quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2586: Historiografia da presença portuguesa em África (6): O Prof René Pélissier e o Inácio Maria Góis (Virgínio Briote)





História da Guiné (1841-1936) Vol. I

René Pélissier

Histórias de Portugal
282 Pags
€ 14,27+ IVA
Editorial Estampa
___________


René Pélissier, quem é?

Doutorado em letras, Pélissier é um especialista em história colonial Portuguesa recente. A vasta obra publicada (sete volumes em língua portuguesa) não abarca apenas Portugal, estende-se também a Espanha.

Os seus trabalhos ajudam-nos a entender as aventuras africanas e asiáticas dos povos ibéricos.

Correspondência com o Professor René Pélissier (I)


1. A propósito do lançamento do livro do Inácio Góis, o Meu Diário, recebemos em tempos uma mensagem do Professor René Pélissier:
Prezado Senhor,Sou o historiador e bibliógrafo francês da Guiné e não consigo encontrar um exemplar de uma edição de autor que a Biblioteca Nacional de Lisboa possui mas, sem dar o endereço do autor – editor.
Trata-se de Góis, Inácio Maria: O meu Diário (1). Guiné 1964-66 Companhia de Caçadores 674, s.l. s. d. Aljustrel: Mineira, 674 páginas cerca de 2006.

Seria capaz de me dizer onde posso arranjar o livro ou pelo menos como contactar o autor? Alguém no vosso blog conhece este senhor?
Muito obrigado pela sua ajuda
Melhores cumprimentos

Prof. René Pélissier



Prontamente, e com muito gosto, respondemos-lhe:

Caro Professor René Pélissier,

Já publiquei a sua mensagem no foranada, um blogue que reúne mais de 100 ex-combatentes na Guerra da Guiné, abrangendo todos os anos do conflito colonial. Estou certo que vamos encontrar o autor e, assim, satisfazer o seu pedido.

Procurei, em tempos, saber o porquê de um estrangeiro, dedicar tanto tempo da sua vida na pesquisa e publicação de tão vasta bibliografia sobre a aventura deste pequeno povo pelas terras africanas e asiáticas. E nunca consegui saber. Será que existe algum sítio onde eu possa procurar informação fidedigna sobre o Professor?

vb (Virgínio Briote)

2. Dias depois, o Prof Pélissier respondia-nos:

Prezado Senhor,

Agradeço muito a sua ajuda e li a sua mensagem no blogue.

É muito difícil ter uma relação razoavelmente completa dos livros publicados sobre a guerra colonial e sugiro que, ao seu nível, o blogue tente fazê-lo para a Guiné, dando as referências bibliográficas completas (incluindo os endereços dos editores ou autores-editores). Não falo dos artigos que abundam!~

Sou muito pouco esperto em relação a informática, mas julgo que não deve haver sítio nenhum dedicado à minha contribuição "ultramarina". O que posso dizer é que existe no Diário de Noticias de 2 de Abril 2007 uma pequena entrevista minha que talvez possa responder a algumas das suas perguntas.Como sabe a Editorial Estampa já publicou sete volumes da minha autoria sobre a história mas é apenas uma pequena parte do que publiquei em francês sobre o assunto. A tradução custa muito e os leitores são poucos.
Tenho as maiores dificuldades em encontrar uma revista ou um jornal português sério que aceite gastar dinheiro para publicar crónicas bibliográficas internacionais, trimestrais sobre o tema "ultramarino".~

Agora estou á procura de um novo media, visto que a minha colaboração com uma revista portuguesa conceituada acaba no fim de 2007. Na Biblioteca Nacional de Lisboa pode ver o meu último livro de bibliografia (1712 resenhas!): intitula-se Angola-Guinées-Mozambique..., 748 páginas e verá o que pretendo fazer no domínio da informação.
Vamos ver se vou continuar ou desistir: sem media e interesse do público não vale a pena dedicar-se a tanto trabalho. E como sou um especialista independente e não partidário é raro que " je plaise aux Grecs et aux Troyens".

Muito obrigado.
René Pélissier


3. Transcrição (com a devida vénia) de extractos de uma pequena entrevista que o Professor Pélissier deu a Leonor Figueiredo, do DN.

O Prof Pélissier no DN em 02-04-07

O francês com uma paixão pela África portuguesa




O historiador francês René Pélissier apaixonou se pela nossa história colonial. E, apesar de não o dizer, adivinha-se que se enamorou do País e dos portugueses "mas de uma forma lúcida". Nesta relação ainda mal esclarecida que dura desde a adolescência, ainda não parou de escrever sobre o nosso passado e queixa-se de não ser reconhecido por Portugal. Em França, os adeptos do tema também não devem ser muitos. Apresenta-se René Pélissier, um homem só.

No livro que acaba de lançar, previne que não se trata de "libelo nem acusação" a Portugal. Mas isso esperar-se-ia de um historiador?
Só o historiador ideal é imparcial. A objectividade é uma fábula prisioneira de preconceitos, ideologias, antipatias e nacionalismo. Mas para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta-essência do ultra colonialismo sob os trópicos.

É a sua grande obra, fruto de 40 anos de pesquisa, muito mais do que a compilação de livros anteriores?

Certamente. É o meu testamento historiográfico em honra dos portugueses, se quiserem abrir os olhos sobre a sua história colonial recente. Nos livros anteriores, sobre a conquista de Angola, Moçambique, Guiné e Timor, fiz uma análise profunda do avanço da fronteira colonial. Mas faltava a visão global e o estudo da progressão da implantação no império. Neste livro para o grande público, não posso pormenorizar, o leitor ficaria perdido no formigueiro cronológico de 490 operações militares. É uma síntese documentada, em que demonstro que não houve colonização sem primeiro haver soldados, na África tropical continental e Timor.

Por isso defende que a colonização começa no séc. XX, e não no XV.

Quis dinamitar o mito dos "cinco séculos de colonização/exploração". Como falar de "cinco séculos" em que o colonizador não aparece, senão na viragem do século XIX para o XX?


Para destruir este mito que tanto mal fez a Portugal, nada melhor do que o estudo da sua história militar colonial desde 1800. É uma evidência que para haver colonização é preciso haver colonos. Ora, as estatísticas oficiais, apesar de frágeis, mostram que a esmagadora maioria dos colonos estavam concentrados em Luanda. Mesmo em 1900 – admitamos que havia dez mil europeus –, o povoamento branco era minúsculo.

Durante décadas crescerá muito lentamente. Penso mesmo que, em 1900, metade dos futuros angolanos, no mínimo, nunca tinha visto um único branco.

Sei que a África portuguesa nunca foi o Jardim do Éden, mas foi pior nas outras colónias tropicais europeias. A diferença é que as suas metrópoles nunca reivindicaram nem cinco, nem quatro, nem três (à excepção da África do Sul) séculos de colonização.

Estudou a política colonial de vários regimes. Há grandes diferenças entre monárquicos, republicanos, a ditadura militar e Salazar?

Não houve grandes diferenças entre a monarquia e a I República no plano militar, à excepção talvez de os oficiais da república não hesitarem em empregar métodos radicais.


Salazar herda uma situação militar "calma", o que convém à sua visão contabilística: o império deve não só bajular o orgulho nacional da metrópole, como também contribuir para enriquecê-la.

Em 1930 e 1940, era a ambição admitida por todos os colonizadores, europeus e japoneses. Salazar trouxe continuidade na gestão governamental e evitou a perda de parte ou de todo o seu império para os aliados. Mas, prisioneiro do mito da unicidade do caso português, esclerosou-se, acreditando poder escapar, só, ao desaparecimento dos impérios ultramarinos, mais ricos e desenvolvidos do que o seu.

Vítima do mito dos cinco séculos, não quis ver as realidades e preparar o futuro. A sua obstinação transformou-se em pesadelo para a maioria dos portugueses, de 1961 a 1975. E bem depois.

Chamou às colónias "antídoto" psicológico para "a falta de confiança, pessimismo e complexo de inferioridade dos portugueses". Continua a pensar assim?


Não. Desde 1974-75 parece que o português médio retomou confiança no seu futuro europeu.

Mas escreveu em Explorar (1979) que os portugueses tinham nove espelhos para se verem na História.

Agora terão menos, talvez, mas a fórmula de Eduardo Lourenço continua pertinente – "Portugal é um país que nunca soube viver a sua história, senão como História Santa". Ainda há trabalho a fazer para os "jovens" historiadores ou jornalistas lusófonos. A luta continua!

Acusou alguns jornalistas portugueses de terem feito propaganda. Quando? Como bibliógrafo, chega à mesma conclusão ao ler os muitos livros que têm sido publicados?

Sim, quando os PALOP ainda eram colónias do Estado Novo e mesmo depois, nos anos das ilusões, após 1974.


Agora é diferente, com a chegada de gerações de grandes profissionais. Consegui – e às vezes foi difícil, pois certos editores portugueses não sabem o que é um serviço de imprensa ou julgam que a minha opinião não vale o custo de envio – os livros de reportagem ou de análise que estes novos jornalistas publicam sobre os PALOP e Timor.

Alguns são notáveis e fazem um trabalho de historiador, o que escrevi, preto no branco, nas minhas crónicas bibliográficas internacionais na Análise Social.

A paixão por África começa aos 12 anos, ao ler a revista Science et Voyages. E o caso português?

É uma história de amor. Fiquei encantado com o Terceiro Império. O desconhecido fascina-me. Tive vocação de explorador tardia, mas obstinada! Interrogava-me: como conseguiram negligenciar os portugueses cultos, míopes pelos "fumos da Índia", a história feita pelos parentes há duas ou três gerações? Estava tão apaixonado pela mina de ouro que é a biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa que cheguei a pensar naturalizar-me português para entrar neste continente misterioso.
Porque não se naturalizou?
Por três razões: a primeira é que prefiro Fernão Mendes Pinto à poesia épica; a segunda, é que com o fim dos impérios coloniais, se tivesse exercido o meu espírito crítico como historiador não partidário, teria tido, como português, sérios problemas com a PIDE; a terceira é que fui para o terreno africano confrontar os livros com as realidades.


E como não gosto dos mitos, fiquei estrangeiro, mas sempre grande consumidor de publicações portuguesas – uma droga dura para mim, pois moro em França numa biblioteca ultramarina! -, mas livre de me exprimir, sem ser acusado de ser traidor à "nova" pátria.
__________

(1) Por vezes, as nossas lágrimas foram difíceis de conter nas matas infernais da Guiné-Bissau, entre a região norte de Bafatá e nordeste de Farim, junto à fronteira do Senegal, onde a CCaç 674 se encontrava acantonada na pequena povoação de Fajonquito. (...).

O meu Diário, Guiné - 1964/1966. Companhia de Caçadores 674, de Inácio Maria Góis. Edição do Autor. Gráfica Mineira, Ltd.- Aljustrel. Abril 2006.
__________


Notas de vb:


1. vd artigos de René Pelissier, Análise Social, vol. XXXVIII (166)

Militares, políticos e outros mágicos

Esta nota de leituras refere-se a numerosos livros sobre a guerra, nomeadamente a guerra colonial portuguesa (1961-1974). Um número que poderia ter sido muito maior se os editores nos tivessem facultado todos os títulos pedidos. É que alguns parecem ter dificuldade em fornecê-los, ou consideram que os serviços de imprensa lhes saem demasiado caros, ou então trabalham com pessoal negligente. Em suma, não se trata, portanto, de uma selecção baseada em escolhas políticas ou simpatias pessoais do autor. Uma bibliografia só pode falar daquilo que se tem à mão. É, todavia, manifesto um crescimento significativo das memórias de antigos combatentes portugueses, aliás bastante mais significativo do que a produção suscitada pela conquista colonial dos séculos XIX e XX. Tudo indica que, nas décadas futuras, esse fluxo aumentará exponencialmente, devido às centenas de milhares de portugueses letrados que foram mobilizados para a defesa do império, devido à diversidade das suas experiências e ao traumatismo gerado por uma guerra que a grande maioria odiava, quer a considerasse inútil, contrária aos seus projectos e desumana, quer tivesse a sensação de ir arriscar a sua vida por interesses políticos e económicos com que não se identificava. As guerras de descolonização deixam geralmente uma lembrança amarga no espírito dos europeus que as travam. Os portugueses não fogem, evidentemente, a essa regra e estamos longe do triunfalismo das «belas campanhas coloniais» à Mouzinho de Albuquerque, Alves Roçadas, João de Azevedo Coutinho e outros grandes ou pequenos heróis de há três ou quatro gerações. Não há, nem nunca haverá, heróis nas guerras que vamos visitar. Apenas vítimas de ambos os lados, pese embora aos propagandistas e historiadores nacionalistas.De qualquer forma, na guerra de 1961-1974, uma guerra esfarelada e sempre recomeçada, sem batalhas decisivas, sem oficiais triunfantes, sem desafio patriótico, não há quem consiga citar um único nome sonante de entre a monotonia dos milhares de oficiais esgotados no mato ou prudentemente refugiados num qualquer gabinete com ar condicionado.

Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)

1. Texto enviado ontem, através do endereço de correio electrónico Quinta Srª da Graça. Vim a descobrir, através de pesquisa na Net, que a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609, era de um camarada nosso, o José Manuel Lopes, autor deste poema.


Viagem sem regresso

não regressar
será o esquecimento
será o vazio
a dor
dor
que já se não sente
o não poder ver a gente
que nos abria o sorriso
e a vontade de amar.

josema
Guiné 1972


2. De facto, confirmei, através de um simples contacto telefónico, que o josema, que assina o poema, era o José Manuel Lopes, produtor de conhecidos e excelentes vinhos DOC, do Douro, e que tem também um turismo de habitação, na sua Quinta da Senhora da Graça. À conversa com ele, disse-me, no essencial o seguinte:

(i) teve conhecimento do nosso blogue, porque viu o programa Câmara Clara, da RTP Dois, da Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial, e teve dois convidados em estúdio, os escritores Lídia Jorge (autor da Costa dos Murmúrios...) e Carlos Matos Gomes (que assina Carlos Vale Ferraz, o autor de Soldadó); nessa edição, o fundador e editor deste blogue foi entrevistado; o nosso blogue foi amplamente divulgado; o programa passa também na RTP África e na RTP Internacional;

(ii) ficou muito sensibilizado e até emocionado, e foi visitar o blogue de que passou a ser visita diária;

(iii) foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, com o curso de Op Esp e a especialidade de Minas e Armadilhas;

(iv) a sua unidade era a CART 6250; esteve sempre em Mampatá, entre 1972 e 1974;

(v) fez segurança aos trabalhos da nova estrada Quebo - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia do Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC. A obra parou com o 25 de Abril... O novo troço deveria ter uns 30 quilómetros...

(vi) O José Manuel foi inesperadamente mobilizado para a Guiné, já com 18 meses de tropa... Juntou-e à malta da CART 6250, que era constituída por gente do interior (do Alentejo, das Beiras, do norte)... A unidade mobilizadora foi o regimento de Vila Nova de Gaia;

(vii) Depois de Bolama, seguiram em LDG para Buba. onde tuveram logo o baptismod e fogo, como era da "parxe do PAIGC";

(viii) ele e a companhia dele seguiram os acontecimentos de Guileje, e saíram de Mampatá para fazer segurança à CCAV 8530, restantes forças e população civil, que andaram perdidos, nesse perigoso campo de minas, que era todo o corredor de Guileje, montadas umas pelo PAIGC e outras pelas NT; aliás, a sua CART 625o foi uma das unidades que mais minas levantou, durante a guerra e no final da guerra; recorda-se que se pagava mil escudos por cada mina levantada...

(ix) tem histórias fantásticas, como a de um camarada nosso, natural da Régua, que foi encontrado inaninado, desidatrado, doente, no Rio Corubal, numa piroga à deriva, depois de ter fugido de uma zona controlada do PAIGC... Teria sido um dos sobreviventes do desastre do Cheche, na travessia do Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, na sequência da evacuação de Madina do Boé (Oficialmenet não houve sobreviventes!) ... Levado para Conacri, mostrou-se colaborante com o PAIGC e levado para uma zona libertada... Razão por que não estaria em Conacri, na prisão do PAIGC, em 22 de Novembro de 1970, quando os 26 portugueses foram libertados, na sequência da Op Mar Verde... Como tinha liberdade de movimentos, terá decidido mais tarde (em data que o José Manuel não precisou), procurar as NT, seguindo ao longo do Rio Corubal... Foi nessa altura que o encontraram... "Devia ter nais oito anos do que nós... Vive hoje na Régua, e com muitas dificuldades"... Pus a hipótese de ter sido companheiro de infortúnio do nosso morto-vivo do Quirafo, o António da Silva Baptista, que já nos contou que houve, no seu tempo de cativeiro, no Boé, um português que fugiu, seguindo o curso do Corubal... Uma história estranha e misteriosa, que fica por confirmar...

(x) há outras histórias, que vão enriquecer o nosso blogue e a nossa memória, incluindo o período do pós-25 de Abril, em que o José Manuel teve contactos frequentes e intensos com a malta do PAIGC (cujos graduados "andavam sempre com livros e cadernos debaixo do braço e tinham muito nível"); soube do 25 de Abril, quando vinha de uma operação no mato e viu os restantes camaradas, no heliporto de Mampatá, agitadíssimos, muito eufóricos, com os soldados a gritar: "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou!"... Isto passou-se a 26 de Abril. A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, que na vida civil era rádio-amador...

(xi) durante a sua comissão , ele próprio costumava andar com um lápis e um caderninho n0 bolso, onde nomeadamente ia escrevendo os seus poemas; tem muitas coisas dessa época, que nunca publicou nem mostrou a ninguém, além de inúmera documentação fotográfica; escreveu versos que eram acompanhados com músicas conhecidas da época, de autores contestatários como o Zeca Afonso; vai-me mandar o Cancioneiro de Mampatá (foi assim que eu logo o baptizei...); inclusive, prontifficou-se a mandar-me um poema por dia...

(xi) durante anos não falou da guerra colonial com ninguém, só mais recentemente foi ao convívio anual do pessoal da CART 6250;

(xii) esteve sempre em Mampatá onde a tropa vivia misturado com a população (maioritariamente, futas-fula), razão por que nunca foram atacados; não tinham artilharia, só mais tarde é que passaram a ter obus 14, que dava apoio às operações de segurança de construção da estrada Quebo-Mampatá-Salancaur... Também aqui, em Salancaur, abriram um destacamento (arame farpado, valas e tendas...);

(xiiii) fala da Guiné com a mesma paixão com que fala do seu Douro (donde nunca mais saiu, desde que regressou da Guiné, em Agosto de 1974)...

Passámos rapidamente a tratar-nos por tu, como velhos camaradas. Convidei-o a integrar a nossa Tabanca Grande, o que aceitou com visível regozijo... Quando puder entregará as fotos da praxe. Fica à espera do filho, para lhe digitalizar as fitos (Ele é um jovem enólogo e está neste momento fazer uma estágio na Austrália).

Convidei-o a assitir ao lançamento do livro do Beja Santos, no dia 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia de Lisboa... Vai ver se pode. Costuma vir a Lisboa, todos os meses, para fazer entregas de vinhos aos seus clientes.

José Manuel, estás apresentado. Estás em casa, entre amigos e camaradas! Sê bem vindo! Como vês, não há viagens sem regresso... A não ser as da morte. E por falarem regresso, tens histórias fabulosas de Mampatá, escritas por um velhinho, que por lá passou, um anos antes de ti, o nosso camarada Zé Teixeira (2)...L.G.
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2259: Blogpoesia (7): Nas terras de Darsalam, no Cantanhez, adormeceste, para sempre, como herói, meu querido Sasso (J.L. Mendes Gomes)

(2) Vd. poste de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2584: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (23): O diorama está pronto e é uma obra-prima (Pepito / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Dois anos de trabalho... do Nuno Rubim (1) e de um pequeno Grupo de Combate de gente valorosa e solidária, guineenses e portugueses (2), com destaque naturalmente para o Pepito e a sua esquipa da AD...

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Planta

  O Nuno Rubim a trabalhar no diorama, em casa (Seixal, Portugal) Fotos : © Nuno Rubim (2008) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.

 
Lisboa > Fundação Mário Soares > 12 de Novembro de 2007 > Um encontro inesperado: o nosso co-editor Virgínio Briote com o Teco e o Guedes... Estes dois últimos estiveram em Guileje, na CCAÇ 726 (Outubro de 1974 / Junho de 1966) , sob o comando do Nuno Rubim... Voltaram a agora a colaborar juntos no projecto Guilej (3) ... Além de colaboradores, o Nuno Rubim tem neles dois grandes amigos. O Teco, que é natural de Angola, tem um fabuloso arquivo fotográfico desse tempo (mais de 500 fotos); o Guedes saiu da CCAÇ 726 para se ofereceu, como voluntário, para os comandos, onde foi camarada do Briote... 

 Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


O saudoso Cap José Neto (1929-2007), à esquerda, com o Pepito, foi um dos primeiros grandes entusiastas da Iniciativa de Guiledje... Eles e e outros camaradas que passaram por Guileje e outros aquartelamentos do sul, contribuiram em muito para enriquecer o espólio documental da AD - Acção para o Desenvolvimento. Teria muito orgulho se fosse vivo, em "voltar a ver e a visitar o seu quartel e a sua tabanca", à escala de 1/72... Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Pepito, com data de ontem: Luís Olha para esta obra-prima do nosso Nuno Rubim. Concluiu hoje a montagem do diorama. abraço pepito 

  2. Adaptado da página oficial do Simpósio Internacional de Guiledje > Organização > Núcleo Museológico > Diorama De há cerca de 2 anos a esta parte, o Nuno Rubim pôs, apaixonadamente, voluntariamente, sem qualquer contrapartida, o melhor de si, a sua reconhecida competência, a sua visão histórica, o seu rigor de investigador, e o seu gosto pelo bricolage, na concepção do Núcleo Museológico de Guiledje e, em especial, do diorama do quartel de Guiledje, uma obra ímpar que ficou ontem concluída e que estará disponível durante o Simpósio. É algo "que nos enche de orgulho, a todos quantos se abalançaram a esta iniciativa", diz o Pepito. As fotografias que permitiram a feitura do diorama foram cedidas, na sua grande maioria, por Alberto Pires (Teco), ex-Fur Mil da CCAÇ 726, o qual foi incansável na sua pesquisa. Outras foram enviadas por Carlos Guedes, também da mesma Companhia (mais tarde, Comando). Ambos também forneceram informações preciosas sobre vários aspectos importantes da configuração do quartel. Foram também aproveitadas várias fotografias do saudoso Capitão José Afonso da Silva Neto, da CART 1613 (Junho de 1967/Maio de 1968) (Na altura, 2º Sargento, sendo o comandante o Cap Eurico Corvacho). 

Foi igualmente importante a colaboração de vários membros do nosso blogue, que forneceram informação relevante ao autor do diorama. Muitos colaboradores, guineenses e portugueses, contribuiram para este resultado, que também deve muito ao entusiasmo e a energia do Pepito e da sua equipa de gente magnífica. Seria injusto, por exemplo, não menciponar aqui a importância que tevce, para a concepção do diorama, o levantamento topográfico efectuado em Guiledje em 2005, por Fidel Midana Sambú, colaborador da AD- Acção para o Desenvolvimento. A título meramente exemplificativo apresentamos aqui uma selecção de algumas miniaturas que compõem o diorama do quartel de Guiledje. Os nossos parabéns ao autor da obra, que vai ficar no Núcleo Museológico de Guiledje, com muito orgulho (e uma pontinha de inveja) dos... tugas.

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Posto de transmissões (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Edificío dos oficiais e comando (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Posto de primeiros socorros, centro cripto e cantina (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Caserna do Pelotão de milícias da Companhia de Milícas nº 12 (miniatura)

 
. Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Cozinha e refeitório das praças (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Outro pormenor da cozinha (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Um abrigo (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma palhota (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma viatura Daimler (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma vaitura GMC (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Um jipe (ou jeep) (miniatura) Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma vitura White (miniatura)

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Diorama > Uma avioneta DO 27 (miniatura) Fotos: © Nuno Rubim (2008) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados. Concepção do Diorama 

 (i) A povoação de Guiledje teve ali instalada unidades militares portuguesas desde Fevereiro de 1964 até 22 de Maio de 1973, altuar em que foi abandonada e ocupada pelo PAIGC. 

 (ii) Assumida a decisão de ser feito um diorama, foi necessário determinar a data que o mesmo iria representar, dado que ali estiveram instaladas 11 Companhias, além de outras unidades menores (Pelotões de cavalaria, de artilharia, de de caçadores nativos, de mílicias...) . No decurso desse período e sobretudo a partir de 1969, o aquartelamento sofreu alterações significativas (por exemplo, contrução de abrigos pela Engenharia Militar). CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965) CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim) CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) (contacto: Nuno Rubim ) CAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino) CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto) [infelizmente já desaparecio, José Neto, 1929-2007] CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos) CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata) CCAÇ 2617 (Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio Pimentel) CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho); CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio); CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho

 (iii) Foi decidido escolher a data de 1965-66 pela seguinte razão: foi nessa altura que aí esteve sediada a unidade que ali permaneceu mais tempo, a CCAÇ 726 que, com a unidade que se lhe seguiu, a CCAÇ 1424, foi também a Companhia que efectuou mais operações no sector e sofreu mais baixas em combate.

 (iv) O Diorama, ou maqueta, pretende pois representar o aquartelamento e a tabanca nesse período. 

 (v) A escala escolhida foi a de 1/72, pois isso permitiria adaptar modelos em miniatura comercializados. 

 (vi) Após aturado trabalho de estudo, e da recolha e análise de fotografias e declarações de ex-militares que ali estiveram no período em causa, foi possível desenhar um plano à escala para aí serem inseridas as localizações de edifícios, cubatas, abrigos e outros detalhes.

 (vii) Estes, depois de também serem desenhados à escala, foram construídos utilizando plástico, madeira, metal e resina, e depois pintados de forma a representá-los tão exactamente quanto possível. 

 (viii) No diorama poderão ser pois observados, além das infraestruturas, modelos de viaturas (GMC, Fox, Daimler, White...), depósitos, diversos utensílios etc…

 (ix) E também uma DO-27, a aeronave que proporcionava talvez o único momento de alegria para as tropas, pois era quem trazia e levava o correio e alguns frescos...

 ____________ 

 Notas de L.G.: 

 (1) Vd. poste de 10 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P862: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim (...) "Comandei em Guileje, sucessivamente (de castigo !..., eu qualquer dia conto esta estória) as CCAÇ 726 e 1424, depois de ter também comandado a CART 644 em Mansabá e a CCmds em Brá. O que foi a minha vivência em Guileje, fazem os amigos ideia... Foram de facto perto de 10 meses infernais, com mortos, feridos, estropiados, de ambos os lados, enfim o triste rosário de uma guerra que Portugal nunca devia ter travado. Tinha também um Grupo de Combate em Mejo, de que pouco tenho ouvido falar. Quando terá sido desactivado esse pequeno aquartelamento ? E ainda voltei à Guiné em 1972-74, mas isso é outra história..., que meteu o início da conspiração que levou ao 25 de Abril, entre outras coisas" (...).

Vd. ainda o poste de 18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2554: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (21): Chegou o Nuno Rubim, em Mejo o Capitão Fula (Pepito)

(2) Vd. postes de:



10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLV: Projecto Guileje (7): recuperação do quartel













segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2583: Álbum das Glórias (41): As ostras das esplanadas de Bissau ... ou Quem não arrisca, não petisca ? (Albano Costa / Luís Graça)



Guiné-Bissau > Bissau > Novembro de 2000 > O Hugo Costa, filho do Albano Costa, deliciando-se com as ostras guineenses...

Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > Rua onde ficava a célebre cervejaria Solmar, já evocada aqui no blogue pelo Hélder Sousa: "Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, Solmar, Solar do 10, Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano" (HS) (1).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Caro Luís Graça:

1. Mensagem do Albano Costa (Guifões, Matosinhos):

Estou a enviar estas duas fotos, para abrir o apetite das ostras, uma marca de Guiné do tempo colonial, e que ainda hoje é procurado pelos ex-combatentes, que regressam à Guiné, o que vai ser o teu caso.

Quando da minha passagem pela Guiné em Novembro de 2000, fomos comer ostras. O Hugo, admirado e torcendo um pouco o nariz com aquele pitéu, meio desconfiado como comprova uma das fotos, lá foi provando, gostou e foi mais um para as devorar.

Um abraço, Albano Costa


2. Comentário de L.G.:


Meu caro Albano:

Quem não comeu ostras em Bissau ? Ou os camarões tigres do Rio Geba ? Mesmo que não houvesse, naquele tempo, estações de depuração de marisco... Tal como não há hoje, segundo sei... Mas também não havia os graves problemas de saúde pública e de segurança alimentar que hoje apresenta uma cidade como Bissau, ou qualquer outra cidade de África, onde faltam os requisitos sanitários mínimos: por exemplo, tratamento da água de abastecimento público, saneamento básico, recolha do lixo, limpeza das ruas, higiene dos alimentos, etc.

Com muita pena minha, não vou provar as ostras de Bissau que faziam as delícias do pessoal da guerra do ar condicionado e dos desenfiados do Vietname, os que de vez em quando escapuliam-se, do mato, para Bissau.... Alimentos só cozinhados, e mesmo esses...

As mais elementares regras de saúde do viajante, em países como a Guiné-Bissau, mandam evitar, entre outras coisas, o consumo de alimentos crus ou mal cozidos... A regra de ouro, fora de casa e do nosso país - e isto é válido para a maior parte dos chamados paraísos tropicais que as agências de turismo nos impingem - é: Alimentos, se os não puderes cozinhar, ferver ou descascar, então esquece-os... E aqui é conveniente não arriscar, mesmo sabendo que Quem não arrisca, não petisca....

Vd. a brochura da UCS - Unidade de Cuidados de Saúde Integrados SA / Grupo TAP > Doenças Tropicais - Diarreia do Viajante.

De qualquer modo, fico muito sensibilizado pela teu gesto ternurento... A malta da minha geração aprendeu, de facto, a comer ostras nas esplanadas de Bissau... Nesse tempo, em Portugal, elas eram um luxo, sendo exportadas para Paris.... Les portugaises eram, então, muito apreciadas pelos franceses... Depois demos cabo dos nossos bancos de ostras com a poluição do Rio Tejo, com a poluição industrial e urbana...

Mas, em Bissau e no Vietname, naquele tempo em que eramos insconscientemente homens de múltiplos riscos e completamente apanhados do clima, quem é que ligava a uma diarreizinha ou a uma crise de paludismo ?

____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P2582: Notas de leitura (9): Cristóvão Aguiar, um escritor marcado pela guerra colonial (Beja Santos)

Capa do livro Braço Tatuado, de Cristóvão Aguiar. Lisboa: Publicaçõe D. Quixote, 2008.

Foto: Publicações Dom Quixote (com a devida vénia...)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: O Alf Mil António Pinto, o famoso comerciante Mário Soares, de Pirada, o Alf Médico (e hoje conhecido como o grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes e o Alf Mil Spencer (1).

Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados.

1. Texto de Beja Santos, com data de 30 de Janeiro último (2):


Título: Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial
Editora: Dom Quixote, Lisboa
Ano: 2008
ISBN: 978-972-20-3494-4
Páginas: 136
Dimensões: 15,5x23,5 cm
Colecção: Autores de Língua Portuguesa
Ano de Edição: 2008
Encadernação: Brochado
Preço com IVA: 12,00 €



OS ESCRITORES MARCADOS PELA GUERRA COLONIAL
por Beja Santos


Cristóvão de Aguiar acaba de reeditar em nova versão Braço Tatuado que apareceu inicialmente no livro Ciclone de Setembro, editado em 1985 (Braço Tatuado, Retalhos da Guerra Colonial, por Cristóvão de Aguiar, Publicações Dom Quixote, 2008).

É hoje apreciável o número de títulos disponíveis, só da responsabilidade de escritores, sobre a sua experiência na Guerra Colonial. Basta referir os primeiros livros de Lobo Antunes, alguma poesia e prosa de Manuel Alegre, romances de Lídia Jorge e João de Melo, contos e novelas de Álvaro Guerra, o teatro de Fernando Dacosta e, quanto aos escritores africanos, Luandino Vieira e Pepetela.

Continua por dar resposta a esta questão cultura indispensável: durante treze anos, a Guerra Colonial envolveu centenas de milhares de militares e afectou directamente milhões de civis. A que se deve, a despeito de um número já considerável de testemunhos, incluindo os de recorte literário, o silêncio desses protagonistas?

Há quem procure justificar a falta de estantes cheias de títulos sobre a Guerra Colonial devido ao facto dos diferentes heroísmos não se poderem traduzir numa voz colectiva, isto é, o que se passou em três frentes de combate teve diferentes identidades e resultados militares díspares. Além disso, tendo a Guerra Colonial terminado com o 25 de Abril e a independência das colónias, terá parecido a muitos protagonistas que os seus testemunhos estavam deslocados, precisavam da temperança de um silêncio entre gerações para não serem tomados como pura nostalgia ou ressabiamento ideológico. Acresce, com a má sorte que tem vindo a acontecer na vida das ex-colónias, num sofrimento que passa pela fome, guerras civis, destruição e corrupção económicas, se saldam na degradação das condições de vida, parece haver pouco espaço para voltar aos cenários de horror desses conflitos armados ou cantar a voz da liberdade que acompanhou a independência desses povos.

Seja qual for a resposta consistente que se vier a dar a esta questão cultural incómoda (que por ora ninguém parece querer afoitar-se a responder), os protagonistas passam a papel os seus testemunhos.

Cristóvão de Aguiar combateu na Guiné entre 1965-1967. É um momento crucial em que o PAIGC começa a demolir e a rechaçar as posições no leste e norte da Guiné, cultivando e ocupando territórios onde as tropas portuguesas nem sempre podiam ir e quando iam era por curta permanência.

Braço Tatuado é um relato poderoso de quem está a fazer a guerra na região este, acima de Bafatá. É um presente no teatro da guerra carregado de memórias: um militar que vai com a sua mãe a casa de uma cartomante que lhe lê o seu destino, um cerimonial de beatas à volta do dia destinado às inspecções que culminaram com o seu apuramento para todo o serviço militar.

O alferes parte com trinta e três homens, um casal de cães de quartel, em três viaturas Unimog, chama-se Arquelau Mendonça, viera adido para a companhia independente de caçadores 666, agora é pau para toda a colher, vai de Jabicunda para Sonaco, a guerra agora é a doer. Ele relata assim:

“Cerrada é a noite. Não se vislumbra um coalho de lua. Seguimos em fila indiana, num combóio humano, agarrados uns aos outros pela cintura. Não se pode fumar, nem acender qualquer foco ou lanterna - o inimigo está atento, mantém as suas sentinelas nos locais estratégicos. Nas próprias tabancas há gente que informa por meio de batuques e outros sinais, da nossa passagem e do rumo que tomamos... As operações de longa envergadura são delineadas, propositadamente, para noites de lua nova - o luar africano entorna-se na noite com tal refulgência que a torna num quase dia. Os senhores da guerra têm tudo previsto. Consultam almanaques e tabelas até ao pormenor... Súbito, cada qual fica mais sozinho, mais chegado à sua pequenez. O companheiro de ilharga - um informe volume cozido e atado de escuridão. Tocamo-nos. Tocamo-nos numa brusca necessidade de nos sentir-mos irmanados na rifa do destino que nem sequer adivinhamos qual seja”.

Aos horrores da guerra: executar um inimigo que nos serviu de guia e depois escrever no relatório que foi abatido por tentativa de fuga no teatro de operações. Guerra significa também misteriosas relações de poder: ameaças de punição, desautorização, desacreditação. Os soldados podem chamar-se Barrancos, Vila Velha, Cartaxo, Sintra, Pombal. O capitão chama-se Carvalho e o alferes Mendonça. Pelo nome se conhece a classe e a hierarquia. Fazem-se patrulhamentos, batidas, emboscadas e golpes de mão. Há feridos em combate e acidentados em combate. Temos depois as alquimias dos relatórios, é nessa prosa que um desastre se torna num retumbante feito militar. Do Sonaco parte-se para Pirada.

Cristóvão de Aguiar fala em Mário Soares, um célebre comerciante português de Pirada que, produto das circunstâncias, tem bom relacionamento com os guerrilheiros. É através de Soares que se dão e obtêm informações. Temos depois os comportamentos bizarros, os actos de heroísmo, as manhas, os oportunismos, o autor deambula pela guerra, satiriza, caustica, observa costumes, pega nos pontos altos e obscuros da alma humana, nas cartas que não chegam, na solidão, na perda do autodomínio, na bebedeira, no inesperado suicídio. Isto durante o primeiro ano da comissão, depois a 666 participa em muitas operações, deambula, faz acção psicosocial, é um sofrimento repetitivo.

Até que um dia chega a rendição, volta-se a Bissau, à um discurso de despedida, o alferes volta para a sua ilha de São Miguel. Sete anos depois a guerra acaba e é este fim da guerra é saudado em termos quase poéticos:

“Súbito, tudo se transformou. Deixaram as picadas de ser trilhos de medo. Silenciaram-se as bocas da metralha. Arredaram-se as nuvens de sangue. Nasceu um povo e um país”.

Narrativas como a de Cristóvão Aguiar lembram-nos que há feridas que mantêm abertas. Virá o dia em que todos estes apontamentos e testemunhos serão tomados em conta como episódios de uma História de Portugal ainda desvanecida e todas esta épica terá o seu enquadramento. Até lá, bons testemunhos e bons escritos como o de Cristóvão de Aguiar precisam de ser reconhecidos pelos os seus contemporâneos como textos de sofrimento que as novas gerações precisam de conhecer. Em Portugal e em África, pois claro.
___________


Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1492: O Álbum das Glórias (7): Eu, o Mário Soares, o grande cantautor de Coimbra, Luiz Goes, e o Spencer (António Pinto)

(2) Vd. último poste desta série > 25 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2580: Notas de leitura (8): Braço Tatuado-Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão Aguiar (Victor Dores / Amaro Rodrigues)

Guiné 63/74 - P2581: Bibliografia (19): Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

1. Convite para o lançamento de Na Terra dos Soncó, Diário da Guiné 1968-1969.





O Círculo de Leitores e a Temas e Debates têm o prazer de convidar V. Ex.a para a sessão de lançamento do livro




Diário da Guiné
1968-1969
Na Terra dos Soncó
da autoria de Mário Beja Santos


que se realiza no dia 6 de Março, às 18.30 horas, na Sociedade de Geografia, Sala Algarve, Rua das Portas de Santo Antão, 100.

O livro será apresentado por Mário de Carvalho e General Lemos Pires.
Será servido um porto de honra.

__________
2. Braima Galissa dará um pequeno espectáculo de korá, às 18:00.
O korá é um dos mais belos instrumentos musicais do mundo.Tem uma caixa de ressonância constituída por metade de uma cabaça, coberta de pele de cabra, bem seca. Uma haste, encaixada na cabaça, serve de braço. Ao longo do braço estão as cordas, alteadas por um cavalete de madeira.
Um dos seus jograis guineenses mais reputados, Braima Galissa, vai aparecer na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 6 de Março, antes do lançamento do livro.
Quando o convidei ele disse-me: Não posso faltar.Os Soncó são corajosos, fazem parte das nossas melodias. Ora, tu és um Soncó até morreres...

Por favor, não falte.
Mário Beja Santos
__________

3. Almoço: Presenças confirmadas até 25/02/2008

1. Henrique Matos
2. A. Marques Lopes
3. António Graça de Abreu
4/5. António Santos e Esposa
6. Delfim Rodrigues
7. Mário Fitas
8. Rui A. Ferreira
9. Raul Albino
10/11. Carlos Vinhal e Esposa
12/13. Albano Costa e Esposa
14/15. Carlos Marques dos Santos e Mulher Teresa M. Santos
16. Cor Hélder Pereira
17. Júlio Pinto
18. Dr. José Monteiro
19. José Manuel Bastos
20/21. Reis Martins e Esposa
22. Filipe Ribeiro
23. Mário Beja Santos
24. Fernando Chapouto
25. Torcato Mendonça
26. Manuel Chamusca
27. José Aurélio Martins
28. Carlos Murta
29. Manuel Paes (?) e Sousa
30. Cor Carronda Rodrigues
31. Cor Marinho
32. Ten Cor Heitor Gouveia
33. V. Briote
34. Helder Sousa
35. Custódio Castro
36. Humberto Reis
37. Carlos Santos
38. João Parreira
39. Cor Gertrudes da Silva
40. Alfredo Carvalho Rodrigues
41. Fernando Franco
42. Jorge Cabral

__________

vd artigos de:

20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2559: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

14 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2537: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2521: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

4 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2505: Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó. O livro do Mário Beja Santos, o nosso livro (Virgínio Briote)

11 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2429: Lançamento do meu/nosso livro: 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia, com Lemos Pires e Mário Carvalho (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2580: Notas de leitura (8): Braço Tatuado-Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão Aguiar (Victor Dores / Amaro Rodrigues)




Sobre Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão de Aguiar (1)

Senhor Director,


A Guerra Colonial (1961-1974) constituiu uma das mais trágicas encruzilhadas da História portuguesa e é ferida que ainda não cicatrizou na memória dos que a viveram. Não foi só o caudal de feridos, estropiados, desaparecidos, desertores e mortos que essa guerra provocou. Foi também a memória de um tempo em que o medo, a angústia, a crueldade e a intolerância foram postos ao serviço dos mecanismos repressivos do Estado Novo.

A "Síndrome do Stress-Pós-Traumático da Guerra" não é mera figura de retórica é uma enfermidade que atinge hoje milhares de ex combatentes (há estudos que apontam para cerca de 140.000), com reflexos directos nas suas famílias, havendo mesmo psiquiatras que afirmam tratar-se de um problema de saúde pública.

Os que ontem eram jovens na flor da idade, vivem hoje o trauma e o recalcamento dessa guerra escusada e inglória. Na guerra aprenderam a amar melhor a paz. Vendo a morte a rondar por perto, aprenderam o valor excepcional de viver. E, porque calaram durante longos anos a indignação, têm vindo a dar testemunho dos horrores vividos e sentidos.

Nesta matéria, e no âmbito da produção literária, há autores incontornáveis que, através da escrita, fizeram (e continuam a fazer) catarse e exorcismo da memória: Álamo Oliveira, António Lobo Antunes, Cristóvão de Aguiar, Fernando Dacosta, Fernando Assis Pacheco, João de Melo, José Martins Garcia, Manuel Alegre, Mário de Carvalho, entre outros.

Por outro lado, o cinema português tem vindo também a dar importantes contributos na revisitação desse conflito armado, havendo a destacar filmes como O mal Amado (1974), de Fernando Matos Si1va; Um Adeus Português (1985), de João Botelho; Inferno (1999), de Joaquim Leitão; Preto e Branco (2002), de José Carlos de Oliveira; Os Imortais (2003), de António Pedro de Vasconcelos, entre outros.

Mais recentemente, dois excelentes comentários televisivos vieram avivar a memória dessa guerra e lançar novas formas de compreensão da mesma: As Duas faces da Guerra, de Diana Andringa; e A Guerra, de Joaquim Furtado.

É neste contexto que surge o livro Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial (Dom Quixote. 2008), de Cristóvão de Aguiar, agora reeditado em nova versão.

Este romance começou por constituir uma das partes de Ciclone de Setembro (1985), tendo sido mais tarde autonomizado com o título O Braço Tatuado (1990). E esta é uma atitude de coerência de Cristóvão de Aguiar, na medida em que estamos perante um escritor que, contínua e continuadamente, reescreve os seus livros.

O autor, cumprindo serviço militar obrigatório, viveu uma experiência traumática de dois anos no pior palco da guerra colonial: Guiné. E, por isso mesmo, faz uma “digressão retrospectiva” (pág. 28) a vivências, perplexidades e amarguras dos dias incertos dessa guerra - feita de ataques, flagelações, emboscadas, contra-emboscadas e outras atrocidades...

Os soldados da companhia 666 vivem o jogo da vida e da morte num quotidiano povoado de angústias e medos. As ciladas e as armadilhas espreitam a cada momento. E, nas páginas deste livro, ecoam rajadas de G-3, explosões de granadas, minas, morteiros, rockets, canhões, armas ligeiras e semiautomáticas. Há ordens insensatas, missões absurdas e relatórios hipócritas. Há picadas de incerteza, montes baga-baga e "rios secos de angústia" (pág. 34).

E há a ração de combate, a leitura expectante de cartas e aerogramas. E há a loucura do capim, o desespero do cacimbo, a miséria dos autóctones, os efeitos do paludismo, as densas matas, as extensas bolanhas, a violação de mulheres indefesas, as sevícias sobre os prisioneiros... E, enfim, o horror de matar e ver morrer e uma contundente chamada de atenção para o desrespeito pela vida humana.

Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial denuncia a hierarquia "castrense e castradora" e o regime político que sustenta uma guerra sem fim à vista.

O livro desenrola as teias do delírio e da loucura, este aspecto, é bastante significativo e sintomático o suicídio de Niza - tatuado com os dizeres AMOR DE LENA, a sua amada que o trocaria por outro...

Anti-heróis, inadaptados numa guerra onde o que conta é manter-se vivo, as personagens (humaníssimas) deste livro entregam-se com sinceridade a contar o tempo que lhes falta para o definitivo adeus às armas, aguardando, com impaciência, que o navio Uíge ("em sua colonial majestade" - pág. 131) os transporte de regresso a Portugal.

Como aspecto positivo da guerra, ficarão apenas as amizades que se construíram, as cumplicidades que se aprofundaram, as experiências de grupo que se viveram.
De salientar que Cristóvão de Aguiar percepciona a guerra não só sob o ponto de vista de ex-combatente, mas também na perspectiva do próprio povo africano, afinal tão vítima como nós dessa guerra escusada e inglória. Os portugueses lutavam pela sua sobrevivência, tal como os guerrilheiros do PAIGC lutavam pela sua libertação. Há aqui um olhar humano e uma consciência crítica sobre o logro da guerra colonial.

Escrito com desenvoltura narrativa. Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial é um murro no estômago. Urge lê-lo, sabido que é curta a memória dos homens.


Victor Rui Dores
Horta, Açores

__________

Com a devida vénia ao Victor Rui Dores e os agradecimentos ao Amaro Rodrigues por nos ter alertado para esta carta ao leitor, também ela um notável testemunha sob a pele de uma recensão ao livro Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial, do Cristóvão de Aguiar.
vb
__________

(1) Cristóvão de Aguiar nasceu na ilha de São Miguel em 1940. Frequenta Filologia Germânica, em Coimbra, curso que interrompe para tirar o Curso de Oficiais Milicianos (COM). Em 1965 parte para a Guiné, deixando o livrinho de poemas, Mãos Vazias, publicado. Regressado em 1967, conclui o curso, lecciona em Leiria e volta a Coimbra para apresentar a sua tese de licenciatura, O Puritanismo e a Letra Escarlate.

Foi redactor da revista Vértice, colaborador, depois do 25 de Abril, da Emissora Nacional com a rubrica "Revista da Imprensa Regional" e leitor de Língua Inglesa na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra.

A experiência da guerra forneceu-lhe material para um livro, incluído inicialmente em Ciclone de Setembro (1985), de que era uma das partes, e autonomizado mais tarde com o título O Braço tatuado (1990) e que agora reedita em nova versão.


Da sua obra, por diversas vezes premiada destacamos:

Raiz Comovida I - A Semente e a Seiva (1978), Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa,

Relação de Bordo I - Diário ou nem Tanto ou talvez Muito Mais (1964-1988), Grande Prémio de Literatura Biográfica da APE/CMP,
Raiz Comovida: Trilogia Romanesca (2003), Trasfega - Casos e Contos (2003), Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra
e Nova Relação de Bordo - Diário ou nem Tanto ou talvez Muito Mais (2004) e Marilha (2005), os quatro últimos publicados na Dom Quixote.

Em Setembro de 2001 foi agraciado pelo presidente da República com o grau de Comendador da Ordem Infante Dom Henrique.

Texto extraído das Publicações D. Quixote. Com a devida vénia.

___________

Nota de VB

(1) Vd. vídeo promocional em http://youtube.com/watch?v=MdzdDo0fnoA

Guiné 63/74 - P2579: Álbum Fotográfico do Hugo Moura Ferreira (3): Em Sangonhá, a sul de Gadamael, com a CCAÇ 1621 (1968)



Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > 1968 > Picada de Sangonhá para Cacine.

A CCAÇ 1621, que esteve antes em Cufar e Cachil, terminou a sua comissão em Sangonhá, em 1968 [, em 29 de julho de 1968, data do abandonado do aquartelamento e  tabanca]. Os guerrilheiros do PAIGC foram, massacrados pela nossa força aérea em 6 de Janeiro de 1969, quando atacavam Ganturé, a apartir da antiga pista de Sangonhá. Terão tido 36 mortos, e muitos feridos (1).

Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > 1968 > Mulheres de Sangonhá, ao tempo da CCAÇ 1621.




Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > Coluna de Sangonhá para Cacine. Na última foto o ex-Fur Mil Ferreira Pinto.

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados.


Depois de estar em Cufar e Cachil, a CCAÇ 1621 foi terminar a comissão em Sangonhá, que ficava a sul de Gadamael-Porto (1). O aquartelamento (e a tabanca) foram abandonados pelas NT em emados de 1968.

Fotos que foram cedidas por antigos camaradas de armas ao Hugo Moura Ferreira (2), entre eles o ex-Fur Mil Correia Pinto, e que nos foram enviadas em Julho de 2006, na sequência do Convívio anual do pessoal da CCAÇ 1621, em 2 de Julho de 2006.

O Hugo esteve na Guiné de Novembro de 1966 a Novembro de 1968, como Alf Mil Inf, primeiro na CCAÇ 16121, em Cufar e Cachil (de Novembro de 1966 a Junho de 1967), e depois na CCAÇ 6, em Bedanda (de Julho de 1967 a Julho de 1968).

 O Hugo já não acompanhou a companhia, com destino a Sangonhá, por ter sido transferido para Bedanda (CCAÇ 6 - antiga 4ª Companhia de Caçadores) . A grande maioria do pessoal desta unidade era do Minho e Trás-os-Montes. O Hugo esteve pela primeira vez com eles, no convívio de 2 de Julho de 2006 .
_________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

(...) "No dia 6 de Janeiro de 1969, cerca das 8 horas da manhã as forças do PAIGC, estacionadas na antiga pista do quartel abandonado de Sangonhá, iniciaram um ataque bastante cerrado com armas pesadas ao Destacamento de Ganturé, tendo caído algumas granadas no interior do mesmo.

"O pessoal do destacamento [de Ganturé] respondeu com morteiro 81 e 60, mas o ataque continuava. Então pediram apoio a Gadamael, que reagiu com mesmo tipo de armamento e, se a memória não me falha, também com o obus 8,8 [, ou peça de artilharia 11,4 ?]. Mesmo assim a festa não parava e então pediu-se o apoio aéreo, que surgiu, composto por dois Fiat.

(...) "Passado algum tempo regressaram 4 Fiat e mais tarde 2 T-6 e uma DO [- Dornier 27]. Entraram pelo lado de
Cacine e de imediato iniciaram o lançamento de bombas, cuja explosão era perfeitamente audível e sentida através de fortes tremores do solo. (Estávamos a uma distância de cerca de 6/8 Kms em linha recta).

(...) "Somente no dia 9 [de Janeiro de 1969, três dias depois], com apoio aéreo, é que fomos ao local. No percurso encontrámos carretéis de fio telefónico com uma extensão de cerca de 4/5 kms, abrigos individuais ao lado da estrada, e, na antiga pista [ de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.

" O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim..." (...).


(2) Vd. postes do Hugo Moura Ferreira:


22 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCV: CCAÇ 16121 (Cufar); CCAÇ 6 (Bedanda) (1966/68)

10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha

8 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1159: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (2): Bedanda, ontem (CCAÇ 6, 1970) e hoje

Vd. também o Sítio do Moura Ferreira, na Net. E ainda:

8 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2334: Encontro de ex-combatentes, em Lisboa, no Pelicano Dourado (A.Marques Lopes)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXX: As Companhias de Caçadores Indígenas (Hugo Moura Ferreira, CCAÇ 6)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVII: Metade da CCAÇ 6 (Bedanda) foi fuzilada (Hugo Moura Ferreira)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVI: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXI: Ainda o caso do Seni Candé (Pelotão de Milícias nº 143) (Hugo Moura Ferreira)

20 de Março de 2006 > Guine 63/74 - DCXLIV: Projecto Guileje (10): obus 14, procura-se! (Hugo Moura Ferreira)

10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVII: Cufar, a Bissalanca do Sul (Moura Ferreira)

10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)

Guiné 63/74 - P2578: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (22): Uma iniciativa que remonta a 2006 (Luís Graça / AD)

Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 3 de Fevereiro de 2008 > O Professor, belga, Hubert Lelotte "continua, com a sua competência e entusiasmo, a formar os primeiros guias ecoturisticos de Cantanhez, após vários anos de colaboração na criação das Escolas de Verificação Ambiental no país"... Na foto, um grupo de jovens "guias prepara-se para identificar um itinerário turístico, recolhendo todas as informações de carácter ambiental, fluvial e logístico, que irão permitir aos nacionais e estrangeiros que demandam esta zona sul, poder escolher o que pretendem conhecer e visitar".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


1. Excertos do Relatório de Actividade da AD - Ano de 2006, de 37 pp.

Caros Amigos,


O elevado espírito de equipa e dinâmica de trabalho dos seus quadros e técnicos e, fundamentalmente, dos nossos parceiros comunitários, permitiu à AD demonstrar ao longo dos últimos 14 anos que é possível combater a pobreza, preservar a natureza e criar dinâmicas de progresso e desenvolvimento.

Estamos igualmente muito reconhecidos aos nossos parceiros do Norte e numerosas pessoas singulares anónimas que se solidarizam e apoiam iniciativas das comunidades rurais e urbanas da Guiné-Bissau e que, graças à sua dedicação e interesse tornaram possível a implementação de diversas acções de desenvolvimento com resultados muito positivos.

Se é verdade que muita coisa foi feita, porém, ainda muito mais está por fazer...Caros Amigos, a nossa ONG olha para futuro com optimismo. Como a “amizade é o único combustível que aumenta à medida que é utilizado”, aceitem o nosso abraço amigo.


Roberto Quessangue, Presidente da Assembleia-Geral


Sítio da AD - Acção para o Desenvolvimento > Boas vindas

O Simpósio Internacional de Guiledje no Plano de Actividades da AD - 2006 (pp. 11-12) (*)

Fixação do texto, subtítulos e negritos de L.G.


(1) A organização do Simpósio, em colaboração com o INEP e a UCB, mobiliza, em 2006, os sócios e os colaboradores da AD


Em 2006, a AD abalançou-se à realização do Simpósio Internacional de Guiledje, acontecimento de vulto e que irá exigir a mobilização de todos os sócios da nossa ONG. Decidido no início de 2006 para ser realizado de 1 a 7 de Março de 2008, a AD convidou a Universidade Colinas de Boé (UCB) e o INEP [- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa] para se associarem à sua organização.

Tendo em conta as características deste evento, considerou-se que o INEP enquanto instituição vocacionada para a pesquisa histórica e a UCB enquanto instituição académica dinâmica, associadas à AD que vem trabalhando na zona de Guiledje há mais de 15 anos, fariam o pleno para uma abordagem diversificada e multi-facetada do que representou e representará Guiledje na História e Desenvolvimento da Guiné-Bissau.

(ii) A abordagem histórica na perspectiva do desenvolvimento integrado e sustentável

O Simpósio apresenta-se como um dos pontos importantes da chamada Iniciativa de Guiledje, enquanto abordagem histórica na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, salientando a importância de Guiledje no processo da luta de libertação nacional e uma vez que a rica herança histórica interpela constantemente a vida das populações da área, apontando para a necessidade de melhor conhecer o passado que comunica com o presente, mas também com o qual o presente dialoga, numa relação ambivalente de sentidos e significados que importa clarificar pela via do conhecimento da História reconciliada ou em vias de reconciliação consigo própria.

A AD deve assumir sem ambiguidades a sua responsabilidade perante um dos maiores desafios que se depara à Guiné-Bissau e que é o de preservar e reforçar a sua identidade enquanto Nação, consciente de que o conhecimento e a compreensão da sua História e, em especial, a da gesta de libertação nacional, é determinante para uma maior identificação colectiva à volta de valores comuns e para a procura e construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem.

(iii) Os quatro principais objectivos do Simpósio Internacional de Guiledje

O Simpósio Internacional sobre Guiledje persegue como objectivos:

(i) Associar à metodologia de participação comunitária uma nova perspectiva de abordagem baseada no estudo e promoção do ensino da história, por forma a que, nos esforços de desenvolvimento, sejam devidamente enquadradas e capitalizadas as heranças e valências culturais portadoras de dinâmicas de coesão que, por isso, se afiguram necessários conhecer, compreender e promover, tanto mais que é absolutamente indispensável um maior esforço na procura e identificação colectiva dos valores comuns tendentes à construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem;

(ii) A transmissão da História, atendendo sobretudo ao facto de as testemunhas vivas estarem já a desaparecer, promovendo a necessidade de levar as pessoas a compreender o que se passou antes por intermédio do registo e da preservação do património cultural, de molde a que a sua apropriação, sobretudo por parte da geração que a não viveu, se processe num contexto que facilite a passagem do testemunho a outro que se torna uma nova testemunha e seu porta-voz;

(iii) A salvaguarda e preservação do património histórico de Guiledje, procedendo à recolha, classificação e preservação de vestígios históricos, bem como do registo magnético ou iconográfico (fotos, filmes, etc.) dos protagonistas ainda vivos da História, com vista à constituição de um acervo documental em permanente actualização;

(iv) No contexto dos estudos das guerras de libertação, promover acções de parceria susceptíveis de propiciar oportunidades de pesquisa histórica sobre Guiledje, mormente, junto de investigadores nacionais e estrangeiros, visando uma maior divulgação da História de Guiledje e colocar a zona de Guiledje na agenda dos decisores em matéria de desenvolvimento económico e social.

(iv) A preparação do Simpósio em 2006

Em 2006 foi elaborado um plano detalhado de actividades de preparação do Simpósio, compreendendo acções a serem realizadas antes (recolha, tratamento e arquivo de material histórico, novas fontes de informação, produção de um logótipo, definição dos temas, identificação dos oradores e 12 participantes, elaboração do programa detalhado, identificação de presidentes de sessões, comité de redacção, canais de comunicação, responsáveis pela logística e procura de financiamento), durante (encontros com as populações, visitas a Guiledje, Gandembel, Gadamael e Iemberem, exposição de livros, fotografias, mapas, realização de espectáculos teatrais e musicais) e depois (Publicação das Actas do Simpósio, desenvolvimento do museu de Guiledje, acções de desenvolvimento económico e social na zona de Guiledje e implementação das recomendações do Simpósio).

Realizou-se a recolha de testemunhos em DVD de grande número de combatentes que participaram no Assalto Final, especialmente guineenses, tendo-se iniciado os contactos para a mesma recolha junto dos combatentes caboverdianos.

Prosseguiu-se a recolha junto de instituições portuguesas militares de fotografias e de importantes documentos, alguns deles ainda classificados, mas de grande importância para o conhecimento da verdade histórica, dispondo a AD de um grande espólio escrito e visual. Refira-se a título de exemplo a obtenção de um pequeno filme com a actuação do Duo Ouro Negro em Guiledje.

(v) Impacto interno e externo desta iniciativa~

Esta iniciativa despertou um grande interesse a nível de muitos intelectuais guineenses, caboverdianos e portugueses, bem como de antigos guerrilheiros, tropas portuguesas e académicos europeus.

Iniciou-se igualmente a sensibilização junto da Embaixada de Cuba, uma vez que a solidariedade combativa do povo cubano em termos de médicos, sapadores e conselheiros militares para a luta de libertação nacional foi importante, em particular para a batalha de Guiledje.

O aspecto mais atrasado do programa prende-se com a reabilitação dos escombros em que se encontra actualmente o Quartel de Guiledje, fruto da não remoção dos UXOS (lixo balístico) que ainda por lá existem, uma vez que as organizações especializadas não a consideram prioritária.

O maior sucesso foi o da construção de um furo de água, mesmo se com um débito fraco (500 litros por hora), e a instalação de um depósito elevado de água com capacidade para 4.000 litros, funcionando em regime de energia solar. (...)


Programa Integrado de Cubucaré (PIC) (pp. 20-27)


As acções mais importantes neste ano foram as seguintes:

a) Início do Programa de Ecoturismo

As potencialidades turísticas da zona de Cubucaré representam para a AD um dos produtos estratégicos em que se deve apostar para a dinamização do desenvolvimento da região.

A existência do futuro Parque Nacional de Cantanhez, com toda a sua diversidade faunística e florística, a riqueza cultural assente numa diversidade populacional com várias etnias minoritárias, com concepções diferentes do mundo, de manifestações diversas de canções, danças, folclore e rituais e a existência de vestígios de um passado histórico recente que faz desta zona o berço da nacionalidade, transforma-a num local de grande interesse para o turismo ecológico, científico, cultural e histórico.

Isto leva-nos a orientar a estratégia de implantação para um modelo de turismo que, não sendo naturalmente de massas, se baseie numa primeira fase nos cooperantes e funcionários de organismos internacionais sedeados na Guiné-Bissau e quadros técnicos nacionais desejosos de conhecer o “interior”, para se ir alargando gradualmente a um público europeu muito específico:

(i) portugueses que fizeram a guerra colonial nesta zona e que estão interessados em voltar a ver os locais onde passaram uma parte importante da sua juventude, trazendo consigo a família e colegas. O facto de nesta região se situarem quartéis míticos como Guiledje, Gandembel, Gadamael, Bedanda, Cacine, Cafine, Cadique e Cabedú, reforça a “oferta turística”

(ii) cidadãos com uma cultura ambientalista que vêm com a sua família porque gostam de fazer turismo em zonas calmas, bonitas, com pessoas acolhedoras, com uma diversidade de animais selvagens e de grandes árvores localizadas em matas fechadas e densas, que possam ter acesso directo a produtos ecológicos como o mel e medicamentos naturais, comprar artesanato
(esculturas nalús, cestaria e panos tradicionais) directamente àqueles que os produzem e passear calmamente sem que ninguém os incomode.

(iii) pessoas que vêm à procura de coisas novas e diferentes e que, estando dispostas a visitar Cantanhez , não conseguem estar uma semana inteira nesta zona, gostando de alternar o campo com a praia, exigindo por isso um programa que associe as ilhas dos Bijagós.

(iv) finalmente, pesquisadores e cientistas que poderão eventualmente vir a Cantanhez com a família, para associarem a parte lúdica e recreativa da estadia com a profissional de investigação e descoberta.

Uma das questões fundamentais, decididas desde o início, é a de que este programa de implementação do ecoturismo só tem razão de existência se for desenvolvido em cooperação com as comunidades locais, desenvolvendo as suas capacidades organizativas, valorizando os seus recursos humanos e traduzir-se na criação de novos postos de auto-emprego com a consequente
melhoria das suas condições financeiras, de vida e de acesso ao conhecimento e saúde.

Daí que a montagem deste programa comporte:

(i) a criação de um núcleo de 12 guias ecoturísticos constituído por jovens das diferentes matas do Cantanhez, os quais já tiveram a sua primeira formação em 2006, onde durante um mês aprenderam a conhecer melhor o meio ambiente, a saberem o que representa um guia em termos éticos, de comportamento com os turistas, de cuidados ambientais e de valorização e
respeito pela cultura e tradições locais.

(ii) o apoio ao ressurgimento de escultores de madeira que produzam peças de artesanato da etnia nalú, a qual está em vias de desaparecimento, como forma de promover uma arte de valor reconhecido e permitir aos jovens terem uma profissão e emprego, sendo que para isso 10 deles já receberam uma formação em dois módulos, totalizando dois meses e meio.



(iii) a identificação de percursos ecoturísticos, em função dos interesses dos diferentes grupos de turistas, tendo em 2006 sido registados dois itinerários, detalhados o tempo de duração, as situações a observar e os motivos de cada um deles. O estudo e identificação de 10 a 15 percursos, será uma aposta a breve prazo, pois dela dependerá a motivação dos turistas em
visitar Cantanhez.

(iv) a montagem de locais de acolhimento e alojamento, estrategicamente dispersos por pontos de interesse: Iemberem, sede do Parque, e ponto central; Guiledje para cobrir os corredores transfronteiriços e os quartéis da zona (Balana, Medjo e Gadamael); Cambeque, com vista para o rio Cacine. É um dos elementos mais delicados do programa pois requer logo à partida um elevado grau de gestão competente, de elevado nível e de garantia irrepreensível de higiene. O envolvimento da comunidade local far-se-á de forma lenta e gradual.

(v) apoio à criação de iniciativas de restauração, em locais de passagem, onde os turistas possam degustar-se com pratos de sabores tradicionais, confeccionados por mulheres especialistas. Em 2006 foram construídos 2 casas redondas para esse efeito, uma em Faro Sadjuma, com o prato chamariz à base de palha de batata-doce e mandioca e outro no porto de Canamine, à base de peixe. Sendo de exploração privada, este processo vai incentivar o aumento da produção de frutas, legumes, raízes e tubérculos e a captura de peixe por parte dos agricultores, jovens, mulheres e pescadores, todos beneficiando com o ecoturismo.

(vi) a identificação de outros locais de turismo nas zonas circunvizinhas, cuja inclusão nos percursos possa atrair mais turistas para Cantanhez. Estão neste caso incluídas visitas à Guiné-Conakry (Candjafra e Boké), à ilha de Melo na foz do rio Cumbidjan e à reserva da biosfera (Parques de João Vieira e Poilão). A maior distância, mas nem por isso menos importante, está o Parque de Dulombi, os rápidos do Saltinho e o macaréu em Xitole.

Todas estas acções que estão em curso, implicam a existência de outras medidas que ultrapassam a própria AD mas que são determinantes para o sucesso deste programa: a existência de uma estrutura privada de turismo através da qual os turistas possam fazer as suas marcações e reservas; um sistema de rent-car para o aluguer de veículos; a cobertura da zona por um operador de telemóvel.

A AD tem a plena consciência que a implantação de estruturas de apoio ao ecoturismo exclusivamente em Cantanhez, não irá assegurar por si só a viabilidade desta iniciativa. O ecoturismo tem de fazer parte de um plano nacional de turismo que ainda não existe, pelo que temos a convicção que esta é a contribuição da nossa ONG para o referido plano


b) Criação do Parque Nacional de Cantanhez

Não sendo ainda legalmente um Parque Nacional, Cantanhez tem beneficiado da acção conjunta da AD com a UICN e o IBAP, na procura de uma forma de gestão que tenha em conta os 15 anos de actuação da nossa ONG nesta zona e das estruturas e mecanismos de decisão que já existem e funcionam.

A AD considera que o ambiente e uma boa prática de gestão dos recursos florestais e marinhos são elementos naturais na procura do desenvolvimento social e económico das comunidades locais, não devendo nem ser penalizado, nem sobrevalorizado a ponto de castigar aqueles que lá vivem.

Daí que tenha apoiado a criação de 4 Comités de Gestão do Território do Regulado , um para cada regulado (Cabedú, Medjo, Iemberem e Cadique) representando um espaço de concertação, troca de informações e tomada de decisões sobre a conservação, preservação, valorização, gestão e desenvolvimento sustentável da zona.

Cada Comité é composto pelos representantes activos das instituições tradicionais, da sociedade civil e estatal que fazem parte do território concernente, nomeadamente, o Régulo e seus conselheiros, os notáveis dessa zona, chefes de tabanca, guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos, representantes das associações de base mais activas e dinâmicas, das ONG
intervindo na zona, do Administrador do sector, dos representantes dos serviços técnicos das Florestas e do IBAP.

Compete-lhes promover o desenvolvimento integrado do território do regulado, nas suas vertentes económica, social e cultural, identificar os principais estrangulamentos, as prioridades programáticas, os produtos estratégicos e as acções a incrementar, tomar medidas de preservação, conservação, valorização e de gestão, apoiar o trabalho dos guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos e guardas florestais, definir medidas de controlo e punição contra os infractores, promover acções de sensibilização e vigilância ambiental, zelar pela boa utilização e ocupação dos solos, criar em conjunto com os outros Comités de Regulado o Fundo de Desenvolvimento de Cantanhez e participar na sua gestão.

Foi criado um núcleo de Guardas Florestais Comunitários que trabalham em nregime de voluntariado, sob a tutela de poderes tradicionais (régulo e chefes de tabanca) com o objectivo de assegurar a implementação de todas as medidas de preservação, conservação, valorização e gestão sustentável do território. Compete-lhes fiscalizar o cumprimento de todas as medidas tomadas nas reuniões do Comité de Gestão do Território do Regulado, levantar autos das infracções, adoptar medidas cautelares e de polícia para assegurar os meios de prova, informar o régulo e o Guarda Florestal da DGFC e exercer funções de sensibilização e vigilância no território comunitário.

Em relação aos Guias Ecoturísticos é da sua atribuição relatar experiências vividas em relação à fauna selvagem e plantas medicinais; cooperar com as autoridades informando acerca das actividades ilegais que testemunhe; assegurar-se que os turistas estão conscientes de todas as regras e regulamentos estipulados; fazer o monitoramento do impacte da erosão do solo, diminuição da natalidade de uma espécie particular de pássaros, etc.; melhorar a comunicação entre a administração local e a população para evitar mal-entendidos.

A criação destas estruturas e orgãos é o resultado de um longo processo de procura das melhores soluções para as dinâmicas em curso, recusando sempre conceber uma estrutura para depois encaixar a realidade lá dentro. É um processo lento, cheio de contradições entre os diferentes actores (régulos, guardas, guias, ONG, estruturas estatais), de negociações através de aproximações sucessivas. Todos os regulamentos produzidos resultam de uma procura de resposta aos problemas encontrados no terreno e não de propostas aparentemente muito correctas mas que, de tão generalistas, tanto servirem para Cantanhez como para o Suriname.

Por isso todos os actores envolvidos (IBAP, UICN e AD) devem procurar avançar lentamente, procurando a pouco e pouco uma solução original, evitando que a criação do Parque de Cantanhez se torne um pesadelo e destrua tantos anos de trabalho e dedicação.

A maior ameaça neste momento advém, por um lado da instalação incontrolada de agricultores de países vizinhos que se estão a instalar em grande número junto à linha da fronteira, em plenos corredores de animais selvagens, desmatando completamente zonas que ficam irreconhecíveis; por outro, o papel de certos guardas florestais da DGFC promotores e actores directos de autênticos saques de cibes, muitos deles em plenos corredores de
elefantes.

Trata-se de uma situação demasiadamente grave para não se tomarem medidas urgentes e definitivas, punindo os prevaricadores, instalando um grupo de guardas florestais sérios e competentes com meios apropriados e regulamentando de forma rigorosa o funcionamento dos corredores de animais selvagens.

Outro aspecto que merece uma reflexão profunda é o da realização de estudos de carácter científico, tanto os relacionados com a flora como com a fauna, ocorrendo por vezes situações em que o rigor científico parece dar lugar à procura, a todo o transe, da demonstração de teses predefinidas à partida, traduzidas em perigosas generalizações quando, a partir de amostras de 14% se tiram conclusões apressadas.

Há bons exemplos como os da equipa Catarino-Cassamá que poderão servir de referência para a futura definição dos termos de trabalho das missões de carácter científico.


c) Diversificação Frutícola


Depois de anos a fio a apostar na diversificação frutícola, os resultados parecem demonstrar a pertinência de a considerar como um produto estratégico para o desenvolvimento desta zona sul do país.« Inicialmente dominada em regime de quase exclusividade pela banana, plantada frequentemente em solos ferruginosos com fraca capacidade de retenção da água e com rendimentos muito baixos e atacada por doenças resultantes do stress hídrico, esta espécie foi gradualmente dando lugar à produção da manga melhorada sem fibra, à citricultura assente nas laranjas e limas, para mais recentemente se assistir a um incremento do ananás, abacate
e toranja
.

Num levantamento efectuado em 2006, registaram-se 73 fruticultores em 10 tabancas. Assiste-se agora à emergência de um pequeno grupo de fruticultores modernos que se dedica em regime de quase exclusividade à fruticultura, contrariamente à maioria que durante a época das chuvas cultiva produtos alimentares, para na época seca se dedicar mais à produção de fruta. Este grupo de vanguarda, distingue-se dos restantes pequenos agricultores pelas técnicas culturais que pratica, como um melhor ordenamento do pomar (espaçamento e alinhamento), uma escolha mais criteriosa dos solos para cada espécie (mangueiras no cimo das encostas e citrinos nas zonas em que o lençol freático não se encontra profundo), a utilização de cultivares melhoradas a partir de viveiros sanitariamente sãos e maiores superfícies dos pomares.

O sucesso financeiro que este grupo está a obter tem encorajado mais pequenos fruticultores a seguir-lhes o exemplo, o que é assinalável se tivermos em conta que todos estes avanços e modernização se faz sem recurso a grandes investimentos financeiros e sem a utilização de mecanização.

Um dos grandes estrangulamentos que surgiu há cerca de dois anos e se tem vindo a acentuar de forma grave, é o aparecimento de uma nova praga dos mangueiros, a mosca da fruta (Bactrocera invadens), que está a provocar prejuízos preocupantes. Trata-se de um díptero originário do Sri Lanka e assinalado pela primeira vez em 2004 no Benin, que está a comprometer as exportações africanas de mango para a Europa e para o qual ainda não se encontrou antídoto eficaz.

Em 2006 apoiou-se um fruticultor de referência com crédito para a aquisição de um meio de transporte para a evacuação da sua fruta e da dos outros fruticultores da zona, para os mercados consumidores. É uma iniciativa que pretende contribuir para resolver o problema da debilidade dos circuitos comerciais de fruta encontrando uma alternativa assente num produtor da zona. Os resultados parecem ser encorajadores, tanto em termos de aumento da fruta comercializada, como na taxa de reembolso entretanto realizada.

d) Outras actividades


Desenvolveram-se igualmente outras actividades no quadro do PIC:

(i) criaram-se 3 viveiros florestais (Iemberem, Guiledje e Cadedú) em colaboração com associações de jovens, apostando em 13 espécies, algumas delas em extinção e outras que servem de alimento para os animais selvagens (Búfalos, Chimpanzés, Gazelas e Cabras de mato). Produziram-se cerca de 15.000, registando-se a difusão da Leucaena em Cabedú pela dificuldade da população encontrar lenha de cozinha.

(ii) foram concluídas e entregues à comunidade 6 Escolas Firkidja (futuras EVA) em Darsalam, Madina Cantanhez, Cabante, Lautchandé, Bendugo e Iem.

(iii) No Centro Materno Infantil de Iemberém, de Novembro de 2004 (início do seu funcionamento) até Novembro de 2006, nasceram 116 crianças, das quais 86 são do sexo feminino e 30 do masculino. De assinalar que nenhuma mulher ou criança morreu durante o parto, fruto das consultas pré-natais e vacinações das mulheres. A média mensal de consultas é de 600 doentes, sendo os casos mais frequentes o paludismo, a diarreia infantil, a conjuntivite e ferimentos ligeiros. De 2004 ao final de 2006 registaram-se 5 óbitos (3 crianças e 2 adultos) de pessoas vindas de fora e internadas em estado muito crítico.

(iv) Apoiaram-se 8 tabancas (Catesse, Iem, Lautchande, Catchamba, Canamina, Calaque, Kura e Caboxanque) na recuperação de bolanhas, abertura de canais, reabilitação de diques de cintura e de diques secundários.
´
(v) apoiaram-se 345 mulheres horticultoras de 19 tabancas com sementes de cebola, tomate, alface, repolho, pimentão e beringela. As mais vendidas foram a cebola (60%) e o tomate (20%).

(vi) à UAC (União das Associações de Cubucaré), que compreende 42 associações, foi concedido um crédito de 4.615.000 Cfa para a compra de 42 toneladas de arroz, que foram distribuídas pelas tabancas mais atingidas pela má campanha do ano anterior e onde se verificavam situações de carência nutricional. (...).

2. Comentário de L.G.:

Amigos e camaradas da Guiné:

(i) Este blogue quer-se um espaço de liberdade e de pluralismo. Mas também de partilha de memórias e de amizade entre ex-combatentes, de um lado e de outro. Um espaço onde cabe, além disso, a solicitude, a solidariedade, a simpatia, a (com)paixão e a amizade para com a Guiné e o seu povo...

Temos aqui falado, desde há dois anos e meio, da ONG guineense AD - Acção para o Desenvolvimento, e do seu papel em prol da democracia, da cidadania, da participação comunitária, da protecção da natureza, do desenvolvimento sustentado e integrado da Guiné bem como da preservação da sua identidade histórica e cultural, nos mais diversos sectores e domínios.

A organização do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (que vai arrancar no próximo sábado, dia de 1 de Maro de 2008) não é um acto isolado nem uma acção de show-off. Insere-se numa perspectiva estratégica e num processo de desenvolvimento integrado e participado.

A AD, que foi fundada há quinze anos, é uma ONG [organização não-governamental] que tem vindo a consolidar a sua imagem de liderança, seriedade, competência, qualidade e eficácia pelo trabalho realizado na Guiné-Bissau. E isso só pode constituir um motivo de orgulho para a sua direcção e os seus colaboradores. Mas é também um desafio e uma responsabilidade acrescida. Muita gente, a começar pela região de Tombali, tem os seus olhos postos na AD e conta com o apoio da AD, nos mais diversos domínios, da formação profissional à saúde.

O trabalho da AD (substituindo-se muitas vezes a uma administração pública que não existe, ou que não funciona) tem vindo a merecer o nosso respeito e admiração, à medida que o vamos conhecendo melhor. É nessa perspectiva que divulgamos aqui alguns excertos do seu relatório de actividades de 2006 (o de 2007 ainda não está disponível), com destaque para as iniciativas mais relacionadas com o projecto Guiledje.

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série:

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2554: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (21): Chegou o Nuno Rubim, em Mejo o Capitão Fula (Pepito)