sábado, 8 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4800: Em busca de... (85) O Fiat do Pilav Gil foi abatido em Janeiro ou em Março de 1974? (José Rocha)

1. Mensagem de José Rocha, Operador de Transmissões do BART 2857, Piche, 1968/70, emigrante em França, com data de 14 de Março de 2009, endereçada ao nosso camarada Francisco Palma:

Caro Amigo

Fui Op de TRMS do BART 2857, Piche de Nov68 a Ago70.

Como li vários comentários sobre Canquelifá de 72/74 feito por pessoas que nunca lá puseram os pés, o que eu li, feito por um operador de mensagens que esteve em Nova Lamego, que ajudou a descarregar dos helicópteros vários mortos e feridos, que os mortos ficavam lá na pista e que os feridos iam no Dakota para Bissau.

Também li que um Fiat tinha sido abatido em Março. Ora o mesmo Fiat do Piloto Gil tinha sido abatido em Janeiro e não em Março.

O Blog da Força Aérea indica que o Piloto foi a Dunane e depois até Piche e de lá para Bissau.

Será possivel saber a verdade?

Um abraço
José

Fiat G-91 da FAP
Foto de Soares da Silva, com a devida vénia



2. No dia 15 houve a seguinte troca de mensagens:

- Francisco Palma respondia ao José Rocha:

Caro J. Rocha

No meu tempo, de Agosto 1970 a Junho 1972, em Canquelifa, tivemos 4 mortos. Um em combate, 2 (1 Alferes e um milicia) por acidente com uma armadilha nossa, e outro suicidou-se.

Sofremos 15 ataques mais dois com misseis (foguetões 122) ao aquartelamento, e dois africanos foram feridos por rebentamentos de duas minas antipessoais e eu com o Unimog deflagrei uma mina anticarro, ficando eu ferido.

Em Piche ocorreu um acidente com uma roquete que rebentou dentro da caserna acionando o rebentameno de uma caixa de granadas de morteiro 60, ocasionando 4 mortos e vários feridos, 2 muito graves.

Quanto à estória do Fiat nunca ouvi nada, não posso comentar.

Houve uma Companhia de intervenção que sofreu várias baixas na nossa zona, mas não tantos para entupir a aviação de Nova Lamego.

Quanto a esses mortos que ouviste, não foram do meu Batalhão e nem ouvimos esses comentários

Um abraço e boa sorte
F. Palma


- Francisco Palma dirigia-se ao Blogue:

Bom dia Carlos Vinhal
Será possivel os arquivos do nosso blogue esclarecer melhor este nosso camarada emigrante em França?

Obrigado e um abraço
Francisco Palma


- Dirigi esta mensagem aos outros editores e ao nosso camarada Pilav Miguel Pessoa:

Boa noite a todos
Algum dos meus amigos poderá confirmar os desmentidos do camarada Rocha?

Um tri abraço e votos de uma boa semana.
Vosso camarada
Carlos Vinhal


- Resposta de Miguel Pessoa:

Caro Carlos;

O texto reproduzido há umas semanas no blogue sobre a "História do Strela na Guiné" está correcto no essencial.

O Ten. Gil foi abatido em 31JAN74, fugiu para o norte embrenhando-se no Senegal, onde dormiu; no dia seguinte chegou a uma tabanca onde negociou uma boleia de bicicleta que o levou a Dunane; não satisfeito com o pessoal do quartel (eram africanos) resolveu prosseguir até ao aquartelamento de Piche. Aí foi recuperado por um avião da Força Aérea (Dakota?) que o levou para Bissalanca.

A única dúvida que ainda tenho é sobre a identificação rigorosa de qual o aquartelamento a que o Ten. Gil fazia o apoio de fogo - Copá ou Canquelifá? Eu tinha a idéia que seria Copá, pelo que me foi dito na altura - mas estive de folga nesse dia e tenho que confiar no que o António Martins de Matos refere - Canquelifá.

Mas continuo com algumas dúvidas, pois a ejecção foi quase junto à fronteira - e quem andava aflito naquela altura era o pessoal de Copá.

Abraço.
Miguel Pessoa
__________

Notas de CV:

Sobre os Strela na Guiné, ver postes de:

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4197: FAP (23): O poder aéreo no CTIG, 'case study' numa tese de doutoramento nos EUA (Matt Hurley / Luís Graça)

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4418: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (1): Parte I

27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4423: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (2): Parte II

27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4430: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (3): Parte III (Bibliografia)

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4795: Em busca de... (84): André Manuel Lourenço Fernandes, ex-Fur Mil não sabe o número da sua Companhia (José Martins/Carlos Vinhal)

Guiné 64/74 - P4799: ”PAIGC – Análise dos tipos de resistência , 2 - Resistência económica” - Páginas 10 a 14 (Magalhães Ribeiro)


1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Mansoa 1974:

Camaradas,

Para os interessados em conhecer documentação, hoje histórica, que circulava entre as hostes do PAIGC, nos anos 70, e constituíam peças da sua escassa bibliografia aplicada na filosofia da acção psicológica sobre os seus seguidores, apoiantes e outros interessados dou, nesta mensagem, continuidade à publicação de um caderno prático utilizado nessa finalidade.

A publicação foi iniciada no poste - P4721 e continuada no poste – 4753.

Neste, seguem-se as páginas 10, 11, 12, 13 e 14, dum total de 28 páginas. O documento tem inscrito na capa os seguintes dizeres: ” PAIGC - ANÁLISE DOS TIPOS DE RESISTÊNCIA, 2 - Resistência económica, Aos camaradas participantes no seminário de quadros, realizado de 19 a 24 de Novembro de 1969, (Este texto é escrito a partir de uma gravação das palavras do secretário geral)”.

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro





Documentos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste desta série em:

28 de Julho de 2009 >
Guiné 64/74 - P4753: ”PAIGC – Análise dos tipos de resistência , 2 - Resistência económica”, Páginas 5 a 9 (Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P4798: Estórias do Mário Pinto (8): “Operação "NOVO RUMO"

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, tem um blogue da sua companhia, www.cart2519osmorcegosdemampata.blogspot.com, do qual nos cedeu pronta e incondicionalmente a extracção de algumas das mais importantes e significativas passagens, que publicaremos com o devido agradecimento, no seguimento da sua série: Estórias do Mário Pinto:

Este poste diz respeito à operação “NOVO RUMO”, que se realizou em Outubro de 1970, com a participação activa de 2 Grupos de Combate da CART 2519:

Operação “NOVO RUMO"

a) Comandante

Tenente Coronel Agostinho Ferreira

b) Comandantes das Subunidades

Agrup. Norte - Capitão Ramalho Pisco
- Alferes Martins
- Furriel Rita

Agrup. Sul - Capitão Barrelas
- Alferes Frade
- Alferes Claudino

14º Pel. Artª/GAC. 7 - Alferes Andrade

c) Meios

- 2 Companhias (-) a 2 Grupos de Combate, reforçadas com elementos dos Pelotões de Milícia 231 e 234.
- 1 Pelotão de Artilharia 14 cm a 2 Secções
- 1 Helicóptero-Canhão

d) Articulação da Força

Cada Agrupamento foi articulado em 2 Grupos de Combate, reforçados com elementos da milícia.

DESENROLAR DA ACÇÃO

Às 12h30, o Agrupamento Norte saiu de A.Formosa, auto transportado e escoltando o 14º Pelotão de Art.ª, seguiu para MAMPATÁ.

Dado que, a partir de Mampatá, os Agrupamentos actuaram sempre independentemente um do outro, passa a descrever-se, em separado, o desenrolar da acção de cada um.

AGRUPAMENTO NORTE

Às 13h40, iniciou o seu movimento apeado pela estrada MAMPATÁ-IEROIEL-MISSIRÃ, cujo cruzamento atingiu às 08h00. O 1.º Grupo de Combate, seguiu pelo trilho em direcção a IERO SALDÉ, emboscando sobre o mesmo, a Sul do Rio BERENHAGE, enquanto o 3.º Grupo de Combate continuou pela estrada, encontrando novo trilho para Norte, cerca de 300 metros a seguir ao anterior e seguindo por ele, vindo a emboscar cerca de 400 metros a Norte da estrada. Às 08h45 estava montado este dispositivo.

Cerca das 13h40 surgiu, de Norte para Sul, pelo trilho em que se encontrava o 3.º Grupo de Combate, um grupo IN de cerca de 5 elementos, com armas ligeiras e 1 RPG-2. Desencadeada a emboscada, foi abatido um elemento In (morto) e feito mais um ferido, tendo o Grupo debandado para W.
Cerca das 13h50, surge pelo trilho do 1.º Grupo de Combate, no mesmo sentido, um Grupo In também de cerca 5 elementos; devia tratar-se de outra fracção do Grupo a que pertenciam os primeiros elementos e que, perante a intercepção no primeiro trilho, tentaram passar pelo segundo.
Este Grupo apercebeu-se da emboscada das NT e abriu fogo, em primeiro lugar com o RPG-2, causando 2 feridos ligeiros às NT; sob fogo intenso das NT, o Grupo retirou-se para Norte.
Em seguida, por ordem do Comandante de Agrupamento dirigiram-se para a estrada a fim de fazerem a evacuação dos feridos.

Cerca das 14h10, quando o 1.º Grupo atingiu a estrada, encontrou-se frente a frente com um Grupo IN, tendo as NT aberto fogo e causado ao IN 3 feridos confirmados, tendo o IN retirado para Sul.


Os dois Grupos de Combate mantiveram-se a montar segurança no cruzamento da estrada com o trilho MISSIRÃ-IERO SALDÉ, até às 15h30, hora que foi feita a Heli-evacuação.

Após a evacuação, o 1.º Grupo de Combate manteve-se emboscado no cruzamento, enquanto o 3.º Grupo reconheceu a estrada em direcção a BOLOLA e posteriormente em sentido inverso, vindo a emboscar a cerca de 800 metros a W. do cruzamento.

Às 17h10, vindo de Sul, surge novamente um Grupo IN, igual aos anteriores, frente ao 1.º Grupo de Combate. Desencadeada a emboscada foi abatido um elemento IN, reagindo este pelo fogo e retirando para Sul.

Os Grupos de Combate passaram a noite nestes locais de emboscada e em 13, às 06h00, iniciaram a progressão para Norte em direcção à estrada nova, seguindo o 1.º Grupo de Combate, pelo trilho IERO SALDÉ - SARE DIBANE (trilho antigo) e o 3.º Grupo de Combate pelo trilho cerca de 1 000 metros a W. do anterior (trilho novo).
O 1.º Grupo atingiu a estrada nova, onde emboscou, aguardando a chegada do 3.º Grupo de Combate; este, atingiu a estrada nova às 10h40, reunindo-se ao 1.º Grupo de Combate às 11h15.
Reunido o Agrupamento, seguiu em direcção SARE USSO, onde às 11h45, escoltou o 14.º Pel Art.ª de regresso a A. FORMOSA.

AGRUPAMENTO SUL

Neste Agrupamento incorporou-se o Comandante do Batalhão, tendo o mesmo saído de MAMPATÁ a 12, pelas
04h3o, seguindo o mesmo itinerário do Agrupamento Norte até ao Rio BERENHAGE e daqui a corta-mato em direcção a BARAMBOLI e posteriormente pelo trilho até ao Rio PELÉ, junto do qual e cerca de 300 metros a SW. do trilho, foi detectado um acampamento IN, de passagem, sem vestígios de utilização recente.

Entretanto, um Grupo de Combate emboscou no trilho do Rio PELÉ e o outro bateu a Bolanha deste Rio.

Cerca das 13h30 um Grupo de Combate deslocou-se para NE, ao longo do trilho, tendo ouvido o contacto do Agrupamento Norte, pelo que emboscou em BARAMBOLI e o Rio MISSIRÃ.

O outro Grupo de Combate juntou-se ao anterior, vindo a emboscar cerca de 400 metros a NE dele, também sobre o trilho.

Tendo o Comandante do Batalhão entrado em ligação rádio com Of/O que se encontrava no PC em MAMPATÁ, foi dado conhecimento que o IN que tivera contacto com o Agrupamento Norte fugira, Norte e para Sul, o Agrupamento Sul formou um dispositivo para interceptar o IN na sua Fuga para Sul, ou interceptar possíveis reforços vindos de Sul.

O Agrupamento Sul vê surgir, no trilho, um Grupo IN de cerca de 20 elementos, deslocando-se de N/S. Desencadeada a emboscada, o IN sofreu 2 mortos (abandonados no terreno), e 8 feridos, dos quais 3 proválmente mortos, em face dos rastos de sangue referenciados.
Foi capturado um RPG-2 e respectivas granadas e artigos vários sem interesse militar. A 13, pelas 06h00, o Agrupamento Sul executou uma batida na região para onde o IN retirou, onde foram vistos muitos rastos de sangue.

Posteriormente fizeram a retirada para MAMPATÁ, pela estrada de IEROIEL.

14.º PELOTÃO DE ART.ª / GAC7

Escoltado pelo Agrupamento Norte, deslocou-se para Mampatá, onde montou uma base de fogo de 2 bocas de fogo.

Efectuou um tiro de regulação, para a região 1 000 metros a SW. de QUECUTEL, regulação que foi feita pelo Agrupamento Sul.

Depois dos contactos do Agrupamento Norte com o IN e a pedido daquele, executou uma barragem de 16 tiros, para possível itinerário de retirada do IN, cerca de 1 500 metros a Norte de IERO SALDÉ.

Conforme o planeado foi feita toda a noite uma barragem de fogo, para a região entre os Rios QUECUTEL e GONHEGEEL, a fim de isolar a zona de instalação das NT, contra qualquer possível ataque do IN vindo do Sul.

Às 21h45, após a intercepçãodo Agrupamento Sul foi feita nova barragem de fogo, em apoio ao Agrupamento.

Durante a noite , manteve-se a barragem, a espaços irregulares.

A pedido do Agrupamento Sul e depois deste abandonar as posições onde passara a noite. Foi feita nova barragem de fogo.

O Pelotão regressou a A. FORMOSA a 13, pelas 12h45.

Resultados obtidos:
a) Baixas causadas ao IN
- Mortos confirmados ...............4
- " prováveis ..................3
- Feridos confirmados ...............8

b) Material capturado ao IN:
- Pela Cart. 2519
- Lança granadas RPG-2 .............1
- Gran. RPG-2 ........................4

c) Instalações do IN referenciadas:
- Um acampamento de passagem, em
(XITOLE 4A3-22), provávelmente de apoio aos Grupos IN que actuam sobre o "corredor" de MISSIRÃ. Foi destruido.

d) Pessoal que mais se distinguiu nesta operação:
- Alferes Mil.º Joaquim Maria de Sousa Frade;
- Soldado Manuel dos Santos Lampreia;
- " P. Caç. Nat. 68 Mamadu Bari;
- Cmdt. P. Mil. Samba Baldé;
- Sold. Mil. Jaló Sané
.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Nota do autor - Todos estes elementos foram retirados da História da Unidade.
Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
__________

Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

6 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4791: Estórias do Mário Pinto (7): “Maria, a minha querida bajuda”

Guiné 63/74 - P4797: Cancioneiro de Buba (1): A paixão do futebol (João Boiça / Manuel Traquina)

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação e o aquartelamento vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.


Foto: © José Teixeira (2005). Direitos reservados


Onde vais, ó triste Pombo

Letra: João Boiça

[Revisão e fixação de texto: Editor L.G.]

Fado cantado por Amadu Jaló, acompanhado à guitarra por Saico Sandé e à viola por Já Te Vi-te

Onde vais, ó triste pombo,
Carregado de ilusões ?
Vou estagiar para Nhala,
Arejar os meus collhões.

Manda um rádio se faz favor,
Não digas sim ou não,
Diz apenas um segredo,
Que o animal é um cão.

Chegarei devagarinho
E com desculpa para dar,
Se ganhar que bom que é,
‘Fui a Nhala passear’...

Ó São Lourenço de Buba,
Continue-me a aludar,
Não queiras que a malta toda
Cá do pombo vá troçar.

São Lourenço, anula bolas,
São Lourenço, apita bem,
São Lourenço ajuda os pombos,
Que a gaiola já “cá tem”.

Não digas nada a ninguém,
Esqueces as horas de amargura,
Os três jogos já passaram,
A pé, não… de viatura!

Esqueço-me das ordens todas,
Alheio-me do Capitão,
É que o jogo corre às dez
Porque a mensagem diz cão.

Chegarei descansadinho
E com desculpa e feitio,
Fui a Nhala caminhar
Se perder o desafio.

São Lourenço, eu fiz promessa,
Fui à capela rezar,
Uma lâmpada se perder,
Doze velas se ganhar.

Ó São Lourenço de Buba,
Só tu me podes safar,
Apita marca ‘penaltes’,
Faz o pombinho ganhar.

Ó São Lourenço de Buba,
Dá-me a tua protecção,
Apita e faz batota,
Alegra-me o coração.

Ó São Lourenço de Buba,
Fiz as minhas orações,
Sou devoto e cumpridor,
Deixa-me dar encontrões.

Torno Buba independente,
Toda a malta hei-de matar,
Será um cataclismo
Se o pombo ganhar.

Ó São Lourenço de Buba,
Eles até levam gaiola,
Se perco, então, meu santinho,
Dá-me balas e pistola.

Dá-me canhões, dá granadas,
Arame para armadilhar;
Dá-me turras com fartura
E deixa-me comandar.

Correrei o campo todo,
Serei carga de jumento,
Mas também te pagarei
Um jantar no cruzamento.

Só para ganharem um quarto,
Usaram desta artimanha,
Fizeram uma coluna
E mandaram-me como ‘aranha’

“Avisado pela comichão de censura”


In: Manuel Batista Traquina: Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. pp. 140-141.


Comentário de L.G.:

Versos alusivos a um torneiro de futebol de salão, jogado na pequena parada do aquartelamento de Buba, e que reuniu quatro equipas: as companhias, os pelotões, a Engenharia, e as Transmissões (+ outros).

A arbitragem era chefiada pelo Alf Lourenço (aqui o São Lourenço, e não o Sr. Lourenço, como aparece no livro). Por seu vez, o grande entusiasta do torneio e manager da equipa de Transmissões era o Fur Mil Trms Pombo que, que nesse mesmo dia e para seu grande desgosto, que teve air apoiar a coluna para Nhala, a 15 km de Bula, na estrada para Aldeia Formosa.

O autor não do diz mas tanto o Lourenço como o Pombo deviam pertencer à CCS do BCAÇ 2834, de que dependiam tanto a CAÇ 2382 (A Companhia do Olho Vivo). Mas o Lourenço também ser o Alf do mesmo apelido, da CCAÇ 2381 (Os Maiorais, a que pertencia o nosso querido Zé Teixeira, 1º Cabo Enf);

Na época havia várias subunidades em Buba:

CCS / BCAÇ 2834
Pelotão de Morteiros nº 2138
2º Pelotão / BCA
7º Destacamento Especial de Fuzileiros
15º CCmds
COP4 (criado em 19 de Janeiro de 1969), sob o comando do major Carlos Fabião
Outras...

Secretamente o Pombo pediu a um amigo que, via rádio, em código combinado pelos dois, lhe comunicasse a hora do desafio. A preocupação, secretíssima do Pombo, tornou-se conhecida na parada. O 2º Sargento Inf João Boiça, apoiante da equipa rival, fez-lhe então este versos, alcunhando-o ‘triste Pombo'...

O Manuel Traquina (foto actual, à esquerda) publicou no seu livro estes versos que atestam, não só o espírito de humor e camaradagem reinantes na CCAÇ 2382 e e outras subunidades que estavam em Buba, na época, bem como a importância que tinha o futebol… Era uma das poucas diversões a que os militares portugueses se permitiam o luxo... Tinha, além, um efeito positivo na manutenção e melhoria do moral do pessoal, como de resto o atestam outros postes já aqui publicados.
_________

Nota de L.G.:

(*) Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt]

Vd. também poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)

(**) Vd. postes anteriores do Manuel Traquina:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3855: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (5): As colunas Buba-Aldeia Formosa

12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)

23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina)

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

Guiné 63/74 - P4796: Estórias avulsas (14): O enfermeiro Lomelino (Alberto Nascimento)


1. O nosso Camarada Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 7 de Agosto de 2009:
Camaradas,

Tinha esta estória guardada e não a tinha ainda enviado por entender que, por se tratar de um episódio passado com outro camarada, devia no mínimo sondar a sua opinião e mesmo obter a sua autorização.



No ultimo almoço da companhia, recordámos o episódio em questão, que continua a motivar boas gargalhadas e o protagonista - enfermeiro Lomelino -, disse-me para avançar com a sua publicação.


Por isso aqui está:


O enfermeiro Lomelino
Em 1961, quando o nosso pelotão foi destacado para Farim e após uns dias de estadia no destacamento de Cavalaria, nos cederam para quartel um antigo armazém abandonado dentro da povoação, tratamos de adaptar o espaço às nossas necessidades, transformando-o em caserna.


O Lomelino, era o enfermeiro do meu pelotão, a quem todos reconheciam total competência no desempenho das funções inerentes à sua especialidade.


Ninguém hesitaria em pôr a “bunda” a jeito para uma pica, se fosse necessário, ou a tomar um medicamento por ele receitado para maleitas menos graves, embora o que ele mais receitava era o LM, que, já sabíamos, se não fizesse bem, mal também não fazia.


Além da assistência aos militares, quando lhe era solicitado, também dava apoio e tratamento da população civil. Então lá ia ele com o bornal cheio de ligaduras, drogas, seringas e agulhas, prevendo a teimosia de alguns Homens Grandes, que diziam que só a injecção fazia passar a dor, porque sentiam a picada. Comprimido não fazia efeito e nem o “fermeiro” Lomelino conseguia demovê-los desta ideia.


Se o meu Camarada era bom na sua “arte”, já na formação da vertente bélica, o Lomelino, um dia demonstrou uma grave falha e, das duas uma: ou lhe ensinaram muito pouco sobre armas, particularmente sobre a arma que lhe foi distribuída - uma pistola Parabellum -, ou ele esqueceu muito depressa, até porque, segundo nos dizia, a sua missão era tratar pessoas e não matá-las.

Outros tempos... em que eram prática comum a ética e o profissionalismo, que permitia falar assim.

Voltemos ao nosso enfermeiro Lomelino e ao seu esquecimento (ou distracção), da instrução que lhe fora prestada sobre os procedimentos de manuseamento de uma Parabellum.

Uma bela manhã, com vários militares dentro da caserna e os que tinham feito guarda durante a noite, ainda nos braços de Morfeu, o nosso bom camarada e óptimo enfermeiro, lembrou-se que estava na hora de fazer a limpeza da pistola.

Para isso muniu-se do material necessário e descontraído deitou mãos à obra, mas, distraído, esqueceu o procedimento mais básico para esta operação: tirar a munição que estava na câmara e o carregador.

Quando soou o primeiro tiro, uns olhavam espantados para o Lomelino enquanto outros já se tinham atirado para debaixo das camas, mas ao segundo tiro só o Lomelino ficou de pé com ar incrédulo a olhar para a pistola, que já tinha atirado para cima da cama.

Há homens com muita sorte. Um dos camaradas que depois da guarda dormia ainda com o camuflado vestido e o quico amarrotado debaixo da cabeça, veio mostrar os estragos que uma das balas fez no casaco e no quico.

As duas peças pareciam que tinham sido ratadas: o casaco, da cintura até à gola e o quico em vários pontos. A bala passou entre o cobertor e o corpo, e ele afirmou que não sentiu nada.

O Lomelino jurou solenemente que nunca mais ia pegar na pistola e cumpriu.

Nos destacamentos seguintes, não me lembro de o ter visto armado, nem mesmo em Bambadinca.

Por mim, considero a sua decisão demasiado drástica, bastava que passasse a limpar a pistola a, pelo menos, um quilómetro de distância do quartel.

Um Abraço,
Alberto Nascimento
Sold Auto da CCAÇ 84
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4795: Em busca de... (84): André Manuel Lourenço Fernandes, ex-Fur Mil não sabe o número da sua Companhia (José Martins/Carlos Vinhal)

1. Aproveitando algum tempo livre que os camaradas tertulianos vão dando este mês, estou a rebuscar mensagens antigas, que não pareça muito mal publicar agora.

Assim encontrei esta do nosso camarada André Manuel Lourenço Fernandes, ex-Fur Mil que esteve na Guiné.

Passo a transcrevê-la na integra:

27 de Abril de 2009 14:06
Para: Luís Graça
Assunto: Amigo

Estou perdido a minha memória está a ficar fraca tenho 60 anos através do meu BI de militar encontro (c.caç 3329) mas vou tentando encontrar a minha companhia e nada.

Mas vou dar algumas informações para tentar descobrir o meu nome é André Manuel Lourenço Fernandes fui furriel miliciano a minha companhia era açoriana a maioria da ilha terceira tive na Guiné não lembro bem os sítios, alguns nomes que recordo Bolama e Massamá entre 1970 e 1974 acho que vim um mês antes do 25 de Abril junto em anexo duas fotos uma do meu BI e outra com uma guineense.

Agradeço toda a ajuda gostava de contactar com eis camaradas!





2. Face a esta mensagem, consultei o José Martins:

Caro Zé
Este nosso camarada deve estar mesmo confundido. De acordo com as tuas listagens, não existe a CCAÇ 3329, mas sim a CART 3329. Açorianas aparecem as CCAÇs 3326, 27 e 28. Será a última a dele?
Refere Massamá, na Guiné, será Mansabá?
Vê por aí nos teus livros, pf.
Um abraço
Carlos


3. Esperando deste modo estarmos a avivar a memória do nosso camarada André Fernandes, aqui deixamos o resultado das pesquisas de José Martins:

Resultado de pesquisa, com base em dados bastantes difusos:

Nome – André Manuel Lourenço Fernandes

Com esta pista, só é possível encontrar a unidade em que foi mobilizado, recorrendo à caderneta militar, ou, em alternativa, a uma nota de assentos, que pode ser solicitada ao Arquivo Geral do Exército, sito em Lisboa na Estrada de Chelas

Pela leitura do cartão militar, foi incorporado em 6 de Janeiro de 1970, pelo que só poderia ter sido dado como pronto e em condições de ser promovido a 1.º Cabo Miliciano, no início do 2.º semestre de 1970.

Dar uma recruta e/ou formar Companhia, deve ter sido mobilizado para embarcar, em princípio, no início de 1971.

Subunidades mobilizadas nos Batalhões Independentes de Infantaria, nos Açores, a partir de 1971

Angra do Heroísmo – BII 17

Companhia de Caçadores n.º 3326


Comandante Cap Mil Inf José Carlos de Paula Carvalho

Embarque 21 de Janeiro de 1971

Regresso 7 de Janeiro de 1973

Localidades - Mampatá – Quinhamel – Ponta Vicente da Mata – Ome - Ondame


Companhia de Caçadores n.º 3327

Comandante Cap Mil Art Rogério Rebocho Alves

Embarque 21 de Janeiro de 1971

Regresso 07 Janeiro de 1973

Localidades - Brá – Bachile – Mata dos Madeiros – Teixeira Pinto – Bassarel – Calebisse – Chulame – Bissássema – Tite -


Companhia de Caçadores n.º 3328

Comandante Alf Mil Inf Agostinho de Almeida, Cap Inf Manuel Estêvão Martinho da Silva Rolão, Joaquim Humberto Rodrigues Teixeira Branco e Alf Mil Cav Luís Albano de Freitas Pereira

Embarque 21 de Janeiro de 1971

Regresso 7 de Janeiro de 1973

Localidades - Bula – Ponta Augusto Barros – João Landim – Mato Dingal – Cumeré.


Companhia de Caçadores n.º 3414

Comandante Cap Inf Manuel José Marques Ribeiro de Faria

Embarque 23 de Junho de 1971

Regresso 23 Setembro de 1973

Localidades – Bolama – Sare Bacar – Sora – Sare Aliú Sene – Cumeré – Brá

Fez escoltas a Farim – Binta – Guidage e Mansabá
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4784: Em busca de... (83): Companheiros de viagem para a Guiné em 25OUT66 (António Delmar R. Pereira)

Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

1. Mais uma estória do nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, enviada em mensagem de 30 de Julho de 2009.


UM TIRO NA PARADA DE GALOMARO

Tinha sido um dia cansativo.

Coluna para Bambadinca, carregar, descarregar em Cancolim e regresso contra o que era normal a Galomaro no mesmo dia.

Quem fazia segurança eram um Pelotão de uma Companhia independente, que esteve estacionado em Galomaro durante algum tempo. Não recordo no número dessa Companhia, mas sei que o meu conterrâneo Afonso fazia parte dela.

Tínhamos andado na escola primária juntos, mas depois a vida separou-nos para nos voltarmos a encontrar na Guiné.

Vínhamos completamente exaustos cheios de pó e de sede.

Deixei a viatura no parque e na palheta com o Afonso, dirigimo-nos através da Parada para a Cantina

Uma cervejinha sabia di mais.

Íamos conversando e ao mesmo tempo, eu fazia a manobra de desarme da G3 retirando a bala da câmara.

Nisto PUM!!!!!!!

Eu nem sabia donde tinha vindo o tiro. Incrédulo olhava para a minha espingarda, que ainda fumegava.

Tinha retirado a bala da câmara ainda com carregador posto, quando mandei a culatra à frente introduzi outra munição. Está bem de ver.

O tiro foi para o ar mas... dar um tiro daquela forma mesmo nas barbas do Coronel Castro e Lemos, era muito complicado.

Quando olhei para a porta da messe, já lá estava ele a abanar o pingalim.

O oficial de dia era o alferes Veiga. Veio identificar-me de imediato e mandou-me apresentar no dia seguinte.

- Estou lixado e ainda por cima tão perto das minhas férias - que já estavam marcadas para vir à Metrópole.

- Malvada sorte com tanto sítio para dar tiros tinha que ser ali.

Foram horas más, para além da vergonha de ter cometido um erro tão grave.

No dia seguinte lá me apresentei ao alferes Veiga, que me disse que era melhor eu ir falar com o Comandante e pedir desculpa do sucedido, pois a coisa estava bera.

Assim fiz. Barbeei-me e lá fui com o rabo entre as pernas, ter com o homem grande de Galomaro.

Chegado à porta do gabinete perfilei-me, fiz continência e falei com a voz mais segura, que pude arranjar no momento:

- Vossa Excelência, meu Comandante, dá-me licença?

- O que é quer o nosso Cabo?

- Meu Comandante, fui eu que dei o tiro ontem.

A cara tornou-se cinzenta, levantou-se com o pingalim na mão e com gestos ameaçadores veio direito a mim.

Pregou-me a maior descasca de que tenho memória e o pingalim roçava-me sem cessar, perigosamente, as orelhas e o nariz.

Ainda hoje me sinto admirado como não levei com ele, tal era a fúria do nosso Comandante.

Por fim mandou-me embora, não sem antes me dizer que não me pregava uma porrada, pois quase todos os oficiais tinham intercedido por mim.

Levei uns reforços à Benfica, mas quanto às benditas férias estavam salvas.

Juvenal Amado


Ten Cor Castro e Lemos numa coluna

Ten Cor Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Veigas

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4770: Estórias do Juvenal Amado (19): O cabrito do nosso Comandante

Guiné 63/74 - P4793: História da CCAÇ 2679 (23): Questão bicéfala (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 6 de Agosto de 2009:

Carlos,
Não vais de férias? Olha que esta malta não contemporiza. E eu também não, apesar da estima e do reconhecimento das tuas qualidades. Talvez por isso, se não tivesses qualidades... ia chatear outro.

Quero dizer que o que se segue, é mais um pedaço de história das andanças na Guiné.

Um abraço Tabancal.
J Dinis


História da CCAÇ 2679 - 23

Questão bicéfala


A fila de pirilau devia alongar-se pela picada fora, guardando as distâncias convenientes, e preservando a atitude de grupo organizado, não fosse o diabo tecê-las, que isto de guerra de guerrilha tem mais é que ver com a surpresa. À frente quatro picadores que batiam no chão sem vontade para ouvir um som diferente, ou de fazer aparecer uma latinha, cumpriam a tarefa de detectar algum engenho explosivo e traiçoeiro. Logo atrás seguia eu, como de costume, ora prestava alguma atenção à picagem, ora me distraía com as cores vivas da mata, com algum chamamento de aves, com o esvoaçar do pensamento até uma ramagem na Europa, o poiso sonhado. No alto, o sol inclemente atingia-nos com raios escaldantes.

Seguiam-me cinco homens alinhados convenientemente, provavelmente com os sentidos na mata e os pensamentos nos braços das namoradas. Mas depois, um quase longo espaço, quebrava a homogeneidade do pelotão, até divisar um grupinho. Dei indicação para prosseguirem com atenção, que já os alcançaria. Troquei graçolas com os que passaram por mim, e deixei-me ficar à espera do grupo. Alguns momentos, e aproximou-se o alferes, acompanhado por três elementos que o ladeavam, mais dois que o seguiam de perto, todos em amena cavaqueira. Mais afastados ainda, vinham quatro ou cinco com ar de velhos cansados, e que fechavam a contagem.

Bonito grupo de combate, pensei. À aproximação dos primeiros interpelei o pessoal porque é que vinham a chatear o nosso alferes, em vez de terem cuidado com a progressão em linha e com distâncias adequadas. "Vamos! A andar como deve ser!". Ainda ameacei umas biqueiradas naqueles cús manhosos e displicentes. O Lopes sorriu-me sem intervir.

Depois esperei pelos últimos e indignei-me com a bandalheira. Desculparam-se que os outros iam logo ali, e que os turras não se atreviam a meter connosco, como que a amenizar a situação, paleio que tinha o paradoxal efeito de me irritar. Com maus modos obriguei-os a seguirem-me para ocuparem a dianteira do pelotão.

Dias após, pela tarde, o alferes comunicou-me que não nos acompanhava para Tabassi, porque no dia seguinte teria que seguir para os reordenamentos. Depois passou a ser frequente não nos acompanhar e, até, não prevenir. Dava umas ordens ao pessoal, por vezes contrárias às que eu transmitia. Estas contradições e a sua ausência quase permanente, causavam algum mau estar e originavam conflitos que o pessoal explorava e eu tinha que resolver, por vezes a raiar o limite da paciência.

No meu diário registei várias vezes a crescente desorganização no seio do Foxtrot, e sentimentos antagónicos sobre o grupo. As coisas não corriam bem, decididamente.

Um dia, o ambiente azedou perante uma insistente imprecassão, relativa a uma contradição entre nós. Que cada cabeça, cada sentença, ou que cada um mandava pelo seu lado. Foi o transbordar do copo. Dirigi-me ao capitão que, inicialmente, quis desviar o assunto, adiar a resolução. Insisti que tinha que tomar uma atitude urgente, no próprio dia, que a situação era inaceitável para mim que, afinal, estava novamente só com o pelotão, mas com mais dificuldades no relacionamento. Até que o Trapinhos, como que baralhado, enfadado e displicente, mas a querer livrar-se de mim, perguntou-me, mais ou menos nestes termos: "Mas você não quer o alferes Lopes no pelotão?".

Respondi-lhe com a calma possível, que o alferes teria que fazer uma escolha, ou ficava nos reordenamentos sem interferir nos assuntos do pelotão, ou alinhava connosco, assumindo o comando e decidindo sobre a actividade e as pessoas, no sentido de harmonizar e homogenizar, no que me propunha dar colaboração. Comandante à distância é que não, dados os inconvenientes e incongruências já registadas.

Nesse dia o capitão referiu-me que o alferes era necessário para acompanhar as obras de reordenamento em curso em Amedalai, pelo que não voltámos a partilhar posições no Foxtrot. Ali se definiu o futuro.

Tive excelente cooperação, no que aos serviços no aquartelamento respeitava, na articulação e desempenho de funções, que me dispensava, a maioria das vezes, de andar a distribuir e controlar tarefas. Atingia-se a maturidade, e cada um sabia e assumia a sua responsabilidade perante o grupo. Os cabos passaram a ter um papel relevante e harmonizador. Eu passei a ter uma grande tranquilidade, com uma reserva de energia que extravasava para o grupo.


Movimento de pessoal no Foxtrot

Desde o inicio da comissão registaram-se as seguintes baixas ao efectivo:

- O alferes Guerra, por motivos disciplinares;
- O Firmo Fernandes por motivo de doença, e igualmente o António Cró;
- O furriel Azevedo por ter manifestado incapacidade cardíaca, passou a trabalhar na secretaria, sem substituição no pelotão, mas com o meu acordo, porque tínhamos feito entre os furriéis um pacto no sentido de regressarmos juntos;
- O António Jesus por incapacidade cardíaca deixou o pelotão e passou a tomar conta da cantina.
- Entretanto, o alferes Lopes, como vem do texto anterior, também não foi substituído. Nesta ocasião começam a notar-se baixas frequentes por doença, e o pelotão actuava com o efectivo mais reduzido.


O Pauleiro

A alcunha deriva do local de nascimento e crescimento, o Paúl do Mar, pequena aldeia de pescadores que se estende sobre uma estreita plataforma de calhau, na costa oeste da Madeira, entre o mar e a escarpa alcantilada, sem outras saídas que não fossem o mar, ou uma vereda que galga a encosta quase vertical e extensa, de cujo cume, as casas lá em baixo parecem poder apertar-se nos dedos da mão. Hoje possui acessos viários que permitem a circulação de viaturas a motor.

Começou a lida da pesca ainda menino. Na época não se sentia necessidade de dar aos filhos educação escolar, pelo que o Alfredito brincava na água, interessava-se pela faina e, menino ainda, começou a ajudar o pai.

O Paúl do Mar, localizado na costa sudoeste da Madeira é uma vila piscatória tradicional

Foto retirada do site da Revista Madeira Live, com a devida vénia


Só a tropa veio quebrar a rotina. Mas o menino fizera-se homem, magro e musculado, olhar vivo e curioso, com temperamento alegre e de trato fácil como convém aos homens do mar. Desempoeirado, arguto e ágil, o Pauleiro impunha-se pelas suas capacidades e camaradagem. A guerra não lhe metia medo, era como uma sucessão de vagas que haveria de passar, enfrentando-as de proa embicada.

A 2679 incorporou-o com destino à Guiné, e o Foxtrot deu-lhe conveniente acolhimento. Provavelmente deu ele mais ao pelotão, do que o pelotão a ele, tudo em doses equilibradas. Talvez se registe um empate. Mas o Pauleiro com a alegria que irradiava, com a aptidão para a mata e a voluntariedade mobilizadora dos primeiros tempos, distinguia-se e foi dos que mais contribuiram para a coesão e determinação do grupo.

A ele devo a vida, conforme terei que relatar em episódio mais tarde. E se com ele tive algumas poucas birras de teimosos, imediatamente as ultrapassávamos sem ressentimentos ou sequelas.

Acabou a tropa e rumou ao Curaçao em busca de melhores pesqueiros. Nessas costas marítimas derivou até ao Equador, onde constituíu família de cultura hispânica.

Julgo que é dono do seu barco. Telefonei-lhe pelo Natal há poucos anos, e atendeu-me a esposa, que em castelhano referiu que o Alfredito andava no mar, "volverá al final de la semana". Quando lhe falei mais tarde, não se lembrava de mim.

A mãe vivia só no Paúl, perto de uma filha, mas tem filhos dispersos pelo mundo, da Austrália ao Equador, com quem mantém ténues laços através de esparsa correspondência.

Alfredito, provavelmente, ainda sonha em juntar o mundo, inspirado pelo mar e as estrelas do hemisfério sul.

Esta foto aconteceu no regresso de uma ida à lenha e, da esquerda para a direita, vêem-se: Gonçalves com a mortífera moto-serra; Rodrigues, o conhecido Mama-Sono; Santos, o manteigueiro que infelizmente já nos deixou; Pauleiro com a G-3, Faria, um dos nossos cabos; com a camisa mal abotoada e sempre bem disposto, o nosso condutor alcunhado se Zip; malmente ataviado e armado em Cisco Kid, cá o je, autor da prosa; por fim, com outra G-3, o França, também já retratado.

Foto: © José Manuel M. Dinis (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4759: História da CCAÇ 2679 (22): Falando sobre Bajocunda (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P4792: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (6): O “Rato” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66

1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 6ª estória, com data de 05 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:

O «Rato»

O 1º. Cabo Auxiliar Enfº. Martins não enganava... Tinha “pinta”!

Rapidamente deu nas vistas. Aprendia depressa e era um «desenrascado»... natural.



Aquele seu jeito vinha-lhe do berço. Esperto e mandado para a frente: para o bem e para o mal...


Pequeno de estatura, de olhos bem vivos, mexido e malandro q.b. .


Estava na vida militar como «peixe na água»:


Não era mais um. Dava a pele por um seu superior mas... não o pisassem...


Aquele era dos que se batia pelo seu Capitão mas... deixassem-no respirar!


A bem o Martins ia para todo o lado. A mal... era rijo e não vergava...


Foi um dos que na vida militar terá apanhado primeiro um castigo e só depois um louvor! Foi também um dos que “passou” (com nota alta) o exame que foi para todos a: «Operação Lenquetó»!


O autor e o “Rato” em Binta. Binta, Junho de 1965. Fotografia do autor.

No «baptismo de fogo» o Martins, ou melhor, «o Rato» (como já era então por todos conhecido e tratado) mostrou a sua raça e que... os homens não se medem aos palmos...


No «Diário» da Companhia a sua actuação foi descrita assim:


«... De salientar na emergência a coragem do Cabo Enfº. Martins que não abandonou o ferido em cima da viatura, gritando para o Claudino (o condutor) que continuasse a andar para o estacionamento».


Há que esclarecer que a viatura em causa transportava um ferido grave – o soldado Almeida, que veio a ficar cego de um olho – e que foi emboscada quando seguia - isolada – a caminho do aquartelamento.


Está claro que o «Rato» em cima da viatura e debaixo de fogo, chamou ao Claudino tudo... menos bom rapaz.


É que este, em desespero, abandonou momentaneamente a cabine para se abrigar do fogo inimigo. Foram os gritos e «os nomes feios» do Cabo Martins que o fizeram voltar ao volante do Unimog.


Terá sido o «Rato» que, com o seu exemplo e coragem, evitou males maiores.


Depois... ao longo dos meses... esteve sempre em todas.


No mato e no quartel.


Aprendeu a falar os dialectos nativos e... não tivessem pena dele.


Ninguém na Companhia «terá partido mais catota... » que o Cabo Enfº. Martins.


Generoso e valente como operacional. Malandro e desenrascado no quartel e... na tabanca!


Onde estava o «Rato» não passava desapercebido!


Quando não sabia... ”inventava” e como auxiliar de enfermagem transmitia confiança. Ia a todas e... não se atrapalhava. Era bom tê-lo por perto quando havia azar...


Vivia intensamente a “sua” Companhia.


O que o ex-Alferes Tavares conta da sua dor exaltada a quando da morte do soldado Nascimento no Hospital de Bissau demonstra isso mesmo.


«... Mal cheguei ao Hospital dei de caras com o «Rato».


Este estava no HM 241 a fazer tratamento de desparatização e logo que me viu gritou-me a má nova: Morreu o Nascimento. Estava agitadíssimo. Em cada três palavras dizia duas asneiras. Já não sei como mas... segui-o pelos corredores do Hospital e fui dar a uma sala onde estava um corpo coberto por um lençol. O «Rato» destapou o corpo e reconheci o corpo desnudado do Nascimento. Morto. Não tinha um pé.»


Mais uns meses e o Martins regressou à Metrópole cheio de sonhos.


Infelizmente não optou pelo retorno às (suas) origens.


A Tondela. A pequena vila e sede de concelho do distrito de Viseu.


À terra que o tinha visto nascer.


Ficou por Lisboa, pela grande cidade: E... perdeu-se!


Terá vivido em equilíbrio precário, na corda bamba e não encontrou nunca «terra firme»...


Visitou amigos da vida militar. Teve a ajuda de alguns.


Viveu em sobressalto. Em correria. Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.


Numa visita à sua terra natal – a Tondela – morreu num acidente de motorizada.


Quando soube... chorei sentidamente o «Rato».


De quem fui superior directo na vida militar.


Como eu estimava o puto!


Depois do regresso da Guiné tive o «Rato» em Alcobaça, em casa dos meus Pais. Um fim-de-semana.


À noite, já o «Rato» estava deitado, a minha mãe quis saber se ele estava bem e se precisava de mais alguma coisa.


O «Rato» preparava-se para dormir sem pijama porque simplesmente... não o tinha.


Escondeu embaraçado a nudez do tronco com a roupa e respondeu à minha mãe que não, que estava tudo bem. Parecia um «menino» encabulado!


Lembro-me como se fosse hoje.


Raramente vi o «Rato» tão atrapalhado. O «Rato» irreverente, desenrascado, sem papas na língua... ficou sem palavras.


Tinha sido um menino que teria crescido sem amor e que não estava habituado a que o tratassem... tão bem!


É assim que o recordo.


O seu sorriso de embaraço frente a alguém que o tratava como a um filho.


O «Rato» deixou a vida cedo. Vida que viveu a correr.


Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.


Recordo-o com muita saudade.


Se isso pode ser considerado como um bem... permaneceu desde então, desde sempre na minha memória, como um jovem, misto de “malandro” e de menino que terá crescido para a vida... com falta de amor.


O «Rato» foi...tudo isto.


Se tivesse vivido nos tempos de Asterix teria sido, com certeza, também um irredutível.


Que saudades eu tenho do sacana do puto!


Um abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:


Vd. último poste da série em:


4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4779: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (5): “O Campo de Ourique” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66)

Guiné 63/74 - P4791: Estórias do Mário Pinto (7): “Maria, a minha querida bajuda”


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma estória:

Amigos e Camaradas,

Tinha o meu “carregador” cheio e uma bala na câmara, puxei a culatra atrás e os “tiros” começaram a sair.

Como tem sido hábito, ultimamente, tenho vindo a rebuscar os meus velhos textos de Mamapatá, que me têm avivado a memória e me têm transportado a esses meus anos de juventude, e tenho-os enviado para partilhar convosco no “nosso” blogue.

Acho que descobri uma fórmula mágica do rejuvenescimento.

Aqui vos envio mais uma das estórias que então memorizei:

"A MINHA QUERIDA BAJUDA"

Quando a minha companhia chegou a Mampatá, tudo era precário a começar pela inexistência de instalações, pelo que logo começamos, com o nosso habitual e engenhoso desenrascanço, a procurar abrigos em plena tabanca, com a complacência, mais ou menos consentida e com sinais de maior ou menor simpatia, dos naturais da localidade.

Depressa nos adaptamos àquele lugar e às condições rudes em que vivíamos. Aos poucos e a troco de algum “patacão”, lá fomos arranjando locais próprios, o mais possível a nosso jeito e satisfação mínimas, para as nossas futuras “moranças”.

No mercado de trabalho de Mampatá procuramos arranjar alguém, para nos lavar a roupa e, nalguns casos, " lavar o corpinho" como era conhecido o tratamento físico e mais íntimo na época.

Tive a sorte de conhecer a Maria - uma bajuda Fula, linda e limpa -, que me tratava da roupa e da minha “habitação”.

Ao princípio olhava-me de lado, com ar desconfiado e recatado, fruto evidente dos aconselhamentos das “Mulheres Grandes” e da doutrina da “religião de Alá”, que ela professava e que, logicamente, proibia as mulheres de conviverem com estranhos e, ou, de raça diferente.

A estes factos juntava-se a sua tenra juventude, dado ela ser ainda bajuda, pelo que a Maria se refugiava em curtos e imperceptíveis monossílabos, para responder às minhas perguntas.

Só conseguia desfrutar o seu arrebatador e lindo sorriso, quando lhe pagava os serviços prestados, ou lhe dava alguma prenda (ronco) que conseguia angariar.

Ainda hoje cismo, por não me conseguir lembrar onde desencantava o raio do “ronco”, com que periodicamente lhe dava as prendas…

Com o correr dos tempos e já integrados nos conceitos e hábitos dos naturais da aldeia, e com a confiança dos seus “Homens Grandes”, lá fomos abrindo as portas da confiança e do convívio mais intrínseco com aquela maravilhosa gente guineense.

A Maria bem como as restantes bajudas, também se foram tornando mais afáveis e cúmplices com a tropa ali estacionada.

Quem não via com bons olhos a coisa e começou a ficar preocupado, foi o nosso comandante, porque o pessoal começava a dar sinais de desejos “suspeitos”, pelas bajudas que por ali circulavam de maminhas rijas e ao léu.

Quando tive a infelicidade, ou a “sorte”, de ser ferido com uma bala num braço - que obrigou a ficar engessado e ao peito -, fiquei grande parte do tempo do restabelecimento em Mampatá.

Passei então os dias a divagar pela tabanca, onde os “Homens Grandes” me demonstravam um respeito enorme, como se eu tivesse sido protagonista de um grande feito.

A “minha querida” Maria nesse período sabe-se lá porquê, tornou-se mais assídua aos meus aposentos, ficando mais tempo que o habitual comigo e procurando ser amável e carinhosa, não temendo, como até ali receava, o falatório das “Mulheres Grandes”.

Para minha surpresa agradável, num qualquer dia radiante do ano de 1970, o inevitável aconteceu, a Maria - “minha” bajuda preferida -, entregou-se-me totalmente numa tarde infindável de prazer e luxúria sexual.

Parece que ainda hoje revejo e sinto aquele corpinho mais lindo e brilhante, na sua inebriante e magnética cor de ébano.

Ficávamos tardes inteiras a “fazer amor” e repartindo mil conversas próprias das nossas sadias e frescas juventudes.

Passada a surpresa inicial e sanados na prática os meus desejos mal contidos há bastante tempo no meu pensamento, comecei a reparar que a minha querida bajuda, não correspondia com qualquer tipo de sinal de prazer aos meus ímpetos amorosos, que eu julgava que deveriam ser exteriorizados e próprios da sua idade.

Questionei-a admirado, e ela esclareceu a minha ignorância (como leigo que sou dos ditames do Alcorão), que na sua condição de Fula, sendo a sua religião Islâmica, seguiam a tradição cumprindo o “fanado” (que consistia na ablação do clitóris da mulher), como rezava o seu livro religioso.

Por outras palavras, a mulher é completamente e sadicamente, destituída do prazer sexual, sendo este apenas e incrivelmente propriedade do homem.

Estranha religião esta - pensei e comentei eu.

Desde esse dia passei a respeitar mais a Maria, a minha lavadeira e amante que, durante este espaço de tempo da minha recuperação, foi minha muleta de sustentação de tempos que foram, para mim, muito problemáticos.

Num período curto de Férias que gozei na Metrópole, deixei a minha “morança” entregue à Maria, para que a mesma fosse cuidando dela...

Para meu espanto quando regressei a Maria já não estava em Mampatá, tinha casado com um “Homem Grande” de Bafatá, que a tinha vindo buscar, pagando o que o seu pai pediu, como era tradição ancestral na Guiné, para a levar com ele.

Fiquei transtornado e abalado com a situação, durante bastante tempo, até arranjar outra lavadeira - a Ahua.

Nunca mais a vi a Maria.

Lembro-me que antes de regressar a Portugal e quando estava a despedir-me das gentes de Mampatá, a sua mãe me dizer que ela tinha tido um filho. Rapidamente fiz as contas” ao tempo passado, desde que deixei de a ver, e verifiquei que não havia qualquer possibilidade de ser eu o pai.

Graças a Deus. Fiquei aliviado!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Foto: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

5 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4788: Estórias do Mário Pinto (6): “O Puto da Mancarra”

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4790: In Memoriam (30): França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832, faleceu em 7 de Janeiro de 2009 (Os editores)

França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832, Mansoa, Infandre e Braia, 1971/73, falecido em 7 de Janeiro de 2009.


1. Caros camaradas
Já pela noite, quando verificava as mensagens mais recentes, deparei com uma que me deixou profundamente triste.

Em resposta à minha mensagem colectiva de envio da lista actualizada de tertulianos do nosso Blogue, veio uma de Vasco Soares, filho do nosso tertuliano França Soares, a comunicar que ele tinha falecido no dia 7 de Janeiro passado.

França Soares (*) entrou para a nossa Tabanca, quando se apresentou na sua mensagem de 29 de Dezembro de 2007. Na verdade nunca participou activamente no Blogue, como tantos outros camaradas, mas nunca supusemos que ele nos tivesse deixado tão cedo.

E assim a Tabanca ficou mais vazia. O espaço livre de quem nos deixa é incomensuravelmente maior que o espaço que alguém ocupa quando entra.

Paz à sua alma.


O Fur Mil França Soares


2. Em nome da tertúlia enviei esta mensagem ao nosso amigo Vasco:

Caro Vasco
As nossas mais sinceras condolências pelo desaparecimento tão precoce de seu pai.
Lamentamos não termos sido informados na altura do falecimento do nosso camarada, mas compreendemos a posição da família, nem sempre sensível a estas coisas de velhos combatentes. Além de mais, nestas horas tão difíceis há um sem número de coisas bem mais importantes para tratar.

Vamos publicar ainda hoje um poste que será a última homenagem que faremos ao nosso camarada França Soares, que servirá também para comunicar à restante Tertúlia o seu falecimento.

Quando um de nós que desaparece, desaparece também um pouco da memória de uma guerra que marcou a nossa geração.

Transmita à restante família o nosso pesar pela perda do vosso entequerido, cujo nome continuará a ocupar o seu lugar na listagem dos tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Pelo ano em que o seu pai foi para a Guiné, vou considerar que ele terá nascido em 1949. Se assim não fôr, por favor mande o ano correcto do seu nascimento para eu corrigir.

Com os melhores cumprimentos
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2404: Tabanca Grande (48): França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73)

4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4780: In Memoriam (29): Manuel Canhão, ex-Fur Mil (Guiné, 1968/70), faleceu ontem, dia 3 de Agosto de 2009 (Jorge Teixeira)

Guiné 63/74 - P4789: (Ex)citações (36): As minhas lágrimas há muito secaram (Vítor Junqueira)

1. Mensagem de Vítor Junqueira (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72, com data de 5 de Agosto de 2009:

Amigo Carlos,
Em anexo segue mais uma das minhas reflexões vespertinas, que sujeito ao teu veridicto.
Um abraço (especial) do,
VJ


2. Comentário ao Poste 4773 do J. Mexia Alves

Meu prezado amigo e camarada Mexia Alves:

A nossa relação vem de há pouco. Tenho pena, pois sinto que estaria mais rico se o fado da vida que tu escreves e cantas tão bem, nos tivesse proporcionado a convivialidade… que não tivemos!

Tenho a mania de que consigo percepcionar a aura que envolve a alma humana. A tua, espelha a imagem de um homem frontal, íntegro e sensível. Só por isso, e também porque falas um dialecto da nossa língua que, pelos vistos, poucos entendem, aqui estou eu a deixar um comentário ao teu post 4773 (**).

Dizes tu, Joaquim, que choras lágrimas de indignação e revolta, quando em certas circunstâncias, a tua consciência te atira à cara, o destino que nós portugueses, (i) responsavelmente, reservámos àqueles que foram dos nossos mais nobres, valentes e leais concidadãos. E muitos são-no ainda, pois embora trazendo no bolso um BI que indica outra nacionalidade, o coração continua português. Entre esses anónimos portugueses de alma, estarão antigos soldados teus, amigos que te protegiam e que protegeste, conforme escreves.

Não me foi dada a honra, como a ti, de comandar naturais daquele território. Mas tive a sorte de, em inúmeras ocasiões, os saber a meu lado empenhados no mesmo combate. Dominava-me então o sentimento de que em grande medida e graças a eles, a minha vida e segurança estavam em boas mãos. Hoje, como há quase quarenta anos, são credores do meu respeito e gratidão.

Por isso mesmo quero dizer-te, Joaquim, sem lágrimas porque as minhas há muito secaram quando com elas reguei a semente da raiva, que partilho a tua revolta quanto à indiferença com que colectiva e institucionalmente tratámos estas pessoas. E suas famílias.

Ainda não há muito tempo, acompanhei comovido através da televisão, a forma como a nação guineense se organizou para receber a visita de uma delegação nacional de alto nível. Nas manifestações populares de boas-vindas (merecemo-las?), muito povo. E no meio desse povo, alguns velhos soldados de caderneta militar na mão, delida e amarelada, mas a meus olhos com a força de um estandarte de guerra, tentavam aproximar-se das autoridades portuguesas com um único desejo: que os reconhecessem como antigos combatentes que dedicaram uma boa parte das suas vidas à nossa pátria e às suas FA, a quem juraram fidelidade. Como seria de esperar, a reacção foi mais uma vez, uma profunda e ostensiva indiferença. Pergunto-me se teria sido assim tão difícil estender a mão àquele punhado de homens, quando é público e notório que se distribuem euros e honrarias por tantos que se limitaram a fazer currículo mamando na teta da república.

Enquanto os que alimentaram a porca com o seu sangue, foram contemplados com o manto do opróbrio e a condenação mais ou menos sumária e explícita de que tiveram o que mereciam. Conforme já li, algures.

Para a grande maioria, é demasiado tarde, já não existe auxílio ou reparação possíveis. Por isso, e quanto àqueles que Deus já levou ou Lhe foram remetidos à força de bala, abandonados à sua sorte e alvos de vinganças cruéis e desnecessárias, peço ao Criador que os compense pela injustiça e indignidade com que Portugal os tratou. Para nós (todos), a penitência da eterna vergonha.

E não me venham os teóricos das guerras militarmente perdidas, das retiradas gloriosas, das descolonizações exemplares, justificar o injustificável. Conheço-lhes a cartilha. A dos tiques disto e daquilo, dos primarismos antidemocráticos, dos salazarismos bafientos ou das mentalidade neocolonialistas, entre as muitas tags que constam do seu repertório. Aqui trata-se apenas de dignidade, justiça e honra. Quando uma sociedade vira as costas a estes valores e assobia para o lado perante reivindicações como as destes nossos antigos camaradas, será que a prazo, vai ter pernas para ir a algum lado?

Um abraço do,
V. Junqueira

OBS: Negrito da responsabilidade do Editor
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)

(**) Vd. poste de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4773: Blogoterapia (119): Ainda choro e me revolto por todas as nossas mentiras... (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4684: (Ex)citações (35): Milicianos ou do Quadro Permanente, todos fomos combatentes (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P4788: Estórias do Mário Pinto (6): “O Puto da Mancarra”


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma estória:

Amigos e Camaradas,

Ao rebuscar os meus velhos apontamentos dei com este velhinho texto, que achei, pelo interesse e dramatismo do seu conteúdo, dever partilhá-lo com toda a nossa Tabanca Grande e ao qual dei o título de:

"O PUTO DA MANCARRA"

As ruas de Bissau, invariavelmente, durante o dia e pelo entrar da noite, encontravam-se plenas de viaturas e gente civil e militar, num pintalgado de fardas da tropa portuguesa, trajes tradicionais africanos e outras vestimentas diversas, que emprestavam à paisagem daquela cidade, cenários de uma diversidade colorida mística, rara e atractiva.

Sós, ou em pequenos grupos, esta gente pululava pelas ruas e estabelecimentos, em permanente rodopio, ora atarefada a tratar das suas vidas, ora calma e serenamente a cumprir as suas habituais rotinas, que, regra geral, acabavam com uma rumagem a um dos vários cafés e esplanadas da cidade.

Um dos putos "reguilas" que gravitavam à nossa volta

Ali, sentados e saciando a sede, bebericando descansadamente a sua cervejinha, entre ruidosos burburinhos de risos e conversas, normalmente sobre acontecimentos e novidades dos pontos mais longínquos da Guiné, o pessoal era cercado pelos persistentes vendedores de ronco (1) e pelos incansáveis e simpáticos miúdos da mancarra (2), que negociavam os seus produtos em troca de alguns pesos (3).

O Mamadú Jaló era um desses putos, filho de uma mulher de origem “papel”, que vivia nos arredores da cidade e tinha uma irmã, que lavava roupa a alguns dos nossos militares em serviço no Quartel-General. Um dia essa sua irmã, perdeu-se de amores por um deles, nativo local, tendo engravidado e abalado na sua companhia para Bula.

O puto, com a partida da sua irmã, ficou a ser o único meio que podia sustentar a sua mãe, de origem “papel” e que todos os dias desesperava, na sua pobre Tabanca, pela falta de dinheiro indispensável à sua subsistência e do seu querido filho.

Desenrascado como era, o Mamadú procurou trabalho no cais de descarga de Pijiguiti onde, por “artes mágicas” durante o dia, ia surripiando nas descargas dos batelões, que à data eram propriedade da CUF, alguns vagos de amendoim torrado e salgado.

À noite, com o resultado obtido desse “produto desviado”, deambulava pelas ruas fracamente iluminadas de Bissau, de esplanada em esplanada, vendendo o “seu” amendoim torrado e salgado, aos inúmeros tropas que com ele brincavam.

Findos os seus precários trabalhos diários, o puto da mancarra contava o magro “patacão” (4) angariado, que mal dava para as despesas de sobrevivência do seu corpito magro e franzino, e, muito menos, para ajudar a sua tão necessitada mãe, que ele, melhor que ninguém sabia, o esperava na Tabanca com ansiedade.

A mãe ainda nova, vistosa e dona um corpo rijo, e bem feito, era então viúva de um homem mais velho, que com a morte do seu companheiro, que um dia a tinha trazido de Farim (sua terra natal), se viu de repente com dois filhos nos braços.

Claro que com estes atributos físicos era assediada por todos os homens, naturais e militares, mas nunca cedeu às pretensões de quem a procurava, apenas, para as tão desejadas “loucuras” de uma noite de amor.

Até que, um certo dia, fraquejou amorosamente e se entregou a um militar, que através de estudadas e manhosas artes de sedução, e promessas ludibriosas a conquistou. O que é certo, é que o “conquistador” depressa se fartou dela, ficando a desgraçada mulher novamente sozinha e dependente do parco pecúlio, que habitualmente auferia o seu filho, Mamadú Jaló.

Farta de lutar e desanimada pela sua má sorte e infelicidade, começou a “vender” o corpo aos homens que a procuravam, para as tais noites de prazer, tornando-se assim em mais uma prostituta do Pilão.

O Mamadú Jaló, nunca mais foi visto para os lados do Pijiguiti ou na venda de
Mancarra, havendo quem afirmasse que ele, ultimamente, era angariador de clientes para a sua mãe.

Duas tristes vidas que o destino marcou e obrigou, sem apelo nem compaixão, a baixarem ao mais baixo nível da condição humana, que é para muitos desamparados e desprotegidos, o complicado acto da sobrevivência.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Legenda:

(1) – Artesanato muito diversificado
(2) - Amendoim na Guiné e Cabo Verde
(3) – Escudos (antiga moeda portuguesa)
(4) – Dinheiro, porventos

Foto: © Eduardo Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

(*) O Mário Pinto transmitiu-me que tem vários textos deste género, que acabamos de ler sobre um dos putos giros e “chatos”, que pululavam à nossa volta na pequena e aconchegada cidade de Bissau, impingindo-nos “manga de ronco” e que eu considero mais uma "peçinha" complementar do infinito puzzle, que pretendemos seja o nosso blogue.

São pequenas e saudosas memórias (umas melhores, outras menos boas), que vão também contribuindo para as nossas delícias literárias.

Mais disse o Mário, que tem vindo a contar-nos estas estórias, que ele designa como pequenos ensaios, do livro que ele pretende escrever num futuro próximo.

Ficamos pois a aguardar ansiosamente a sua publicação.

(**) Vd. último poste da série em:

4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4777: Estórias do Mário Pinto (5): “O Palácio das Confusões” e o “Pilão”