segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3208: Pensamento do dia (16): E não se pode exterminá-la ?... A epidemia de cólera em Bissau (Sofia Branco, "Público")

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > As crianças são sempre as principais vítimas de doenças transmissíveis como a coléra que corre o risco de se tornar endémica na Guiné-Bissau e em especial na cidade de Bissau onde, em muitas zonas residenciais, faltam alguns dos principais requisitos de saúde: água potável, electricidade, saneamento básico, recolha do lixo, desinfectantes como o cloro, higiene pessoal e ambiental, cuidados médicos, etc. Guiné-Bissau > Região de Bafátá > Mansambo > Fonte de Mansambo > Abril de 2006 > Água corrente, potável, e sabão: a saúde começa aqui ou por aqui... Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Fonte de Mansambo > Abril de 2006 > Lavadeiras... Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados 1. Chama-se atenção para a publicação, na edição de ontem do jornal Público, de uma notável crónica de Sofia Branco, com fotos de Daniel Rocha, sobre a actual epidemia de cólera em Bissau: A doença das mãos sujas continua a matar todos os anos na Guiné-Bissau, Público, P2, 14.09.2008, Sofia Branco (texto) e Daniel Rocha (fotos), em Bissau. Eis aqui, com a devida vénia e o nosso apreço pelo trabalho da jornalista do Público, alguns excertos, devendo esta longa citação (*) ser entendida como sugestão para uma leitura integral da peça jornalistística e como manifestação da nossa preocupação e solidariedade em relação a mais esta crise sanitária que afecta os nossos amigos da Guiné-Bissau. (A Sofia Branco tem-se destacado, nos últimos anos, como jornalista, competente, corajosa, lúcida e empenhada, na investigação e divulgação do problema da Mutilação Genital Feminina na Guiné-Bissau). Aproveito para chamar a atenção para o paradoxo da situação actual da Guiné-Bissau, que exporta médicos e enfermeiros nacionais (!) e que vê-se na contingência de pedir ajuda internacional para combater o actual surto de cólera que lavra em Bissau... São os médicos estrangeiros (neste caso, da associação Médicos Sem Fronteira) quem está na linha da frente da luta contra a cólera em Bissau, no Hospital Nacional Simão Mendes... O terrível paradoxo é que a Guiné-Bissau, que não tem (a par de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe) uma Faculdade de Medicina, depende da ajuda de terceiros (Portugal, China, Cuba...) para formar os seus médicos, os quais, acabada a sua formação, não voltam a casa onde as conidições de trabalho e de vida estão longe de ser atractivas, ou no mínimo decentes e aceitáveis... Ainda há dias dei os meus parabéns a um aluno meu, médico, guineense, que veio para Portugal, com uma bolsa (portuguesa!) , para fazer um mestrado em gestão da saúde, e que entretanto conseguiu ver reconhecidas, pela nossa Ordem dos Médicos, as suas competências profissionais (tirou o curso de medicina na ex-União Soviética ou já na actual Rússia). Dei-lhes os meus parabéns, a ele, como pessoa, como médico, como meu aluno e como meu amigo... E os meus pêsamos à Guiné-Bissau por que vai perder, por vários anos, o contributo qualificado de um dos seus filhos, para mais numa área, a saúde, onde as carências de pessoal são brutais... "Agora vou ganhar algum dinheiro, aqui, em Portugal... mas um dia hei-de voltar à minha terra"... É humano, humaníssimo, vistas as coisas no plano individual... Mas é uma terrível sangria, uma tragédia, para países tão pobres como a Guiné-Bissau, que tem os seus melhores quadros na diáspora, na emigração... (Atenção: há gente extraordinária, guineense, a viver e a trabalhar, em condições dificilíssimas, na Guiné-Bissau, e que merecem o nosso reconhecimento, apoio e aplauso... Portanto, nada de estigmatizar ninguém, e muito menos fazer a distinção entre bons e maus filhos; até por que também nós, portugueses, temos mais de cinco milhões espalhados pelo mundo fora, e que nunca mais voltarão, na maior parte dos casos...). A questão não é saber se um dia os filhos da Guiné-Bissau na diáspora (portuguesa, comunitária, mundial...) os mais qualificados, voltam, mas como conseguir criar condições - de parte a parte, Portugal, a União Europeia e a Guiné-Bissau... - para que eles voltem, os médicos, os enfermeiros, os técnicos de diagnóstico e terapêutica e outros técnicos de saúde, os engenheiros, os professores, os gestores, os informáticos, os operários qualificados e os empresários, guineenses, que tanta faltam fazem no seu país. (...) "Estão vivos, mas o seu olhar parece já ter desistido. Os doentes de cólera que se aglomeram no Hospital Simão Mendes, principal unidade de saúde da Guiné-Bissau, esperam em macas de lona pela sua sorte - que pode ser a morte. Conhecida como a doença das mãos sujas, este ano a cólera já matou mais de cem pessoas e infectou cerca de 5500. "São homens e mulheres, algumas crianças também. Os doentes mais graves têm o luxo de poder dormir dentro da ala reservada para a cólera, os outros espalham-se ao ar livre pelo alpendre que abraça o edifício, embrulhando-se num lençol branco, que é trocado pelos enfermeiros quando muda de cor - a cólera, infecção intestinal aguda causada por uma bactéria, normalmente contraída por ingestão de alimentos ou de água contaminada, manifesta-se em diarreias, vómitos e até sangramentos. Outros doentes já estão instalados na tenda de campanha em frente, montada pela Unicef. Os Médicos Sem Fronteiras (MSF), há um mês em Bissau, vão instalar outras tendas nos próximos dias. (...)" Combater a cólera não custa muito dinheiro, as soluções de cloro têm preços acessíveis. Mas a Guiné-Bissau não tem cloro suficiente em armazém e precisa de o importar. Quando a equipa de emergência dos MSF chegou ao país, o stock do hospital central era 'insuficiente e irregular' e não havia cloro nos centros de saúde espalhados pela capital - 'ainda não há', disse ao [Público] o coordenador da equipa dos MSF, Daniel Remartínez. ...) "A cólera não é propriamente uma surpresa na Guiné, um dos países mais pobres do mundo. Espera-se que ela aconteça todos os anos, por alturas das chuvas - a Organização Mundial de Saúde diz que a doença é endémica no país. Como é endémica em todos os países subdesenvolvidos que carecem de saneamento básico, aterros sanitários, sistema de distribuição de água potável. Menos de dez por cento da população guineense tem acesso a água potável e mais de 80 por cento dos poços estão contaminados. "O próprio Presidente, Nino Vieira, reconheceu que o surto de cólera no país é 'preocupante'. (...) (...)"A área mais afectada pelo surto de cólera deste ano é a de Bissau. A sobrepopulação, a degradação ambiental e o lixo a céu aberto atacado diariamente por djugudés (abutres) ajudam a explicar por que é que é na capital que se concentram o maior número de casos e o maior número de mortes. Só no Hospital Simão Mendes, onde têm dado entrada 60 doentes por dia, já morreram 35 pessoas. "No mercado de Bandim, o maior da cidade, é fácil perceber o que faz deste bairro da capital o mais afectado de todos. É um labirinto de ruelas estreitas, com centenas de comerciantes, à semelhança de um qualquer suq marroquino, onde o cheiro fétido chega a ser insuportável. O chão está invariavelmente enlameado, poças de água aqui e ali. Na zona onde se vendem os alimentos é difícil permanecer. Há quem durma no chão sujo. Em bancas de madeira estende-se o peixe fumado muito consumido pelos guineenses. 'O mercado está muito cheio, devia ser uma feira bem organizada para que as pessoas possam vender e haja mais condições e mais limpeza', reclama Aneximandro Ribeiro, 33 anos e comerciante no Bandim. (...) "A cólera tem um período de incubação 'muito rápido' - entre as 12 e as 48 horas, 'na maioria nas primeiras 24' - e, portanto, é crucial que as pessoas que tenham 'diarreias e vómitos rápidos parecidos com água de arroz' se dirijam de imediato para o hospital, explicou ao [Público] a enfermeira dos MSF Llanos Montero" (...). ___________ Nota de L.G.: (*) Vd. último poste desta série > 7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3184: Pensamento do dia (15) : Paz à Nossa Alma (Anónimo)

domingo, 14 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3207: Álbum fotográfico do Hugo Costa (2): A viagem Porto-Bissau, de Abril de 2006, organizada pelo Xico Allen, em 15 fotos

Foto 1 > 1º Dia – Sul de Espanha – Local de embarque, de Algeciras para Tanger.

Foto 2 > 2º Dia – Marrocos – A famosa Praça de Marraqueche, à noite.

Foto 3 > 3º Dia – Sul de Marrocos – Um retalho da vida quotidiana dos Marroquinos.

Foto 4 > 3º Dia – Sul de Marrocos – A estrada que nos leva a Tan Tan.

Foto 5 >4º Dia – Perto do Sahara Ocidental – A camaradagem dos marroquinos que nos ajudaram a desenterrar a “Julieta”.

Foto 6 > 4º Dia – Perto do Sahara Ocidental – Uma das nossas rotinas, o abastecimento da “Julieta”.


Foto 7 > 4º Dia – Sahara Ocidental – As situações caricatas com que deparávamos na estrada.

Foto 8 > 5º Dia – Território fronteiriço entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia – Uns Tuaregues conhecidos do Xico Allen.

Foto 9 > 5º Dia – Mauritânia – Um dos comboios - neste caso, de transporte de minério - maiores do mundo.

Foto 10 > 5º Dia – Mauritânia – Estavamos ansioso por encontrar camelos.

Foto 11 > 6º Dia – Capital da Mauritânia – Nouakchott – Pátio do hotel a tomar o Pequeno-almoço, antes da partida para uma nova etapa.

Foto 12 > 6º Dia – Sul da Mauritânia – Paragem para trocar o alcatrão que sempre trilhamos, por areia ultra-fina do deserto.

Foto 13 > 7º Dia – Senegal – O olhar das crianças que nos lembra a Guiné.

Foto 14 > 7º Dia – Senegal – A caminho de Tambacounda, a realidade de um povo que luta pela sua mobilidade.

Foto 15 > 8º Dia – A caminho da fronteira com a Guiné, já se sente pela paisagem, cor e cheiro.


Fotos e legendas: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados



Comentário de L.G.:

Trata-se de uma selecção de fotos do Hugo Costa (*), filho do nosso camarada Albano Costa, e que documenta, sumariamente, a viagem por terra, do Porto a Bissau, organizada pelo Xico Allen, em Abril de 2006. A caravana era constituída por um único... jipe, que levou sete pessoas (além do Xico e da Inês Allen, o Hugo Costa, o A. Marques Lopes, o Zé Teixeira e ainda mais dois camaradas nossos, do Norte, o Casimiro e Manuel Costa). Essa viagem ficou registada numa série de crónicas assinadas pelo A. Marques Lopes, na I série do nosso bogue (**), bem como em alguns apontamentos do Albano Costa (que,desta vez, ficou na terra, em Guifões, Matosinhos)...

A selecção e as legendas das fotos são do Albano e do Hugo. O Hugo, nessa ocasião (Abril de 2006) fez uma excelente cobertura fotográfica da viagem e da estadia na Guiné-Bissau (*). Já aqui divulgámos algumas das suas belas fotos. É uma rapaz com talento e sensibilidade. E sabe o ofício.

Este material, já pronto, aguardava publicação, desde Março de 2008... Ao pai e ao filho daqui enviamos um grande Alfa Bravo, de toda a Tabanca Grande, além do nosso pedido de desculpa pelo atraso... LG

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste anterior desta série > 16 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2181: Álbum fotográfico do Hugo Costa (1): A mãe e os seus filhos, o direito à esperança (Bissau, Abril de 2006)

(**) Vd. último poste da série > 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)


Vd. ainda as seguintes notas de viagem do A. Marques Lopes, publicadas em poste de 14 de Maio de 2006:

Caros camaradas e amigos:

Já lá vão quinze dias após o regresso. Vários problemas que houve a resolver. Só agora deu para começar a falar.

Não vos vou fazer o relato pormenorizado desta nossa viagem por terra até à Guiné-Bissau (Rali Porto-Bissau...). Vou, apenas, realçar alguns aspectos que, em minha opinião, podem ser úteis e alertas para futuros andantes nestas aventuras.

MARROCOS:

5 de Abril [de 2006]

Em Tânger, já de noite, o inspector da alfândega Abderalak El Moussadek, com os seus ares e ademanes esquisitos, reteve o jipe por causa do material médico que continha (cerca de 200 quilos de soro fisiológico e seringas), alegando falta de guia e incumprimento das normas nacionais marroquinas, e dizendo que, pelas mesmas razões, já tinha sido detida uma viatura portuguesa na véspera...

Grande chatice (no barco que faz a travessia de Tarifa para Tânger, o Allen já tinha sido obrigado por um polícia a apagar uma fotografia, pois é proibido tirar fotografias no barco...); mas deu para uma conversa amigável com o sargento dos guardas, Mohamed Farak, que tem duas mulheres e sete filhos, com 30 anos de serviço e prestes a reformar-se (a reforma é aos 50 anos) com dirhams equivalentes a 300 € e, por isso, muito interessado em saber as condições de reforma dos militares portugueses; dorminos no Hotel Ibis (El Jadida, Place Nour El Kamar, Route de Casablanca), que se recomenda, tem perto o Café Oasis, aberto toda a noite (mas, cerveja só no hotel...).

6 de Abril

Eu, o Allen e a Inês voltámos à alfândega logo de manhã para ver da situação. Ainda pensámos que o amigo sargento Farak tivesse feito alguma coisa a nosso favor. Mas não, o inspector, só visto ao longe, agora, tinha dado ordem para o material médico não sair sem guia. Os muitos cadernos e canetas, bem como as centenas de chupa-chupas e dezenas de camisas que tínhamos não interessaram... Palpitou-nos, a mim e ao Allen, que a razão era o receio de entregarmos o material médico à Frente Polisário. Pusemo-nos a andar e lá ficaram os 200 quilos de soro fisiológico e as seringas.

7 de Abril

Dormimos em El Quatia, praia perto de Tan-Tan, já pero do Sahra Ocidental, na Villa Ocean, uma pequena pousada de um casal francês, ele ex-militar. Também a recomendo. Depois do jantar, eu fui dar uma volta (meu hábito) e encontrei um marroquino que me perguntou se tínhamos vinho e se lhe dávamos um copo. Fui buscar um copo de vinho e dei-lhe (no dia seguinte trouxe-me o copo lavadinho).

A seguir entrei numa escola infantil, porque a vi aberta, com luzes e gente lá dentro. Espanto deles e o director dirigiu-se a mim e perguntou-me o que queria. Disse-lhe que só queria visitar. Depois de eu falar, diz-me ele:
- Você bebeu vinho!.

Perguntei-lhe como é que ele sabia. Disse-me que o cheiro conhecia (o bafo deu-lhe...). Não me digam que ele vai bufar a alguma autoridade religiosa... Lá lhe fui dizendo que as religiões na minha terra não proibiam as bebidas alcoólicas, cada um podia ter a religião que quizesse, que eu até nem tinha nenhuma, etc, etc... Mas, depois desta conversa, achei por bem desistir da visita à escola e fui-me embora.

SAHARA OCIDENTAL

8 de Abril

Saímos de El Quatia em direcção ao Sahara e, 20 km depois tivemos um controlo policial. Cinco minutos depois, fui eu controlado pessoalmente. É que o Allen tinha dado antes uma lista com os passageiros e respectivas profissões, tendo colocado que eu era militar. Que estivessem descansados, que estava reformado e não tinha já nada a ver com a actividade militar... Lá os consegui convencer e seguimos para Tarfaya.

No caminho para lá, o turbulento fotógrafo Hugo pediu ao Allen para sair do asfalto para colher uma imagem. Assim foi feito e... o jipe enterrou-se na areia, rodou, rodou, mas nada. Lá ficou. Valeu-nos a juda de uns marroquinos que passaram num camião. Com uma corda que tinham e força de braços lá conseguimos voltar ao asfalto.

Às 11h20 entrámos no Sahra Ocidental, por Tah. Às 12h10 tivémos um controlo policial. Cinco minutos depois, antes de entrarmos em Layoune, capital do Sahara, novamente controlados, desta vez com militares também. Há, aliás, um quartel à entrada desta cidade, que, verificámos depois, está altamente militarizada, com vários quartéis e muita tropa pelas ruas, embora não armada. Sinal da situação são também as dezenas de jipes junto à delegação da ONU. Depois de Layoune, há uma grande cimenteira, em El Marsa, com uma grande cintura de segurança à volta e várias guaritas de vigia.

Almoçámos conservas no meio do deserto, ao sol, e surgiu um jipe da polícia pelo que tivemos de beber o vinho à pressa e guardar as garrafas. Seguimos e, às 14h45 tivemos novo controlo da polícia, com um camião de soldados por perto. Às 15h15 novamente controlados.

Entrámos, de seguida, em Boujdour, que verificámos ser igualmente uma cidade muito militarizada, também com muitos soldados na rua. Boujdour tem uma extensa praia, o que leva a estranhar que seja aqui o cabo Bojador dos portugueses (o nome foi afrancesado), mas tem um grande farol. E há razão para isso, embora não haja penhasco algum, nem na praia nem no mar: os vários navios que se vêem encalhados testemunham as marés e correntes contrárias que se cruzam naquela zona, a dor que os marinheiros portugueses tinham de passar.

À saída de Boujdour há um grande quartel e fomos controlados por perto. Seguimos e fomos novamente controlados às 16h20, e mais outra vez às 16h30. Houve outro controlo policial às 17h30, e mais outro às 18h45.

Dormimos em Rokchip, no Hotel Oasis (fácil de encontrar, pois é uma localidade muito pequena), com chuveiros e casas de banho comuns, mas já vi pior. Travei aí conhecimento com três marroquinos imigrados em Itália e que vinham com duas brutas máquinas, um BMW e um Mercedes do último modelo. Falámos lindamente em italiano e...
- Temos de fazer pela vida!, disseram-me. Os carros eram roubados e eram para vender na Mauritânia. Pediram-me para os acordar às 7 da manhã (eu era, aliás, o despertador de todo o nosso grupo), pois tinham pressa para serem os primeiros na fronteira.

MAURITÂNIA

9 de Abril

Antes de pertirmos, um dos guias do deserto pediu-nos, a mim e ao Allen, para lhe arranjarmos uma garrafa de vinho e lha darmos, depois, na terra de ninguém, cerca de um quilómetro pedregoso e sem qualquer controlo entre a fronteira do Sahara e a fronteira da Mauritânia.

Às 08h48 chegámos a Gargarate, a fronteira do Sahara, mas já estava uma longa bicha de carros. Nos primeiros lugares da frente lá estavam os tais marroquinos italianos. Durante a espera vi muitos tuaregues, claramente aborrecidos, assentados no chão, à espera que os funcionários marroquinos os atendessem. Decidi fazer uma provocação a um deles. Perguntei-lhe se era marroquino. Olhou-me duramente e com ar ofendido:
- Marroquino no!! Esta es mi tierra!- respondeu-me em perfeito castelhano. E lá me explicou que a terra dele tinha sido uma colónia espanhola e que os marroquinos a tinham ocupado após os espanhóis saírem.

Esperámos algum tempo, mas, após várias conversas minhas e do Allen com os funcionários alfandegários, e após o Allen lhes ter dado várias camisas, canetas e chupa-chupas lá passámos à frente da bicha. Os italianos olharam para nós desconsolados. O tuaregue perguntou-me:
- Te marchas ya?- Disse-lhe que sim e ele pôs a cabeça de lado e abriu os braços como quem diz: - Blanco, claro.

Antes de sair a fronteira fomos controlados por militares. Depois da terra de ninguém , entrámos na Mauritânia, depois de três controlos, um na alfândega, um policial e um militar. Depois, fiquei a saber, junto de uns tratadores, que podia comprar um camelo por 2 €.

Até Nouakchott fomos controlados às 15h35 pelos militares mauritanos, às 16h20 pela guardas alfandegários e às 16h35 pela polícia. Chegámos a Nouakchott, capital da Mauritânia (e, se não única, quase única cidade deste país deserto). É uma cidade que se caracteriza pelos montes de lixo acumulado nas ruas e nos passeios, com um trânsito caótico, sem regras, com os ministérios, os organismos oficiais e a estação de rádio guardados por militares.

Falei com um mauritano (sei o nome dele mas não ponho aqui, por razões óbvias) sobre isto, sobre um país com uma cidade, com escassos centros populacionais, muito deserto, e um governo que parece não tratar de nada, não cuidar do bem da população:
- Oh, le gouvernement!... Il mange, il mange, seulement! (que é como quem diz: eles comem tudo e não deixam nada).
- E vocês não fazem nada?
- É que - disse-me ele - há poucos brancos, alguns árabes e a esmagadora maioria são pretos, como eu, mas o problema é que estão divididos em vários partidos políticos que não se entendem, é difícil.

Dormimos no Hotel El Amane (Av Gamal Abdel Nasser, 26), um sítio muito agradável, com uma recepcionista muito simpática, destoando de todo o ambiente degradante da cidade.

10 Abril

Metemos-nos ao caminho e tivemos às 09h00 o primeiro controlo policial do dia, seguido, às 09h15 de um controlo militar. Às 10h20 tivemos outro em Tiguent e, às 10h52 e 11h20, mais dois controlos policiais. Á entrada de Rosso dois controlos policiais imediatamente seguidos: um às 11h30 e outro às 11h35.

Metemo-nos, de seguida, por uma picada de 90 quilómetros até chegarmos à fronteira (lado da Mauritânia), onde chegámos às 14h00, demos 5€ ao guarda da alfândega, o Mohamud (disse que era solteiro e perguntou ao Allen quanto é que queria pela Inês...), mas só saímos de lá às 14h55.

Desde esta hora até às 16h10 estivemos empatados com os vários guardas da fronteira do Senegal, polícias, alfandegários, militares, e até nos obrigaram a fazer um seguro para o carro. Aqui, com os senegaleses, foi só largar dinheiro. No final, um major queria meter um polícia no jipe para ir connosco até à Guiné-Bissau. Chamei-o à parte, mostrei-lhe o meu cartão militar:
- Ouve lá, nós somos colegas! Não confias em mim? Pega lá 50 € e deixa-nos andar.

E lá andámos, sem polícia pendura. Fomos controlados pela polícia às 16h30 e chegámos a Saint Louis às 16h40. Dormimos no Hotel Cab St. Louis. Muito agradável, e pudémos aí comprar CFAs. Fica perto da margem direita do rio Senegal e está pegado, do outro lado, a uma praia oceânica.

SENEGAL

11 Abril

Partimos para Tambakounda e fomos controlados às 12h00 e 12h15 pela polícia. Chegámos a Tambakounda depois de almoço (de conservas, no caminho). Ficámos no Hotel Oasis. Houve quem fosse à piscina. Não é mau. A empregada do bar é solteira mas diz que não quer saber de homens.

12 Abril

Saímos às 07h10 a caminho da Guiné-Bissau. Às 10h15 passámos a fronteira do lado do Senegal sem qualquer problema. À entrada da Guiné já não estavam para chatear. Também há uma terra de ninguém. A entrada na Guiné foi uma festa.
- Até que enfim oiço falar português - disse-lhes eu.

E um guarda até era sportinguista!

Recomendações ou dicas para quem se aventurar por estes caminhos:

(i) Quem se aventurar nestes caminhos conte em levar bastante dinheiro para distribuir pelas várias fronteiras (nós gastámos cerca de 500€, pagos pelos patrocínios conseguidos); levem camisas, caramelos e canetas também para distribuir, em certas situações os guardas contentam-se com isso;

(ii) Quem se aventurar nestes caminhos tenha uma conversa prévia com o Francisco Allen, o globtrotter destas viagens, batido em todos os esquemas necessários para ultrapassar as chatices destes espíritos africanos.

Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

O Crioulo da Guiné-Bissau (III)

As singularidades do Kriol da Guiné-Bissau

Beja Santos (1)

O crioulo da Guiné-Bissau suscita o maior interesse nos meios linguísticos, em África e no mundo. É a língua veicular de um povo, a língua franca num território onde se falam 22 idiomas étnicos, território esse que não excede a superfície do nosso Alentejo. É uma língua independente, em crescimento e complexificação, assimilando a toda a hora os termos necessários da nossa contemporaneidade. O ideólogo máximo do PAIGC, Amílcar Cabral, não só falava um português primoroso como deixou toda a sua produção científica e política redigida num português de elevada cultura, o que veio marcar a formação da Guiné como país dividido entre uma liga de comunicação comum, o crioulo, e o português, entendido como a língua da identidade nacional face ao universo francófono envolvente.



Para entender as raízes dessa língua espantosa, aprofundar o seu saber original, é importante ler o que de melhor se escreveu sobre este crioulo, o mesmo é dizer é indispensável ler “O crioulo da Guiné-Bissau, Filosofia e Sabedoria”, por Benjamim Pinto Bull, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1989. No primeiro texto que dedicámos ao estudo que Pinto Bull dedicou ao crioulo do seu país, deu-se uma panorâmica dos diferentes falares crioulos, da intersecção entre o português e as línguas nativas, primeiro na Senegâmbia e depois na actual Guiné-Bissau, aflorou-se a colonização da Guiné para se revelar como se organizou e difundiu o crioulo nas praças e presídios, no tráfego de escravos e no comércio dos tangomaus ou lançados, na cultura dos grumetes ou assimilados. A grande singularidade é que a Guiné-Bissau é o único país de expressão oficial portuguesa onde coexistem sem sobressaltos as línguas africanas, o crioulo e o português. O surpreendente é que o crioulo é uma língua antiga e sempre renovada, recebe interferências linguísticas do francês, das línguas senegalesas, é riquíssima em provérbios, contos e adivinhas, o colonizador julgou mesmo no século XX que iria ser desvanecida a sua importância com o português, tal não aconteceu, o crioulo está reabilitado, autónomo, de boa saúde. Pinto Bull procura justificar como tudo aconteceu.

Primeiro, é impressionante o número de palavras crioulas nas relações e descrições dos viajantes e religiosos do século XVI ao século XX, o seu livro inclui o seu estudo pormenorizado no glossário. Logo no século XVII se observava o exótico multicolor da língua do país, referindo-se expressamente a palavra crioula. As descrições da fauna ou da flora, expressão nomes em crioulo, certamente por quem perguntava era esclarecido por negros e mulatos que dominavam fluentemente o crioulo. Os poucos períodos de sucesso missionário ocorreram quando os religiosos perceberam que a sua comunicação não podia prescindir centralmente do crioulo. Dos diferentes testemunhos evocados por Pinto Bull registo um do rei de Bissau, Incinhate, que se dirige ao governador Gomes Mena assim em 16 de Janeiro de 1697: “Sr. Governador, faço a V. Ex.ª esta carta para lhe falar mantenha”.

Segundo, coube aos grumetes a resistência cultural do crioulo. Em 1842, surgiu, um conflito entre o governador de Bissau e os grumetes da cidade. Dois anos depois, dá-se nova revolta, e os grumetes tomam a iniciativa de negociar a paz. A cerimónia decorre debaixo dos poilões, onde se resolvem os litígios – palavra, em crioulo. Poderá ser excessivo querer encontrar nas manifestações de revolta dos grumetes qualquer sinal de independência. O que os relatos deixaram claro é que houve resistência dessa gente que se expressava em crioulo e que queria ver a sua língua respeitada, a sua língua e a sua identidade.
Uma das maiores figuras do século XIX da vida política da Guiné foi Honório Pereira Barreto, um natural da Guiné que procurou defender a integridade do território sobretudo dos franceses e dos ingleses. Cabe a este homem que foi governador de Bissau uma expressiva definição do crioulo: “A língua do país é um dialecto da portuguesa, mas tão desfigurada que os Reinícolas não a entendem; além disso é recheada de muitas palavras derivadas do gentio”.
O primeiro cientista a estudar o crioulo foi o padre Marcelino Marques de Barros, natural de Bissau. Veio para Portugal com 12 anos, depois de ordenado padre em Cernache do Bonjardim, foi nomeado pároco em Bissau, percorreu a Guiné durante onze anos, veio a Portugal por motivos de saúde e regressou à Guiné onde permaneceu por mais oito anos. Deixou a sua obra espalhada por diferentes publicações como por exemplo o “Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa”. Correspondeu-se com linguistas de renome e escreveu obras ainda hoje de leitura obrigatória, tais como “Literatura dos Negros: contos, cantigas, parábolas” ou “Guiné Portuguesa ou Breve Notícia Sobre os Usos, Costumes e Línguas da Guiné”. É, historicamente, o primeiro estudioso do crioulo guineense, tendo mesmo organizado um vocabulário português/guineense, repertoriando 5420 palavras, deixando claro à comunidade científica que havia duas línguas aparentadas mas distintas: labra (cultivar), kume (comer), rema (remar), verbos que dão substantivos (labur, kumida e remu). No início do século XX, a alta sociedade do Cacheu fala informalmente em crioulo, cantado em crioulo, escrevia histórias em crioulo.

Terceiro, o colonialismo não compreendeu o crioulo e procurou discriminá-lo. Pinto Bull refere a Carta Orgânica da Província da Guiné (1917), o Acto Colonial (1930), o Acordo Missionário (1940), o Diploma legislativo n.º 1356 (1946), que constituíram tentativas de banimento de uma língua tida como uma algaraviada de gente inferior que para chegar à civilização deviam obrigatoriamente fazer um uso exclusivo do português.
Em 1954, Avelino Teixeira da Mota dá o sinal de alarme: “A difusão actual do crioulo – ainda que pese aos puristas e racistas – é um triunfo do português. Porque o crioulo, aqui, está em evolução, e cada vez se enche de palavras portuguesas”. Durante a luta de libertação, o PAIGC usou o crioulo como arma ideológica: nas escolas, na propaganda e mesmo na música (Musika k’ no na kanta luta de libertasõ, a música que cantamos é a nossa luta de libertação; Tempu di labur, tempu di kalur, tempo de trabalho, tempo de suor). Com a independência, o crioulo ganhou reconhecimento em toda a sociedade, tornou-se num instrumento de trabalho, apareceram poemas, obras didácticas, storia, adivinhas, banda desenhada.

Quarto, a prova indesmentível da sabedoria crioula é comprovado pelos seus provérbios, transmitidos em história e fábulas, em canções para ninar, e Pinto Bull recolheu-as graças a alguns contadores que o ajudaram no levantamento. São provérbios que falam da religião, da casa, da família, das relações humanas, do desentendimento, da vingança, das proezas, das viagens, das injustiças e da solidariedade. Vale a pena no próximo texto passar em revista alguns desses provérbios, fórmulas evocativas e até adivinhas. Eles constituem a prova provada de uma cultura admirável de grandes bibliotecas da narrativa oral onde se espraia o génio africano.
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Nota do editor

(1) Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).

(2) artigos relacionados em

5 Setembro 2008 > Guiné 63/74 - P3175: Antropologia (10): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos

29 Agosto 2008 > Guiné 63/74 - P3154: Antropologia (9): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos

Guiné 63/74 - P3205: Tabanca Grande (87): Luís de Sousa da CCAÇ 2797 (Cufar, 1970/72)




Luís de Sousa
CCAÇ 2797
Cufar
1970/72



1. Mensagem do nosso novo camarada Luís de Sousa da CCAÇ 2797, que esteve em Cufar entre 1970 e 1972.

Olá amigos,
Eu já ando aqui a rondar a Tabanca há uns tempos, e como sei que não é preciso pedir licença, olha, aqui estou eu!

Sou o Luís de Sousa e estive em Cufar entre Dezembro de 1970 e Agosto de 1972.

Faz 36 anos no próximo dia 7 de Outubro que a minha Companhia, a CAÇ 2797 regressou. (...)

Pronto. Agora já sabem porque é que entrei.

Prometo voltar com estórias lá de Cufar.

Até lá, um abraço para todos.
Luís de Sousa



2. Caro Luís de Sousa

Bem-vindo à Tabanca Grande. Gostamos que tivesses entrado sem pedir licença. A nossa porta está sempre aberta para isso mesmo.

Só te vamos pedir que na próxima vez que nos contactes nos indiques ao teu antigo posto e Especialidade, não para te incluir nas Escalas de Serviço, mas porque gostamos de ter os nossos arquivos com o mínimo de elementos dos nossos camaradas.

Está-se mesmo a ver, que como verdadeiros camaradas que somos, não importa o posto que tivemos como militares nem o que somos agora. Tratamo-nos todos por tu, porque nos une para sempre aquele pedacinho de terra onde deixámos tanto de nós.

Esperamos a partir de agora as tuas estórias e as tua fotografias.

Já que falo em fotografias, como reparas, a tua foto antiga não está nas melhores condições. Se tiveres outras por aí, manda para ver o que se pode arranjar.
Também, se tiveres uma outra foto do crachá da tua Companhia, manda-a para a nossa fotogaleria que o Luís um dia destes vai criar em novo endereço.

Não sei se sabes que no nosso Blogue temos um ilustre camarada de nome Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 que esteve em Cufar nos anos de 1965 e 1966. Escreveu ele uma belíssima história que te aconselho vivamente a ler, porque terás acesso a ela no nosso Blogue.
É uma ficção com o título Pami Na Dondo A Guerrilheira (1), onde é narrada a guerra em que participamos, mas pelo ponto de vista de uma jovem guerrilheira do PAIGC.

Como quero que leias este livro, deixo-te o número dos postes que deverás consultar.
Basta que cliques em cima dos respectivos números e acederás directamente ao romance.

Os números são: P2293, P2298, P2307, P2328, P2340, P2363, P2391, P2443, P2506, P2560 e P2593.

Em nome da tertúlia e editores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, envio-te um abraço de boas vindas.

O teu novo camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV

(1) - Vd. poste de apresentação de Pami Na Dondo A Guerrilheira de 21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P3204: O Nosso Livro de Visitas (27): Almeida Soares, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

1. Mensagem do nosso camarada Almeida Soares, com data de 11 de Setembro de 2008

Caros amigos e camaradas:
É com muita emoção que vos dirijo esta pequena mensagem, porque casualmente encontrei uma referência ao Batalhão do qual fiz parte (1). Pertencia à CCS/BCAÇ 1857 e era o Fur Mil Soares, mais conhecido pelo furriel da viola.

Como estou a fazer um vídeo, com fotos claro, lembrei-me de consultar a NET e não é que tive a sorte de encontrar o vosso blogue.

Penso, não li tudo ainda, que estão aqui por Leça da Palmeira… ou não?

Eu resido em Perafita. Gostaria de vos enviar os meus parabéns pelo óptimo trabalho realizado.

Um forte abraço para todos vocês, e continuem,

Ao v. dispor
A. Soares

Mansabá, onde esteve o BCAÇ 1857 do nosso camarada Almeida Soares.

2. Resposta enviada ao nosso camarada no mesmo dia

Caro Almeida Soares
Obrigado por nos escreveres.
Porque não aderes ao nosso Blogue, já que te deu alguma alegria ver uma referência ao teu Batalhão?

Podes também contribuir com as tuas estórias e as tuas fotos, dando assim a conhecer aos camaradas que nos lêem algo que ainda não terá sido contado. Cada um de nós viu a guerra segundo a sua óptica, os seus princípios, a sua arma, o local onde esteve e a época em que cumpriu a sua comissão.

Com respeito ao nosso Blogue, posso dizer-te que foi ideia do nosso Editor Luís Graça que o fundou, provavelmente sem imaginar no que iria dar em matéria de participação. Deves ter reparado que temos já mais de 700 mil visitas, mais de 250 tertulianos e um sem número de leitores.

O Luís é de Lisboa, onde é Professor na Universidade Nova de Lisboa e tem como colaboradores o Virgínio Briote e eu próprio, Carlos Vinhal.

No nosso blogue há alguns camaradas do concelho de Matosinhos, sendo eu na verdade morador em Leça da Palmeira.

Há uma Tabanca de Matosinhos, composta por camaradas de Matosinhos e não só, que quase todas as quartas-feiras se reune para um almoço de trabalho na Casa Teresa, em frente à Lota de Matosinhos, e que vai fazendo uns périplos aqui e ali.

Lê o lado esquerdo da nossa página, onde tens as respostas a possíveis interrogações que te possam surgir e manda-nos uma foto actual e outra do teu tempo de tropa (em formato tipo passe de preferência) para começares a fazer parte da nossa Tabanca Grande, como também é conhecido o Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Um abraço do camarada e vizinho
Carlos Vinhal
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Nota de CV

(1) - Vd. poste de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3163: O Nosso Livro de Visitas (25): Francisco Passeiro, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

sábado, 13 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3203: História da CCAÇ 2679 (2): A caminho de Piche (José Manuel Dinis)


1. Mensagem com data de 8 de Setembro de 2008, do nosso camarada José M. Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71), com mais um pouco da história da sua Unidade (1).

Caro Carlos Vinhal

Anexo novo texto, desta feita sobre a chegada da 2679 a Piche.

Quanto a fotos é que andamos às avessas, enviarei proximamente. Mas tens em stock três fotografias, duas relativas à viagem no Uíge, outra reporta o meu primeiro serviço em Bissau.

Vou procurar ser cronologicamente fiel aos acontecimentos da Companhia, ou situações contemporâneas.

Um abraço para o pessoal da Tabanca Grande
José Dinis

2. A caminho do Xime
Por José Dinis

Do Xime para Nova Lamego e, seguidamente, até Piche, a CCAÇ 2679 deslocou-se em coluna auto com escolta de um Pelotão de Cavalaria de Bafatá, rotativamente deslocado em Piche, onde pontificava a velha Fox, que impressionava pelo barulho do motor, como pela metralhadora instalada na torre. Completava a escolta o Pel Caç Nat 65, domiciliado em Piche, comandado por um cromático alferes, pois durante as pausas na deslocação, deambulava por entre nós, de pistola à cinta e empunhando uma moca com um lenço amarelo atado na extremidade. Constituía uma verdadeira nota de cor na paisagem camuflada, embora contra todos os ensinamentos transmitidos na instrução.

Começava a pensar com os meus botões, que raio de guerra aquela onde tinha ido parar. Mas o registo iconográfico funcionava, apesar da maluqueira manifesta.

Dia 21 tomámos o caminho de Piche, já em picada, em boa parte do percurso com as margens capinadas e livres de vegetação. O nosso Capitão António Oliveira ter-se-á lembrado de usarmos lenços pretos, idênticos aos dos comandos, para nos identificarmos, ou para impressionarmos. Piriquitos nas fardas novas e com goma, servi-me do lenço para proteger a cara da poeira levantada pelas viaturas que precediam. E assim fez a maioria.

Chegados a Piche fui encarregado de instalar o pessoal na caserna, um antigo celeiro para a mancarra que aguardava a venda à Casa Gouveia. Entretanto, apareceu-me o Zé Tito, acompanhado por dois militares locais, referindo que tinha arranjado um quarto para nós, a suite 3, que partilhávamos com furriéis do BART, o Branco da Silva, o Águas e outro de quem não me lembro o nome.

Quando cheguei ao quarto, o Tito teria gratificado os militares, ambos a cumprir pena de detenção, que ali nos ofereceram os seus serviços no fornecimento de galinhas e cabritos, a dez ou vinte escudos, cinquenta ou cem escudos, respectivamente, não sei precisar. Indaguei onde arranjavam as preciosas mercadorias e obtive por resposta que controlavam a bicheza na tabanca. Era só querer.

O.K., mandei chamar o nosso padeiro, apresentei-os e referi que queria todas as noites dois cabritos na padaria, um para eles e cúmplices, outro assado com batatinhas, seria entregue na suite 3. E assim foi, noite após noite, e nunca paguei o que fosse, nem me lembro de ter voltado a falar com qualquer deles.

Comandava o BART um Major alcunhado de drácula, tal era o cagaço que infundia no pessoal, conhecido pelas porradas a torto e a direito, que passavam a ilustrar as importantes Cadernetas Militares. Dizia-se que o Caco Baldé o escolhera para impor alguma ordem num Batalhão onde teriam acontecido coisas inimagináveis e a generalidade dos comandos fora transferida.

Piche era uma grande tabanca e uma fortaleza com o perímetro aramado, dispondo de amplos postos defensivos na sua extensão, onde o pessoal da CCS garantia essa função e tinha os alojamentos. Nesse amplo espaço, para além da população, ficava a pista para aeronaves e um campo para futeboladas. A norte, também isolado por arame e com acesso por Porta de Armas, ficava a zona aquartelada, com modernas instalações, águas correntes e energia eléctrica quase permanentes, um campo de futebol de cinco e uma piscina. Vizinha era a casa Tufico, local de informalidades, onde havia matrecos, comércio diverso e bar com preços competitivos. Quatro escudos uma pequenina.

Bailinho da Madeira para Major ver

Homem de créditos, a pedir pedestal, o Major Comandante deve ter exigido um desfile.

Não sei por que carga de água, mas desfilámos. Com caixa, para marcar o passo. Na torreira do sol, sob a constante humidade que dificultava movimentos, lá fomos marchar para Sua Excelência. Pelo canto do olho, o que vi do Foxtrot foi um bailinho da Madeira mal ensaiado. No mínimo era displicente.

No final mandaram-me levar o Pelotão para as traseiras do refeitório, onde destroçariam. Antes perguntei se tinham desaprendido de marchar, como resposta, fizeram risos amarelos. Enfureci-me. Comuniquei que iam praticar Ordem Unida. Abriram fileiras relutantemente. Foram indolentes no exercício. A coisa começava a dizer-me respeito. Comuniquei que umas flexões iam ajudar à lembrança da disciplina exigida a um Grupo de Combate na iminência de o ser. Dirigi-me aos velhinhos que se juntavam para gozar o prato, que podiam ver, mas o primeiro a abrir o bico havia de ficar a conhecer-me.

Regressei ao Pelotão, junto do Ferdinando, o mais alto, e dei-lhe ordem para queda facial em frente. Olhou-me de soslaio. Apliquei-lhe uma tesoura, caíu e procurou a posição para pagar. Os restantes seguiram o movimento. Estava neste teimoso entretém de refrear a rebaldaria, quando chegou o Capitão a perguntar o que era aquilo, como que a justificar o pessoal.

Entreguei-lhe o Pelotão e virei-lhes as costas. No primeiro dia começava a experimentar dificuldades, mas tinha que considerar que o Foxtrot, pelas caracteristicas do alferes e minhas, de alguma indiferença pela disciplina militar, sendo o Pelotão onde o pessoal mais gostaria de estar, corria o risco de desgoverno e desagregação, sobretudo em ocasiões de maior tensão, se dele perdessemos o controle.

O futuro veio a revelar que o Foxtrot, sempre com características de irreverência no que respeita às formalidades militares, foi um grupo coeso, determinado, generoso e orgulhoso, onde a camaradagem não era vã.

Mais tarde no quarto, durante as apresentações, o Tubaco da Selva mostrou-me a área de arrumações e uma mala-biblioteca recheada de autores da moda, como Amado, Remarche, Lartégui, etc., mas acrescentou que estavam na fase das fotonovelas.

Pouco tempo depois,também eu me identificava com os personagens fotografados.

No final do dia fomos informados de que no dia seguinta faríamos uma patrulha a nível de Companhia, de reconhecimento e ambientação.
José Dinis

OBS:-Subtítulo da responsabilidade do co-editor
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Nota de CV

(1) - Vd. primeiro poste da série de 31 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3157: História da CCAÇ 2679 (1): Apresentação (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3202: Estórias avulsas (5): Missão Católica ou Missão Heróica? (José Nunes)

1. Publicamos hoje uma estória enviada pelo nosso camarada José Nunes (1), ex-1.º Cabo Mec Elect de Centrais, do BENG 447, (1968/70), enviada no dia 7 de Setembro de 2008.

Missão Católica ou Missão Heróica?

Saía eu a Porta de Armas para ir à tabanca de Brá levar roupa à Fina Rosa, minha lavadeira, quando o sentinela me chama:

- Nosso Cabo, o frade anda a perguntar por um electricista.

Lá me dirigi ao Sto. António assim era o seu hábito, um jovem de vinte e poucos anos tal como eu, que precisava que um electricista fosse à Missão ver se era posssível fazer uma instalação eléctrica para pôr a Carpintaria Escola a funcionar.

Prontifiquei-me a ir e lá fomos, não sem antes comprar umas bazucas que o Frade me pediu, numa motorizada Peugeot, só com um assento, eu sentado e o frade de pé em cima dos pedais, picada fora, cai aqui, cai ali, lá fomos direitos a Prábis.

Chegados, fiquei boquiaberto ao ver tamanha beleza, uma pequena capela, mas a torre sineira deslumbrante entre duas altas palmeiras, lá estava a sineta com o seu campanário para chamar os fiéis.

Algumas construções de alvenaria e uma grande construção sem telhado. Lá fomos por meio de cajueiros, um pouco afastado da capela lá estava um pavilhão tosco, cheio de máquinas de carpintaria. O meu interlocutor lá ía esplanando as suas pretenções e eu anotava. Visitei a Missão, qual o meu espanto quando me leva para uma zona de Tabanca com muitas moranças e começo a ver gente com aspecto horrendo.

- São leprosos, disse-me.

Lá fui vendo aquela gente sofrida e verificando a falta de condições para assistir esta gente.

- Aquele edifício era para ser a enfermaria, mas não temos dinheiro para o telhado.

Senti uma revolta imensa, como era possivel?

Voltei ao quartel e falei com o meu chefe a quem fiz um relato do que tinha visto.
O Eng. Alf Mil José Alberto deu-me carta branca para dentro das disponibilidades dar todo o apoio possivel.

Lá fomos fazer a obra. Montámos a iluminação e a força motriz na carpintaria, com um camarada de São Pedro da Cova, cujo nome não me recordo. Almoçávamos na missão com os Frades.

Um dia ao almoço, após as orações, vem para a mesa uma travessa com aves, talvez pato e outra com uns bifinhos dos quais me servi. Começando a comer noto um sabor adocicado na carne e pensei:

- Estes italianos põem açucar na carne?

Quando o Padre no topo da mesa me diz num português meio italiano e crioulo:

- Desculpa, não sei se gosta de bife de macaco.

Mastiguei mais um pouco, mas desisti de comer alegando uma indesposição. Na missão comi a pasta mais gostosa da minha vida e receitas conventuais.

A minha admiração pela obra das missões em Africa, a forma desinteressada como estes homens se dedicam ao seu semelhante, sem meios, contra tudo, mas com uma Fé imensa e disponibilidade para ajudar.

Viviam sem luxo ou riqueza, do que a terra dava. O Cabi caçava para toda a comunidade, do cajú aproveitava a castanha para vender e do fruto faziam vinho. De Itália chegava muita coisa que eles distribuiam com a população.

Decerto o seu trabalho continua, será que em melhores condições? Oxalá pois o seu labor é sinónimo de cuidados de saúde para os leprosos da Guiné, que por lá devem continuar.

A minha admiração por estes frades, com quem tive o grato privilégio de privar e conhecer D. Sétimo Serrazeta, que teve um papel grandioso no conflito de 1999, na procura de soluções.

Este meu testemunho para dizer que apesar da guerra, havia outras lutas que era preciso vencer.

Se servir para publicar tudo bem, não quis deixar de vos relatar esta vivência em tempo de guerra.

Um abraço e saudações cordiais a todos os Camaradas.
José Nunes
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Nota de CV

Vd. poste de 22 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2469: Tabanca Grande (55): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista de Centrais (BENG 447, 1968/70)

Guiné 63/74 - P3201: O Nosso Livro de Visitas (26): José Paracana, ex-Alf Mil, QG do CTIG, 1971/73

1. Mensagem com data de 6 de Setembro de 2008 do nosso camarada José Paracana, dirigida a Luís Graça

Ex. Luís Graça e camaradas da Guiné B

Por puro acaso encontrei um antigo camarada combatente da Guiné, enquanto estou a banhos no Algarve! E ele falou-me no blogue que já li parcialmente!

Fui alferes miliciano lá, de 4 de Setembro de 1971 a 4 de Setembro de 1973.

Prestei serviço no Quartel General e era Analista de Segurança das Transmissões. Por acaso guardo alguns documentos interessantes desse tempo conturbado. Que estão em minha casa, claro.

Conheço o Prof. Dr. Julião Sousa, é meu colega de naipe no coro dos antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra! É um bom homem, ao que me pareceu já.

Tenho as minhas histórias, como todos, claro. E muitos slides e fotos da Guiné da época.

Quando regressar a casa (Aveiro) contactarei de novo o camarada!

Até lá me despeço com amizade, solidário com a vossa obra de reconstrução de tudo e em prol de todos!

Conte comigo.
José Rafael Coelho Paracana
Aveiro

P.S. Se me quiser dar alguma palavra, fico esperando!

2. Mensagem de CV enviada a José Paracana, no dia 12 de Setembro de 2008

Caro José Paracana
Estamos gratos pelo teu contacto.

Vaidade à parte, o nosso Blogue é já um caso nacional. Agrega um numeroso grupo de ex-combatentes da Guiné, que com alguma regularidade vão colaborando com as suas estórias e fotografias, aumentando assim um espólio que queremos deixar, a quem daqui por uns anos, liberto de ideias deformadas pela falta de informação de que se revestiu, durante anos, a história da nossa Guerra Colonial, possa depaixonadamente escrever algo que perdure para além da nossa memória.

Se quiseres, poderás ser um membro activo do nosso Blogue, bastando para tal que nos envies uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de prefência, e nos comeces a contar a tua experiência enquanto elemento do Exército, não operacional, pelos vistos, mas com missão não menos importante.

Terás visto a guerra doutro ângulo e por cá temos falta de estórias que não cheirem a pólvora, falando no sentido figurado.

Consulta o lado esquerdo da nossa página e se estiveres em sintonia com os nossos propósitos, junta-te a nós.

Deixo-te, em nome dos editores e da restante tertúlia, um abraço.
Carlos Vinhal
Co-editor

3. Mensagem de José Paracana, enviada ao nosso Blogue no mesmo dia.

Caro Carlos Vinhal!

Obrigado pelas tuas palavras. Posso dizer-te que já li a margem esquerda e concordo com os enunciados.

Logo que regressar de férias, a 16/17 do corrente, tratarei de enviar as fotos que me pedes. E com gosto participarei no blogue que - de facto - é uma grande morteirada intelectual e histórica no nosso panorama de guerra colonial! Fico contente por isso.

Não peguei em armas quando lá estive (felizmente para mim...); mas de mim dependiam informações/formações para as NT não sofrerem mais flagelos!

Depois contarei a minha comissão!

Um grande abraço do teu camarada
José Paracana

Guiné 63/74 - P3200: Tabanca Grande (86): António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74)

1. Mensagem deAntónio Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, com data de 7 de Setembro de 2008, fazendo a sua apresentação ao Blogue:

Caro Luís Graça,

Sou o António Carvalho,  do Porto! Depois de já ter partilhado de memórias e momentos inigualáveis na Casa Teresa às quartas-feiras em Matosinhos e de com muita honra ter lido os vários testemunhos no blog Luís Graça & Camaradas da Guiné, venho agora também eu dar um bocadinho do meu testemunho e fazer a minha apresentação oficial....

Em anexo envio o documento com a minha apresentação e duas fotos, uma tirada no Quartel de Mampatá, outra mais recentemente!

Um grande abraço e obrigado.
António Carvalho
ex-Fur Mil Enf
CART 6250
Mampatá
1972/74


No Quartel de Mampatá

2. Estive lá...

Por António Carvalho

Estive lá, também fui soldado naquela Guiné onde o calor quase nos fundia o corpo e os incontáveis mosquitos disputavam o nosso sangue. A Guiné da mosca da bolanha, dos ramos que, soltos pelo da frente, nos chibatavam a cara. A Guiné dos rostos apreensivos e angustiosos, a Guiné dos que diariamente descontavam mais um dia, a Guiné dos que morreram ou viram morrer. A Guiné das lágrimas que corriam pelos rostos cobertos de sangue e pó. A Guiné do porquê e para quê. A Guiné do sacrifício inútil.

Ah! Também a Guiné das crianças iguais a todas as crianças do mundo: em correrias alegres por entre as moranças, despreocupadas com os problemas dos adultos. A Guiné das conversas com os autóctones, uma estória hoje, outra amanhã, para a compreensão da história de um povo etnicamente multifacetado. Mas sempre a Guiné de vinte e seis meses e meio que pareciam nunca mais acabar. Mesmo assim a Guiné de Mampatá que anseio profundamente rever.

Saímos do RAP2 em 27 de Junho de 1972 e chegamos no mesmo dia, de avião a Bissalanca. Daqui para os Adidos e destes para a LDG a caminho de Bolama. Um despassarado – o Zé Manel da Régua – ficou adormecido e esquecido nos Adidos. Durante a comissão forjamos uma sólida amizade que perdurará para além da morte pois, sem menosprezo para muitos outros amigos que felizmente tenho, o Zé Manel é um homem de uma grande lealdade, seriedade e generosidade e poucos terão desempenhado tão bem como ele a missão que nos incumbiram. Apareceu mais tarde em Bolama onde, infelizmente, chegou a tempo de assistir a um dos episódios mais trágicos da nossa comissão. No dia 10 de Julho, na fase do I.A.O, durante a instrução de tiro com dilagrama morreram-nos dois camaradas, um da nossa Companhia e outro do Batalhão 6520 (Batalhão de Tite). Não tenho palavras para descrever o quanto me abalou esta tragédia que guardo na minha memória com todos os contornos… aquelas imagens… aquelas vidas tão jovens ali perdidas, logo no início, como que a avisar-nos para o era aquele atoleiro.

Findo o I.A.O fomos para Buba de LDG onde chegamos no dia 28 de Julho. Primeiro nós, a sairmos da LDG e, os de Buba, para nos assustarem, passavam com Berliets acelerados transportando feridos simulados e, passadas algumas horas, após uma emboscada a sério, chegam Berliets transportando feridos a sério, um deles tão grave que acabou por falecer. Mais uma tragédia, antes ainda de chegarmos a Mampatá onde nos esperava a Companhia de açorianos CCAÇ 3326. Um mês em sobreposição, sem mosquiteiros, que só nos foram passados quando os velhinhos se foram embora.

Hoje não conto mais, não quero ser maçador. Quem quiser saber mais, vá à Casa Teresa, a Matosinhos, à quarta-feira, almoçar.

Um grande abraço onde caibam todos.

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3. Comentário de CV

Caro Carvalho
Estás apresentado formalmente, embora sejas da casa, pois militas há já algum tempo na Tabanca de Matosinhos.

Esperamos que o trabalho que nos mandaste, seja o primeiro de muitos. Não te esqueças que tens um concorrente muito sério, que é o teu camarada de Especialidade e de Mampatá, José Teixeira, que é um exímio contador de estórias, daquelas que de vez em quando nos fazem saltar uma lagrimazita mais atrevida.

Tenho o prazer de te conhecer pessoalmente, uma vez que te encontrei numa das raras visitas que faço à Casa Teresa.

Recebe um abraço dos editores e da restante tertúlia.

Teu camarada
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3183: Tabanca Grande (85): João Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2539, 2540 e CCAÇ 3, Guiné 1969/71

Guiné 63/74 - P3199: Álbum fotográfico de Renato Monteiro (1): Contuboel (1968/69)

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > O Fur Mil Renato Monteiro com "um instruendo, mais alto ainda do que a fotografia revela. Quanto à localização da capela, terá sido em Contuboel?" - pergunta o Renato... Eu acho que sim, das memórias que ainda conservo de Contuboel (onde estive pouco mais de um mês e meio) (*).

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > O Fur Mil Renato Monteiro com crianças da aldeia.

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Sare Bacar (39 km), Farim (96 km)...

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > Segundo reza a legenda manuscrita no original: Irmãos, Contuboel.


Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > O Fur Mil Renato Monteiro com o seu guarda-costa o Malagueta, que na concorrência com vários candidatos ao lugar tirou partido, não do seu físico, mas do seu estatuto: era filho de um chefe de tabanca...

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > Aspecto parcila do aquartelamento. Na época, a região era um oásis de paz, razão por que foi escolhida para a centro de instrução militar de pessoal do recrutamento da província: foram lá que se foram os guineenses que integraram, nesta época, as futuras CCAÇ 11 e 12, além de um pelotão de mandingas, o 4º da CCAÇ 14 (o resto da unidade estava em Bolama, tal como a CCAÇ 13, em instrução de especialidade)... (A esse pelotão pertencia o nosso camarada, o Fur Mil António Bartolomeu).

Guiné > Zona Leste > Contuboel > Tabanca dos arredores > CART 2479 (1968/69) > Um outro aspecto da aldeia... Ao fundo, debaixo dos poilões frondosos, as tendas de campanha onde dormia (!) tanto os instrutores como os instruendos... "Com boa vontade - escreve o Renato - poder-se-á topar o conjunto de tendas de campanha que serviram para acomodar, em Contuboel, os instruendos africanos que incorporaram as duas nossas companhias [as futuras CCAÇ 11 e 12]"...

Recorde-se que a instrução (em Contuboel e em Bolama, os dois centros de instrução de então) foi dada em plena época das chuvas (de Junho a meados de Julho de 1969)... Por exemplo, as praças africanas, que fizeram a sua recruta e instrução de especialidade em Contuboel, foram aumentadas ao efectivo da CCAÇ 2590 em 20 de Junho de 1969, tendo sido transferidas da CART 2479 (a que pertenceu originalmente o meu querido amigo, Fur Mil Renato Monteiro, o homem da piroga)...

Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados (Legendas do autor e do editor).


1. Mensagem de 30 Novembro de 2007, do Renato Monteiro (já lhe pedi desculpa, pelo telefone, por este atraso de quase um ano, só desculpável entre amigos e camaradas...):


Amigo Luís Graça:

Aqui vai uma pequena colecção de fotografias, recém descobertas na despensa convertida em contentor de lembranças envelhecidas…

Como salta aos olhos, não são grandes espingardas embora, com um programa adequado e unhas que me faltam, fosse possível recuperar uma ou outra…

Sem querer sacudir a água do capote, por não ter concorrido para a preservação das fotos, a verdade é que a deterioração também fica a dever-se à falta de meios da época…

Embora sem datas, elas foram obtidas no decurso da minha expatriação temporária, nos anos 68/69 e, por curiosidade, uma boa parte, produzidas a partir de um improvisado laboratório instalado por um soldado no aquartelamento do Xime.

Sem querer apropriar-me abusivamente de feitos fotográficos alheios, deverei dizer que, em muitos casos, não sei precisar quem foi o fotografador: se eu próprio, o Cunha ou outro ignoto camarada…

Seja como for, um rol de fotos que o tempo não devorou de todo, legendadas ao correr instantâneo das memórias…

Com um grande abraço,

Renato Monteiro (**)

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Notas de L.G:


(*) Vd. postes relacionados com a CART 2479 e o meu amigo Renato Monteiro, com quem privei, durante um mês e meio, em Contuboel (Junho/Julho de 1969), e com quem de tempos a tempos ponho a conversa em dia... por telefone (é vizinho do meu local de trabalho)... Recordo aqui que a minha companhia, a CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 esteve um meio e meio em Contuboel... Os nossos soldados africanos vieram da CART 2479, companhia que lhes deu a instrução de recruta...

A CCAÇ 11, por sua vez, foi formada a partir da CART 11/CART 2479.

Sobre Contuboel e as atribuladas andanças do Renato Monteiro pela Guiné (por motivos disciplinares foi parar à CART 2520, tendo estado no Xime e depois no Enxalé, aqui 4 meses, antes de regressar à Metrópole, por doença, faltavam ainda quatro o cinco meses para completar a comissão), vd. os seguintes postes:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2412: História de vida (8): Renato Monteiro, um homem de múltiplos... fotografares (Luís Graça)

(**) Renato Monteiro, nascido no Porto em 1946, vive em Lisboa e é um fotógrafo já consagrado. Acabou, há 15 dias, de se reformar como professor do ensino secundário. E, como uma boa notícia, nunca vem só, o Renato confessou-me que há 25 dias deixou o tabaquinho... Anda por mim com uma enorme vontade d trepar pelas paredes acima, que é um dos clássicos sintomas da síndroma da abstinênica...

Embora desactualizada, a entrada na Wikipédia reza o seguinte a seu respeito:

(i) Licenciado pela Faculdade de Letras de Lisboa, em história;
(ii) Participou na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné Portuguesa;
(iii) Obra fotográfica:

- Fotobiografia da Guerra Colonial (obra conjunta de Luís Farinha e Renato Monteiro) (Publicações Dom Quixote, 1990 e Círculo de Leitores, 1998).
- Metamorfose (Edição Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa, 1998).
- Olhar a Obra (Livro Estação do Oriente, Edição Centralivro, 1998) (48 fotografias).
- Eram margens da minha cidade (Catálogo/Livro, Edição Câmara Municipal de Lisboa e Exposição nos Paços do Concelho, 2001).
- Lisboa Oeste e Vale do Tejo (Edição Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, 2002).
- Luz (álbum) (2002);
- Artes do Mar (álbum fotográfico e Exposição no Convento dos Capuchos, 2005).

Tem um blogue: o Fotografares, que faz parte do seu projecto de fazer o inventário do quotidiano e do imaginário do povo trabalhador e do trabalho no nosso país...

Tem, desde 24 de Junho e até ao dia 28 de Setembro de 2008 uma exposição fotográfica (cerca de 60 fotografias) sobre os "Ciganos do Sul", no Padrão dos Descobrimentos, Lisboa. Telefone: 213019032. Horário: De Terça a Domingo, das 10h00 a 19h00.

A exposição integrou-se num conjunto de iniciativas culturais sobre o povo cigano, o povo das estrelas, levadas a cabo pela Empresa de Gestão de Empreendimentos e Animação Cultural (EGEAC), ligada à Câmara Municipal de Lisboa. Eu ainda não fui lá, mas não a quero perder! Talvez lá passe no domingo de manhã... Fica aqui o convite (expresso) aos camaradas da Tabanca Grande, da área de Lisboa...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3198: Convívios (81): CCAÇ 2791, Convívio Nacional dos Antigos Combatentes da Guiné, CCAÇ 2797 e Pel Canhões S/R 2199


1. ENCONTRO DO PESSOAL DA CCAÇ 2791 - BULA e TEIXEIRA PINTO (1970 - 1972)

Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha, com data de 9 de Setembro de 2008, dando notícia da Festa/Convívio do pessoal da CCAÇ 2791.

Amigos Administradores do Blogue,
venho desta vez solicitar que seja divulgado o nosso encontro anual, da CCAÇ 2791.

É possível que alguém que o veja e desconheça a sua realização, possa participar, porventura pela primeira vez.

Um abraço.

Vai realizar-se, no próximo dia 27 de Setembro de 2008, o 7.º Convívio, da CCAÇ 2791

Este convívio é extensivo aos familiares e até a algum acompanhante que julgues conveniente convidar.

O encontro realizar-se-á no Restaurante Santiago, em EN 109 - Estarreja

Se estiveres interessado, deves contactar o ex-Furriel Miliciano Enfermeiro, Urbano Silva, para o telemóvel 969 070 299


Aparece, vai valer a pena.

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2. ALMOÇO/CONVÍVIO NACIONAL DOS ANTIGOS COMBATENTES DA GUINÉ




No dia 5 de Outubro de 2008 realiza-se o 27.º Almoço-Convívio Nacional dos Antigos Combatentes da Guiné, no Restaurante Litoral, Estrada Nacional N.º 1, Matos da Ranha, Pombal.

Os interessados (que podem inscrever familiares) devem contactar o organizador, o incansável Isaías Peralta (que tem assegurado as edições anteriores):

(i) Endereço postal:
27º. Almoço/Convívio - Guiné 2008
Apartado 42
3534 - 909 Mangualde

(ii) Tlm.
966 003 293 / Telef. 232 183 926

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3. ENCONTRO DO PESSOAL DA CCAÇ 2797 E PEL CANHÕES S/R 2199, NO DIA 5 DE OUTUBRO DE 2008, EM SACAVÉM (CARREGADO)

Mensagem do nosso camarada Luís de Sousa, com data de 11 de Setembro de 2008, dando notícia do próximo Encontro do pessoal da CCAÇ 2797.

Faz 36 anos no próximo dia 7 de Outubro que a minha Companhia, a CAÇ 2797, regressou e vamos reunir-nos como é habitual no dia 5 de Outubro aí pela hora de almoço, juntamente com o Pelotão de Canhões S/R 2199 como é também hábito.

Este ano vai ser na zona de Lisboa, (Sacavém, Carregado) e os camaradas interessados podem fazer marcação para:

Carlos Manuel, pelo telefona 219940481 ou
Sousa, telemóvel 962775324
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Guiné 63/74 - P3197: Os nossos regressos (16): Bendita hepatite...(Henrique Matos)


Ilustração de Joana Graça (2008), designer e filha do Luís Graça, para "Os nossos regressos". Com os nossos agradecimentos.



Um regresso... inesperado!!!


Nos finais de 1967 (isto de datas e outros pormenores varreram-se completamente da minha memória, vamos a ver se arranjo uma oportunidade para consultar o meu processo) estava colocado no Comando Chefe em Bissau, aquele edifício que ficava nas traseiras do Palácio do Governador.
Tinha como missão preparar as reuniões do então Governador Arnaldo Schultz com os comandantes dos 3 ramos, que se realizavam ao fim da tarde numa sala específica que tinha numa das paredes um grande mapa da Guiné.
O serviço, onde apenas entrava eu, um major e um coronel, consistia em receber os relatórios diários e transpôr para o mapa todos os dados (operações, mortos, feridos, capturas, acções IN, minas, bombardeamentos, etc..) de tal forma que ao fazer uma leitura do resumo no início da reunião fosse rapidamente perceptível a situação no terreno. No mesmo edifício havia ainda pelo menos outro departamento ligado à espionagem.


No jardim do Comando Chefe com um militar da Força Aérea ali colocado.


Já agora uma pequena historieta para desanuviar. Certo dia aparece-me o brigadeiro que comandava o exército com ar irritado e diz:
- Sr. Alferes, vá lá fora e ensine ao sentinela que deve apresentar armas a um oficial superior.
Fiquei admirado com a atitude até porque nem conhecia os elementos que faziam a guarda, mas havia que obedecer e lá fui. Deparei-me com um soldado com todo o aspecto de periquito acabado de desembarcar, tolhido de medo, pois tinha levado um raspanete do brigadeiro, que percebia pouco de manejo de armas e ainda menos de galões, sobretudo quando se tratatava da marinha. Lá lhe ensinei uns rudimentos, mas, como vi que cada vez se atrapalhava mais, disse-lhe:
- O melhor é apresentar armas a toda a gente porque aqui quase tudo é de coronel para cima.
Quando um dia de manhã me apresento, como era habitual, no gabinete do coronel, este fixa-se nos meus olhos e diz:
- Você está com uma bruta icterícia, vá mas é já para o hospital.
Assim mais uma vez entrei no célebre HM 241 e, após a consulta , fiquei logo internado no pavilhão de isolamento onde só havia hepatites. Passados poucos dias vem a notícia que ia ser transferido para Lisboa.


DC6 no aeroporto de Bissalanca. Foto retirada, com a devida vénia, do site Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, criada pelo nosso camarada Victor Barata, a quem mandamos um abraço de parabéns pelo sucesso do seu blogue.


Levaram-me então para o aeroporto de Bissalanca onde já estava um DC6 da Força Aérea a carregar militares, quase tudo feridos graves, vários em macas. Dentro do avião respirava-se um ar pesado, cheirava muito a desinfectantes e lembro-me que quando levantou reparei que um dos motores da asa do meu lado deixava cair óleo e pensei:
- Será que esta traquitana chega mesmo a Lisboa?

E chegou, mas às tantas da noite, indo estacionar no Figo Maduro, longe de olhares. Ao fundo da escada de desembarque já havia ambulâncias e outras viaturas militares onde fomos metidos e conduzidos aos hospitais, a maioria para o da Estrela e no meu caso para o HMDIC (Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas). O internamento foi longo mas eficaz, chegando ao mês de Abril do ano seguinte [1968]. Então, como as análises apresentavam valores normais e já perfazia cerca de 20 meses de comissão, carimbaram um papel e mandaram-me à vida.

Henrique Matos
Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68).

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Guiné 63/74 - P3196: Em busca de...(39): Companhia Terminal (Bissau, 1973/74) (Daniel Vieira)

Guiné > Região de Tombali (Catió) > Cufar > Rio Cumbijã >1973 > Foto que documenta as brutais consequências do accionamento de uma mina, colocads pela guerrilha do PAIGC junto ao cais acostável de Cufar, onde havia um destacamento do PINT (Pelotão de Intendência) 9288 ... A mina, escondida no lodo, foi accionada por um barco, ao atracar ao cais. O barco, que levava carga da Intendência, pegou fogo e ficou destruído... Terão morrido quase duas dezenas de africanos. Este episódio também é descrito no libro do nosso camarada António Graça de Abreu, Guiário da Guiné: Sangue, Lama e Água Pura (2007). Na altura ele estava em Cufar, como Alf Mil, no CAOP1.

Às vezes esquecemo-nos destes valorosos camaradas da Intendência que também corriam riscos de vida nos seus destacamentos e nas viagens que faziam pelas rios e braços de mar da Guiné, ou acompanhando as colunas logísticas por terra... O 1º Cabo Enf António Baia, amigo do Fernando Franco, ambos membros da nossa Tabanca Grande, pertencia a este PINT e assistiu a esta tragédia (aliás, dupla, por que uma outra mina destruiu, no mesmo dia, um viatura militar e matou malta nossa).

O Fernando Franco, em Bissau, fez Guarda de Honra, até ao Hospital, ao cortejo fúnebre com os restos mortais dos dois soldados do PINT que morreram na explosão da mina anticarro.

Foto: © Fernando Franco (2006). Direitos reservados.


Telefonou-me o ex-Fur Mil Daniel Vieira, que fez parte da Companhia Terminal, sediada em Bissau, mais exactamente na antiga Fábrica da Cana de Açúcar, por detrás do Cemitério, em instalações que outrora terão pertencido à Casa Gouveia. Lembram-se ?

Eu nunca ouvira falar desta Companhia Terminal, cuja missão era fazer os reabastecimentos das unidades espalhadas pelo TO da Guiné, por ar, terra, rio e mar… Iam a todo lado, de Buba a Bambadinca...

Pois bem, pelo que o Daniel Vieira me contou ao telefone, e que eu aqui reproduzo, ele chegou à Guiné, em rendição individual, em Março de 1973 e foi um dos últimos militares a abandonar o território, em Outubro de 1974.

Pelo meio, aí por volta de 12 ou 13 de Março de 1974, foi ferido no Rio Geba, por ocasião de um ataque do PAIGC, no Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca, a um batelão carregado com 24 toneladas de munições. Morreu um cabo da Companhia Terminal, para além de 13 ou 14 africanos (civis ou militares, não faço ideia). Ele depois poderá contar mais pormenores: não sei se o batelão foi ao fundo, se houve explosões em cadeia, etc.


O Daniel Vieira (Fur Mil Vieira, como era conhecido) esteve três dias no HM241, em Bissau, e, depois da convalescença, terá sido colocado no aeroporto de Bissalanca.

Ele procurou-me por que nunca mais teve notícias dos seus camaradas da Companhia Terrminal. E anda à procura de pistas que o levem a reencontrar a malta dessa unidade, que não pertencia ao BIG – Batalhão de Intendência Geral (*) e que, estranhamente, não tinha número. Diz-me ele que era uma espécie de companhia ad hoc, formada nessa altura (1973), em Bissau, com malta de rendição individual…

Ele próprio era atirador de infantaria, tendo passado pelas Caldas da Rainha, Tavira e Castelo Branco (tal como eu...). Lembra-se que o comandante da Companhia Terminal era um capitão do quadro permanente, já entradote na idade, com os seus 50 e tal anos, natural da região de Viseu. Muitos anos depois do 25 de Abril, quando o tentou localizar, já tinha morrido.

Dos seus camaradas furriéis milicianos lembra-se do Barradas, que era alentejano, do Vilaça, que morava em Cascais, e do Mestre, que seria de Sacavém ou de Alhandra (já não pode precisar bem). Dos Alf Mil lembra-se do Tenrinho e do Morais. Do 1º cabo que morreu do Geba, tem o nome, em documentos que não tinha ali à mão.

Nunca mais encontrou esta malta, para grande desgosto seu… E gostaria ainda de ter essa alegria. Costuma ir aos almoços-convívios dos Antigos Combatentes da Guiné, que se realizam todos os anos a 5 de Outubro, e que são organizados pelo Isaías Peralta. A última edição, o 26º almoço-convívio, em 2007, foi em Viseu. E o próximo será em Pombal. Mas até à data ainda não conseguiu localizar ninguém da sua Companhia Terminal.

É por essa razão que se dirigiu ao nosso blogue. Foi a filha, psicóloga, que lhe falou em nós. E da possibilidade de, através da Internet, obter pistas sobre os seus antigos camaradas. O filho, por sua vez, que está a tirar um curso de informática, ajudou-o a fazer pesquisas no nosso blogue. E daí o contacto, telefónico, que estava a efectuar.

Ficou entusiasmado com o conteúdo do nosso blogue e a nossa vasta rede de contactos. Pediu-me se o ajudava. Naturalmente, respondi-lhe que sim: é essa a nossa missão (e vocação). Convidei-o a integrar a nossa Tabanca Grande. Aguardo o envio de algumas fotos digitalizadas, em formato jpg, que me vai enviar através do filho.

Entretanto, aqui vai o resto da sua história. Tendo sido ferido em serviço, em combate, no ataque acima referido, no Geba Estreito, acabou por lutar pelo seu direito à reintegração nas Forças Armadas. Há seis anos (se percebi bem…) foi reintegrado, no Exército, como 1º sargento. Passou os últimos quatros anos nos serviços de saúde militar, aqui em Lisboa, Campolide. É amigo do nosso camarada Manuel Rebocho, com que fez o curso para a Sargento-Mor. Está entretanto reformado como Sargento-Mor, DFA.

O Daniel Vieira, novo membro da nossa Tabanca Grande, vive em Porto de Mós, distrito de Leiria, e autorizou-me a divulgar os seus contactos: Telefone > 244 402 876 ; Telemóvel > 65 274 287.

Se alguém tiver alguma informação sobre a Companhia Terminal (Bissau, 1973/74), entre em contacto com o Daniel Vieira ou com os editores do blogue. Um por todos e todos por um, como no nosso tempo de Guiné.

Luís Graça, editor

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Nota de L.G.:

(*) Sobre o BIG, representado na nossa Tabamca Grande pelo Fernando Franco e pelo António Bais (cito de cor...), vd. os postes de:

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2462: Convívios (38): Minitertúlia da Intendência / Administração Militar, Belém, Lisboa, 18 de Janeiro de 2008 (Fernando Franco)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1195: Ameira: O nosso encontro fez-me bem à alma (Fernando Franco)

Guiné > Bissau > Batalhão de Intendência Geral (BIG) > 1974 > O Fernando Franco, 1º cabo Caixeiro. Esteve em Bissau entre 1973 e 1974 numa CIAG (Companhia de Intendência de Apoio Directo). É muito provável que conhecesse a Companhia Terminal e o nosso Daniel Vieira.

Também temos outro camarada, o Diamantino Figueira, que pertenceu ao BIG, Bissau, 1971/73. Telefone de contacto: 214752070 (restaurante, na região de Cascais).

Foto: © Fernando Franco (2006)

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3182: Em busca de... (38): Causas da morte do Alf Mil Manuel Sobreiro (Mampatá, 1968) Parte II (José Martins)