sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3690: O meu Natal no mato (21): CCAÇ 2402, Có, 1968, e Olossato, 1969 (Raúl Albino)

1. Mensagem de Raúl Albino (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá, Olossato, 1968/70, com data de 15 de Dezembro de 2008.

Caros amigos,

Aqui vai o meu contributo para esta quadra natalícia. Que o próximo ano seja, para o blogue, de tanto ou mais sucesso do que aquele que está a terminar. Que a vossa saúde e energia nunca vos falte.

Um grande abraço e que tenham um Natal Feliz dentro do possível neste ano de esquecimento. Merecemos, não?
Raul Albino.



Relatos de Natal da CCaç 2402

Vou incluir, neste meu artigo alusivo ao Natal, algumas fotos de recordação desses períodos da nossa comissão por terras da Guiné.


Companhia de Periquitos

Muitos já terão ouvido falar de Companhias de Periquitos na guerra do ultramar, mas para aqueles que não perceberam bem o que isso significava, aqui vai uma imagem que vale por mais de 1000 palavras. Esta é a Companhia de Periquitos Nativos N.º 00, armada até aos dentes (se eles os tivessem, claro), que apesar de ter feito uma comissão completa, nunca ganharam o estatuto de Companhia de Veteranos. Cumpriram cabalmente a sua missão de reforço na luta anti-stress dos nossos militares e foram considerados, por todos sem excepção, uma grande companhia … para os bons e maus momentos.


CCaç 2402 – Natal de 1968 em Có

Vemos aqui o nosso comandante de companhia Capitão Vargas Cardoso a encenar uma deslocação da RTP para recolha de mensagens de Natal. Na verdade, isso só viria a concretizar-se no Natal seguinte.


C Caç 2402 – Natal de 1969 no Olossato

Aqui sim, a RTP foi ter connosco para recolha das célebres mensagens natalícias para serem vistas pelas famílias na sua televisão ou na do Café da esquina. Estão a filmar o meu grupo, eu sou o primeiro à direita do operador de câmara e pareço estar a exibir o meu sorriso pepsodente para a imagem. Estarei, possivelmente, a debitar uma mensagem padrão equivalente a esta que agora vos dirijo, tão em voga na altura.

Envio aos dedicados editores deste blogue, todos os tertulianos e suas famílias os meus votos de um Santo Natal e um Melhor Ano Novo. Nós por cá estamos bem. Adeus e até ao meu regresso.

Raúl Albino
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3450: Blogoterapia (72): Comentário ao P3402 (Raúl Albino)

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3687: O meu Natal no mato (20): Visita de Natal do COMCHEFE a Cutia (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P3689: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (7): Antecedentes relacionados e breve comentário (V. Briote)

Imagem aérea de Guileje. Foto de Amaro Samúdio.


I. Alguns acontecimentos de Maio de 1973, na Guiné (relacionados com Guileje)


Assassinato de Amílcar Cabral

Dois emissários enviados por Sekou Touré, na manhã de 20 de Janeiro, avisaram Amílcar Cabral que havia gente à volta dele que se preparava para o liquidar. Amílcar chamou Mamadú Indjai, o responsável pela guarda, para lhe dar conhecimento do facto. Ao corrente do aviso, os conspiradores resolveram actuar no próprio dia. Amílcar Cabral, quando regressava de um jantar na Embaixada da Polónia, foi assassinado naquela mesma noite de 20 de Janeiro, à porta da sua casa no bairro Minière, em Conakry. Sabe-se que Inocêncio Cani disparou o primeiro tiro e que Mamadu Turé e Aristides Barbosa fizeram parte da conspiração. As circunstâncias que rodearam o assassinato, a que se seguiu a prisão de vários dirigentes do PAIGC por Sekou Turé, nunca foram totalmente conhecidas do grande público.

1 de Fevereiro, Simpósio em Conakry em memória de Amílcar Cabral, reuniu cerca de 700 representantes de vários países.

Ofensiva do PAIGC

Entre 7 a 9 de Fevereiro, o PAIGC tinha reunido em Conakry. Depois de homenagear o seu fundador e nomear Aristides Pereira como 1º responsável do Partido, a direcção convocou o Conselho de Guerra. Desta reunião saíram orientações para a intensificação da luta armada em todas as frentes e levá-la aos centros urbanos.
Lançar ataques sucessivos em todas as frentes, não deixando o IN em repouso um só dia, seja onde for que ele se encontre. É dentro desta orientação que se dá a ofensiva dos três G (Guidaje, Guileje, Gadamael).

A Força Aérea perante o novo desafio

Entrada no palco da guerra da nova arma das forças do PAIGC, os mísseis Strella (Sam-7). Em 20 de Março, o Ten Cor Almeida Brito e o Maj Pessoa, aos comandos de uma parelha de Fiat G-91 da FAP avistaram um míssil em Campada. Dois dias depois, em 22, o Fur Pilav Moreira num T-6 vê passar-lhe ao lado um projéctil que admitiu ser um míssil. Em 25 coube a vez ao Ten Pessoa, que se conseguiu ejectar, sendo recuperado no dia seguinte por um Gr Cmds (pormenores mais abaixo). Em Março ainda, a 28, o Ten Cor Almeida Brito aos comandos do Fiat G-91 morreu ao despenhar-se com a aeronave abatida por um SAM-7 Grail.

Em Abril, a 6, um DO-27 pilotado pelo Fur Baltazar é atingido e despenha-se, morrendo o piloto. Outro DO-27 pilotado pelo Fur Carvalho Ferreira, em viagem de Guidaje para Bigene, desapareceu com três passageiros a bordo. Em 8, o Maj Mantovani morre aos comandos de um T-6. O outro piloto que "ia em asa", o Alf Henriques, viu um rastro de fumo vindo do solo.

A FAP não estava preparada para enfrentar os mísseis terra-ar. As consequências foram enormes para as forças apeadas do Exército Português. O apoio aéreo deixou de ser feito com a regularidade a que estavam habituadas. As evacuações foram fortemente restringidas, vários militares feridos ficaram retidos nos locais onde foram atingidos e alguns terão mesmo morrido por falta de condições de assistência.

A partir da entrada em acção dos mísseis anti-aéreos (Strella) pode dizer-se que a guerra nunca mais foi a mesma.

Recordando para a história: em 25 de Março, um domingo, o aquartelamento de Guileje foi flagelado em pleno dia, entre as 13h00 e as 14h30. Não foi inocente este ataque diurno (de noite, em regra, as aeronaves não saíam), como se veio a comprovar. Solicitado o apoio da FA, esta apareceu com um Fiat G-91, tendo o piloto entrado em contacto rádio com Guileje, donde recebeu as indicações sobre as distâncias aproximadas dos locais de onde partiam os fogos. De terra viram-no rumar nessa direcção e a partir daí os contactos rádio cessaram. Cerca de 15 a 20 minutos depois surgiu nos céus de Guileje o 2º avião. Estabelecido o contacto, o piloto foi posto ao corrente. Minutos depois, informava Guileje que o 1º avião tinha sido abatido e que o piloto (Ten Pessoa) se tinha conseguido ejectar. Devido à hora tardia, localizado através de um very-light, o piloto só foi resgatado no dia seguinte. Em 12 Abril, na zona de Guileje, um guerrilheiro armado encontrado ferido é evacuado para Bissau.

Em 6 de Abril, Guidaje (Bigene e Binta) foi atacada pelo PAIGC. Todos os acessos a essa povoação na fronteira Norte com o Senegal foram sujeitos a uma das mais violentas acções de toda a Guerra da Guiné. Minas, emboscadas, abates de aeronaves, houve de tudo naquele interminável período (de 6 de Abril a 29 de Maio).
As forças do PAIGC empenhadas nesta acção foram comandadas por Francisco Mendes (Chico Té) e pelo Comissário Político Manuel dos Santos (Manecas).

Na zona de Guidaje, durante aquele período, estiveram envolvidos cerca de mil homens das Forças Armadas Portuguesas, segundo os Cors Matos Gomes e Aniceto Afonso. Em 53 dias de cerco, Guidaje sofreu 43 ataques com foguetões de 122 mm, artilharia e morteiros. 48 Mortos, 122 feridos, 3 desaparecidos, seis viaturas destruídas e três aviões abatidos (um T6 e dois DO 27).

No decorrer do assalto do PAIGC a Guidaje, a base do PAIGC estacionada em Kumbamory, Senegal, foi assaltada e destruída pelo BCmds do Exército Português na manhã de 20 de Maio. Nesta acção, segundo Almeida Bruno, o Cmdt da Op Ametista Real, as tropas portuguesas destruiram quatro centenas de armas automáticas, mais de 100 morteiros, 14 canhões s/r e quase centena e meia de lança-granadas, para além de milhares de munições, minas anti-carro e anti-pessoal, granadas de mão, granadas de morteiro e de RPG, rampas de foguetes, etc. No decorrer dos combates o BCmds sofreu nove mortos, vinte e três feridos graves e onze desaparecidos, considerados mais tarde, como mortos.

Guileje

Guileje, uma "praça fortificada", era considerada pelo Estado-Maior de Spínola de grande importância estratégica. Pouco mais de duzentos militares protegiam a povoação com mais de 500 habitantes.
Era pela zona de Guileje que o PAIGC introduzia, para quase toda a zona Sul, grandes quantidades de armas, munições, mantimentos e material sanitário. Este material fornecido pela URSS e pelos seus então chamados satélites (material de guerra, especialmente), bem como por alguns países nórdicos (nomeadamente a Suécia com material escolar, sanitário e alimentos) era, na grande maioria, desembarcado no porto de Conakry, passava por Boké, Kandiafara, Simbel e Tarsaia, entrando no território da Guiné pelo corredor de Guileje (chamado pelas NT "corredor da morte" e "corredor do Povo" pelo PAIGC). Daí a importância que Spínola dizia atribuir a Guileje, vindo a conferir-lhe um COP, comandado por um major.

Tropas do PAIGC concentraram-se na área da fronteira da Guiné-Conakry para reforçar a guerrilha já aí estacionada. Daí partiu o ataque, em 18 de Maio.

As informações tinham começado antes: em 9 Maio, a CCaç aquartelada em Empada enviou uma mensagem para a 2ª Rep/QG, comunicando a "existência de um grupo IN na fronteira, com carros de combate, que pretendia atacar Guileje". A seguir, rectificou a mensagem, enviando outra em que referia "a presença nas matas de Guileje de um grupo de 35 cubanos e dois grupos de 45 elementos cada, aguardando instruções de 'Nino' Vieira para atacar Guileje".

Em 11, Spínola visitou Guileje e falou às tropas, formadas na pista: que se esperava um agravamento da situação, que a Força Aérea, embora limitada na execução das missões, em situações difíceis cumpriria, voando mais alto e utilizando bombas mais potentes e que as evacuações de feridos graves se iriam manter. Entretanto, no dia anterior, um milícia de Guileje abandonou a povoação com a arma que lhe estava distribuída. Como tinha dito que ia à caça e podia andar perdido o Pelotão de Milícias de Guileje saiu em patrulhamento, com a finalidade de o encontrar. Os milícias não o encontraram, mas depararam com uma mina anti-carro e quando tentavam desmantelá-la, deu-se o rebentamento, provocando a morte de dois elementos. Mais tarde veio a saber-se que o referido milícia tinha sido aprisionado pela guerrilha, junto ao local onde a guarnição se abastecia de água.

Em 15 Maio, a Companhia sediada em Bedanda informou da "chegada em 10 Maio, de 4 grupos vindos da R. Guiné-Conakry e a presença em Kandiafara de cerca de 50 cubanos". No dia seguinte a CCaç estacionada em Empada informou da "chegada a Simbeli de três grupos de Artilharia vindos da URSS e a presença de dois blindados junto à fronteira". Em 18 Maio, novamente de Bedanda: "reunião do IN em Kandiafara, objectivo Guileje. Reunidos 5 bigrupos (cada bigrupo dispunha organicamente de 40 elementos, dispondo de 4 a 6 ML, 2 a 6 LGF, 2 a 4 MP e 2 a 4 Morteiros de 82) junto a Guileje.

O PERINTREP (relatório semanal do ComChefe) da semana de 13 a 20 Maio destacava: "O IN desencadeou uma ofensiva contra Guileje, emboscando, com elevado potencial de fogo, forças daquela guarnição que se dirigiam para Gadamael e flagelando depois aquele aquartelamento 21 vezes no espaço de 36 horas, com foguetes 122, canhão 85, morteiro 120 e canhão sem recuo, instalando a maioria das bases de fogos na Rep. Guiné-Conakry" (...). Outro relatório da 3ª Rep do QG/CTIG sobre a actividade do COP 5 (área militar que enquadrava Guileje) entre 18 e 21 de Maio, referia que, no primeiro dia, "durante a execução duma coluna de reabastecimento, as NT foram fortemente emboscadas por duas vezes, a cerca de dois kms de Guileje, tendo sofrido um morto, sete feridos graves e quatro ligeiros. Por falta de evacuação aérea, um dos feridos graves faleceu quatro horas depois da emboscada".

Um corpo no meio da tabanca de Guileje. Foto de autor que desconheço, a quem agradeço e que aqui reproduzo com a devida vénia.


Numa súmula muito breve dos ataques a Guileje, durante o período compreendido entre as 20h00 de 18 de Maio e as 04h00 do dia 22, o aquartelamento e a povoação foram flagelados com cerca de 800 granadas (morteiro 120, canhão s/r, LGF e outras não identificadas), muitas das quais caíram dentro do destacamento, restando poucas instalações intactas e, devido à destruição das antenas, o aquartelamento ficou sem comunicações rádio com o exterior.

Na noite de 21, o comandante de Guileje, o Maj Art Coutinho e Lima, decidiu o abandono da praça-forte na madrugada do dia seguinte. Segundo ele próprio, a decisão baseou-se na forte pressão do IN, na não atribuição de reforços, na não evacuação dos feridos, na escassez de munições, na falta de água no aquartelamento (o abastecimento era feito a cerca de 4 kms), na defesa da população, e na destruição do centro de comunicações. É de destacar, como parêntesis, que, desde 18 de Maio o aquartelamento se foi mantendo debaixo de fogo, por períodos intercalados. Os militares e a população, mal pressentiam a saída da primeira granada, precipitavam-se para os abrigos, triplicando a lotação. A excelente protecção conferida pelos abrigos, feitos em betão armado, sob a orientação do BEngª de Bissau, abrigos que, em princípio, seriam à prova de rebentamentos de morteiro 120, justifica, segundo os sitiados, terem sofrido apenas um morto(um furriel metropolitano).

Dada a ordem de retirada, elementos da população começaram por oferecer alguma resistência mas, face à decisão inabalável de Coutinho e Lima, decidiram-se por seguir com a tropa.

Na difícil hora da retirada, depois de 9 anos de guarnições militares em Guileje, a coluna dirige-se para outro inferno, Gadamael. Foto de autor que também desconheço. E que, com a devida vénia, reproduzo.

Assim, às primeiras horas do dia 22 de Maio, a enorme coluna (militares, milícias e população) meteu-se a caminho através de um trilho utilizado apenas pela população.
No local e segundo o PAIGC, as tropas portuguesas deixaram para trás três peças de artilharia e documentos sobre a disposição das forças em todo o território da Guiné. Peças e documentos que muito jeito deram às forças de guerrilha, segundo vieram a dizer mais tarde dirigentes do PAIGC. O Major Coutinho e Lima assegura, por sua vez, terem sido inutilizadas as armas e viaturas e a documentação ter sido toda queimada, afirmação confirmada, aliás, por vários militares encarregados das destruições.

Não deve ignorar-se o efeito propagandístico que, em situações deste tipo, os contendores usam. Assim, as emissões de rádio, provenientes de Conakry, exploraram, como era seu dever, o feito da tomada de Guileje: "(...) Os nossos gloriosos combatentes capturaram ao IN em Guileje, o material seguinte: 2 canhões de 155, morteiro de 106, 2 de 81, 1 de 70, 5 MP Dreyse, 3 bazucas de 88, 5 PM FBP, 47 G-3, 8 Mausers e grande quantidade de munições. Viaturas: 3 blindados, 4 camiões Berliet, 1 Unimog e 1 jeep Willy. A central eléctrica e o posto de rádio estão intactos. Os nossos combatentes apreenderam ainda diversos mapas e outros elementos de alto valor militar e víveres em quantidade prevista para o consumo da guarnição durante vários meses".

O Major Coutinho e Lima, para justificar a difícil decisão que tomou, diz ter tido, essencialmente, a preocupação de poupar as mais de 600 vidas que lhe estavam confiadas. A retirada decorreu, tanto quanto possível, ordenada e sem incidentes. A escolha do trilho e o efeito surpresa (nunca puseram a hipótese da guarnição retirar, afirmaram, mais tarde, alguns responsáveis da guerrilha) foram as razões que permitiram a coluna chegar a Gadamael sem problemas.

Em 13 anos de guerra, era a 1ª vez que a tropa portuguesa retirava de um aquartelamento, sob o pretexto da pressão do IN, o que levou alguns a interrogarem-se do que teria acontecido em Guidaje, se em vez do Coronel Correia de Campos tivesse sido Coutinho e Lima o comandante. No entanto, com a informação hoje disponível, é possível destrinçar as situações: Guidaje teve o apoio de tropas da reserva do Com-Chefe (páras, fuzileiros, comandos e outras), Guileje não teve.
Entre os que permaneciam em Guileje, enraizou-se a ideia de que estavam abandonados à sorte. Não sentindo o apoio do ComChefe, o Major Coutinho e Lima tomou uma decisão difícil e que o iria marcar para toda a vida. Mas quem toma decisões difíceis, em situações críticas, temos que convir, não são pessoas comuns.

Gadamael

As consequências da saída de Guileje tiveram enorme repercussão. Pela primeira vez, pelo menos de uma forma tão pública e que o PAIGC aproveitou em todos os palcos internacionais, o Exército Português mostrava fracturas tão assinaláveis.

Na sequência, tentando aproveitar o "efeito dominó", as tropas do PAIGC deslocaram todo o esforço para o aquartelamento vizinho, Gadamael, que passou a ser atacado do território da Guiné-Conakry várias vezes ao dia, com enorme violência (morteiros 82 e 120, foguetões de 122mm, conhecidos pelos 'jactos do Povo' e bocas de Artª de 130 mm, com alcance até trinta quilómetros). A guarnição, tal como a de Guidage, embora com custos elevados (17 mortos) e 55 feridos entre 1 de Junho e 22 Julho aguentou-se estoicamente. No seu livro "Gadamael", o Sargento pára-quedista Carmo Vicente escreveu: "tombaram para sempre, quase cinquenta irmãos nossos, que não queriam combater e que abominavam a guerra. Quase cinquenta homens que, se o pudessem ter feito, teriam gritado antes de morrer: entreguem a Guiné aos Guineenses".

Entretanto, em 22 de Maio, Spínola tinha informado por escrito o Ministro do Ultramar sobre a degradação da situação militar. A título de exemplo referia que, entre as 18 horas do dia 20 e as 8 e 30 de 21, Guileje tinha sofrido 32 ataques; que Guileje era de importância estratégica para a manobra militar e para os abastecimentos do PAIGC no Sul, pelo que era vital a sua defesa.

Em todo o mês de Maio as tropas portuguesas sofreram 64 mortos em combate e quase três centenas de feridos, na sequência das cerca de 220 acções desencadeadas pelo PAIGC contra os dispositivos das forças militares portuguesas.

capa de "A RETIRADA DE GUILEJE, 22 MAI 1973, A VERDADE DOS FACTOS"
Autor: Cor Artª Alexandre Coutinho e Lima
Editor: DG edições
Preço: cheque de 22 € (20 do livro e 2 para a franquia do correio).
Pedidos ao Autor

II. Ao Coronel Alexandre Coutinho e Lima

Li o seu livro num sôfrego. Peguei-lhe e não o larguei. É um documento que faltava, importante para compreender melhor os anos de "brasa", em especial o ano de 73.
Tem informação documentada, de facto, desconhecida ou muito pouco conhecida, inclusive de estudiosos que ao longo destes anos se têm dedicado ao estudo da Guerra na Guiné.

Fiz lá “apenas” uma comissão, entre 65/67, e já naqueles anos senti os problemas crónicos (a extrema pobreza das "Informações", por exemplo) que afectaram a condução correcta da guerra, isto reportando-me apenas aos aspectos militares. Muito longe, portanto, das suas 3 comissões, das quais a última em condições excepcionalmente difíceis.

Aos olhos de um simples leitor da nossa História, a atitude do Comandante do COP 5, protagonizada pelo Senhor, parecia-me, à partida, pouco compreensível e difícil de defender, tendo como referência a situação que se viveu em Guidaje. Por outro lado, pareceu-me sempre que ao caso de Guileje, ao contrário de opiniões, que havia muitas, faltavam factos. Claro que não estou seguro que os documentos que apresenta encerrem definitivamente o dossier "Guileje". Mas com os factos (sem pôr em causa as opiniões e comentários que emite) documentados que apresenta e que eu desconhecia, hoje, posso dizer que compreendo melhor a decisão que tomou.

Independentemente do juízo que a História está ou ainda vai fazer sobre a retirada de Guileje, devo manifestar-lhe que fiquei com a convicção de que:

1. Foi graças à decisão que o Coronel tomou que, em vez de um morto a lamentar, muitas famílias, de cá e de Guileje, tenham podido conviver com os seus Familiares e Amigos, a grande maioria, felizmente, ainda até hoje.

2. O Com-Chefe, independentemente da apreciação globalmente positiva que eu possa ter da acção que desenvolveu na então Província, não fez tudo o que podia e devia ter feito pela população e tropa de Guileje.

3. Atitudes ou decisões, ainda controversas para alguns, como a que o Cor Alexandre Lima tomou não são habituais. E só as poderiam tomar, nas excepcionais condições em que se vivia naqueles tempos em Guileje, Militares com convicções muito sólidas sobre a forma de como bem fazer a Guerra.

Depois de ler o seu livro, depois de consultar a documentação nele exposta, é minha convicção que o Exército Português teve, em Guileje, um Comandante que cumpriu o seu dever.

V. Briote

__________

Notas de vb:
1. Graças ao nosso Leitor, Abreu dos Santos, alguns pormenores dos acontecimentos relacionados com Guileje (nomeadamente datas e números de mortos) foram corrigidos (em 8 de Janeiro de 2008). Os meus agradecimentos.

Artigo relacionado em

31 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3686: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (6): Comentário do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3688: Blogpoesia (29): Este ano não mandei cartões de boas festas a ninguém (Luís Graça)

Do editor do nosso blogue, Luís Graça, de férias na Madeira. Hoje, às 16h, na Ponta de São Lourenço, um dos pontos mais deslumbrantes da ilha... Com um chicoração para os meus queridos co-editores Carlos Vinhal e Vírgínio Briote, e para os demais amigos e camaradas da Guiné.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados


Blogpoesia (29) > Este ano não mandei cartões de boas festas a ninguém
por Luís Graça


Eu poderia ter escrito:
Neste Natal
tornem o mundo mais bonito
com o vosso sorriso,
com as vossas gargalhadas,
com as vossas emoções à flor da pele…

e ter mandado um cartão
para os meus amigos
com votos de boas festas
nas mais desvairadas línguas do mundo:
Feliz Natal
Merry Christmas,
Joyeux Noël,
Feliz Navidad,
Buon Natale,
Frohe Weihnachten…


Mas não,
não mandei.
Este Natal não mandei
cartões de boas festas a ninguém.
Nem neste ano nem no ano passado.
Não me perguntem porquê…
Estou amuado
com o mundo,
com os senhores deste mundo
e do outro.
Mas este mundo e o outro
estão-se literalmente nas tintas
para comigo
e para com os meus amuos.

Pensando bem,
os meus amigos
(incluindo os meus camaradas da Guiné)
deviam merecer
um cartão de ocasião,
um bilhete postal,
ou um simples pedaço de papel de jornal,
com uma breve explicação.
Eles não me levariam a mal,
esboçariam até um sorriso de condescendência…

Queridos amigos:
Não é fácil
não cair nos chavões
repetidos até exaustão,
até à náusea,
nesta época
dita natalícia
em que a natureza,
a vida,
os bichos,
os homens,
os deuses
renascem…
Mas por outro lado
também é insuportável o silêncio,
a muralha da China do silêncio
às costas do mundo.
Mesmo que haja excessivo ruído
nestes dias que antecedem o Natal,
e o Ano Novo,
mesmo que haja crise
das comunicações,
é nos difícil não-comunicar.
É quase impossível não-comunicar.
É mesmo impossível não-comunicar.
De uma maneira ou doutra
acabamos por dizer aos outros, em geral
e aos amigos, em particular,
que estamos vivos,
que consumimos logo existimos,
que comunicamos logo pensamos,
que pensamos neles
e logo lhes mandamos
um cartão,
um e-card,
um msn,
um mail,
um SOS.
No fundo, queremos sentir e fazer sentir
que eles estão vivos,
que eles e nós estamos ainda vivos,
que somos uns felizardos
por estarmos vivos…
É talvez a altura do ano
em que a solidão dói mais,
custa mais,
custa mais a passar,
se é que algum dia passa.
Como se fora uma simples dor de dentes,
ou de ouvidos…
Mas não é.
Estás só no nascer e no morrer,
e episodicamente, ao longo da vida,
tens a ilusão de estar acompanhado.
Estás só nas grandes decisões
que tomas
ou que tomam por ti:
nascer,
morrer,
ir à guerra,
ter um filho…

Por isso hesitei
entre a palavra e o silêncio,
entre o pavor da palavra
e o horror do silêncio.
Gostaria de ter a certeza
que os amigos também se entendem
através do silêncio,
também sabem deixar espaços
para que a amizade se construa
e se consolide
no silêncio das noites
e dos dias
em que não damos
ou não queremos dar
sinais de vida uns aos outros.

Gosto
ou já gostei noutras natais,
da ideia de que o Natal
deveria ser todos os dias.
Mas, por outro lado, recuo
ante a perspectiva
de 365 dias de felicidade,
todos seguidos,
sem um dia de discórdia,
de conflitos,
de chatices,
de problemas,
de incidentes,
de acidentes,
de stresse,
de adrenalina,
de pequenos altos e baixos…

Como bom cristão
ou bom budista,
ou bom muçulmano
ou outra coisa qualquer
do catálogo das religiões,
manifestaria o desejo
de nos podermos organizar
nesse sentido,
ou seja, de virmos a ter Natal todos os dias.
Não no calendário ,
mas em nós mesmos,
nos nossos corpos e almas,
nas nossas casas,
colmeias,
casulos,
redes neuronais,
casernas,
ilhas,
ilhotas,
arquipélagos,
empresas,
cidades,
países,
mundos…

Dito isto,
hesitei entre o silêncio
e a palavra,
sabendo que a comunicação é uma armadilha,
mas mais forte é o apelo
dos sons,
dos tons,
dos sabores
e das cores,
do amor e da amizade
neste princípio de Inverno de 2008,
na despedida de mais um ano,
em que inexoravelmente ficamos mais velhos
e estamos mais sós
mas continuamos a ser
animais,
mamíferos,
primatas,
territoriais,
sociais,
circadianos
e heliocêntricos.

Não sei se foi mais um annus horribilis,
mas não foi um ano fácil,
lá isso não foi.
Como o não foi o 2007, o 2006 e por aí fora
para todos nós,
homens e mulheres
que procuramos manter habitável o planeta,
a começar por aqueles que não têm motivos,
grandes,
pequenos,
assim-assim,
para sorrir,
dar gargalhadas,
ter esperança
e ter alegria.
Não foi fácil viver
e sobreviver
em 2008.

Penso naqueles,
para quem o ano de 2008 não foi pai nem mãe,
mas padrasto e madrasta,
mesmo que o ano, coitado,
não tenha personalidade jurídica,
contrariamente ao meu patrão,
ou ao polícia do meu bairro,
e seja o bombo da festa das nossas frustações…

Neste Natal gostaria de poder enviar-vos
daqui,
uma palavra
doce,
quente,
amiga,
solidária,
fofa,
calorosa,
vistosa,
feliz,
em forma de bolo-rei,
ou de prato de rabanadas,
acabadas de fritar.
Ou de girândola de foguetes
sobre a baía do Funchal.

Mas sinto-me colado ao teclado,
vidrado,
bloqueado,
cristalizado,
enquanto lá fora
a neve coze as pencas do Norte
que são tradicionalmente comidas
com o bacalhau do Natal.
Ou chegam grandes paquetes
com gente,
com velhos e louros,
que vêm ver
a feérica cidade-presépio
mais a sul,
que não é seguramente
a cidade do Menino Jesus da minha infância.

Talvez antes
eu devesse convidar-vos
para se sentarem à mesa comigo
nesta Consoada
ou na passagem de ano.
Mesmo simbolicamente que fosse.
Fico na dúvida sobre o que é
física,
mental,
emocional,
social
e espiritualmente
mais correcto.

Este ano não vos mandei um cartão de boas festas
com os dizeres:
Neste Natal
tornem o mundo mais bonito
com o vosso sorriso,
com as vossas gargalhadas,
com as vossas emoções à flor da pele…

Não tive coragem,
não tive lata.
Ou se calhar não quis,
não tive pachorra,
não pude,
fiquei sem internet,
estive com gripe…
Poderia invocar
qualquer outra desculpa,
que seria sempre uma desculpa
esfarrapada…

Mesmo não podendo
ou não querendo,
ou querendo e não querendo ao mesmo tempo,
acabei por vos mandar
as minhas festas de Natal e Ano Novo.
Atabalhoadamente…
Que sejam ao menos
quentes e boas
…como as castanhas.

Madalena, 24 de Dezembro de 2007
Funchal, 31 de Dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3687: O meu Natal no mato (20): Visita de Natal do COMCHEFE a Cutia (Jorge Picado)

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, com data de 27 de Dezembro de 2008:

Caros Camaradas
A dois dias de fazer 38 anos sobre o sucedido, envio umas notas sobre um facto que testemunhei, na ùnica vez em que falei e militarmente apresentei forças militares ao Sr Governador e Comandante Chefe na Guiné.
Se julgarem de interesse, publiquem.

Abraços para TODOS.
Jorge Picado


Como já foi referido por diversas vezes no Blogue, a quadra natalícia, pelo seu significado, era usada por toda a Sociedade para exprimir aos combatentes "a sua gratidão" pelo sacrifício que prestavam à Pátria.

Eram as prendas do MNF, das quais nunca vislumbrei alguma talvez devido ao facto do pessoal sob meu comando já ter passado um Natal anterior (?), eram as celebérrimas mensagens enviadas através da TV, de que também me livrei e havia ainda as visitas relâmpago, durante este período, ao maior número de aquartelamentos possível realizadas por SEXA o Comandante Chefe.

Evidentemente que não sendo possível apresentar pessoalmente os seus Votos de Bom Natal e Felicidades para o Novo Ano a todos quantos se encontravam no TO, privilegiava ao máximo os locais mais castigados e isolados do mato, manifestando a "sua" solidariedade, o "seu" agradecimento e demonstrando que estava com as tropas, mesmo nos sítios mais inóspitos.

Só tive um ComChefe, o Marechal (então General) Spínola (o famoso "Caco Baldé"). Não sei se, os anteriores e o posterior, usavam esta política de reconhecimento para com os subordinados de escalão mais baixo, mas, não sendo seu admirador (por conhecer o seu passado na II Guerra Mundial), a sua forma de tratar um caso que lhe chegou ao conhecimento, indirectamente por mim, marcou-me, pela positiva.

Destacamento de Cutia, situado na estrada Mansoa/Mansabá

VISITA DE NATAL DO COMCHEFE A CUTIA

Na época natalícia de 1970, na área do BCaç 2885, o Destacamento de CUTIA foi um dos contemplados pela visita de SEXA e, como me encontrava lá colocado, coube-me recebê-lo, no dia e hora marcado e fazer "as honras da casa" durante o tempo dispensado, já que a paragem se inseria num percurso que o levaria a outros locais e a almoçar num outro local com melhores infra estruturas.

Ora isto aconteceu no dia 29DEZ70, segundo a indicação que tenho na Agenda para este dia [Visita de Sexa].

Evidentemente que a visita em si foi igual a tantas outras que muitos dos camaradas tiveram, com toda a certeza, mas há um acontecimento que julgo ser de dar a conhecer, até para se adicionar aos muitos outros que servirão para avaliar o perfil deste militar.

Dos soldados que tinha comigo naquela terra, havia um não originário do BCaç, mas que tinha ido ali parar por transferência disciplinar – pouco tempo antes de me ter deslocado com um Grupo de Combate da CCaç 15 para aquele Destacamento – face ao seu currículo cadastral.
Natural dum dos típicos bairros lisboetas – logo dotado duma certa lábia e duma experiência de vida mais libertina e menos dado a obediências – mais uma vez, creio, tinha sido transferido de unidade, por razões disciplinares. Ao longo da sua comissão, que já ultrapassava em muito os 25 meses quando apareceu em MANSOA – em OUT70 – já tinha passado por várias unidades, no seu périplo pelas matas da Guiné – intercalando por "estadias de descanso forçado" em BISSAU, sempre a acumular castigos, qual candidato a eterno "residente" por aquelas paragens, desde que as contingências da guerra o não levassem desta para melhor.

Pouco tempo depois de permanecer em MANSOA foi mais uma vez "premiado" pelo Cmdt do BCaç que lhe aplicou mais 20 dias de Prisão Disciplinar – precisamente uma semana antes do tal meu deslocamento – de forma que quando saí da sede do BCaç, o Cmdt determinou que logo que cumprisse a pena, tinha de o levar para CUTIA, já que como era um lugar pequenino não poderia causar tantos disparates…e eu que o controlasse não lhe atribuindo muitas responsabilidades para não fazer tantas asneiras.

Bem, o rapaz teve sorte ao encontrar "um paisano" que, "falando-lhe ao coração", perguntando-lhe o "que gostava de fazer" antes de o "mandar fazer", estabeleceu com ele um compromisso.

Tínhamos um gerador que passava mais dias em descanso do que aqueles em que funcionava…e ele, afirmando que tinha alguns conhecimentos de mecânica, prontificou-se a cuidar do gerador e a mantê-lo em funcionamento.

Detectou a razão das frequentes avarias, indicou-me as peças necessárias que, uma vez recebidas da Engenharia, substituiu com a ajuda dum camarada, tornando o gerador mais funcional.

Quando mandei dar conhecimento a todo o pessoal da visita do ComChefe, este soldado veio pedir-me para solicitar ao "Homem Grande" que o deixasse expor directamente o seu caso. Instruí-o para que se fardasse convenientemente e transmiti a um dos Furriéis para que "lhe desse uma ensaboadela dos procedimentos da apresentação a um superior".

Perante as forças que não foram destacadas para a devida segurança, devidamente formadas na improvisada parada, recebi com as honras militares correspondentes e falei pela primeira e única vez directamente com o Gen Spínola. Confesso que estava um tanto nervoso, com receio de cometer alguma "gaffe" e ser logo ali recriminado por falta de profissionalismo militar. Tal não aconteceu e, chegando aos "finalmentes", ou seja, quando ele fez a pergunta sacramental se havia alguém que desejasse expor-lhe qualquer assunto, apresentei-lhe o pedido do tal soldado.

Ordenou-me logo para o mandar avançar. Ouviu-o. Questionou-me sobre o seu actual comportamento. Informei-o sobre o bom desempenho da tarefa de que fora incumbido e da sua actual correcção dos deveres militares, após o que, como era habitual, virou-se para o ajudante de campo, que naquela época já não era o Capitão de Cavalaria Almeida Bruno – estava como Cmdt de uma CCom Africana – mas outro Cap mais baixo, de bigodinho, que imitava o General usando igualmente uma bengala e ordenou-lhe para tomar nota dos elementos identificativos do soldado e apresentar-lhe posteriormente o processo.

Resultado

Antes do final de Janeiro de 1971, o soldado embarcou no Aeroporto de Bissalanca com destino à Metrópole e com a comissão terminada.

Este facto, que como é evidente me marcou de tal modo que é daqueles que não esqueci, deu-me a conhecer outra faceta deste Comandante.

Ao mesmo tempo como era firme e severo nos seus castigos, também sabia ser humano quando necessário.

O Gen António de Spínola numa das suas habituais visitas a aquartelamentos da Guiné.
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Notas de CV:

(*) Vd. último trabalho de 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3666: O meu Natal no mato (19): Spínola, as meninas do MNF, o bispo de Madarsuma e um jornalista, em Gandembel, 1968 (Idálio Reis)

Guiné 63/74 - P3686: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (6): Comentário do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego

1. Mensagem do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego (*), que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda, Guiné 1970/72:

Caríssimo Carlos Vinhal, venho mais uma vez incomodar-te com um assunto que me parece importante publicar no Blogue da nossa Tabanca Grande, que é um comentário que fiz, relativamente ao livro do coronel Alexandre Coutinho e Lima "A RETIRADA DE GUILEGE" (**).

Votos de um Bom Ano Novo (2009) para ti, Luís Graça e Virgílio Briote, extensíveis às excelentíssimas famílias.

JOSÉ FRANCISCO ROBALO BORREGO


2. COMENTÁRIO AO LIVRO DO COR DE ARTª ALEXANDRE COUTINHO E LIMA “ A RETIRADA DE GUILEGE “


Após a leitura do livro, fica-se com a sensação amarga, salvo melhor opinião, de que o Senhor general Spínola desinteressou-se pela defesa de Guilege, dá a impressão que deixou de ser para ele uma prioridade, senão vejamos:

Porque negou ele ao Senhor coronel Coutinho e Lima os reforços veementemente solicitados face às dificuldades que se sentiam no terreno? Porque não concedeu uma excepção às evacuações, por meios aéreos, dos feridos mais graves, conforme prometera em 11 de Maio de 1973?

Como Comandante-Chefe sabia perfeitamente que a guarnição de Guilege era das mais problemáticas da Guiné não só por estar perto da fronteira da Guiné-Cronacri que nos era totalmente hostil, entrando por ali para o interior da Guiné cerca de 80% do reabastecimento de material utilizado contra as Nossas tropas, mas também pelo seu isolamento na época das chuvas (JUNHO-OUTUBRO), já que a estrada de Guilege para Gadamael, neste período, ficava totalmente intransitável! Este facto, só por si, merecia uma atenção permanente muito especial!

Será que o Senhor general Spínola subestimava o IN naquela Zona de Acção?

Será que não levava a sério os apelos do Comandante do COP 5, por não o achar competente?

Será que desejava um pretexto para pressionar o Governo de Marcelo Caetano no sentido de reforçar a Guiné com mais homens e material mais sofisticado?

Nunca se saberá, mas alguma coisa lhe deve ter passado pela cabeça!

O IN, entretanto, dava sinais de evolução, quer em organização táctica, quer na utilização de material de guerra moderno, em muitos aspectos, superior ao nosso. Beneficiava do enquadramento e da formação dada pela ex-União Soviética e Cuba. O aparecimento dos mísseis STRLLA foi a “pedrada no charco”, afectando psicologicamente as Nossas Tropas e dando ao PAIGC uma vantagem militar que até aí não tinha, provocando assim um desequilíbrio estratégico a seu favor. A Força Aérea Portuguesa entrou em retracção e deixou de dominar, a seu belo prazer, o espaço aéreo, resultando num grande trunfo para o IN que passou a ter maior liberdade de acção no terreno.

A tentativa do Senhor coronel Coutinho e Lima comparar os acontecimentos de Guilege e Guidage tem interesse para se perceber que o Comandante-Chefe teve duas condutas distintas: Reforçou, substancialmente, Guidage com homens e materiais; não reforçou Guilege, ao menos com uma companhia de Tropa especial, como lhe foi pedido, face à gravidade da situação, porquê? Também não há resposta!

Entre retirar e continuar em Guilege, face à falta de apoios essenciais para o cumprimento da missão, o Senhor Coronel Coutinho e Lima decidiu retirar e assim terá evitado o derramamento de muito sangue e de muito sofrimento desnecessário. Penso que foi uma decisão muito difícil de tomar, mas muito acertada e de muitíssimo bom senso!

Quanto ao Processo que lhe foi instaurado por ter retirado sem autorização superior, é óbvio que cometeu uma falta grave à luz dos Regulamentos Militares e segundo a lógica do Regime Politico de então; não tenho dúvidas de que o Senhor coronel apanhava uma punição exemplar, porque estava em causa o prestígio do Exército Português e a reputação da Nação, era uma questão de Estado! Tinha contra si o Direito da Força. Felizmente que surgiu o 25 de Abril de 1974 e o Senhor coronel Coutinho e Lima foi salvo duma possível situação dolorosa que eu não desejo a ninguém. Graças Adeus foi reconstituída a sua carreira militar, de algum modo foi reposta a legalidade e o Senhor coronel é hoje um Homem admirado e respeitado por todos os ex-combatentes Portugueses e Guineenses.

O Senhor coronel Coutinho e Lima, arriscou a sua carreira militar e colocou em perigo o seu futuro e o da sua excelentíssima família com a decisão histórica que tomou! Alguns foram considerados heróis por terem provocado pesadas baixas no IN. Para mim, o Senhor coronel Coutinho e Lima é herói por ter evitado pesadas baixas nas Nossas Tropas e na população civil de Guilege que estava à sua responsabilidade.

Ao Senhor coronel Coutinho e Lima não lhe faltou abnegação e coragem!

Como escreveu o Senhor general Gabriel Espírito Santo no seu notável prefácio do Livro “ A RETIRADA DE GUILEGE” “O Senhor coronel Alexandre Coutinho e Lima é um Homem de Honra e um Militar de Coragem”

Meu coronel, li o seu livro com muito interesse e emoção, porque também sou ex-combatente da Guiné. Pertenci ao Grupo de Artilharia nº 7 (BISSAU) e estive destacado em Bajocunda, Paúnca e em Ganjaurá (Península de Gampará). Tem a minha absolvição e total solidariedade. Receba um grande abraço de profunda admiração e amizade.

Votos de um Bom Ano (2009) para o Senhor coronel e para todos os ex-combatentes Portugueses e Africanos, extensíveis às excelentíssimas famílias.


Linda-a-Velha, 29 de Dezembro de 2008

JOSÉ FRANCISCO ROBALO BORREGO
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)


(**) Vd. postes de:

27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3527: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (1): Lançamento do livro, 13/12/08, 17h, na Academia Militar, Amadora

14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3618: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (2): A festa ... e a solidão de há 35 anos (Luís Graça)

15 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3626: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (3): Tardia a nossa percepção do nosso próprio Vietname (Eduardo Dâmaso)
e
Guiné 63/74 - P3628: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (5): O sentido de uma sondagem (Joaquim Mexia Alves / Luís Graça)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3685: História da CCAÇ 2679 (11): Encontro imediato e estórias contemporâneas (José Manuel Dinis)

1. Publicamos hoje mais um episódio da História da CCAÇ 2679, chegada até nós no dia 26 de Dezembro de 2008, enviado por José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71.


Encontro imediato

Uma outra vez, no declinar do dia, saímos para nova emboscada nocturna. Em marcha tranquila e silenciosa, rumámos à picada que, a leste de Piche, se dirige quase numa linha recta, até ao Corubal. Chegados à proximidade do rio, flectimos para montante, onde tencionava abancar à espera das horas. A luz esgotava-se, e acentuava as sombras do arvoredo. Nestes preparos, demo-nos conta de um barulho distante. Coisa estranha, um barulho na mata.

Pressentia-se o barulho, que não conseguíamos identificar, e parecia longinquo. Mas com as árvores de permeio, cogitava, podia ter origem a uma distância bem menor do que avaliávamos. Era ainda bastante cedo. Dispusemo-nos para passar uma noite descansada. Estava no meio de nada. O trilho tinha ficado um pouco para trás, mas se houvesse movimentações de travessia do curso de água, isso deveria alertar-nos.

A passarada já se remetera ao silêncio. A noite fechara, mas permitindo uma luz coada, que a generosa lua-cheia nos enviava, como uma bênção. Ao longe o tal barulho, anónimo, persistia e despertava-me a curiosidade. Alguns comentários de diversa índole foram produzidos.

Porra, não façamos nós barulhos que nos atraiçoem, alertei. Procurei um chão confortável para me aninhar, perto do transmissões, e do enfermeiro. Volta e meia, ouvia-se uma qualquer observação ao barulho, e o pessoal reprimia o riso, não fosse o diabo tecê-las.

Permanecemos ali, e naquelas circunstâncias, durante algum tempo. Levantei-me com uma restolhada vinda do meio do pessoal. Dois meninos, do meio da instalação, tinham-se juntado e conversavam em surdina. Os coiros pensavam afastar o medo.
Armei banzé, e aproveitei o pretexto para proceder a averiguações. Acordaram os que dormiam. Todos se levantaram, carregaram as mercadorias, e, ala, atrás de quem mandava. Alguns arremedaram com os dois mariconços. Por sua causa, andávamos ali, à procura de um barulho, às cabeçadas nas árvores, e a noite estragada.

A progressão era, naturalmente, lenta. Apesar da relativa facilidade do luar, muitas vezes desatinávamos com a trajectória, e chocávamos com os obstáculos. Nada de grave,ninguém sofreu seriamente. E o barulho acentuava-se. Agora até podíamos estabelecer uma direcção. Uma hora depois, mais coisa, menos coisa, distinguiam-se gritos sobre um fundo barulhento. Atenção que isto pode dar bronca. Chamaram-me a atenção para o eventual contacto via rádio. Nem pensar. Esses gajos são doidos, e, assim, só faremos o que acharmos melhor. Nas clareiras é que se andava bem. Passados alguns minutos, ouvia-se música e o barulho de vozes crescia. Por lá, cantava-se o bailinho da Madeira...

Lindo! Que grande ronco! Já se distinguia a gaita e o cavaquinho, mais as vozes estridentes dos que mais se esforçavam na festa, e tentavam reproduzir o velho Max. Avisei que íamos chegar sem espalhafato, cada um iria tomar posição junto com os do terceiro pelotão, sem interromper a festa. E assim foi. Aproximei-me. Sorri aos que estavam mais próximos de mim. Dos Foxtrot, cada um ia ficando na periferia daquele pelotão, engrossando-o. No meio, uma fogueira, dois tocadores e cantantes. Sentados no chão, à frente de uma fogueira, o Ramalho, e mais dois ou três. Ainda se davam os últimos goles em duas garrafas de poncha. Cheirava a chouriço.

A cena que memoriso, é a seguinte. O Ramalho de cara levantada, olhar fixo num dos Foxtrot, exclama e pergunta:
- Oh!,oh!, que estais vós aqui fazendo?

Chegada do mato, vendo-se alguns rapazes que garantiam a limpeza dos quartos


Estórias contemporâneas

1 - A vitória não era certa


A actividade do IN, durante os primeiros meses de 1970, na ZA da CCaç 2679, era, surpreendentemante, escassa. Surpreendente, porque imaginávamos durante os preparativos para a comissão na Guiné, irmos ali encontrar grandes e frequentes dificuldades, do género haver um turra atrás de cada árvore. Na verdade, tendo em conta o índice de militares deslocados naquele território, era gigantesca a desproporção relativa a idênticos números de mobilizados para os grandes territórios de Angola e Moçambique, consequência da intensidade da guerra.
Claro que havia algumas minas, uma ou outra emboscada, e várias flagelações, como que a lembrar a condição beligerante. Perguntava aos meus botões, se um dia, com tantas facilidades, não nos aconteceria um grande azar. Porém, como reza o adágio, enquanto o pau vai e volta, folgam as costas, também me descontraía enquanto calcorreava picadas e trilhos. A tranquilidade que decorresse, em vez do recrudescimento da guerra. Rodopiava sobre os pés, olhava para o que alcançava da fila de pirilau, e não achava motivos para reparos. Enquanto isso, o IN preparava-se nos países da área "comunista", para o recurso a novos equipamentos que, mais tarde, viriam a surpreender o sono dos nossos Comandos, e a perturbar a vida das NT.

Mas um primeiro brinquedo foi oferecido ao PAIGC, os célebres mísseis terra-terra, lançados de estruturas portáteis, e que o IN utilizava com escassos resultados. Uma dessas vezes, lançaram quatro ou cinco bojardas sobre Piche, tiros mal regulados com impactos fora da localidade. O pessoal, porém, sem saber das consequências e intensidade do ataque, desatava em correria para os postos defensivos, ou para as valas de prtecçção. Foi o que fez o Comandante, o major Drácula, que se atirou e coseu o corpo no fundo de uma vala próxima do gabinete. Homem delgado, domador das feras milicianas, demonstrava assim, singelamente, que mais vale um cobarde vivo, do que um herói morto. Ali perto, desempenhava funções um militar corpulento, tipo para cem quilos, que também procurou refúgio na mesma vala, e, como outros o seguiam, ele tentava deslocar-se no buraco, quando, deparando com o Comandante, pediu-lhe licença, e obteve como resposta um "passa por cima".

Constatado o fim do ataque, que se consubstanciou no lançamento à distância, de meia dúzia de nísseis, o pessoal, tranquilo, regressava das valas, quando alguém, com aflição, pedia ajuda. Era o mau da fita, o terrível Drácula, vítima do traiçoeiro cagaço provocado pelo IN, agravado por algumas arrobas de um tropa em movimento. Durante alguns dias, o Comandante ficou impossibilitado de corresponder às continênciqas com a mesma dignidade marcial, exibindo o braço ao peito, em sinal da incapacidade para vencer o IN.

Aspecto de uma vala defensiva em Piche, destacando-se uma metralhadora, que me parece ser Breda


2 - A vida pode ser bela

Também o Pelotão 65 estava domiciliado em Piche. Só os graduados e especialistas eram europeus. Desempenhava as funções normais atribuídas aos Caçadores, e revelava cabal capacidade. Todavia, o apontador de morteiro que, por várias vezes, revelou excelentes qualidades no manuseio da arma, tornou-se assíduo nas áreas da cozinha e dos géneros, onde estabeleceu relações preferenciais, premiadas com doses extraordinárias do produto vinhático. Com a habituação, o competente militar arranjou uma certa dependência para a pinga, que passou a preocupar o alferes comandante do pelotão, que não foi de meias medidas, e decretou-lhe a proibição de beber vinho.

Antes de uma saída para o mato, chamou-o e mandou-o apresentar os cantis, que revelaram o conteúdo púrpura do líquido proibido. Logo ali foram despejados, mas o alferes concedeu-lhe o direito de voltar à cozinha para os atestar de água. Quando regressou, fez-se a conferência do conteúdo dos cantis, e o 65 iniciou a progressão.
Mais tarde, algures no mato, quando abancaram para o comerzinho, o alferes observou com estranheza que, a alguma distância, aquele valoroso elemento levava o morteirete à boca e saciava-se.

JMMD
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 15 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3625: História da CCAÇ 2679 (10): Um Natal atribulado (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3684: Convívios (92): Encontro de ex-combatentes da Madeirense CART 2732, dia 18 de Janeiro de 2009, Arruda dos Vinhos (Carlos Vinhal)

Emblema da CART 2732 - Mansabá 1970/72 - Divisa: Nam Acham Quem Por Armas Lhe Resista

Mobilizada no GAG 2 - Funchal - Madeira

Embarque em 13 de Abril de 1970
Desembarque em 17 de Abril de 1970

Regresso em 19 de Março de 1972

Divisa - Nam Acham Quem Por Armas Lhe Resista

Em 21 de Abril de 1970 chegou a Mansabá, onde se instalou.
Ficou dependente operacionalmente do BCAÇ 2885.
Por sua vez, ficaram adidas à CART 2732: o Pel Caç Nat 57, o Pel Art 21, O Pel Mil 253, 1 Esq Mort 81 e 2 AML Daimler.

Em 11 de Novembro de 1970 deixa de pertencer ao BCAÇ 2885, passando a estar integrada no COP 6, cujo comando ficou instalado em Mansabá.

Em Fevereiro de 1972 deixa Mansabá, sendo substituída pela CCAÇ 2753.

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Foi com imensa alegria que recebi a notícia de que três camaradas da CART 2732 estão a organizar um encontro dos ex-combatentes da nossa Companhia.

A data prevista é já o próximo dia 18 de Janeiro de 2009, o local Arruda dos Vinhos, e o Restaurante a anunciar brevemente.

Gostaríamos de contar com a presença do maior número possível de camaradas, pois trata-se da primeira organização a nível nacional. Bom seria que alguns camaradas da Madeira se pudessem deslocar ao Continente para conviverem connosco. A maioria não se vê há já longos 36 anos... uma vida. Como nos vamos rever tão diferentes.

Aqui ficam os nomes dos organizadores e os contactos:

- João Marcelino MALHÃO Gonçalves (ex-Sold TRMS, electricista da Unidade)

Telemóvel 914 291 801
e-mail joaomarcelinogoncalves@gmail.com

- José Mateus Reis PEDRO (ex-1.º Cabo Aux Enf, que nos dava uns toques ao penteado)

- José Augusto Pinheiro MIRANDA (ex-Sold Radiotelegrafista)

Telem 962 144 701
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Nota de CV:

Vd. poste de 18 Abril 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3616: Convívios (90): Encontro da CCaç 2790 em 20 de Dezembro. (António Matos)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3683: Em busca de... (60): Ex-Cap Carlos Alberto M. Brito, comandante da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) (Gabriel Gonçalves)



Curso finalista da Escola do Exército (hoje, Academia Militar) do ano de 1955, do qual faziam parte, além do nosso membro da nossa Tabanca Grande, George Freire, de 75 anos de idade, residente nos EUA, antigo comandante da 4ª CCAÇ - Fulacunda, Bissau, Nova Lamego Bedanda, Maio de 1961/ Maio de 1963 - , os seguintes oficiais reformados do exército português: Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho e António Caetano; coronéis João Soares, Costa Martinho e Maurício Silva, entre tantos outros.

De acordo com o nosso camarada e amigo Gabriel Gonçalves, o terceiro elemento da foto, a contar da direita (e assinalado por nós com um rectângulo a vermelho), seria o futuro Cap Inf Carlos Brito, hoje coronel. Será mesmo ? Daqui este pedido de busca... (**).

Foto: © George Freire / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados

Guiné > Zona Leste > Estrada Xime- Bambadinca > 1969 > Carlos Alberto Machado Brito, Cap Inf nº 50156311 da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

"Era uma um homem afável e civilizado no trato, como poucos, não tendo nada a ver com a imagem (negativa) que alguns de nós, milicianos, tínhamos dos oficiais do QP que conhecemos ao lono da nossa carreira militar de quase três anos... Com os seus 37 anos, e três comissões no Ultramar (Índia, Moçambique e Guiné), foi tão explorado pelo comando do Sector L1 (no tempo do BCAÇ 2852 e do BART 2917) como os seus milicianos e os seus soldados, da Metrópole ou do TO da Guiné. No final da comissão na Guiné, lá ganhou, com justiça, os galões de major. Em Fevereiro de 1971, se não me engano. Carlos Brito é hoje coronel e vive em Braga. Passou pela GNR. Já em tempos formulei o desejo - que hoje reitero - de o voltar a ver, bem de saúde e, até por que não, como membro desta tertúlia... Revi-o apenas em 1994, em Fão, Esposende". (LG).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados

1. Pergunta do Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Banbadinca, 1969/71) (*):

Caro George Freire, os meus cumprimentos e seja bem vindo. Gostaria de lhe perguntar se na 2ª foto do curso, o terceiro a contar da nossa direita não é o Capitão Brito, comandante da minha CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71.

Um abraço
Gabriel Gonçalves
ex-1º Cabo Op Critpo


2. A propósito do novo membro da nossa Tabanca Grande (*), escreveu-me o Cor Art Ref Coutinho e Lima:

Caro Luís:

Acabei de ler o mail do George Freire. Pelos dados que ele indica, é do meu tempo da então Escola do Exército (1 ano mais antigo) e, seguramente de Infantaria; confesso que não o reconheci.

Segundo a sua descrição, terminou a comissão em Maio de 1963, isto é dois meses antes de eu ter iniciado a minha 1ª. Comissão, como Comandante da CART 494, que em Setembro de 1963 ocupou Ganjola (sector de CATIÓ). Nesta altura era ainda Oficial de Operações do Batalhão de Catió, o Capitão Re1lvas e Comandante de Batalhão o Ten-Cor Delgadio,  o tal que ficou chateado por não ter sido consultado sobre o apoio aéreo, tendo prescindido deste, com os resultados que são relatados. 

Sugiro que transmitas o meu email ao George Freire porque , certamente, poderemos trocar informações sobre aqueles tempos e aquela região do Sul da Guiné.

Continuação de boas férias e Boas Entradas.

Um grande abraço

Coutinho e Lima

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ªCCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

(**) Vd. último poste desta série > 28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3674: Em busca de... (59): Ex-combatentes do BCAÇ 4616/73 (Manuel Rebocho)

Guiné 63/74 - P3682: Os Combatentes e a responsabilidade do Estado. (Jorge Teixeira)


O Estado e os Combatentes das Guerras em África
Texto de Mário Crespo no JN de 28/12 (?), enviado pelo Jorge Teixeira





Foi notável o apelo que o Presidente da República se sentiu obrigado a fazer ao Governo para que cumpra com as responsabilidades que o Estado tem com os que sofrem as consequências das guerras coloniais.

A assistência aos deficientes das Forças Armadas tem sido considerada questão menor. Sucessivos governos têm aguardado que o problema dos antigos combatentes em geral e dos deficientes em particular se resolva por si.

Na realidade é isso que tem acontecido. A morte prematura resolve com arquivamentos definitivos, um a um, processos protelados em burocracias complicativas, diligentemente alinhavadas para satisfazer expectativas orçamentais. Têm-se inventado redefinições dos graus de invalidez. Reavaliado o que são situações de guerra e de combate. Tudo para conseguir roubar na assistência aos veteranos. Burocratas que não imaginam o que foram as décadas de desumanidade que gerações de jovens dos anos 60 tiveram que enfrentar decidem agora em termos de custo-benefício se vale a pena rubricar nos orçamentos as verbas necessárias, ou se é de aguardar mais uns anos até que os problemas naturalmente se apaguem.

Não se trata só de acudir às deficiências fisicamente mais óbvias, que infelizmente têm sido descuradas ou insuficientemente assistidas. Há graves consequências clínicas da guerra que estão a ser mantidas discretamente afastadas do foco mediático.

O elevado número de antigos combatentes que padece hoje de uma forma particularmente virulenta de Hepatite C é uma dessas situações. São as vítimas directas das vacinações em massa sem seringas descartáveis, que eram norma nas Forças Armadas até bem dentro da década de 70.

Centenas de milhar de jovens foram injectados nas piores condições sanitárias possíveis. Era usada a mesma seringa colossal de uns para os outros. Apenas substituíam as agulhas que depois de fervidas voltavam a ser reutilizadas. As hipóteses de contágio eram máximas. A Hepatite C é assintomática durante dezenas de anos até os danos no fígado serem irreversíveis e, numa alta percentagem, fatais. Nunca houve um programa de rastreio sistemático dos antigos combatentes. Mas já houve muitas mortes.

Sei de várias e de casos em que, face a diagnósticos positivos em militares de carreira, não foram recomendadas medidas terapêuticas no próprio Hospital Militar. Porquê?

Pode haver várias respostas. Que o tratamento é difícil e muito penoso. Que pode ser falível. Tudo verdade, como também é verdade que a despistagem e o tratamento são caríssimos e seria impensável nos actuais orçamentos da defesa torná-los extensivos aos sobreviventes da guerra colonial. Este é só um exemplo de consequências ignoradas da guerra que são responsabilidade do Estado.

Haverá milhares de vítimas mortais se se mantiver a ligeireza fútil e desumana como o problema tem sido encarado em democracia. Atitude que em nada se distingue da bestialidade com que, em ditadura, se enviaram gerações sucessivas de jovens para conflitos absurdos.

Um pormenor mais. O mesmo governo que disponibiliza verbas significativas para assistir drogados contaminados em trocas de seringas descartáveis, já pagas pelo Estado, não considera prioritário destinar pelo menos o mesmo montante para assistir em hospitais militares antigos combatentes que padecem dos males que involuntariamente contraíram, sem se drogarem.

Jorge/Portojo

Meus espaços

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Notas de vb:
1. Título da responsabilidade do editor.
2. Último artigo do Jorge Teixeira em

16 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3636: O meu Natal no mato (15): Salsichas com arroz na messe de Sargentos, na Consoada de 1968... (Jorge Teixeira)

Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda, 1961/63)

Mensagem de George Freire, de 21 de Dezembro de 2008

O vosso Blog Luís Graça e Camaradas da Guiné

Caro Luís Graça,

Tenho seguido com interesse o teu blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Sou um pouco mais velho do que tu, (fiz 75 este ano). Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Entre outros camaradas de curso e bons amigos de hoje e, claro, reformados: Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho, António Caetano, Coronel João Soares, (famoso pelo seu blog Do Miradouro), Coronéis Costa Martinho, Maurício Silva, e tantos outros.

Servi na Guiné de 26 de Maio de 1961 a 26 de Maio de 1963.

Nesses tempos as coisas não começaram a aquecer até princípios de 1962.

Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 , comandada pelo Capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a Capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ªCCaç. Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade.

Hoje vivo nos Estados Unidos da América, há já 40 e tal anos.

Vou a Portugal todos os anos onde me encontro com velhos amigos do meu curso e com família chegada que ainda felizmente se encontram bem.

Aqui seguem 3 fotos, duas do ano de formatura em 1955 e uma actual tirada no passado mês de Maio em Lisboa.





Com os meus amigos e antigos camaradas Hugo dos Santos e Antonio Rodrigues Areia. Eu estou na frente do lado direito da foto. O meu primo Marcel Mexia está atrás, no lado direito.

O meu Diário da Guiné

Como história, transcrevo partes de um diário que encontrei no meio de papelada antiga numa gaveta da minha secretária. A primeira entrada no diário foi no dia 31 de Janeiro de 1963 e a última, no dia 28 de Maio do mesmo ano.

Aqui vai:

31/1/63:

Ataque de terroristas aos Fulas de Emberém [Iemberém]. Mataram o chefe da tabanca e outros 6 Fulas.

2/2/63:

Acção em Boche Falace pelas minhas forças de Emberém. Um grupo de terroristas balantas em fuga deixou grande quantidade de arroz cozido (!).

6/2/63:

O nosso destacamento em Salancaur foi atacado às 00:30. Tivemos baixas: um furriel e um soldado foram mortos do nosso lado e vários terroristas foram abatidos. Nesta mesma noite, também atacaram o nosso destacamento em Cacine, mas felizmente não houve baixas a assinalar.

8/2/63:

Fui a Bissau tratar de vários assuntos da Companhia [4ª CCaç].

9/2/63:

Volta de Bissau. Manga de trabalho em atraso devido as acções dos últimos dias. Recebemos informação de que vários terroristas passaram ao largo, vindo de Catió para a zona de Cacine. As instalações da Ultramarina foram assaltadas e o encarregado europeu foi morto.

10/2/63:

Lista de material extraviado em combate: 1 capacete em Chugué, 1 espingarda Mauser e1 pistola-metralhadora em Emberém.

Esta madrugada as instalações da Gouveia em Salancaur foram atacadas. Os terroristas levaram cerca de 10 toneladas de arroz e outros géneros de comida.

11/2/63:

Efectuámos acções em Emberém, Salancaur e Cadique. Vários elementos terroristas que tinham tomado parte no assalto aos Fulas de Emberém foram aprisionados e enviados para a sede do Batalhão.

12/2/63:

Um alfaiate mandinga, Mamude Djassi, que tinha sido aprisionado em Chacual pelos terroristas e que passou vários dias num dos seus acampamentos, conseguiu fugir e apresentou-se ao nosso destacamento do Chugué. Foi transportado para o nosso quartel em Bedanda. Enviei um rádio para o Batalhão para que este Mandinga possa ser aproveitado como guia na acção que está a ser preparada pelo Batalhão.

13/2/63:

Enviei um pelotão para Salancaur para proteger o embarque de arroz da Ultramarina e da Gouveia.

14/2/63:

Patrulhamento feito em Emberém e Cadique. Nesta última povoação tivemos contacto com terroristas Balantas que puseram alguma resistência mas acabaram por fugir. Três foram abatidos.

15/2/63:

O nosso quartel em Bedanda foi visitado por 3 directores da CUF, procurando informações do que se está a passar na região. Nessa mesma altura, terroristas rebentaram um pontão na estrada de Catió junto de Timbo. Houve também grande tiroteio em Chugué e algumas explosões na estrada próxima da área. Os 3 directores ficaram bem informados do que se está a passar...

16/2/63:

Chegou o Pelotão de acompanhamento da Companhia 273. Uma patrulha das nossas forças do Chugué foi atacada por um grupo armado de pistolas-metralhadoras. Não sofremos baixas mas 2 terroristas foram abatidos.

Regressou à base o Pelotão destacado em Salancaur. Foi rendida por novas forças a Secção que se encontrava destacada em Emberém.

17/2/63:

Continuaram a chegar mais elementos da companhia 273.

18/2/63:

Reconhecimentos feitos a Salancaur, Emberém e Cadique. Aprisionámos alguns dos elementos que tinham atacado o nosso destacamento de Salancaur.

22/2/63:

Fomos visitados aqui em Bedanda pelo Comandante Militar e pelo Major Mira Dores, durante a altura em que tínhamos começado uma acção no mato de (Nhairom?), com 2 pelotões da CCaç 273 e 1 Pelotão da minha Companhia.

23/2/63:

Regresso da acção. Pobres resultados. Foram encontrados vários acampamentos terroristas, abandonados mas com indícios de terem sido ocupados recentemente. Foi rendida a secção de Emberém.

25/2/63:

Reconhecimento feito em Salancaur e Mejo. O Capitão Delfino, comandante da Companhia que substituiu a CCaç 74, visitou-nos, para discutirmos colaboração.

26/2/63:

Outra visita pelo Comandante Militar e o Comandante da Força Aérea, para discussão sobre a colaboração da FA na próxima operação que iremos executar. Pormenores foram discutidos em detalhe.

27/2/63:

O Capitão Relvas veio da sede do batalhão visitar-nos em Bedanda. Aparentemente, o comandante do Batalhão está chateado por não ter sido consultado nos detalhes de apoio pela FA. e tomou a decisão de fazer a operação sem esse apoio. (Incompreensível!).

A acção começará esta noite a partir das 00:04.

A acção terminou pelas 15:00 do dia 28/2/63. Os resultados que poderiam ter sido bastante satisfatórios, foram praticamente nulos, pois vários grupos de terroristas conseguiram, (devido a configuração e extensão do terreno de acção), fugir e dispersar. Se a FA tivesse colaborado os resultados teriam sido tremendos, pois o número de terroristas que conseguiram infiltrar-se entre as nossos forças foi considerável. (Esta foi a opinião de todos os comandantes de pelotão directamente envolvidos na acção. Na área onde a minha companhia actuou, notamos exactamente os mesmos resultados).

É evidente que os terroristas foram avisados da operação a tempo de poderem debandar. Nada me admira, pois temos um número considerável de soldados nativos, incluindo Balantas...

(...)

Tenho ainda mais algumas histórias para contar, (entre os primeiros dias de Abril, até a altura em que fui rendido, 20 de Maio de 1963).

Um abraço,

George Matias Freire

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Notas de vb:

1. Caro George Freire:

Cabe-me mandar tocar a "ombro arma" à tua entrada. E aguardo que dês ordem para nos mantermos em sentido, enquanto agradecemos a "oferta" do teu espólio. São muito poucos os Camaradas desses anos do início da nossa Guerra na Guiné. Escreve sobre aqueles princípios da década de 60 e envia imagens desse tempo, se as tiveres.


Guiné 63/74 - P3680: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (15): Uma história real.


A história que vai junta é real e aconteceu em Bafatá no ano de 1967. Só os nomes foram alterados.



Pretende ser um pequeno complemento à matéria do POST 3662 da autoria do Virgínio Briote – "As nossas mulheres, companheiras, amantes e casadas com a Guiné".
Para todos, um BOM 2009.


Alberto Branquinho



NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (15)


SURPRESAS



Aconteceu em Bafatá, no regresso de uma operação de quatro dias.
A acção fora concertada com pára-quedistas e comandos e apoio permanente da Força Aérea.
O sucesso militar que se pretendia terá sido alcançado.
Houve muitas baixas, mortos e feridos, muitas vezes evacuados só no dia seguinte, porque as sessões de fogo mais violentas foram ao anoitecer.
No final, a Companhia foi recolhida pelas viaturas próximo do local que fora, quatro dias antes, o ponto de partida.
Rolavam em zona de relativa segurança, em direcção a Bafatá. Muitos soldados iam deitados nas caixas das viaturas, em extremo cansaço. Alguns adormeceram. Acordaram quando as viaturas pararam. Olharam em volta e preparavam-se para saltar, pensando em emboscada ou outro problema. Espantados, olharam as casas, algumas com segundo andar. Imediatamente e em todas as cabeças surgiu uma ideia – ÁGUA.


O capitão saltou da viatura, chamou os alferes e, depois, berrou para as viaturas:
- Pessoal! São só dez minutos. Vou ali ao Comando e volto já, para regressarmos ao quartel.
Mal se afastou, os militares desapareceram nas esquinas mais próximas, tentando conseguir água.
O Furriel Jerónimo, cansado e sedento, saiu da viatura e foi sentar-se à sombra, na pedra da porta de uma casa, no outro lado da rua. A bandoleira da G-3 escorregou-lhe do ombro e a coronha bateu com violência contra a porta. Esta abriu-se quase imediatamente e surgiu um homem fardado, que se lhe ia dirigir de forma pouco amistosa, quando o Furriel Jerónimo o fez calar, exclamando:
- Fonseca! Carlos Fonseca!


O outro ficou com a fala presa atrás da garganta e, engasgado:


- Oh! Oh! … Que fazes aqui?
- Estou a regressar de uma guerra.
- Estavas na operação "Bate Forte"?
- Sei lá como se chamava…
- Eu estou nos Comandos. Estive lá também até ontem à tarde. Manga de porrada, hein?
- É verdade. Mas que estás tu a fazer aqui, numa casa civil? Putas?
- Não, pá. Lembras-te da Eduarda Costa, que andava um ano atrás do nosso? O pai dela era o gerente da firma Costa & Lopes, mesmo ao lado do Liceu?
- Sim… sim.
- Casámos antes do embarque. Teimou em ir para Bissau, quando nós lá estávamos. Ficou lá quando saímos e depois veio para aqui. Só a malta do meu Grupo de Combate é que sabe. Já lhe disse e repeti que ela não pode estar aqui. É uma chatice quando eu tenho que sair para o mato. Mas ela falou com as freiras e fica lá. Quando estou cá, desenfio-me.
Então, voltou-se para dentro de casa:
- Dáda! Dáda! Vem aqui. Tenho uma surpresa para ti.
E, dirigindo-se ao Furriel Jerónimo:
- E para ti, também.


Eduarda aproximou-se da porta, olhou, receosa, para o exterior, tendo a figura do Jerónimo em contraluz. Não o reconheceu. Trazia, ao colo, um bebé adormecido, vestido só com uma fralda.


- É um rapaz. Nasceu em Bissau há três meses.
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Notas de vb:

Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3679: Trasladações dos nossos Camaradas. (Carlos Silva).

Trasladações dos nossos Camaradas – Direito à indignação





Tal como o nosso camarada José Martins refere no Post 3677, também vi, como milhões de Portugueses, a reportagem que foi transmitida no Jornal da TVI e que teve como pano de fundo a transladação dos nossos Camaradas, 2º Sargento Justino Teixeira da Mota e Soldado José Maria de Carvalho, tendo regressado de Angola o primeiro e o segundo da Guiné, para o cemitério de Travanca.


Voltamos ao problema do apoio aos cidadãos portugueses espalhados por esse Mundo fora seja em que situação for, por parte das nossas Embaixadas e em particular da nossa representação em Bissau na Guiné, pois parece ser timbre de funcionários daqueles Serviços dificultarem a vida aos portugueses e não só, aliás, como tem sido propalado pelos meios de comunicação daquele País e de casos conhecidos que foram divulgados através do Blogue.
Não quero linchar publicamente, quem quer que seja, tal como foi mencionado por um ou outro camarada relativamente a um dos casos referidos no Blogue, mas aceito como de boa fé o que foi assumido e dito publicamente pela irmã do nosso camarada José Maria de Carvalho, por isso, naquele momento senti-me indignado, chocado e revoltado com aquilo que vi e ouvi.

Desde já, aqui fica a minha solidariedade às famílias dos nossos camaradas que agora repousam em paz na Terra que os viu nascer, bem como, à coragem de denunciar publicamente a desfaçatez de uma pessoa que não nos merece o mínimo de respeito.

E é caso para dizer:

Essa pessoa que proferiu tais palavras, para além de não respeitar os sentimentos dos seus compatriotas, com certeza, não sabe o que é a guerra, o que foi a guerra colonial, não teve familiares na guerra (...).

Que essa pessoa desconhece que nos termos do Dec. Lei nº 204/2006 de 27/10, são atribuições do MNE:

- Assegurar a protecção dos cidadãos portugueses no estrangeiro, bem como, apoiar e valorizar as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

- Garantir a prestação de apoio consular aos cidadãos portugueses no estrangeiro.

Mais, essa pessoa desconhece que a Guiné-Bissau é um estado soberano e que o seu Povo respeita os seus mortos incluindo os portugueses que tombaram naquele território, tanto que, ao longo destes anos por onde tenho passado naquele pequeno País, tenho testemunhado que assim é.
Como tal, poderá essa pessoa ter vontade que uma “máquina arraste tudo lá para o fundo” mas essa vontade não lhe será feita pelo Povo da Guiné.

Acresce dizer ainda, que estas situações lamentáveis, levantam uma série de questões que lhe estão subjacentes, como de cidadania, educação, alteração de mentalidades, amor e respeito pelo próximo, etc, que me dispenso de desenvolver.

Contudo, a denúncia pública feita pela irmã do nosso Camarada é mais do que suficiente para tirar as ilações necessárias.

Há assim que denunciar todo este tipo de aberrações.

TODOS UNIDOS PELOS NOSSOS CAMARADAS QUE TOMBARAM

NÃO CONSENTIREMOS QUE SEJAM ENXOVALHADOS


Massamá, 29-12-2008

Carlos Silva

Ex- Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879

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Nota de vb:

Artigo relacionado em

Guiné 63/74 - P3678: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (12): José Bastos, empresário, ex-1º Cabo Trms, Bafatá e Bula (1973/74)

Guiné-Bissau > Bafatá > 2003 > Uma imagem que nos chega através de uma camarada de transmissões que é hoje empresário, e que passou por Bafatá, como especialista de transmissões, em 1973/74.


Foto: © José Bastos (2008). Direitos reservados

1. Mensagem, de 24 de Dezembro, do José Bastos (*):


Para todos os TERTULIANOS com VOTOS DE BOAS FESTAS (**).

Que o novo ano de 2009 nos traga tudo de bom e nos leve mais vezes à GUINÉ !!! ...

Um Abraço

2. Mensagem adicional do José Bastos:

Caro Camarada,

Peço desculpa por ter enviado a mensagem de um e-mail da minha empresa, daí o facto de não ter sido reconhecido.

Chamo-me José Bastos, 1º Cabo Transmissões STM na Guiné Bissau, (Bafatá/Bula e Bissau) Janeiro 1973 a Agosto de 1974.

Estive nos 2 primeiros encontros da Tertúlia e não estive no 3º. por motivos de força maior.

Vou a Bissau com regularidade.

Cumprimentos,
J. Bastos

3. Comentário de L.G.:

Obrigado, José,em nome de toda nossa Tabanca Grande. A última vez que te vi foi me Bissau, em Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje. Estávamos no mesmo hotel, o Azalai 24 de Septembro, e deste-me uma boleia, a mim, à minha mulher e à mulher do Nuno Rubim, para o centro da cidade...

Desejo-te um ano de 2009 com boas perspectivas de trabalho e de saúde. Sempre que fores em Bissau, dá-nos notícias e manda-nos fotos. Um Alfa Bravo. Luís Graça (em férias, no Funchal)

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Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P964: Obrigado, camaradas (José Bastos, 1º Cabo Trms, Bafatá e Bula, 1973/74)

(**) Vd. último poste desta série > 27 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3670: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (11): Mais algumas mensagens dos nossos tertulianos (Carlos Vinhal)