacos e periquitos, entre outras coisas. Esse zoo, no aquartelamento, ajudava na segurança. Se alguém estranho penetrasse no aquartelamento, pela calada da noite, os primeiros a fazerem barulho eram os macacos.

Havia uma árvore de pequena estatura, mas muito florida, que nasceu junto a um pequeno pântano, que existia dentro do aquartelamento, ao fundo, mais a oeste, que pela manhã se cobria de periquitos e outras aves exóticas, muito coloridas. Um furriel miliciano do pelotão de morteiros todos os dias ia lá colocar comida em cima de um tampão de um barril de vinho vazio, onde os pássaros iam comer e se empurravam uns aos outros, pois cobriam completamente o tampão do barril, ao que o furriel, dizia:
- Esta árvore é a minha gaiola, de periquitos.

Quando criança, na sua aldeia no vale do Ninho d’Águia, o Cifra tinha um cão rafeiro, amarelado, que dormia com ele aos pés da cama, feita de colchão de palha de centeio, das terras altas do pinhal. Pela manhã, ao passar o comboio das seis e meia, que apitava, o Cifra, ainda criança, abria os olhos, passava a manga da camisola pelo nariz, limpando algum ranho, camisola essa já bastante coçada, pois já tinha sido do irmão mais velho que depois a passou para o irmão do meio e que finalmente lhe veio parar ao corpo, tocava com o pé no cão piloto, que compreendia o sinal, e logo se levantava, e dando ao rabo, em sinal de alegria, vinha na sua frente, sentar-se na lareira, onde a mãe Joana já preparava o café de chicória, que com umas côdeas de broa amolecidas, e um pouco de leite de cabra, era o seu pequeno-almoço, que repartia com o cão piloto.

Lembrando toda esta cena, não tardou muito tempo que não tivesse também o seu macaco, um pouco maior, era uma raça a que os naturais chamavam “macaco cão”. Depois de alguns meses de convívio, já fazia algumas habilidades. Alguns até diziam que era mais inteligente que o Curvas, o tal soldado atirador, alto e refilão. O macaco que obedecia ao Cifra, deitava-se, sentava-se, dava a mão, fazia cambalhota, abria a boca, mostrando os dentes e saltava. Era uma cópia do que o Cifra fez quando foi “às sortes”, no quartel da cidade, onde lhe fizeram a inspecção militar, antes de ser incorporado no exército de Portugal. Esse macaco chamava-se Piloto em homenagem ao seu querido Piloto.

Mas voltando ao aquartelamento, enquanto decorriam os trabalhos da sua construção, algumas vezes, durante a noite, o Cifra e os seus companheiros eram flagelados do lado sul, onde havia matas, por granadas de morteiro, seguidos de rajadas de metralhadora, e quando em vez tiros de pistola.

Ninguém sabia porquê, mas até aquela data nunca acertaram no aquartelamento. Voavam granadas de morteiro, que quase sempre vinham cair no que nós chamávamos campo de aviação, no tal terreno plano próximo da aldeia, com casas cobertas de colmo. Pela manhã, era normal sairem diversas secções de combate, ou até mesmo pelotões completos, a fazer incursões no interior das matas. Este conjunto de militares era sempre acompanhado por uns tantos africanos que, pelo menos, mostravam que eram fiéis aos militares, serviam de guias e tradutores, passavam em certas áreas, visitavam aldeias, pediam identificação a alguns naturais, verificavam se havia algo de suspeito e faziam algumas perguntas quando suspeitavam de algo.

Quase sempre por onde passavam não viam ninguém, só talvez pessoas já de uma certa idade, mesmo velhas, a trabalharem nos pântanos do arroz, e crianças, mesmo crianças, com menos de dez anos, a guardarem algum gado, como se fossem pastores.

Quando os militares andavam em patrulha, por essas áreas, se por qualquer circunstância encontrassem um jovem, tanto fazia ser homem ou mulher, que aparentasse idade entre os quinze e os trinta anos, mais ou menos, e não tivesse identificação, ficava nesse momento com o rótulo de guerrilheiro e era aprisionado e trazido para o aquartelamento, como fosse guerrilheiro das forças de libertação, para ser interrogado. Este era o sistema e as ordens que na altura havia.

Os guerrilheiros que compunham os diversos grupos de combate, que queriam a independência, da dita província e a quem o governo de Portugal chamava “terroristas”, embora ainda não tivessem muita experiência de combate, sabiam o que faziam, sabiam estar no terreno. Talvez avisados, precaviam-se e desapareciam dessas áreas. Dava a entender que sabiam o sistema como actuavam os militares.

No aquartelamento dizia-se que aqueles ataques esporádicos, que o aquartelamento sofria, eram só para os militares saberem que eles andavam por ali, e que existiam.

Ninguém sabe se era essa a verdade. Contudo, raro era o dia em que as nossas forças, no regresso ao aquartelamento, traziam de volta prisioneiros, ou qualquer outra informação. Pelo contrário vinham exaustos e com cara de sofrimento.

Num desses ataques, o Curvas, o tal soldado atirador, alto e refilão, que andava sempre contrariado e não acatava ordens, que queria mandar e todos diziam que devia ser general, sai sozinho do aquartelamento, por uma parte onde ainda não havia arame farpado, para o lado das matas, com a G3 em punho, aos tiros, de peito aberto, gritando:
 - Venham cá, filhos da puta!. Turras da merda!. Eu vou matá-los a todos!

Era assim o homem, não obedecia e fazia o que queria. Por acaso não lhe aconteceu nada e regressou ao aquartelamento, pelo mesmo sítio, com a cara vermelha e coberto de suor, deitando saliva pelos lábios, com os olhos vidrados, talvez de fúria.

O tal capitão, que diziam que partia tudo à bofetada, estava lá, viu toda esta cena, na frente de todos, mas nem se aproximou do Curvas, e diziam que a partir desse momento deixou de bater nos soldados.

O Curvas pertencia ao pelotão de morteiros e era amigo do Trinta e Seis, pois só o Trinta e Seis lhe dava ordens e o acalmava.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10212: Do Ninho d'Águia até África (3): Uma pausa para reflectir, guerra é guerra (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16710: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-al mil, CCAÇ 4740, Cufar, dez 72 / jul 73; e Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (1) - Bolama, Centro de Instrução Militar (parte I)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4 


Foyp nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7

Guiné > Bolama > Centro de Instrução Militar (CIM) > c. jun/jul 1973 >  Estágio do Luís Oliveira,  de preparação para o comando de subunidades africanas. (*)


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Antes de ir tomar posse do lugar de comandante do Pel Caç Nat 52 onde vai terminar a sua comissão (Mato Cão e Missirá, julho de 1973/agosto de 1974), o alf mil Luis Mourato Oliveira passa cerca de duas semanas em Bolama e uma em Bissau, recebendo formação sobre usos e costumes dos povos da Guiné bem como sobre ação psicossocial (fotos nºs 5, 6  e 7) e dando  ainda intrução militar a "mancebos" do recrutamento local (fotos nº 1 e 4).

Foi nesta ocasião que ele (foto nº 3) se encontra com outros graduados, que também estavam a fazer o estágio,  como o alf mil Miguel Champallimaud, sobrinho do conhecido empresário António Champallimaud  (foto nº 2),  e um furriel  (, talvez Hèlder de seu nome ?), promovido a alferes por ter feito um grande "ronco" ao apanhar ao PAIGC, no sul, um equipamento completo do "jato do povo" (foguetão 122 mm e respetiva rampa de lançamento). Eram dois dos seus parceiros de cartas e de amena cavaqueira à noite, acompanhada de um bom uísque.

Diga-se, de passagem, que essa formação, mais de natureza socioantropológica, não existia ao tempo da formação das primeiras companhias da "nova força africana", criadas logo em 1969, no primeiro ano do consulado de Spínola (por ex., CCAÇ 11, 12, 13, 14)...

De  regresso a Cufar, e depois a caminho do setor L1 (Bambadinca), o Luís perdeu o rasto a estes e outros camaradas do tempo do CIM de Bolama. Ele tinha chegado à Guiné no princípio de 1973, vinha em rendição individual, e fora  colocado na CCAÇ 4740, em Cufar. Fará férias, na metrópole,  em novembro/dezembro desse ano. Regressa a tempo de passar o Natal com os seus homens, do Pel Caç Nat 52, no Mato Cão. E traz com ele um "pão de ló de Miragaia", feito pela mãezinha.

Dessa passsagem pelo CIM de Bolama, publicam-se algumas fotos do seu álbum. Legendas complementares:

Fotos nºs 5, 6 e 7< "*Psico-compras",  em tabancas bijagós de Bolama

Foto nº 4 > "Visita aos instruendos" em formação,  no CIM.

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de

9 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16702: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) - Experiências gastronómicas (Parte I): maionese de peixe do Cacine e açorda de bacalhau com coentros...

10 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...