quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2297: Notas de leitura (3): Biografia de Amílcar Cabral (João Tunes)

1. Mensagem do João Tunes, com data de 20 de Novembro:

Camaradas editores (1),

Se recomendação me é permitida, faço-a relativamente a um livro recentemente editado (O Fazedor de Utopias, uma biografia de Amílcar Cabral, António Tomás, Ed. Tinta da China) que não só é uma excelente biografia de Amílcar Cabral, nada no estilo do culto da personalidade, como um meio de, à distância, se reviver com espírito crítico o contexto em que decorreu a guerra na Guiné, completando-nos com o conhecimento que então não tínhamos – o do outro lado.

Sobre o conteúdo do livro, pronunciei-me aqui, no meu blogue Água Lisa (6): .

Saudações do João Tunes.


2. Água Lisa (6) > 11 de Novembro de 2007 > Cabral além do mito = Mais Cabral


Arrisco considerar o livro de António Tomás, jornalista e antropólogo angolano, dedicado a biografar (ou radiografar?) Amílcar Cabral (*) como a obra mais elucidativa para a compreensão serena e desmistificada dos movimentos de libertação africana que lutaram contra o domínio colonial português.

Contra a empresa da porfiada pesquisa de António Tomás contava-se à partida o risco de tocar, com um dedo que fosse, no mais intocável dos dirigentes anticoloniais, porque indiscutivelmente Cabral foi, entre todos, o mais capaz, o mais inteligente, o mais culto e o mais eficaz (no quadro das condições comparativamente mais difíceis) no abalo do domínio colonial português. E, ultrapassando o quadro desse império sob abalo, Amílcar foi um dos grandes dirigentes, talvez repartindo o pódio com Mandela, que mais contribuíram para pensar, dignificar e prestigiar África.

Se juntarmos o facto evidente que os sucessos do PAIGC foram determinantes para as independências de todas as colónias portuguesas (as que lutaram muito, as que lutaram pouco, as que lutaram bem, as que lutaram mal, até as que nada lutaram) e para o próprio pulverizar do regime da potência colonial, mais o martírio de Cabral, assassinado na véspera da celebração da sua vitória guerrilheira, juntando ao eco pungente das balas da brutalidade traiçoeira o benefício de se eximir a demonstrar os dotes de estadista na concretização dos seus projectos para o Estado Guiné-Cabo Verde (?), passando da utopia à realidade, temos o quadro acabado do mito quase perfeito.

A seu favor, António Tomás tinha, além do seu talento e da sua honestidade histórica, apenas três pequenos trunfos: ter nascido depois de Cabral ter desaparecido o que lhe permitia alguma impertinência para com o mito (assim fosse capaz, como foi, de se libertar do preito perante um ilustre mais velho), não ser guineense nem caboverdiano proporcionando-lhe um descentramento da idolatria nacionalista, estar folgado relativamente aos figurinos dos estereótipos ideológicos das abordagens da questão colonial (assumindo uma africanidade madura sem necessidade das âncoras exclamativas das charangas épico-libertadoras).

Todos os escolhos foram vencidos, com mérito, por António Tomás, resultando um quadro de desafio no pré-conhecimento de uma figura política e histórica marcante, pesem embora as deficiências impostas pelas largas lacunas nos suportes testemunhais e documentais que a investigação teve de defrontar. E, para além da aproximação à figura concreta de Cabral, ao seu percurso, obra e contradições, com genialidades e simplificações utópicas nunca fundamentadas (e posteriormente desmentidas nos resultados, nomeadamente a ideia base da unidade Guiné e Cabo Verde), a própria dicotomia colonial / anticolonial adquire uma invulgar transparência serena (do que beneficiam, inclusive, os portugueses).

Finalmente, duas notas de senão. Primeira, para o incompetente trabalho de revisão desta primeira edição (são frequentes as repetições seguidas de vocábulos). Segunda, na parte final do livro, António Tomás é arrastado por um erro da PIDE quando confunde, sobre a ofensiva final do PAIGC, Guidaje com Guileje (reproduzindo um conhecido erro do relatório da PIDE sobre os ataques contra as praças militares portuguesas), o que é mais um exemplo da necessidade permanente de cotejar os dados quando se consultam os arquivos da PIDE.

João Tunes


(*) O Fazedor de Utopias, uma biografia de Amílcar Cabral, António Tomás, Ed. Tinta da China.


3. Comentário de L.G.:

João:

O meu/nosso muito obrigado. Foi oportuníssima a tua chamada de atenção e recomendação. Ontem o livro foi oficialmente lançado. Já foi inserido no nosso blogue um texto sobre o livro e o autor. O teu comentário é importantíssimo por que é de quem já leu o livro e tem outra autoridade para fazer uma recensão crítica. Foi um prazer, de resto, o de revisitar o teu blogue e a tua escrita, sempre incisiva, viva e empolgante.

Recebe um Alfa Bravo deste teu camarada, amigo e admirador. Luís
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2292: Bibliografia de uma guerra (25): Amílcar Cabral, fazedor de utopias: uma biografia escrita pelo angolano António Tomás

Guiné 63/74 - P2296: Notas de leitura (2): Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (José Martins)

José Martins
ex-Fur Mil Trms
CCAÇ 5
Canjadude
1968/70

1. Não, não é engano. Estamos publicar este trabalho hoje, com alguma vergonha, mas cientes que o nosso camarigo José Martins nos desculpa este atraso que não é fruto de esquecimento ou desconsideração. As justificações agora não interessam.

A propósito do Livro Pami Na Dondo, a Guerrilheira, do nosso camarada Mário Fitas (1), o José Martins fez mais um dos seus trabalhos de pesquisa e elaborou uma lista de Unidades que estiveram em Cufar ou na sua Zona de Acção (ZA).

Assim, iremos publicar futuramente este extenso trabalho, em duas ou três partes, para não se tornar maçador a quem lê, mas que pode ser útil a quem gosta de guardar estes bocados de História. (CV)



Capa e contracapa do livro Pami Na Dondo A Guerrilheira


Dedicatória do autor MÁRIO VICENTE Fitas Ralhete, camarada que muito estimamos ter entre nós.



2. Passemos à mensagem do José Martins, de 10 de Julho de 2007

Caros Camaradas:

Como tinha prometido ao Mário Fitas, na altura em que troquei com ele algumas impressões sobre o livro, aqui vai o meu humilde comentário, ao qual acrescentei as Unidades e os homens que andaram por aquelas paragens.

Para o Virginio Briote, aquele abraço de parabéns, melhor, de parabéns estamos nós pelo cargo que agora ocupa no blogue. É uma mais valia ... sem direito a tributação em impostos.

Um abraço para todos

José Martins

PAMI NA DONDO – A GUERRILHEIRA,

É um livro da autoria do nosso camarada de armas e amigo Mário Vicente [Fitas Ralheta] apoiado, e há que louvar, pela Junta de Freguesia do Estoril, recordando-nos alguns dos muitos episódios vividos pelos militares que, sempre inconformados, partiram para a guerra em África.

Este romance, misto de ficção e realidade, que me parece muito mais realidade que ficção, coloca-nos como que perante um tríptico.

Um tríptico, porque no seu conjunto existem três partes, que em vez de serem distintas, se cruzam entre si, apresentando-nos a realidade do que se viveu antes e durante as campanhas da Guiné.

Pela voz do Alferes Palmeiro, durante aquelas longas conversas que se faziam, após o jantar, nas longas e intermináveis noites em que o silêncio envolvente convida à reflexão, é traçada em linhas gerais a evolução daquela terra formada por várias etnias, costumes e culturas, constituindo o quadro principal, isto é, um mosaico sobre o qual começa e acaba tudo aquilo que àquela terra se refere.

Numa das abas temos os gentios ou indígenas, como nos ensinaram na escola, que vão aceitando a presença dos Ramos (comerciantes) ou dos Francelino (missionários católicos) ou dos Lassas (soldados de Cufar), mas que não deixam de pensar em “Pátria Nossa”, como o Pan Na Ufna, que transmite à filha - Pami Na Dono - essa ideia que, um e outro, acabam por transformá-la na sua própria vivência, dedicando a sua vida a essa mesma causa.

No terceiro painel temos as nossas tropas. Mas a grande novidade, neste romance, é que os factos, que a nós se referem, são transportados para a tela pelos olhos olhos da guerrilheira, entretanto feita prisioneira.

Pami é feita prisioneira pelas nossas tropas, num golpe de mão sobre a base situada entre a bolanha de Cobumba e o rio Cumbijã. É ela que, observando tudo o que se passa à sua volta, identificando a forma de ser e de estar daqueles homens, que transporta para a tela a expressão do que foi a Companhia de Caçadores 763 e, por semelhança, todas aquelas que estiveram não só em Cufar (que se situa sensivelmente nas coordenadas 15º 07” Oeste e 14º 18” Norte), mas em todos os teatros de operações.

Fechemos as abas do tríptico sobre a tela principal!

Ficamos com a história da terra e dos homens que nela combateram, cada um lutando por aquele ideal que julgava ser o melhor!

Ficamos com o pensamento naquela terra que odiámos e que, após longos anos de separação, amamos sem limites.

José Martins
Odivelas, 5 de Julho de 2007
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Notas dos editores:

(1) Mário Fitas foi Fur Mil Op Esp, da CCAÇ 763 (Cufar 1965/66); é autor dos dois romances sobre a guerra da Guiné

Vd. posts de:

12 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

Guiné 63/74 - P2295: Hino de Gandembel, cantado no almoço da mini-tertúlia de Matosinhos (A. Marques Lopes / Carlos Vinhal)

Almoço da mini-tertúlia de Matosinhos e o Hino de Gandembel interpretado pelo camarada Almeida, da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69).


Foto 1> O nosso camarada Almeida interpretando o Hino de Gandembel, acompanhado (à viola ou à guitarra?) pelo A. Marques Lopes. Ao meio, um espectador menos atento. Imperdoável.

Foto 2> Logo na primeira fila vêem-se o Zé Teixeira, o Álvaro Basto e o António Pimentel.

Fotos: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

Texto de Carlos Vinhal:

De acordo com um comunicado oficial do nosso camarada A. Marques Lopes, no passado dia 21 de Novembro aconteceu mais um almoço, das quartas-feiras, da mini-tertúlia de Matosinhos (1). Marcaram presença o Álvaro Basto e seu pai, o António Pimentel, o Almeida (da CCAÇ 2317), o Marques Lopes, o Rocha, o Xico Allen e o Zé Teixeira.

Como é costume, aconteceu na Casa Teresa e não teria nada de especial, não fosse a presença do Almeida, que presenteou o comensais com uma espectacular interpretação, à capela, do Hino de Gandembel (*). Dentro de dias iremos inserir no You Tube e no nosso blogue uma outra versão, musicada, que o Idálio Reis nos mandou à dias, em CD-Rom, gravada pelo Almeida (que mora na Maia).

De tal forma o Almeida impressionou a assistência que foi logo, ali mesmo, combinada uma repetição da perfomance, na próxima quarta-feira, no mesmo local, desta feita com uma gravação ao vivo de imagem e som.

Não é demais lembrar que neste almoço é bem-vindo qualquer ex-combatente da Guiné, residente em qualquer parte do País.

O facto de se intitular mini-tertúlia de Matosinhos (**) não fecha o convívio a quem quiser participar nestes almoços, até porque a Dona Teresa e o marido recebem bem e agradecem a visita.

Em cima dois instantâneos do acontecimento com as legendas/comentários do co-editor.
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Notas do co-editor CV:

(*) Aqui podem ouvir a versão interpretada pelo nosso camarada Gabriel Gonçalves

(**) Vd. último Post sobre a Tertúlia de Matosinhos de 9 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)

1. Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 - para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) - o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções (1)...

Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca - que vocês podem ler (e reler, de preferência em voz alta) no blogue do nosso amigo e camarada João Tunes, em post já antigo de 5 de Março de 2005, Água Lisa (2) - , mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor (1).

Como regra (de outro) da nossa tertúlia e do nosso blogue, não fazemos juízos de valor sobre o(s) comportamento(s) de cada de um de nós, enquanto militares ou combatentes. Um camarada não pode ser juiz de outro camarada. Limitamos-nos aqui a narrar, a reconstituir os factos, a colar os pedaços das nossas memórias fragmentadas (e ainda doridas)... Sobre as peripécias desse trágico dia, trocámos alguns e-mails:


1. Mensagem de L.G., para o Humberto Reis, com data de 16 de Novembro último:

A mina em que o caiu o Beja Santos, a 16 de Outubro de 1969, marcou-nos a todos. Foi à hora de jantar... Sei que organizámos uma coluna de socorro que atravessou a bolanha de Finete, o teu (e na altura meu) 2º Gr Comb da CCAÇ 12 , mais os gajos do Pel Rec Info... Não sei se o furriel dos morteiros também foi... Houve vários voluntários... Eu tenho ideia de ter saído à noite convosco, mas já não posso jurar...

A tua foto [do Unimog destruído] (1) só poderia sido tirada no dia seguinte, por razões óbvias: estás tu e o Carlão, mais um dos nossos nharros... Sei que a viatura ficou armadilhada... Era um 404 ou ou 411 ? Faço sempre confusão... O Beja Santos diz que era um burrinho, e pela foto parece que era...

Ele omite a coluna de socorro que partiu de Bambadinca nessa noite, depois do jantar... Acho que ficámos lá, em Finete, e voltámos no dia seguinte... Os feridos só podem ter sido evacuados na manhã seguinte... Diz-me de que é que te lembras... O Tony também deve saber... Vou tentar despertar-lhe a memória... Ao Fernando Calado também é altura de lhe abrir o bico, até por que ele é citado pelo Beja Santos... Fico a aguardar o teu depoimento, e já agora o do Levezinho e do Calado... A propósito, republiquei a carta de Bissau ao Tony (que eu não sei se ele alguma vez leu, no blogue)(2).


2. Resposta, com data de hoje, do Humberto Reis

Luís: De facto foi o 2º Gr Comb [da CCAÇ 12] que atravessou a bolanha de Finete à noite, quando se soube do que tinha acontecido. Aliás lembro-me de alguém, se calhar até fui eu, ter feito uma hora antes, um comentário do género "o Beja Santos é maluco", pois ia sair de Bambadinca para Missirá já de noite.

Terá ido alguém da milícia de Finete connosco até ao local do acidente e ficámos lá toda a noite a dar de beber aos mosquitos e regressámos de manhã. O condutor morreu durante a noite em Finete.

Já não me lembro como é que a viatura veio para Finete. Julgo que era um 411, o burrinho, o mais pequeno que tinha motor diesel (o grande, o 404, era a gasolina).

Julgo que o furriel dos morteiros, o Lopes de Angola, não foi. Ele foi quando num domingo à noite, estávamos a jantar na messe e pensámos que a ponte estava a ser atacada, mas afinal era Amedalai (Já aqui contei esse episódio em que fomos vários vestidos à civil, que era como estávamos a jantar, e as viaturas com os condutores e algumas praças apareceram automaticamente à porta da messe, já prontas a marchar sem ninguém os ter chamado. A isso chama(va)-se ser camarada).

Aquele abraço

Humberto Reis


3. Comentário de L.G.:

Humberto: Eu sei que isto é a pequena história, a petite histoire, como dizem os franceses... E que os historiadores, oficiais ou oficiosos, irão ler, por cima da burra, com condescendência, sobranceiria, desprezo, as coisas que hoje escrevemos... É a história com h pequena, mas é nossa...

Dizes bem: isso era ser camarada, sem mais adjectivos, sem pompa nem circunstância... Fizemos isso [, nós, a CCAÇ 12 e o Pel Rec Info, ] pelo Beja Santos e pelos seus nharros, como ele e o Pel Caç Nat 52 fariam o mesmo por nós e pelos nossos nharros...

A aparente omissão desta coluna (imediata) de socorro, na narrativa do Beja Santos (1), é natural e compreensível: a nossa memória é selectiva, de resto o Mário não tinha cabeça para tudo o mais que se passou a jusante e a montante da explosão da mina...

Obrigado, mais uma vez, pelo teu oportuníssimo esclarecimento... Parte da tua estória bate certa com a minha...

Um abração. Luís


4. Comentário (final) Beja Santos:

Assunto - Repor a verdade!

Luís e Humberto: No episódio da mina de Canturé refiro explicitamente que recebi uma tocante solidariedade de Bambadinca, o Cunha Ribeiro foi determinante para pôr tudo em movimento, parti imediatamentre com o David Payne para Finete, vocês vieram depois, com o Reis sapador.

A viatura era um 404, indiscutivelmente, vinha carregado com toneladas de material, felizmente, senão a desgraça teria sido muito maior.

Sim, fui maluco e irresponsável, saindo àquelas horas para Missirá. Essa culpa ninguém ma tira!

Um abraço, Mário.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2270: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (9): E de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos...

(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)

1. Conheci o Mário Vicente, ou melhor, Mário Fitas (1), na estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes (2). Ele teve a gentileza de me oferecer um exemplar de cada um dos seus dois livros, autografados.

Li-os, com prazer e entusiasmo, e passado algum tempo pedi-lhe para publicar, por partes, o seu romance Pami Na Dondo, a Guerrilheira. Embora alguns dos nossos amigos e camaradas já tenha tido o privilégio de ler a obra, a maior do pessoal da nossa Tabanca Grande e os demais internautas desconheçam-na por completa.

É uma edição de autor, com uma tiragem limitada (500 exemplares), e que não tem propósitos comerciais. O Mário não teve dúvidas em, de imediato, satisfazer o nosso pedido. Vamos começar a publicar a estória da nossa guerrilheira, a Pami Na Dondo, balanta, que um dia vai cair nas mãos dos Lassas, os tugas de Cufar...

Antes do 1º epísódio, vamos levantar um pouco o véu sobre o autor, a sua obra e os bastidores... através da troca de e-mails entre ele e o editor do blogue.


2. Mensagens de Luís Graça e de Mário Fitas:


21 de Outubro de 2007

Caro Luís,

Foi um prazer estar pessoalmente e falar contigo, principalmente pela coincidência de ser na estreia de As duas faces da Guerra. Filme que desde já te informo, gostei de ver, mas que terei de ver mais vezes (2).

Agradeço as tuas palavras sobre a minha pessoa, e pena é não haver mais tempo para podermos falar dos problemas dessa Guiné maravilhosa.

Já enviei uma mensagem sobre o filme, mas como referi, quero-o dissecar melhor.

Quanto à publicação, no Blogue, de Pami na Dondo, a Guerrilheira, não vejo inconviniente absolutamente nenhum, acho que a Guerrilheira já faz parte da Tabanca Grande. Aliás agora tenho a convicção que valeu a pena todo o esforço feito, pois estou a sentir o pulsar de quem continua a amar Àfrica e a gostar - apesar de todas as vicissitudes - daquela linda Guiné.

Só que há uns problemas: É que eu não sou grande coisa em termos de informática, e também estou limitado em termos de software e hardware. Se houver na Tertúlia algum expert em informática que se voluntarie para pôr o livro no Blogue, tudo bem, não há problemas nenhuns, o Chefe da Tabanca manda.

Luís, o livro foi escrito precisamente para divulgar a estupidez daquela e de todas as Guerras. Se achas que de facto a introdução do livro no Blogue tem interesse, vamos embora, liberdade total. Quem fica a ganhar com isso somos todos nós que fazemos parte dos Povos de Portugal e da Guiné-Bissau.

Sempre ao dispor!

Um Abraço

24 de Outubro de 2007

Caro Luis,

Quanto ao livro, acho que encontrei qualquer coisa nos meus documentos, só que faltam as fotos, que vou tentar resolver, e até a hipótese de incluir outras também sugestivas.

Quanto ao Brandão, era conhecido em Catió, só que no livro é apenas mencionada a casa Brandoa e a União Fabricante, para defesa do escritor... Sabes que é muito complicado incluir nomes verdadeiros que por vezes nos trazem problemas.

Já escrevi no Blogue sobre o conhecimento de um rapaz de nome Brandão em Cufar. À Gilda Brás (3), enviei o meu livro a seu pedido, mas até hoje não recebi qualquer informação.

Quanto à nossa Pami, há de facto Balantas que faziam a excisão ou clitoridectomia. Os Balantas têm ou tinham vários grupos e até por vezes falando o seu dialecto distinto, e até os que sofreram a infuência islâmica, designados por Balantas Manés. Quase todas as raças na Guiné a praticava, assim como a circuncisão [masculina].

Um Abraço


27 de Outubro de 2007:
Caro Luís,

Tenho tido o meu computador sem Internet, e com problemas pelo que só hoje posso entrar em contacto eficiente (julgo eu) à Tabanca Grande. Tinha no Word uma versão de Pami que julgo ser a última versão que foi para a tipografia. Não enviei as fotos dos aviões e do Niassa, porque queria a tua opinião, sobre se se poderão incluir mais fotos, que poderão enriquecer o livro. Pelo que aguardo uma opinião sobre o assunto.

Um abraço do tamanho do Cumbijã!

27 de Outubro de 2007:

Caros amigos envio A GUERRILHEIRA.

Um forte abraço.

Mário Fitas


27 de Outubro de 2007:

Mário:

Não queres dar uma pequena explicação aos nossos camaradas sobre o livro ? Como te surgiu a ideia ? Onde foste buscar a Pami ? ... A tua estória, que eu estou ainda a ler, levanta algumas questões interessantes mas também perturbantes, como os interrogatórios aos prisioneiros, feitos por milicianos...

Talvez valha a pena contextualizar a estória: já havia psico, nesse tempo ? Em 1965 ? Por outro lado, ainda não respondestes à questão que te levantei há dias: entre os balantas havia a festa do fanado, mas eles não praticavam (nem praticam) a circuncisão feminina (ou MGF - Mutilação Genital Feminina)... Mas eu só conheci os balantas da região de Bambadinca... Posso estar equivocado...

Luís

28 de Outubro de 2007:

Caro Luís,

Nada me impede, de dar todas as explicações sobre Pami na Dondo, a Guerrilheira. Só que por motivos vários não gostaria que determinados pormenores passassem dos editores do Blogue, pois para além de existirem ainda muitos intervenientes vivos, existe uma memória colectiva, com respeito pelos que já partiram.

Estou a tentar contactos directos com (personagens e familiares) e verificar até onde posso chegar. Para mim não há problemas, pois tenho a consciência que fiz uma guerra, independentemente do nome que se lhe queira dar. Para mim foi guerra! Não
tomo partido por nenhuma definição além desta. Tendo-a feito estudado e analisado, assumo as minhas responsabilidades, pelo que resolvi mostrar aquilo que vivi, senti e vi.

É nesse contexto que nasce a Guerrilheira, uma autenticidade ficcionada. Senti que deveria falar e contar a guerra, não como narração de actos e feitos, mas através de um romance, narrar a realidade da guerra.

Plenamente confiante em ti, e sem problemas para mim, ponho esta questão: Estivemos ou não estivemos em guerra? Ela é na realidade uma estupidez! Mas que pode fazer um (puto) de vinte e um anos, perante este drama, tendo sido preparado e estruturado para essa própria Guerra? Foi muito complexo! Só acordei, quando me encontrei chafurdando nas bolanhas, respirando vapor de água nas matas, e gatinhando sobre a lama dos rios de maré ou matando a secura no velho copo de bambu.

Já era muito tarde!...Tinha amigos tombado a meu lado,e outros, estropiados, tinham lançado aquele olhar de adeus... "Até Quando"? Morrer? Seria solução? Outros caminhos e opções eramos obrigados a ter. E aí, meu amigo, o homem torna-se animal!
Transforma-se em monstro. As minhas histórias fui contando. Geralmente a
resposta era a mesma:
- O gajo está a pintar!

Não queria ir embora, dar de comer aos bichinhos da minha querida planície, e egoisticamente levar estas verdades, e o meu ódio e repuúdio pela guerra, sem deixar algo que tentasse sensibilizar a condição humana.

Respondendo às tuas dúvidas:

(i) É certo que os balantas não praticavam a excisão, os politeístas, mas os que já estavam ligados ao islamismo, esses, faziam-no. Como tenho referido, há momentos de ficção no livro, esse pode ser um deles.

(ii) Da Miriam, podia dizer-te tudo! Da Pami, nesse aspecto felizmente não!( Agora estou a rir) já deste uma olhadela pelos Putos Gandulos e Guerra. Concerteza. Pois é, Chefe da Tabanca Grande, não foi fácil, não!

(iii) Quanto aos interrogatórios, não era feito pelos milícias, mas sim por graduados, eles serviam apenas de intérpretes, pois as únicas pessoas de etnia balanta que ouvi falar crioulo e português, foi a personagem Pami, e o ex-guerrilheiro Alfa nam Cabo.

(iv) De facto havia psico sobre as quatro tabancas a sul de Cufar, dávamos aulas e pequeno almoço a mais de cem miúdos, e tentava-se que os prisioneiros por nós efectuados, rejeitassem o PAIGC é verdade, nós também recebíamos correspondência do Alfero de Mato, colocada no cruzamento do Cabaceira.

(v) Também tinhamos agentes duplos! Olha um deles, o Bia, chefe da tabanca de Impunguedada, levava e trazia. Um dia soubemos que tinha sido morto no Cafal (Cantanhez), por tentativa de fuga (?). Nunca o soubemos. O Codufu, chefe da tabanca de Cantone, foi comprar caqui com dinheiro nosso, como sendo para o PAIGC.

(vi) A guerra era porca! A emboscada em que morreu o Gonçalo, foi montada pelo PAIGC, por informações fornecidas pelo Admnistrador de Posto de Catió, com quem o Comandante de Batalhão se tinha aberto. Por estas e por outras, levou a trancada na cabeça, e que já alguém contou no nosso Blogue.

(vii) Luís, fala-se do que as nossas tropas faziam. É verdade! Nós tinhamos problemas com isso, principalmente com os Heróis do arame farpado, que se borravam todos nas operações. Mas também havia problemas do outro lado [, do lado do PAIGC,] e talvez piores. Já alguma vez ouviste falar na limpeza étnica em que foram executados guerrilheiros de etnia balanta? O próprio Amilcar Cabral! Porquê? Foi tudo muito sujo e feio. O mal foi ter começado. Depois era de esperar: Porcaria!


Estou cansado e triste, ao recordar tudo isto, mas há que criar forças, pois há tanto para contar!

Aqui para nós, a nossa Menina existiu e viu muita coisa!

Um abraço do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas


29 de Outubro de 2007:

Mário:

O teu testemunho é desassombrado, lúcido e corajoso... Autorizas-me que o publique, antes, durante ou depois da publicação da Pami Na Dondo (em folhetim, em partes) ?

Devo dizer-te que adorei a estória da Miriam, do furriel Mamadu e do Homem Grande. Vou ter que a publicar, com retrato e tudo... Não me vais dizer que não! Até porque está em livro... E se ela, a tua Miriam, está viva e alguém lhe contar/ler a estória (o que é de todo improvável), ela vai ter de novo orgulho em ti, saudades de
ti...

É uma belíssima história de amor (por que não ? de ternura, de paixão, de atracção, de solidarieddae humana...) em tempo de guerra. A malta tem imenso pudor em falar disto, dos amores e desamores em tempo de guerra, da sexualidade, da descoberta dos outros/as.

Os meus parabéns, Mário.

29 de Outubro de 2007:
Luís,

Obrigado pelas tuas palavras. Do que está escrito nos meus livros, estás à vontade, podes publicares no Blogue tudo o que quiseres. Não são obras-primas de literatura, mas sei a força que têm.

Quanto à Pami, acho que não devo tocar, o livro foi escrito assim! Deve assim ficar, só com a inclusão de algumas fotos que são referência do que está escrito. Nesse aspecto, o Briote ofereceu-se, para me dar uma ajuda para tratar das fotos em termos informáticos, o que para mim é um grande favor. Agradecia também a inclusão do prefácio do Coronel Costa Campos, pois é um depoimento de grande valor (4).

Quanto ao que ontem escrevi, és livre de publicares o que quiseres. Não há problemas absolutamente nenhuns, eu o que não quero é que haja quem fique machucado, com o que eu escrevo.

Quanto a mim sou um homem livre e assumo os meus actos, tive a felicidade de ter dois homens extraordinários perto de mim. Meu avô materno João Fitas, monárquico e católico, que me tratava por companheiro, e meu pai António Vicente que me contou a chacina de Badajós - ainda eu era puto - à qual ele assistiu, e muita fome matou aos desgraçados que fugiam da morte.

Um Abraço do tamanho da minha Planície.

Mário Fitas

___________

Notas de L.G.:

(1) Mário Fitas foi Fur Mil Op Esp, da CCAÇ 763 (Cufar 1965/66); é autor dos dois romances sobre a guerra da Guiné

Vd. posts de:

12 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

(2) Vd. pots de:

20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

(...) "(xvii) O Mário Fitas, que não conhecia pessoalmente e que a teve a gentileza de me oferecer um exemplar dos seus dois livros; no mais recente (Pami Na Doindo, a guerrilheira) escreveu a seguinte dedicatória:

"Silêncios parados, ressoar de passos do passado! Para o Dr. Luís Graça, agradecendo toda a disponibilidade para com todos os que fizeram o 'Vietname Português'. Um abraço sincero do Mário Vicente.

"Obrigado, Mário, o Doutor é que está mais, camarada! Fica o pedido de autorização para publicares no nosso blogue a belíssima narrativa da tua guerrilheira". (...)

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)

(3) Vd post de 4 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1919 - Tabanca Grande (22): Gilda Pinho Brandão, uma nova amiga

(4) Já foi aqui publicado: Vd. post de 2 de de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

(...) "É uma edição do autor, de Julho de 2005, patrocinada pela Junta de Freguesia do Estoril. O Prefácio é da autoria do Coronel Carlos da Costa Campos, e diz assim (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue)" (...)



(5) Episódio sangrento da guerra civil de Espanha, que foi presenciada pelo jornalista português Mário Neves, do Diário de Lisboa:


Sitografia (sumária):


Blogue de José Viale Moutinho > 19 de Março de 2006 > 129 livros sobre a guerra civil de Espanha (e depois)

Fundação Mário Soares > O repórter Mário Neves na Guerra Civil de Espanha > A chacina de Badajoz





Cópia da página da edição do Diário de Lisboa, de 15 de Agosto de 1936, 2ª tiragem, com a famosa reportagem de Mário Neves sobre a reconquista da cidade de Badajoz pelos franquistas e a chacina dos vencidos.

Fonte: Fundação Mário Soares (2007) (com a devida vénia...)

(...) "Quando Mário Neves, com apenas 24 anos, e ainda estudante de Direito, foi incumbido da sua primeira e derradeira prova como repórter do Diário de Lisboa, nunca iria imaginar as repercussões internacionais que iria ter o seu testemunho da tomada violenta de Badajoz por parte das tropas nacionalistas.

"A 'Matança de Badajoz' foi presenciada em primeira mão por três jornalistas: Reynolds Packard, da United Press, Jacques Berthet, do Temps, acompanhados por Mário Neves. Estes jornalistas, e mais tarde Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, foram os primeiros a denunciar a violência e a 'inflexível justiça militar' realizada pelo Exército de África, comandado pelo tenente-coronel Yagüe.

"Estes testemunhos directos e oculares iriam ter um impacto muito forte na imagem que os rebeldes nacionalistas queriam dar ao mundo, de libertadores da barbárie e da anarquia.
Para Mário Neves significou a última oportunidade de apresentar a verdade, já que depois do seu artigo de 16 de Agosto de 1936, a crónica do dia seguinte foi integralmente censurada e ele próprio envolvido numa polémica internacional sobre a veracidade dos relatos, que se arrasta até aos nossos dias.

"Se em Portugal a faceta violenta do Exército de África foi facilmente neutralizado pela censura, no estrangeiro as repercussões foram enormes, e o Governo Português foi associado e condenado pela colaboração com a facção nacionalista, num período em que ainda estava a ser delineada a política de 'neutralidade' assumida oficialmente por Salazar" (...)

Guiné 63/74 - P2292: Bibliografia de uma guerra (25): Amílcar Cabral, fazedor de utopias: uma biografia escrita pelo angolano António Tomás

Título: O Fazedor de Utopias: Uma Biografia de Amílcar Cabral
Autor: António Tomás
Editora: Tinta da China
Local: Lisboa
Ano: 2007
Nº de págins: 344
Preço: c. 16/17 €


1. Texto da responsabilidade dos editores do blogue, com base em: (i) enviado ontem pelo A.Marques Lopes, (ii) notícia do Diário Digital/Lusa; (iii) edições Tinta da China; outras fontes da Net.

Fotos: Edições Tinta da China (2007). (Com a devida vénia...)


António Tomás nasceu em Luanda, a 11 de Abril de 1973, dois meses e meio depois de Amílcar Cabral ter sido assassinado em Conacri, a 28 de Janeiro de 1973.

Vive, desde 2004, nos EUA onde é doutorando em antropologia pela Universidade de Columbia. Tema da sua tese: «Os efeitos da dolarização no nível de vida das populações em Angola».

Começou a trabalhar como jornalista na Rádio Nacional de Angola, em 1991, e na Agência Angola Press, em 1992. Mais tarde, a residir em Lisboa (onde se licenciou em Comunicação Social, pela Universidade Católica), escreveu para vários periódicos, entre os quais o jornal «Público», onde assinou recensões críticas sobre literatura africana. Foi membro fundador do Grupo de Teatro Museu do Pau Preto, além de autor e co-autor de peças representadas em Portugal e no estrangeiro. Actualmente divide as suas actividades entre Luanda, Lisboa e Nova Iorque. Escreve para o «Jornal de Angola» e o «Angolense».

Esta é a primeira biografia de grande fôlego sobre um líder nacionalista africano. Embora não sendo um historiador, António Tomás não se limita a reconstituir a vida de Amílcar Cabral. Dá igualmente conta da época conturbada em que se desenvolveu o movimento nacionalista africano. Numa linguagem simples e acessível, este livro sobre um grande "fazedor de mitos" é também "uma reflexão lúcida e perspicaz sobre os movimentos de libertação, quando já se tornaram obsoletos os ideais que lhes deram fundamento".

Como escreve José Eduardo Agualusa, no prefácio, trata-se de um livro que "tenta devolver ao grande público essa figura maior de África", através de uma linguagem jornalística, mas "apoiada numa investigação rigorosa".

Amílcar Cabral é apersentado como um homen que enfrentou muitas contradições, tanto no plano pessoal como no seio do PAIGC, acabando por ser vítima (mortal) dessas contradições.

Em entrevuata à Agência Lusa, o autor apontou, «entre muitas», quatro contradições na vida e obra de Amílcar Cabral, um dos grandes idealistas africanos do Séc. XX:

«Não se pode falar em erros, mas em contradições. Há muitas mas a mais importante talvez seja a relacionada com a sua própria identidade, pois formou-se profissional e culturalmente em Portugal e pensava como português» (...).

No entender de António Tomás, a ideia de Cabral de «reafricanização dos espíritos» esbarrou na «verdadeira cultura africana». Passar da teoria à prática, não foi fácil, foi muito duro, "pois sempre pensou que a mística africana fora apagada pela colonização, o que não se verificou», sustentou o antropólogo, dando como exemplos os casos, ainda hoje actuais, da Mutilação Genital Feminina (MGF) e da dominação do Homem sobre a Muher.

A lógica da «guerra anti-colonial», segundo os valores defendidos por Cabral, seria outra das contradições importantes entre a teoria e a prática num homem que "tentou um meio termo" entre o ideal comunista de Mao Tze Dong (o poder da classe camponesa) e de Che Guevara (o poder da revolução dos quadros).

Outro erro de Amílcar Cabral foi o de tentar estender o teatro de guerra a Cabo Verde, o que obviamente era suicidário, mas que vinha na sequência directa do seu "sonho irrealista" de defender a unidade entre a Guiné (onde nasceu) e Cabo Verde (terra dos seus pais).

Uma outra contradição de Amílcar Cabarl, esta de «cariz mais pessoal», tem a ver com o "humanista que acabou por defender a guerra (1963/74) como meio para alcançar a independência», acabando por ser obrigado a tomar medidas drásticas, em conflito com os seus valores e ideais.

Diz o António Tomás à Lusa:

«Amílcar Cabral tinha um lado ingénuo muito grande. Entregou-se generosamente à causa da independência, na qual depositava uma grande esperança. Acreditou até ao fim, mesmo quando começaram algumas traições dentro do próprio PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e
Cabo Verde)».

Mas o biógrafo revela uma grande admiração, não apenas pelo intelectual e o líder nacionalista como também pelo homen prático, o organizador, o operacional:

«Era um homem muito prático, embora agarrado à teoria. Tentou resolver as contradições mas não conseguiu. A guerra não se faz com um homem só. Tentou tudo, mas era o único que pensava e esqueceu-se do resto: que há outros que também pensam» ...(...) " Foi o primeiro a colocar grande parte do esforço de guerra ao serviço da organização das zonas libertadas e, paralelamente, a travar o conflito com Portugal nas frentes interna e
diplomática»...

Escreve a Agência Lusa: "No primeiro caso, promoveu a educação, saúde e os armazéns do povo nas zonas libertadas e, no segundo, privilegiou os contactos internacionais, sustentou António Tomás, deixando no ar a questão sobre se havia mesmo a necessidade de se partir para o conflito com o regime colonial de Lisboa".

Quanto à morte de Amílcar Cabral, o autor tem dúvidas sobre os mandantes e executantes (que «são muitas»), ao mesmo tempo defende que o seu assassinio foi «consequência» de não ter conseguido resolver as contradições do movimento de libertação que liderou durante mais de década e meia.

O livro é apresentado hoje na Casa Fernando Pessoa.

Guiné 63/74 - P2291: Convívios (36): XII Convívio dos combatentes da Freguesia de Campia, no dia 10 de Novembro de 2007 (Artur Conceição)

Artur Conceição
ex-Soldado de Transmissões da
CART 730 (1965/67)
Esteve em Bissorã, Farim e Jumbembem
Região do Oio


Mensagem do camarada Artur Conceição do dia 19 de Novembro

Caro Carlos Vinhal

As minhas desculpas pelo meu atraso, mas tenho andado um pouco ocupado com trabalho.
Quem diria … um reformado a fazer uma afirmação destas.

Acontece que com o fim da DGV e da DGTT e a criação do Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres fui solicitado para dar uma ajuda, nomeadamente em Aplicações Informáticas que foram em tempo por mim desenvolvidas.
São daquelas coisas que passam sempre ao lado de quem tem poder de decisão e que nem lhes passa pela cabeça os problemas que outros vão ter de resolver. Só para teres uma ideia vou ter de alterar mais de 1000 documentos produto de umas dezenas de aplicações, porque têm de sair com o novo logotipo.

Vou mandar-te o texto da notícia que escrevi para o Notícias de Vouzela bem como algumas fotos do nosso convívio.

Vou mandar outro mail com mais fotos e o Estatuto, Heráldica, e Manejo do nosso Guião.

Um grande abraço
Artur Conceição


Foto 1> Monumento aos Combatentes na Freguesia de Campia


Foto 2> No início da cerimónia, o nosso camarada Artur Conceição no uso da palavra. Ao centro, o Capitão Álvaro Dório Correia Tavres, que esteve em Bedanda


Foto 3> Placa invocativa da memória de Adelino das Dores Pereira, morto na Guiné


Foto 4> Placa invocativa da memória de António Marques Pereira, morto em Angola


Foto 5> Em perigos e guerras esforçadas... se vão da lei da morte libertando... Dizia o nosso Camões


Foto 6> O Padre Manuel Henriques da Silva durante a homilia


Foto 7> Romagem ao cemitério, onde foram colocadas 3 coroas de flores


Foto 8> Almoço no Restaurante Casa Duarte "O Sacristão"


Foto 9> Alguns naturais de Campia que estiveram na Guiné

Fotos: © Artur Conceição (2007). Direitos reservados.

Texto enviado para o jornal Notícias de Vouzela

Convívo dos Combatentes da Freguesia de Campia

Realizou-se no dia 10 deste mês o XII Convívio dos Combatentes da Freguesia de Campia que contou com a presença de 52 combatentes muitos deles acompanhados pelos seus familiares e amigos.

Logo a seguir aos aperitivos servidos no local, as cerimónias tiveram início cerca das 10,30 horas, junto ao Monumento dos Combatentes do século XX, que se encontrava rigorosamente decorado graças ao esforço da Junta de Freguesia, da Comissão Organizadora e também de alguns combatentes.
Foram colocadas duas coroas de flores na base do Monumento, sendo uma em homenagem a todos os que tombaram, e uma segunda em homenagem aos que ficaram na retaguarda, pais, avós, irmãos, amigos, em suma, a todos aqueles que viram partir para a guerra o menino da sua mãe.

Durante as intervenções foi mais uma vez salientado o verdadeiro significado histórico do Monumento aos Combatentes, bem como a obrigação que lhes cabe de fazer saber aos vindouros que um grupo de campienses participaram nos conflitos armados do Século XX.

Cerca das 11 horas iniciou-se o desfile encabeçado pelo Guião dos Combatentes em direcção à Igreja Paroquial, onde foi celebrada missa pelo Rev. Padre Manuel, acompanho pelo Rev. Padre António, em memória dos Combatentes de Campia que já não estão entre nós fisicamente. Esta eucaristia é uma dádiva da comissão organizadora, mas verifica-se com alguma tristeza que a maioria dos familiares mais directos não comparece. Talvez porque a tradição já não é o que era.

No final da celebração iniciou-se a romagem ao cemitério onde repousam a maioria dos que partiram, para lhes prestar uma sentida homenagem, sendo também aí colocadas três coroas de flores: Uma na Campa do Adelino das Dores Rodrigues Pereira, morto em combate no dia 5 de Junho de 1968, no tristemente célebre corredor de Guilege, na Guiné, num local onde muitos dos nossos tombaram; outra foi colocada na campa do António Marques Pereira, morto em combate no dia 28 de Julho de 1972 em Angola, e finalmente uma terceira foi colocada na cruz ao fundo do corredor central do cemitério, em homenagem aos restantes.
Depois de ouvida a oração dos combatentes foram encerradas as cerimónias religiosas.

O almoço convívio teve lugar no restaurante O Sacristão e prolongou-se até ao fim da tarde, terminando com o magusto e o bolo do XII convívio.
Durante a tarde houve animação cultural levada a cabo por um grupo de amadores voluntários.

De salientar a divulgação que lhe foi dada pela Imprensa Regional, Notícias de Vouzela, pela Imprensa Diária, Correio da Manhã, e também pela Internet, levando assim bem longe o nome de Campia.

Para assegurar a continuidade deste evento foi nomeado o Senhor Capitão Álvaro Dório Correia Tavares, que irá constituir a Comissão Organizadora do XIII convívio, a acontecer em 2008.

Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

Guiné > Bissau > Quartel de Brá, 1966. Adidos, pessoal em trânsito, um Batalhão, uma CCmds, cabia lá tudo.

Guiné > Bissau > Bissalanca, base aérea de Bissau > 1966 > A primeira geração de comandos, aqui representada pelo Briote, ex-alf miliciano (à esquerda, acompanhado pelo Furriel Azevedo, ao centro, e o Sargento Valente, à direita).

Fotos: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados.

Histórias do Cupilão (ou Cupelom) (1)

por Virgínio Briote (Ex- Alf Mil, Cmds)

Em condições normais, saíamos para o mato dois ou três dias e descansávamos uma semana em Bissau. Por isso, tempo não faltava para dar umas voltas por Bissau. E falar em Bissau, naqueles tempos era também falar do Cupilão.

Conheci lá muita gente, provei excelentes pratos típicos de Cabo Verde e doutros lados, cachupa, galinha à cafreal, participei em festas da boa gente cabo-verdiana, ouvi mornas e coladeras, eu sei lá o que fiz mais.

Cupilom, não te faço favor nenhum. Foi no bairro com o teu nome que aprendi a gostar daquela gente e daquelas terras.

O Cupilom, naqueles anos de 65 e 66, era um sítio calmo, andávamos por lá à vontade, sem receio. E os guerrilheiros também, quando em trânsito por Bissau, para curarem as mazelas ou para tratarem dos seus assuntos, particulares ou da guerra.

Os incidentes eram de baixa intensidade, como agora se diz. Uns copos a mais, quase sempre na origem, ou uma ligeira disputa por alguma beldade, nada que não se resolvesse, geralmente, sem necessidade de recorrer à temível PM do cap Matos Guerra.

O Jesus, assim se chamava o militar protagonista desta história, era tão assíduo no Cupilom que muita gente o conhecia e as novidades vinham ter com ele. Meninas em trânsito para Dakar, meninas novas acabadas de chegar e ainda à procura de poiso, só de informações da guerrilha é que ninguém se lembra de alguma vez ter contado.

Uma noite, aí entre as 23 e as 24h, estando eu a entrar na porta de armas de Brá, com o soldado Alegre ao volante do ME-14-04, vejo a sair um jeep nosso, com o Sargento M. Valente e mais três soldados. A esta hora, ainda vão sair, devo ter falado com os meus botões.

Vim a saber da história no dia seguinte. O soldado Jesus, no final da 3ª refeição, meteu-se numa viatura que fazia o habitual transporte para a cidade e apeou-se na entrada para o Cupilom. Nada de anormal, afinal era a sua 2ª residência. Terá andado por ali, de cima para baixo, a falar com esta e aquela, até resolver, segundo disse, regressar à estrada para apanhar novamente outra viatura para Brá.

Uma gentil figura apareceu à porta de uma casa e o Jesus, cordial como era, meteu conversa. Acabou por entrar e, palavras dele, minutos depois estavam na cama à conversa.

Terminada a conversa, já com as calças na mão, ouviu-a perguntar-lhe pelos pesos.
- Quais pesos? Eu não sou desses que pagam! Estar com o Jesus não é para qualquer uma!

E resolve dirigir-se para a porta. Só não contava é com a rapidez da companheira de cama. Muito mais lesta, sacou a chave e começou aos gritos.
- Paga, paga, não sai daqui sem pagar!

Aflito com a reacção, a dedução é minha, mudou de voz e de maneiras. Que pagava, que estava só na brincadeira.
- Paga então, paga e eu abro a porta para tu sair.

Só que o Jesus não tinha dinheiro com ele, tinha-se esquecido, disse à senhora.
- Não sai, eu não abro porta para sair.

Que tudo se resolvia, amanhã viria a casa dela e faria o pagamento, palavra dele, do Jesus.A conversa a decorrer no tom que nós imaginamos e mais barulho se junta com palmadas e vozes à porta.

Muito conhecedor do Cupilom e dos hábitos daquela gente, o nosso herói embora não deva ter percebido mais que uma palavra, deve ter entendido muito bem o motivo do diálogo.
- Vamos meter calma nesta história.
- Não quer calma, quer pesos, dá pesos eu abro porta.

Não deve ter passado de meia dúzia de minutos esta conversa, imagino eu, uma eternidade para o Jesus, que nunca tinha estado preso, tanto quanto sei. Habilidoso, fez uma proposta ao pessoal que estava cá fora, à porta. Que era só ir à estrada, que a viatura parava junto a um sítio que toda a gente conhecia e que pedisse para alguém dos comandos lhe levar os pesos.

E não é que, minutos depois, ouviu um camarada seu falar à porta?
- Olha, diz ao Sargento Valente que venha com os pesos e que não se esqueça de trazer a equipa também, o Jesus a querer sair por cima. Não lhe tinham chegado os momentos de aflição, ainda queria mais.

E foi assim que o nosso bom Sargento entrou na história. Inteirado, puxou dos pesos, passou-os por baixo da porta, e, então sim, só depois de os ter contado, a gentil menina abriu a porta.
Cá fora ainda quis protestar mas o Sargento Valente não lhe deu hipótese.
- E ao menos, meu Sargento, viu a cara dos gajos que estavam aqui à porta?

Ao nosso herói tudo lhe custou. Pediram-lhe 50 pesos, teve que os pagar ao Sargento e até ao final da comissão a aventura do intrépido Jesus foi tão falada que, meses depois, estava tão arredondada que, do original só ficou o nome dele.

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Notas dos editores:

(1) Vd posts anteriores desta série:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2289: Antropologia (2): A literatura infanto-juvenil dos anos 40 e os estereótipos coloniais (Beja Santos)

Capa do livro de Emília de Sousa Costa, No Reino do Sol. Lisboa: Ática. 1947. Ilustrações de Ofélia Marques.


1. Texto e imagens de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

No Reino do Sol, é um livro deslumbrante, quer por um discurso sensível ao imaginário infantil quer pelas ilustrações, de elevado nível artistico, todas da Ofélia Marques.

Emília de Sousa Costa (1877-1959) foi uma autora de nomeada no seu tempo, tendo gozado de grande prestígio. Os seus livros foram ilustrados por artistas conceituados como Raquel Roque Gameiro, Emárico Nunes, Francisco Velença, Alfredo Morais, Ofélia Marques, entre outros.

A Emília escrevia ao gosto da época, era um fraseado para fazer deslumbrar a pequenada: "Ressoam no espaço infinito, com desusado clangor, as trombetas da Ursa-Maior, tocando a alvorada. No seu leito fulgurante de púrpura e oiro, tendo como dossel o enastrado colorido de inúmeros arco-iris, acordo a sua majestade o Rei Sol".

Ora, a autora resolve falar da Guiné. Para a autora o indígenas da Guiné têm "língua de trapos", não é a nossa doce língua portuguesa. Fala-nos na história de um casal sem filhos que procurava descendência até que surgiu Himbo-Inéné. Se a mãe falava uma "lígua de trapos" no conto passa a falar a doce língua portuguesa. Prevendo ser castigado, o menino pede ao régulo: "Sei que vais matar-me. Mas antes uma coisa te rogo: que me dês uma folha grande de bananeira, para me cobrir".

O menino desaparece e vai encontrar-se com o lobo, elefante, o tigre, o leão e a cabra (escusado será dizer que, tirando a cabra, os outros animais não existem na Guiné).

Himbo-Inéné é um meio para explicar como é que estas cinco espécies de animais passaram a viver em separado, segundo afirma o "gentío" da Guiné. Eram estes alguns dos preconceitos ou estereótipos em que foi educada a nossa geração...



2. Comentário de L.G.:

Obrigado ao Mário, homem de grande sensibilidade cultural, bibliófilo, escritor, e sobretudo amante da Guiné e das gentes, para além de nosso camarada e amigo.

A história do nosso mútuo (des)conhecimento, entre portugueses e guineenses, tem muito destas coisas: os muitos anos de convívio, ora pacífico ora belicoso, com os povos da Senegâmbia, por nossa parte - desde meados do Séc. XV - são natualmente pontuadas de coisas boas, de coisas menos boas e de coisas más...

A pior de todos foi a violência (física)... Mas também há/houve violênca psicológica, verbal, cultural... onde se incluem os estereótipos, os preconceitos, as representações que temos uns sobre os outros. Hoje, como países independentes, em pé de igualdade, numa base de respeito e de amizade, podemos olhar paras as coisas que escrevemps e dissemos - os nossos antecessdores, pais, avós, bisavós... - com outra sabedoria, com outro olhar, com outro conhecimento... Mas nós próprios - é bom não esquecê-lo - também tínhamos muitas ideias estereotipadas sobre a Guiné, a terra e os seus povos - quando lá fomos para lá, formatados e equipados para fazer a guerra...

Em sociologia e psicologia social, fala-se em estereótipos como sendo um conjunto de generalizações inapropriadas, simplistas, redutoras, acerca de um grupo de indivíduos (por ex., ciganos) permitindo aos outros (neste caso, os não-ciganos) a categorizar os membros desse grupo (os ciganos) e a tratá-los sistematicamente de acordo com as expectativas criadas: por exemplo, os ciganos são falsos, fechados, etnocêntricos, etc.; sou abordado por um cigano e julgo logo sumaraimente como façso, fechado, etnocêntrico, etc.

E a propósito dos nossos preconceitos (ou pré-conceitos) sobre a Áftica e os africanos, deixem-me evocar aqui o nosso saudoso capitão Zé Neto (1929-2007) que um ano e picos antes de morrer me escrevia o seguinte mail (em 8 de Janeiro de 2006):

Meu caro Luis: Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativa das memórias da minha vida militar.

São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família...


Sobre a Emília de Sousa Costa, vd. sitografia (sumária):

Blog da Rua Nove > 19 de Setembro de 2007

Ecrivaines africaines lusophones / A Bibliography of Lusophone Women Writers Joanito africanista / / Emília de Sousa Costa ; ilustrações de ...

La educación femenina: una escala para alcanzar la categoría de ciudadana. Portugal y los Congresos Feministas y de Educación (1924-1928)". por: Rosa Mª BALLESTEROS GARCÍA
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta nova série Antropologia [ a disciplina das ciências socais que estuda as estruturas e as culturas produzidas pelo Homo Sapiens Sapiens, a única espécie humana - raça, dizíamos nós até há pouco tempo - a que pertencemos todos nós: nharros, tugas, gringos, chinocas, etc... Na Europa também é sinónimo de Etnologia]:

9 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2252: Antropologia (1): A guerrilha invisível ou o Poder da Invisibilidade (Virgínio Briote / Wilson Trajano Filho)

(2) Vd. post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1801: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

Guiné 63/74 - P2288: Também não possuo a minha Caderneta Militar (José Martins)

José Martins
ex-Fur Mil Trms
CCAÇ 5
Canjadude
1968/70



1. Oportuníssima mensagem, de hoje, do nosso camarada José Martins:

Caros Camaradas:

Também não possuo a minha Caderneta Militar.

Soube que ela chegou à minha Unidade, Guarnição Normal da Guiné, porque o Furriel Amanuense falou nisso, mas não cheguei a vê-la e, sinceramente, nunca me importou.

Porém, quando tive necessidade de tirar a carta de condução (1970) era documento obrigatório, pelo que contactei o Depósito de Adidos, em Lisboa (já extinto), que me remeteu para a Unidade à qual, naquela data e após passagem à disponibilidade, passei a pertencer: Regimento de Infantaria n.º 6, no Porto, já extinto.

No momento presente, todos os elementos pertencentes aos militares, nomeadamente Sargentos e Praças do Exército a partir dos meados do século XIX, estão no Arquivo Geral do Exército, sito na Estrada de Chelas - 1900-159 Lisboa.

Assim, creio que os interessados poderão solicitar ao Director do Arquivo que lhes mande passar uma Certidão Narrativa Completa, do que constar nos arquivos.

Neste momento não sei como funciona. Parece-me que está muito burocratizado. Em tempos consegui as fotocópias das Notas de Assento do meu avô materno e de um tio paterno, ambos militares de carreira e presentes em França durante a I Grande Guerra.

Espero que esta mensagem dê os resultados que se pretendem.

Um abraço
José Martins


2. Comentário de CV:

Aqui ficam umas dicas importantes para quem queira obter documentos ou dados dos seus tempos de campanha.

CV

Guiné 63/74 - P2287: Convívios (35): BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71), Chaves, 8 de Dezembro de 2007 (Jorge Santos)

Brasão do BCAÇ 2905 - Cacheu (1970/71)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Jorge Santos, a pedir-nos a divulgação do convívio do pessoal do BCAÇ 2905 que se realiza no dia 8 de Dezembro próximo, em Chaves, no restaurante “O Retornado”.

Para qualquer informação, contactar o nosso camarada Júlio César - Telemóvel 933 251 480 (1)

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Nota de CV:

(1) Vd. posts de:

10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1940: O dia de S. Martinho que jamais esquecerei... (Júlio César, CCAÇ 2659, 1970/71)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1931: Tabanca Grande (24): Júlio César, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 do BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71

Guiné 63/74 - P2286: Bibliografia de uma Guerra (24): O meu diário, de Inácio Maria Góis (CCAÇ 674, 1964/66)


Capa do livro do nosso camarada Inácio Maria Góis, O meu diário: Guiné 1964/66. Companhia de Caçadores 674. Edição de autor. Mineira, Aljustrel. 2006.

Inácio Maria Góis esteve na Guiné entre 13 Maio de 1964 e 27 Abril de 1966. Fez parte da CCAÇ 674 e pisou os trilhos de Fajonquito e Farim. Dia a dia, foi anotando o que se passava dentro dos aquartelamentos e fora deles. Viviam-se, então, os primeiros anos da luta armada e à medida que as surpresas iam ocorrendo, Inácio ia constatando que estava a participar numa guerra que não fazia sentido.

"Porque estás sempre a escrever essas simples palavras, se elas não fazem qualquer sentido", perguntava-lhe um ou outro camarada. E à medida que ia escrevendo ia descontando os dias. Foram vinte e três meses e catorze dias de vivência naquelas terras que nunca mais esqueceu, reduzidas a um diário a que mais tarde pôs o nome de O meu diário.

nota de vb: tive conhecimento de O meu diário através do Professor R. Pélissier (1), de quem viremos a falar mais para diante. Esta é uma primeira recensão bibliográfica. Esperamos voltar a falar do livro e do seu autor (2).
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Um excerto do livro:

Este diário narra parte da minha vida e da minha convivência com os meus camaradas de guerra, que comigo combateram na Guiné-Bissau, contra os guerrilheiros do PAIGC.(...)
Narra o nosso sofrimento, as nossas emoções. (...)

Por vezes, as nossas lágrimas foram difíceis de conter nas matas infernais da Guiné, entre a região norte de Bafatá e nordeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal, onde a CCAÇ 674/63 se encontrava acantonada na pequena povoação de Fajonquito. Na zona norte e onde começou o combate a partir do dia 4 de Julho de 1964, sábado, até 30 de Março de 1966, quarta-feira...(...).


Edição do Autor
416 pgs
500 exemplares
Gráfica Mineira, Ltd.-Aljustrel
Abril de 2006
Custo do exemplar: 7,5 €

Inácio Maria Góis
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Notas de vb:

(1) Doutorado em letras, René Pélissier é um especialista em história colonial Portuguesa recente. A vasta obra publicada não abarca apenas Portugal, estende-se também a Espanha, com várias obras publicadas, tentando levar o leitor a entender as aventuras africanas e asiáticas dos povos ibéricos.

(2) Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2285: Roubaram-me a Caderneta Militar (Júlio Benavente/Carlos Vinhal)


A nossa Caderneta Militar que tinha uma cor muito triste. Neste caso, a minha (CV)...

Foto: © Carlos Vinhal (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Júlio Benavente, ex-Fur Mil da CCS/BCAV 1905, de 15 de Novembro:

Nunca se sabe o que a net nos pode dar.

Em 1990 fui de férias a Portugal (vivo nos States) e na Batalha fui roubado.

Entre várias coisas, lá foi a minha Caderneta Militar. Parece estranho, mas entre muitas coisas quiçá mais importantes, esta é a que tem mais valor para mim.

Claro que participei o roubo à GNR da Batalha.

Muitos anos já se passaram e, como a vida é cheia de surpresas, é possível que já tenha acontecido o mesmo a outros camaradas.

O que fazer? Ideias?

Julio da Silva Benavente


2. Comentário de CV:

O nosso camarada Júlio Benavente ficou sem o símbolo da sua vida militar. Lá estariam registados todos os passos que ele deu, desde a Incorporação até à Disponibilidade.

Na nossa Caderneta podem constar Unidades por onde passámos, postos, datas das promoções, louvores, punições, licenças, etc.

Para ele, que está nos Estados Unidos, longe da sua Pátria, há tantos anos, a Caderneta representava o tempo em que serviu Portugal para o bem e para o mal. Não tínhamos grande escolha, então. Nas suas entrelinhas podiam ler-se as horas de Sangue, Suor e Lágrimas. Saudades e privações de toda a ordem.

Perguntei-lhe porque razão não pedia uma segunda via, ao que ele respondeu que não seria a mesma coisa. Que interessa um segundo documento onde diz que esteve aqui, ali e acolá, se já não é o original?

Se calhar, muitos de nós nem sabemos onde está a nossa Caderneta Militar neste momento. As gavetas do tempo guardam muita coisa fora de ordem.

Se alguém achar este post despropositado, lembre-se do nosso camarada Baptista que tem sido espoliado, precisamente por lhe negarem o direito de ter uma Caderneta Militar (1).

E se alguém que acede à nossa página tivesse o Documento Militar do Júlio Benavente? Porque não devolvê-lo?

Afinal não serve a ninguém, a Caderneta, a não ser ao próprio.

CV

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Nota de CV:

(1) Vd. post de 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2284: Antologia (66): A tropa do bacalhau, na Terra Nova e na Gronelândia: uma estória de vida (Joaquim Sampaio de Azevedo)

Ílhavo > Museu Marítimo de Ílhavo > DVD: A Campanha do Argus, um filme de Alan Villiers.

Veleiro da frota portuguesa da pesca do bacalhau nos Bancos da Terra Nova, construído em 1938, o lugre Argus tornou-se mundialmente conhecido através do livro do escritor Alan Villiers, The Quest of the Schooner Argus,  bem como do seu artigo, publicado no National Geograhic Magazine, em Maio de 1952, "I Sailed With The Portuguese Brave Captains".

Houve uma edição original, em português, sob o título A Campanha do Argus: Uma viagem aos Bancos da Terra Nova e à Groenlândia, com a chacela da Livraria Clássica Editora. Em 2005 , o livro foi reeditad, com o título A Campanha do Argus - Uma Viagem na Pesca do Bacalhau, em iniciativa conjunta da Editora Cavalo de Pau e o Museu Marítimo de Ílhavo .

A campanha do lugre decorreu entre Abril e Outubro de 1950. As filmagens feitas durante essa viagem deram origem ao filme The Bankers - The Quest of the Schooner Argus - do qual existe uma edição em DVD do Museu Marítimo de Ílhavo.


Figueira da Foz > Centro de Artes da Figueira da Foz > Julho de 2006 > Foto de um trabalhador da pesca do bacalhau. Presume-se que a foto original seja de Alan Villiers.

Imagem capturada por Luís Graça (2006).



Capa da revista Ardentia, 2, 2005. Propriedade da Federación Galega Pola Cultura Marítima e Fluvial

"Ardentía é unha Revista Galega de Cultura Marítima e Fluvial como consta na súa portada desde o seu primeiro número.

"O obxectivo da revista é publicar traballos dentro do seu ámbito temático que teñán unha contrastada calidade e interese, e tentando que parte de cada número esté relacionado coa actualidade do tempo no que se pública".


1. Amigos e camaradas: Hoje falamos do pesadelo da guerra que marcou toda uma geração, a nossa geração (Índia, Angola, Guiné, Moçambique, Timor)... 

Mas há outro inferno que tem sido ignorado ou escamoteado: a pesca do bacalhau... Sabiam que um mancebo, oriundo de comunidades piscatórias como por exemplo Ílhavo ou Viana do Castelo, podia escapar à Guiné, oferecendo-se como voluntário para a longínqua pesca do bacalhau na Terra Nova ou na Gronelândia ? 

Tratava-se de trocar um inferno por outro: As condições de vida a bordo eram duríssimas e o capitão de navio era um senhor todo-poderoso... Como se pode avaliar por esta estória de vida... Confesso que sempre tive um enorme fascínio e admiração por esta gente da pesca longínqua. (LG)


Extractos do artigo A pesca do bacalhau. (autores: Ivone Magalhães e João Baptista. Ardentia. 2 (2005): 41-46.


Esta entrevista, inserida no trabalho de campo sob o tema: 'A pesca do Bacalhau, recolha oral de histórias de vida de antigos pescadores', por parte da Associação Barcos do Norte junto da comunidade de antigos pescadores do Bacalhau de Castelo do Neiva foi realizada em 7 de Fevereiro de 2005 por João Baptista e tratada por Ivone Magalhães (comentários, notas de rodapé e arranjo ideográfico a partir de um guião tipo elaborado para a entrevista).


[ Excertos da entrevista a Joaquim Sampaio de Azevedo, de alcunha O Bucha, nascido em 1939, na freguesia de Vila Nova de Anha, Viana do Castelo. Aconselhamos a leitura do artigo na íntegra.]

(...)

Com que idade começou a andar ao mar?

-Comecei a andar ao mar aqui no nosso "mar do castelo" com 14 anos. Aqui pela nossa costa.

E na pesca do bacalhau?

-No bacalhau foi com 20 anos, em 1959.

Porque é que escolheu andar na pesca do bacalhau?

-Para me livrar à tropa, naquele tempo era preciso para livrar à tropa andar 6 anos seguidos ao bacalhau. Chamava-se a Tropa do Bacalhau. Eu fugi mais à tropa por isto: Eu casei com 19 anos e aos 20 estava viúvo, vi-me assim e disse: bom! Vou pró bacalhau pra livrar à tropa. Fiz lá seis anos seguidos pra livrar a tropa. Num passei esses anos e acabou, fui enganado.

Quando acabei a tropa do bacalhau tive de fazer mais 3 anos, fui obrigado pelo Tenreiro senão ia refractário para a tropa e isso não me convinha, pois os refractários eram os que eram apanhados a fugir à tropa e davam-lhe os piores sítios de combate, era para morrerem, eram carne para canhão... por isso no fim continuei, fiz nove anos só para a tropa... Ganhava dinheiro, mais do que se estivesse na tropa mas no fim, não sei se foi boa escolha. Fiz nove campanhas e depois para ganhar mais dinheiro fiz uma viagem ao Alasca a fazer um carregamento de bacalhau.

Em que navios andou embarcado?

- Andei no navio São Gabriel seis anos, no navio Ilhavense dois anos, e no navio Sotto Maior fiz duas campanhas, dez campanhas ao todo.

(...)
Que categoria desempenhava a bordo?

- A bordo era salgador. A minha categoria era salgador, os pescadores é que iam pescar e no fim de cada faina à linha no barquinho "Dóri" ainda vinham para bordo tratar do peixe, escalar, salgar, partir cabeças, tinham que fazer de tudo. 

Mas à parte dos pescadores havia pessoal da companha que tinha uma única categoria a bordo, como os maquinistas, os electricistas, os redeiros... cada um tinha o seu emprego, havia outros, normalmente os moços de primeira viagem a que chamávamos "verdes", porque não sabiam ao que iam, que tinham como função ajudar em tudo e aproveitar nas tripas do peixe o fígado para fazer o óleo, e nas cabeças aproveitar as caras e as línguas. Num navio daqueles cada um tinha a sua função, cada um tinha o seu emprego.

(...)

Como era a vida a bordo?

- A vida a bordo era trabalhar, passar fome e ser maltratados.

E a nível de camaradagem entre os pescadores?

- Os pescadores davam-se todos bem uns com os outros.

E com o Capitão como era o relacionamento?

- Nós tínhamos de nos dar bem senão o capitão mandava-nos prender. Só nos ameaçava com prisão, com cadeia.

Tem conhecimento de alguns que tenham ficado presos a bordo?

- Atão! Só num navio que eu andei e numa só viagem de uma vez foram 7 presos a bordo. Só por reclamar do comer.

(...)

Cuidados de Higiene e Saúde?

- Banho, nunca soubemos o que era tomar banho nesses seis meses que durava cada viagem.

(...)

E alguma história que o tenha marcado?

- Outras historiais que me lembre?... Bem... Muitas. Morrer homens no nosso navio só
morreram dois, afogados, perderam-se e desapareceram com o mau tempo, dizemos que se afogaram, mas nunca mais ninguém os viu... e o mais era quando os navios iam ao fundo, ardiam, estavam velhos.

(...)

Em jeito de conclusão o que nos diria?

- Dizia que ainda bem que hoje as coisas são diferentes. A pesca ainda é dura mas os riscos são menos e as pessoas já são tratadas de outra maneira. São tratadas
como pessoas. Naqueles tempos éramos tratados como animais.


Fonte: Ardentia, 2, 2005, pp. 41-46. (com a devida vénia...)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2283: Bibliografia de uma guerra (23): Lançamento do livro de Cesário Costa, Morto por Te Ver (José Martins)

1. O nosso camarada José Martins, sempre atento a este tipo de eventos, enviou-nos o seguinte mail:

Caros Camaradas:

Agradeço que publicitem o lançamento do Camarada Cesário Costa, que esteve em Angola entre Agosto de 1967 e Outubro de 1969, como Operador Cripto da CCAÇ 1738, formada no BII17.

São cartas pessoais, as possíveis na altura, descodificadas quase quarenta anos depois.

Convite em anexo ou na página Afrontamento na área lançamentos.
José Martins


Convite, bem conseguido, em forma de telegrama, que tantas notícias portava, boas e más. Desta feita dá conta de um feliz acontecimento


Como a imagem do convite não é perceptível por ter sido copiada a partir do formato PDF, aqui fica o respectivo texto.

CONVITE

As Edições Afrontamento e a Câmara Municipal do Porto têm o prazer de convidar V.Exa. para a sessão de apresentação do livro de Cesário Costa

MORTO POR TE VER
Cartas de um soldado à namorada (Angola, 1967-1969)



A sessão tem lugar no dia 24 de Novembro, pelas 16 horas no Palácio Visconde de Balsemão, Praça Carlos Alberto, 71 - Porto.

A obra será apresentada pelo Professor Hélder Pacheco.

Haverá um momento musical (voz e guitarra) com a participação de Maria Amélia Oliveira e David Ferreira.


Pequena nota biográfica:

António CESÁRIO Guedes da COSTA, natural de Vila Nova de Gaia, é autor de outro livro com o título Memórias da Memória, lançado pela Editora Ausência.

Depois de ter passado pelo BC10 (Chaves), RAL4 (Leiria) e CHERET (Trafaria), foi mobilizado para Angola, onde esteve entre Agosto de 1967 e Outubro de 1969, incorporado na CCAÇ 1738 formada no BII17 (Ilha Terceira), como Operador Cripto.

José Martins