quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5067: Guidaje, Maio de 1973 (1): Momentos difíceis para as NT (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho (*), ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74, com data de 3 de Outubro de 2009:

Caro Camarada Carlos Vinhal
Cá estou de novo (trata-me por Marinho) será mais fácilmente identificado por camaradas da minha Companhia se calharem de consultar o blogue como espero, pois ando à procura de alguns deles.

Agradeço as tuas palavras de cortesia, espero apenas contribuir modestamente em episódios vividos na Guerra da Guiné, para que o resultado final seja um esclarecedor relato de operações militares que se desenvolveram, na minha zona.
Grato igualmente pelos comentários recebidos, a todos eles sem excepção.

Este texto visa situar melhor os acontecimentos, até ao dia 29 Maio de 1973, dia da minha chegada a Guidaje, espero conseguir os meus intentos, e contribuir para um melhor entendimento do que se passou.


COLUNAS PARA GUIDAJE

2.ª Coluna de abastecimento a Guidaje, dia 10 de Maio

Composição das forças que a integraram:


2.º GCOMB/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 de Nema
1 GCOMB da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 de Jumbémbem
2 GCOMB da CCAÇ 14 de Farim
1 GCOMB da CCAÇ Africana Eventual de Cuntima
2 GCOMB da 38.ª de Comandos
1 SEC/PEL MORT 4274

Esta coluna foi a primeira a chegar a Guidaje com os abastecimentos e armamento necessário para atenuar as muitas dificuldades existentes, servindo para dar ânimo aos militares do aquartelamento e à sua população.

O relato desta coluna já foi muito bem contado pelo camarada Amílcar Mendes nos postes 1201/1203/1205.

Neste dia estava eu na enfermaria de Farim, onde permaneci cerca de uma semana por causa dos estilhaços sofridos, ainda muito abalado psicologicamente pelo acontecido na véspera, por isso vou apenas falar por testemunho dum camarada do 2.º GCOMB da minha Companhia que fazia parte desta coluna e testemunhou a morte do camarada que ficou desfeito pela mina, que era da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512. Os seus restos mortais estão sepultados em Guidaje.

Seguíamos em fila indiana atentos a tudo o que nos rodeava, quando uma forte explosão nos obriga a mergulhar na picada. Ainda atordoado, dou conta de ter sido uma mina que destroçou um camarada que depois soube que era da 2.ª Companhia do Batalhão. Restou apenas o tronco que foi embrulhado num poncho e seguiu para Guidaje, onde ficou enterrado. Tive sorte pois verifiquei depois que ia em 4.º depois do morto e o segundo homem também foi projectado. O que me seguia foi ferido com estilhaços."

Quando da chegada da coluna vinda de Guidaje no dia 13 a Farim, fui saudar os meus camaradas e saber as últimas. Assisti entre outras coisas, ao evacuamento de heli do Comando que tinha pisado uma mina e o que me impressionou foi o grito que deu de Viva os Comandos, julgo eu, dado nas circunstâncias e no estado em que se encontrava.

Numa Berliet vinha um soldado morto nas valas em Guidaje, o ambiente era pesado e ninguém queria falar e voltar ao mesmo cenário. Do que tinham passado nas valas de Guidaje, auguravam-se tempos difíceis…

O nosso estado de espírito era lastimoso a todos os níveis, tínhamos mortos no mato sem sepultura, feridos que foram evacuados, e para eles, a guerra terminara de forma inglória. Nós tínhamos de lidar com os fantasmas do medo, que começavam a fazer os seus efeitos e ameaçavam paralisar-nos. Do meu grupo de 26 a 28 elementos, ficamos reduzidos a metade, em termos de operacionalidade, a solução temporária foi a junção dos 2 Grupos num só, para ficarmos de novo operacionais.

(Acho valer a pena referir, que o meu grupo teve um treino operacional muito exigente, por força de termos um Alferes que era Ranger, foi seguramente por isso que se evitou males maiores, noutros contactos com o IN anteriores e posteriores a Guidaje).

Em Abril houvera o reforço de mais um GCOMB da 3.ª CCAÇ do nosso Batalhão. Nós só em Junho deixamos Nema para nos juntarmos ao resto da Companhia em Binta.

A falta de Comando na Companhia, neste período, originou por sua vez alguma confusão pois faltavam ordens claras e a competente avaliação operacional. Em vez disso, voltava-se a improvisar e como havia muitas unidades militares a circular pelo destacamento, nunca se sabia quem mandava.

Foi com alguma estranheza que nos interrogamos sobre o não levantamento dos mortos que tinham ficado na picada. Se a coluna tinha chegado, aproveitando o facto de já haver muita tropa no sector (a 3.ª coluna já tinha entretanto chegado a Guidaje no dia 12 escoltada por Fuzileiros que sofreram um morto) e já com a presença dos Pára-quedistas da 121 na zona, porque não?

Mas a explicação mais simples que era veiculada, era a de o local estar todo minado e ser de elevado risco o levantamento dos corpos.
Também existia a hipótese de não haver nada a fazer depois das viaturas terem sido destruídas pela aviação.
Houve sempre interrogações, nunca respostas!
Cerca de 3 meses depois fomos nós lá com Sapadores de Minas fazer o reconhecimento e levantar as ossadas de 3 camaradas.

Nesta fase dos acontecimentos as coisas passavam-se vertiginosamente com um vaivém constante de colunas Farim-Binta-Guidaje e vice-versa.


Dia 15 nova coluna para Guidaje (a 4.ª por ordem de partida)

Integram a mesma:


2 GCOMB do Comando de Bissau
1 GCOMB/CCAÇ Especial Afriicana
1 Grupo de Milícias Especial de Jumbembém, onde estava sediada a nossa 2.ª Companhia

No regresso a Binta, dia 19, esta coluna sofre violenta emboscada e retrocede para Guidaje, mas os Grupos de Bissau chegam a corta-mato a Binta onde já nós os esperávamos, pois haviam-nos sido transmitidas ordens no sentido de os procurarmos nas imediações do aquartelamento pois alguns andavam perdidos.

A exaustão e o sofrimento que se notava nos semblantes desses camaradas era seguramente a nossa própria imagem reflectida uns dias antes.

Nota:
Das colunas que estou a tentar descrever, e foram 6, só faltam elementos relativos às 3.ª e 4.ª colunas, das quais sei apenas o que relato com a maior fidelidade possível. Se houver camaradas que nelas participaram e julguem oportuno rectificar, agradeço eu e todos os que passaram por aqueles tormentos, e ajudam a completarmos o puzzle.


A 23 segue a 5.ª coluna

Escoltada por Fuzileiros, com a CCP 121 na zona do Cufeu, para a protecção até Guidaje. Infelicidade para os Páras que sofreram 4 mortos. Mais tarde quando conheci bem a bolanha, percebi muito claramente a emboscada, porque só mesmo naquela bolanha era possível causar 4 mortos àquela tropa.
Esta coluna foi já narrada pelo camarada Victor Tavares da 121 no poste P1212 de 25 de Outubro de 2006.

Reforçados em Junho de 1973 pela 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4514 até Setembro, também a CCAÇ 4745 de Julho a Outubro e em Fevereiro de 1974 a 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 até Abril de 1974 estas são algumas Companhias que passaram por Binta mas era quase de passagem tal era o tempo que ficavam, mesmo assim, sempre que chegavam, haviam saídas conjuntas para o mato.
A CCAV 3420 depois do regresso de Guidaje, ficou até final do mês. Lamento se omiti alguma, ou se as datas não coincidirem, mas são estes os dados de que disponho, corrijam-me se estiver errado
É chegada a altura de dizer que todos nós sempre que passávamos, (e foram muitas vezes) perto do local da emboscada, evitávamos olhar, e nunca se aludia ao que se passara, o mutismo era absoluto, quisemos sepultar na nossa memória os dias 8 e 9.

A coluna de 29 de Maio integrou 2 GCOMB do BCAÇ 4512, 1 da 1.ª CCAÇ e outro da 2.ª CCAÇ. A 38.ª CCom, a CCAV 3420 e um Grupo Especial de Milícia.

A ida desta coluna, a 6.ª, também já foi narrada no blogue pelo José Afonso da 3420, e por Salgueiro Maia, Comandante da mesma, no seu livro “Capitão de Abril”, em Crónica dos Feitos por Guidaje.

Foi muito complicado na altura juntar efectivos para marcharem para Guidaje, falo naturalmente dos GCOMB do meu Batalhão e do que vivi e presenciei na altura. Parece-me ainda hoje que o medo se tinha colado aos nossos corpos e paralisava-nos os sentidos, estava tudo muito presente e era normal, porque éramos os únicos a bisar, voltando à picada em apenas três semanas. Sabendo tudo o que já tinha acontecido a todos os que nos precederam, junte-se a agora o vazio de comando e estamos entendidos.

Mas a ordem foi toca a andar que se faz tarde, com as forças disponíveis.
O que seria normal para as tropas especiais, Comandos, Pára-quedistas, e Fuzileiros, estava a tornar-se penoso para nós.
Do que me recordo, sei que fiz o trajecto quase sempre na retaguarda da coluna, depois, a certa altura, fomos mais para a frente e lembro-me de ter passado pelos Páras que montavam emboscada na bolanha do Cufeu. Houve muitas paragens causadas pelo IN, o que fez demorar a coluna a chegar.

Ainda hoje me interrogo sobre quem foi que retirou para Binta em 2 Unimogs, levando o morto por picagem de mina A/C e os feridos pertencentes à 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 e não regressou à coluna. Pelo menos 1 GCOMB dessa Companhia fazia parte desta coluna, tenho as minhas opiniões sobre o assunto, mas não certezas, por isso não especulo.

Isto por uma razão simples, como já expliquei, nessa altura os GCOMB da minha Companhia estavam fragmentados, especialmente o 1.º e 2.º, por isso não posso dizer mais sobre o assunto, sob pena de falsear os factos, sei que eu e mais camaradas do meu Grupo chegamos a Guidaje ao anoitecer, integrados na coluna.

Na próxima falarei da permanência em Guidaje e do regresso.

Caros camaradas, um forte abraço.
Porto, 2009-10-02

OUT73 > Parte do 1.º GCOMB/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512. O 1.º Cabo Marinho é o segundo, de pé, a contar da esquerda

OUT73 > Picada Guidaje/Binta
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de > 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74)

Guiné 63/74 - P5066: Agenda Cultural (30): Filme Fala de Mindjeris - Mulheres da Guiné-Bissau, Debate-Tertúlia (Beja Santos)

1. Em mensagem de 1 de Outubro, o nosso camarada Mário Beja Santos trouxe ao nosso conhecimento a próxima exibição do documentário Fala di Mindjeris, seguida de comentários e debate, a levar a efeito amanhã, dia 8 de Outubro de 2009, na Biblioteca da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, Campus de Benfica do IPL, pelas 17h30m, com entrada livre.

Este evento é uma organização conjunta da Amnistia Internacional Portugal e Instituto Marquês de Valle Flôr

Fala di Mindjeris resulta de dezenas de entrevistas realizadas a mulheres de várias profissões, idades e origens sociais, num olhar o mais transversal possível à realidade e cultura da Guiné-Bissau.

Trata-se de um vídeo documental, de 19 minutos, gravado entre Bissau, as Ilhas de Bijagós e a Região da Grande Lisboa. É um registo informal de conversas sobre o perfil da mulher guineense, as violências de que ainda é vítima e o seu lugar na sociedade guineense.




OBS:- Clicar nas imagens para ampliar
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5034: Agenda Cultural (29): 2º Ciclo de Colóquios-Debates, “Fim do Império: Olhares Civis” (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 – P5065: Convívios (167): 6.º Encontro do pessoal da CCAÇ 4540, dia 3 de Outubro de 2009 em Odivelas (António M. Conceição Santos)






1. O nosso Camarada António Manuel da Conceição Santos. Ex-Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER, enviou-nos notícias e fotos da dupla festa da sua companhia: convívio anual e comemoração do aniversário do seu regresso a casa. 


 



Camaradas,
No passado dia 3 de Outubro de 2009, decorreu o 6.º Convívio da Companhia de Caçadores 4540 - “Somos um Caso Sério" -, (Bigene, Cadique e Nhacra,1972/74), tendo-se comemorado também o 35º aniversário do nosso regresso a casa.A concentração das forças, foi feita pelas 12h00 na Quinta do Bretão – Manjar do Casal em Caneças, na freguesia de Odivelas em Lisboa.

Como se pode constatar pelas fotos, tudo aconteceu no meio de muita alegria e satisfação. Todos confraternizamos com as nossas queridas famílias, neste dia que passou depressa demais.

Resta-nos a consolação que, para o ano, a festa que agora foi interrompida continuará, se Deus assim o permitir, com maior alegria ainda.

Recordo que esta minha companhia tem mais 3 Camaradas entre o pessoal tertuliano.

São eles, além de mim como é óbvio:

Vasco Ferreira
Alf Mil Inf

Albertino Nunes Ferreira
Alf Mil Inf

Eduardo Campos
1º Cabo Trms

Como vêem uma companhia exemplar muito bem representada nesta Tabanca Grande.














Foto da esquerda: Um dos tertulianos, o Eduardo Campos vendo a paisagem - Foto da direita: Aspecto da concentração das tropas















Foto da esquerda: Aspecto do reencontro do pessoal - Foto da direita: O Santos apanhado em flagrante















Foto da esquerda: O nosso Capitão - Foto da direita: Vêem-se dois dos nossos tertulianos, de pé está o incansável Vasco Ferreira conferindo se tudo está certinho e, sentado na mesa, ao centro, está o Albertino Ferreira

Um abraço,
António Santos
Fur Mil Op Esp/RANGER


Emblema: © Vasco Ferreira (2009). Direitos reservados.

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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Vd. também poste desta matéria em:

Guiné 63/74 - P5064: Parabéns a você (33): Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ (Porto Gole, 1964/66) (Editores)

Dia 7 de Outubro é dia de aniversário do nosso camarada Jorge Rosales, ex-Alf Mil que esteve em Porto Gole entre 1964 e 1966.

A Tertúlia deseja-lhe um dia pleno de alegria, festejando esta data com os seus familiares e amigos mais próximos.


Jorge Rosales apresentou-se à nossa Tabanca, telefonando para o nosso editor Luís Graça, dias antes do nosso IV Encontro Nacional.
Tivemos o grato prazer da sua companhia nesse dia de convívio que anualmente se renova e se sente como sendo o primeiro.

Infelizmente não temos (que descobrisse) nenhum registo fotográfico do Rosales desse dia 20 de Junho, assim como não temos as suas fotos da praxe.

Recordemos agora algumas das palavras de Luís Graça, referindo-se a Jorge Rosales: (*)

Ligou-me estar tarde, por telefone, mais um camarada, o Jorge Rosales, de 69 anos, residente em Monte Estoril / Cascais, e que esteve em Porto Gole (1964/66)...

Tem falado ao telefone com o Henrique Matos, que esteve a seguir a ele em Porto Gole (1966/68). Falei-lhe do Abel Rei (1967/68), que é mais novo, e que ele naturalmente não conhece...

O seu objectivo era, muito simplesmente, o de poder ainda inscrever-se, a tempo, no nosso IV Encontro, em Ortigosa, o que eu assegurei automaticamente. É o nosso participante n.º 96. É pai da Doutora Marta Rosales, minha colega (ISCTE e FCSH/UNL).

Aqui vai, muito sumariamente, uma primeira apresentação do nosso novo camarada, que tem muitas fotografias do seu tempo de comissão e que vai levá-las, consigo, para o IV Encontro.

Diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2.ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC)
. [...]

[...] O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). Ficou lá pouco tempo, em Farim, tavez uma semana. A Companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas Secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra Secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. Possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina. [...]

[...] Já lhe dei as boas vindas à nossa Tabanca Grande, já o inscrevi na lista de participantes no nosso IV Encontro. Vai lá ter, não leva a esposa... Já actualizei o blogue.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

Vd. último poste da série de 4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5049: Parabéns a você (32): Artur Conceição, ex-Soldado de TRMS da CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembem (1965/67) (Editores)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5063: (Ex)citações (50): Vozes de burro não chegam ao Céu? (António Matos)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos em 29 de Setembro de 2009 a seguinte mensagem:

Camaradas,

Hoje reflicto sobre um pesadelo guineense.
Vozes de burro não chegam ao Céu?
Tentemos, então, o coice!

Esta propensão para testemunhar a vida sob um ponto de vista realista pode dar de nós, a quem nos lê, uma imagem desfocada e, como tal, pouco correcta.

A temática da guerra (com a particularidade da minha guerra, a da Guiné, em seu tempo) é por excelência uma daquelas pródigas ocasiões onde a capacidade (ou a falta dela) de traduzir por escrito as suas conexões físicas e/ou psicológicas, sociais, morais, éticas, políticas, etc., implica algum cuidado no discurso sob pena de permitirmos a formação de um qualquer monstro no ideário dos outros.

Percebo, pois, o comentário do Hélder Valério quando arquitectou o derrotista que seria o António Matos pese embora algumas expressões por mim usadas que o aliviaram (vide comentário ao poste P5042).
Ainda bem, caro Hélder.

Não vou, evidentemente, dissertar sobre a minha personalidade sob pena de cair nos lugares comuns que apontam para que a presunção e água benta, cada qual toma a que quer, e isso, recuso, liminarmente.

O dia-a-dia, contudo, dá-nos largas para apontarmos o dedo ao que vai mal ( no nosso entender, claro ) e os exemplos, infelizmente, são imensos !

Permito-me recordar um pequeno texto que inseri em Março de 2008 no meu blogue, sobre a mutilação genital feminina na Guiné.

Comité Inter Africano de Práticas Tradicionais?

Confesso a minha dificuldade em começar a alinhavar as ideias para expressar o que me vai na alma ao escrever estas linhas.

Após consulta de fim de dia ao Expresso online, páro na notícia com o título: Guiné-Bissau - Parlamento debate fim da mutilação genital feminina.

Depois da sua leitura, ficou-me um asco imenso pela magnânime disponibilidade do parlamento em iniciar uma campanha para esse fim.

Perante os dois milhões de crianças sujeitas anualmente a esta barbárie, o Comité Inter Africano de Práticas Tradicionais, elaborou um plano, imagine-se!, em 2003 para a eliminação da mutilação genital feminina a ter lugar até 2010 !!! Isto é, permite-se que mais 18.000.000 de meninas ainda sejam sujeitas a esta enormidade em nome das práticas tradicionais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Perguntar-se-á a que propósito vem isto agora?

Pois quem ler a imprensa diária de hoje, 06 de Outubro de 2009, vê, em letras garrafais, um artigo sobre esta mesma temática e dizendo o quê?

Incrivelmente, a APF (Associação para o Planeamento da Família) vai lançar uma campanha de sensibilização sobre o assunto a decorrer até Dezembro de 2011!!

Eu pergunto: só agora? O que fizeram estes organismos no entretanto? De que vale vir agora Alice Frade (membro da APF) "exigir" medidas contra os países que utilizam tais práticas?

Será que amanhã virão reivindicar sem qualquer pudor os louros pelo apoio ao fim dessa barbárie?

É preciso muita lata!

A título de curiosidade, é na comunidade guineense muçulmana que mais casos existem embora haja relatos que o mesmo ocorre em Moçambique e no norte de Angola

Hélder Valério, vês como não é fácil ser-se demasiado optimista?

Seja-me permitido, uma vez mais o desplante de, mesmo assim, evidenciar o grande pecador que sou que, não obstante o que relato, continue a tentar saborear a vida no que de melhor me oferece na expectativa que estes gritos abafados que vou dando possam provocar um eco suficiente para incomodar quem de direito.

Abraços à tertúlia,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5062: Efemérides (28): Amália (1/7/1920- 6/10/1999): Dez anos de saudade... (José Coelho / Luís Graça)



Fotos: José Coelho / Toca dos Coelhos (2009). (Com a devida vénia)


1. Fui encontrar, no blogue Toca dos Coelhos, uma inesperada (e surpreendente) referência à Amália, a nossa Amália, que morreu faz precisamente hoje 10 anos. E mais: encontrei várias preciosas (e desconhecidas) fotos da Amália entre combatentes da guerra colonial, no enclave de Cabinda, Angola... São fotos raras, a Amália no meio da tropa... A Amália nunca foi à Guiné, que eu saiba. Em contrapartida, actuou diversas vezes em tournées, em Angola (1951, 1962, 1966, 1971, 1972) e em Moçambique (1951, 1966, 1969, 1972).

O poste é do José Coelho, data de 11 de Junho de 2009 e tem por título o seguinte: A D. Amália Rodrigues foi ao Maiombe visitar-nos...

Dona Amália era o tratamento, cerimonioso, respeitador e bem português, dado pelas pessoas do povo à grande diva do fado, a Voz, a nossa Voz... Maiombe era a grande floresta de Cabinda, o enclave de Cabinda, onde o MPLA fazia luta de guerrilha.

O José Coelho é um dos três administradores e animadores do blogue da família Coelho, com raízes alentejanas. É pai do Pedro Coelho e sogro da Ana.

O José Coelho é natural da freguesia de Beirã, concelho de Marvão, Alto Alentejo... Fez uma comissão em Angola, integrado no BCAV 3871 - Cavaleiros de Maiombe (Belize, Cabinda, 1972/74).... Os Cavaleiros de Maiombe reuniram-se, pela primeira vez, em 2009, ao fim de 35 anos, em 10 de Maio de 2009. O José Manuel Lourenço Coelho era de transmissões, e pertencia à CCS. Hoje é reformado da GNR, presumo com o posto de sargento. O seu poeta favorito é o Aleixo. Faz cicloturismo e BTT. Parece ser um verdadeiro pater familias.

A Toca dos Coelhos (nome da casa da família em Marvão) é descrita como "um espaço onde a nossa Família pode deixar aquilo que vem na alma. Devido à distância que me separa dos meus Pais e Irmão e Família em geral, penso ser um local onde poderemos rever e deixar os nossos testemunhos e recordações, assim como de tudo um pouco"... A origem do blogue remonta a 17 de Novembro de 2008. O Pedro também é militar da GNR e vive em Setúbal.

O José Coelho, nosso camarada, descreve asssim (de acordo com as legendas das fotos que publicou) o dia em que os felizardos da CCS do BCAV 3871 Cavaleiros de Maiombe - receberam a visita da D. Amália:

"Dia 1 de Maio de 1972, acabadinha de aterrar no Belize, recebida pelo Comando do BCav 3871, e por todos os Cavaleiros [de Maiombe] que estavam presentes no Quarel...(porque alguns estavam na mata em patrulha)... Simpatiquíssima... Tomou um drink na messe... Cantou para nós, deu um beijinho a cada um e uma foto sua, autografada... Foi um dia memorável para todos nós... 35 anos depois, e mais uma vez, obrigado, D. Amália".

Peço ao camarada José Coelho que perdoe e me releve este notório abuso, esta ousadia de lhe pedir, emprestadas, as quatro fotos do seu álbum que reproduzo acima, a pretexto da efeméride dos 10 anos da morte da Amália (*)...

É uma homenagem aos Cavaleiros de Maiombe e a todos os fãs da Amália (não gosto de lhe chamar dona...) . Que saudades daquela voz, e daquela grande cantora portuguesa (e mundial) que é hoje, incontornavelmente, uma figura maior da nossa cultura... e da nossa história.

Amália agiganta-se à medida que o tempo que passa... Há dez anos que ela está no Olimpo, lá no assento etéreo, muito acima das pequenas quezílias, paixões, safadezas, sacanices, portuguesices, etc., que vão alimentando o nosso pequeníssimo quotidiano... Tenho uma imensa pena de nunca a ter visto e ouvido ao vivo... Fui criado na cultura (contestatária) dos anti-F (fado, futebol, Fátima, fascismo)... Mais tarde, como estudante de sociologia, na segunda metade da década de 1970, dei um pequeno contributo para reabilitar o fado como forma de cultura popular urbana, com mesma matriz histórica e sociológica do tango e do flamenco ... Um projecto que deve muito à ousadia, ao entusiasmo, ao saber e à liderança do meu professor de antropologia, o Joaquim Pais de Brito (director do Museu Nacional de Etnologia, desde 1993).

Curiosamente, redescobri a Amália, aprendi a ouvi-la com outros ouvidos, em Setembro de 1980, no estrangeiro, em condições algo insólitas... Estava a fazer férias no País Basco, e cheguei a Guernica, ao parque de campismo, já de noite (e que noite, de temporal)... De repente, eu, a Alice e outro casal nosso amigo somos surpreendidos com um dos mais fabulosos fados da Amália (talvez o Povo que lavas no rio, Estranha forma de vida, Com que voz... - já não posso precisar), saído da instalação sonora do parque... Ficámos siderados!... Alguém (um casal francês, ele camionista de um TIR, soubemos no dia seguinte) quis ter uma gentileza para com os portugueses que chegavam a Guernica àquela estranha hora... Até então eu não tinha em casa nenhum disco da Amália... E se ela tivesse aparecido em Bambadinca, em 1969/71, eu não teria aparecido para a ver nem a ouvir...

Hoje não tenho qualquer pudor em confessar, entre amigos, que cada vez mais sinto arrepios ao ouvir algumas das maiores interpretações da Amália, cuja voz, génio e talento só podem estar ao alcance de uma semi-deusa... (Não esqueço também o contributo dos nossos poetas e músicos, do Frederico Valério ao Alain Oulman, o luso-francês nascido na Cruz Quebrada, em 1928, expulso de Portugal em 1966 , e que morreu precocemente em Paris, em 1990).

Amigos e camaradas: se me permitem uma sugestão, não percam a exposição que está no Museu Berardo, a partir de hoje e até 2 de Fevereiro de 2010, Amália, Coração Independente. Há também a exposição, no Panteão Nacional, Amália no mundo - O Mundo de Amália.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série: 4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (23): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)

Guiné 63/74 - P5061: Em busca de... (94): Informações sobre a CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (António Queiroz)

APELO

1. Mensagem de António Queiroz, com data de 2 de Outubro de 2009:

Assunto: Informações sobre a CCAÇ 2616/BCAÇ 2892


Boa Noite Sr. Luis Graça,

Quero felicitá-lo pelo vosso blog, e venho através deste e-mail pedir-lhe uma ajuda. Tive um tio que faleceu na Guiné. Será que me pode ajudar a encontrar mais informações sobre o grupo onde ele esteve inserido? O que aconteceu ou até outros camaradas que tenham servido com ele?

Deixo as informações que tenho sobre o meu tio:

JOSÉ MANUEL BRANDÃO QUEIROZ
Santo Ildefonso - Porto
Alf Mil Inf Op Esp - NM 08882667
RI 16 - Évora
CCAÇ 2616/BCAÇ 2892
Faleceu vítima de ferimentos em combate em 02.03.1970

Agradeço a sua melhor compreensão

Os meus cumprimentos
António Queiroz
queirozmeister@gmail.com


2. Caro amigo António Queiroz

O Batalhão de seu tio tinha como Companhias operacionais, as CCAÇs 2614; 2615 e 2616.

Recorrendo à Página do nosso camarada Jorge Santos que tem um secção de Ponto de Encontro, encontrei um camarada da CCAÇ 2615 a pedir contacto.

É ele, o Fernandes com o telemóvel 969 750 028

Faz parte da nossa tertúlia um outro camarada da CCAÇ 2615, o ex-Fur Mil Enf Manuel Amaro.

Poderá tentar junto deles saber da hipótese de chegar a algum camarada da CCAÇ 2616, uma vez que pertencendo ao mesmo Batalhão, têm por vezes contactos ocasionais.

Vou fazer circular entre a tertúlia uma mensagem pedido informações a quem eventualmente as tiver, no sentido de lhe serem dirigidas.

Neste momento é tudo quanto podemos fazer por si. Toda e qualquer informação que chegue até nós, e lhe possa ser útil, ser-lhe-á encaminhada.
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Nota de CV:

Vd. ultimo poste da série de 27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5018: Em busca de... (93): Procuro qualquer informação sobre o pessoal da CART 3567 "Os Insaciáveis". – 1972/74, (Paula Sofia Ferreira)

Guiné 63/74 - P5060: Memória dos lugares (45): Bambadinca, BART 2917, 1970/72, ex-Cap Art Passos Marques (Benjamim Durães)

Olhão > 27 de Agosto de 2009 > O ex-Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, comandante da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) que também esteve temporariamente a comandar a CART 2715, unidade de quadrícula do Xime.

Olhão > 27 de Agosto de 2009 > O Passos Marques e o Benjamim Durães (ex-Fur Mil, Pel Rec Inf, CCS/BART 2917, 1970/72)

Olhão > 27 de Agosto de 2009 > O Benjamim Durães e o Passos Marques (que vive em Faro)

Fotos: © Benjamim Durães (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso incansável correspondente de Bambadinca, da CCS/BART 2917 (1970/72, o setubalense Benjamim Durães, dinamizador igualmente dos encontros daquela subunidade e demais unidades adidas, especialista em perdidos & achados (*)

Boas Noites,

Em anexo junto fotos do Passos Marques, tiradas em Olhão no passado dia 27 de Agosto.

Mando igualmente duas fotos com o Arsénio Puim, que o Passos Marques (ex-Capitão da CCS, e actualmente Major na reforma) me fez chegar.

Chamo a vossa atenção para o conteúdo do e-Mail que acompanhou as fotos. O Passos Marques, com quem estive a almoçar no passado dia 27 de Agosto, em Olhão, autorizou a publicação do e-Mail bem como das fotos.

Um forte abraço
BENJAMIM DURÃES

2. Comentário de L.G.:

(i) O BART 2917 teve como unidade mobilizadora o RAP 2 (Vila Nova de Gaia), embarcou para a Guiné em 17 de Maio de 1970 e regressou à Metrópole em 24 de Março de 1972. O Comando e a CCS estiveram sedeados em Bambadinca, Zona Leste, Sector L1.

Era composto por três companhias, para além da CCS: CART 2714 (Mansambo, Cap Art José Manuel Silva Agordela), CART 2715 (Xime, Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo) e CART 2716 (Xitole, Cap Mil Art Francisco Manuel ESpinha de Almeida).

O Major Anjos de Carvalho era o 2º Comandante; e o Major Barros e Bastos, o major de operações... O Cap Passos Marques era o comandante da CCS. (Desconheço em que altura o Passos Marques esteve a comandar, interinamente, a CART 2715, fortemente abalada pela emboscada sofrida nas imediaçoes da Ponta do Inglês, em 26 de Novembro de 1970 (**).

Foram comandantes do BART 2917 o Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e o Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro (este já falecido).

(ii) Folgo em saber notícias do Passos Marques, com quem estive em Bambadinca, entre Maio de 1970 e Março de 1971... Era um homem afável e um militar com trato correcto e educado. É essa a impressão que me ficou desses, para mim, duros tempos que foram a 2ª parte da minha comissão militar, integrado na CCAÇ 12 (Bambadinca, Julho de 1969/Março de 1971). Gostaria de o rever.

Agradeço as fotos que nos foram enviadas pelo amigo e camarada Benjamim Durães. E aqui fica, entretanto, o convite para o Passos Marques se juntar ao nosso blogue e trazer mais algumas dessas memórias comuns.... de Bambadinca.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4416: Memória dos lugares (26): Bambadinca, CCS/BART 2917, 1970/72 (Arsénio Puim, ex-capelão)

23 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4404: CCS do BART 2917: a emoção do reencontro, 38 anos depois (Arsénio Puim)

22 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4399: Em busca de... (74): O caboverdiano Leão Lopes, meu antigo camarada de Bambadinca, BENG 447, 1970/72 (Benjamim Durães)

18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4372: Convívios (131): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o Arsénio Puim e os filhos do Carlos Rebelo (Benjamim Durães)

16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)

(**) Vd. postes de:

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 >Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

Guiné 63/74 - P5059: Tabanca Grande (178): Vasco David de Sousa Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)

1. Mensagem de Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73, com data de 1 de Outubro de 2009:

Caro Luis,

Já desde 2007 que visito a Tabanca, tertúlia, etc., mas como não sou grande homem de letras, nunca me dirigi a vós.

Antes de mais, permita-me que me apresente:

Meu Nome: Vasco David de Sousa Santos
1.º Cabo Operador Cripto na CCaç 6/Onças Negras/Bedanda
Janeiro de 1972 a Novembro de 1973

Já tive o prazer de através do V/blogue encontrar o Dr. Mário Bravo que foi médico na minha Companhia, sob o comando do Capitão Carlos de Oliveira Ayalla Botto, em 1972.

Anexo algumas fotos para que o pessoal possa ver, assim distribuídas:

Foto N.º 2 - Uma foto minha em Bedanda e uma actualizada;

Foto N.º 3 - Natal de 1972 em Bedanda e a equipa de futebol;

Foto N.º 4 - Dr. Mario Bravo ao centro, eu do lado direito dele e, do lado esquerdo, um camarada do Pelotão de Artilharia que até hoje nunca mais o vi;

Foto N.º 5 - Uma foto da famosa Tia Djaló, uma das mulheres do Régulo das Tabancas de etnia Fula.

Caso seja possível publicar estas fotos, quem sabe, pode dar-se o caso de algum amigo as reconhecer e nos possamos encontrar, agradeço imenso.

Melhores cumprimentos,
Vasco Santos

P.S. - Vi na Tabanca um artigo dum colega meu, Carlos Azevedo, que estava no Pelotão destacado e, que conta um detalhe de uma prisão que lhe foi transmitida pelo Ismael Barros, mais conhecido pelo "BABA BOTA AXIM", pois era uma jóia de amigo - de Vila Verde da Raia/Chaves, com o qual tive o prazer de confraternizar já cá em Portugal. Gostaria de ter o contacto dele, pois sei que vive (vivia) perto de Custóias e, gostaria de entrar em contacto com ele, a fim de lhe contar a verdadeira história sobre a "prisão" do Nino em Bedanda.


2. Comentário de CV:

Caro Vasco, bem-vindo à Tabanca.

És mais um dos camaradas que vêm até nós que dizem já nos acompanharem há algum tempo.

Sabemos que muitos camaradas têm alguns problemas com a informática, o que não admira, porque somos da geração da lousa (placa de ardósia dentro de uma esquadria de madeira) onde se escrevia com uma pena do mesmo material. O Delete era uma cuspidela e a manga da camisola. E aqueles aparos, de má memória, de molhar no tinteiro? A geração actual da playstation nem acreditará que isto alguma vez aconteceu.

A evolução da técnica atropelou-nos e poucos conseguimos acompanhá-la. Já não somos novos, não é?

Nada de dramático, porque estamos entre amigos, onde os mais letrados nos compreendem e desculpam alguma coisinha.

Isto para dizer que te deves sentir completamente integrado na Tabanca, onde ganhaste novos camaradas e amigos. Aqui, desde os licenciados, até aos da 4.ª classe adiantada, como costumo dizer, estamos em plano de igualdade enquanto camaradas, porque pisamos o mesmo chão da Guiné que jamais esqueceremos.

Vou mandar-te o endereço do Carlos Azevedo, que conheço pessoalmente, porque ele costuma estar presente nos eventos do concelho de Matosinhos. Vou pedir-te é que nos contes a tua versão da prisão do Nino Vieira, porque me faz um pouco de confusão como é que se ele se apresentou livremente e fugiu sem ninguém o impedir. O Carlos contou-me isso diversas vezes, mas não entendo a história. Será verdadeira? Será lenda? Como apareceu o Nino em Bedanda? Como foi possível a sua fuga?

Aqui ficam estas interrogações, às quais vais prometer responder.

Não vou publicar as tuas fotos, porque chegaram com pouca resolução e não têm a qualidade mínima para serem publicadas. Peço-te que as reenvies, mas digitalizadas uma a uma e com mais resolução. Inclusive as tuas tipo passe, que como podes verificar, têm muito má qualidade. Vais conseguir melhor.

Em nome da tertúlia, envio-te um abraço de boas-vindas.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5055: Tabanca Grande (177): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil At Inf (Centro de Instrução de Comandos - Angola, 1969/71)

Guiné 63/74 - P5058: In Memoriam (33): Alferes Henrique Ferreira de Almeida, morto em combate em 14JUL68 em Cabedu (António J. Pereira da Costa)

1. Em mensagem de 4 de Outubro de 2009, o nosso camarada A.J. Pereira da Costa, Coronel, ex-comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, enviou-nos este texto com a notícia de uma homenagem prestada ao malogrado Alferes Henrique Ferreira de Almeida


Ontem fomos a Abrunhosa e ao cemitério de S. Miguel de Vila Boa, Concelho de Sátão

Fomos homenagear um camarada morto na noite de 13 para 14 de Julho de 1968 num ataque particularmente violento ao quartel e aldeia de Cabedu.
A homengem consistiu no descerramento de uma lápide evocativa na casa onde nasceu e viveu e na atribuição do seu nome a uma rua da Aldeia.

Fomos depois ao cemitério para uma pequena oração e colocação de uma coroa de flores. A sua acção foi reconhecida, naquela altura, com uma condecoração: a Cruz de Guerra de 2ª Classe.

No silêncio do seu processo individual, no Arquivo Histórico Militar, podemos ler a sua curta biografia. Os processos individuais dos heróis são sempre silenciosos, mas aqueles que os investigam sentem-nos a queimar nas mãos e, em cada linha, em cada indicação manuscrita, sabe-se lá por quem, um sentimento indescritível, misto de admiração e saudade.

E porque fomos ali: vizinhos ou amigos, mestres ou comandantes, camaradas, profissionais ou simples cidadãos fardados? Viemos dar um contributo para que a memória do Alferes de Artilharia Henrique Ferreira de Almeida possa manter-se por muito mais tempo, sustentada não apenas em silenciosos documentos, mas também na linguagem diária dos moradores deste lugar e até na actividade burocrática do dia-a-dia. Será essa a sua maneira de ser quase eterno.

Parece-me que seria boa ideia que conseguíssemos intensificar esta boa prática, pressionando as nossas autarquias a seguir o exemplo da de Sátão/S. Miguel de Vila Boa, tanto mais que alguns dos autarcas ainda serão ex-combatentes.

Em cada freguesia, recorrendo aos livros da CECA, é possível identificar os fregueses que foram ex-combatentes e morreram na guerra. Depois, com o recurso a relatos verbais e à documentação da Unidade, é possível pressionar os concelhos (responsáveis pela toponímida) e não as freguesias, a atribuirem nomes de ex-combatentes a ruas, de preferência em áreas novas da localidade (para evitar confrontos com designações tradicionais ou já implantadas e porque normalmente se inserem em áreas populadas de novo) de modo a que na vida diária dos cidadãos passe a figurar nome de um ex-combatente falecido na guerra.

Esteve presente uma grande parte da população, os autarcas locais e ex-combatentes, na maioria da CArt 1689 à qual o Ferreira de Almeida pertencia, quando morreu.

Um Ab.
António Costa


2. Discurso proferido por A.J. Pereira da Costa durante a cerimónia de homenagem

Que se poderá dizer de um jovem de 21 anos que morreu? É pouco provável que tenha deixado uma pegada na História do seu tempo que vá para além do desaparecimento dos seus familiares mais directos ou de um ou outro amigo. A memória de cada um de nós, sob a pressão do correr dos dias, não é tão grande que permita conservá-lo como uma lembrança indelével, para além de um período mais ou menos curto. Depois, recordamo-lo, de vez em quando, quando a saudade bate. Mas a memória colectiva faz pior: trucida rapidamente a sua recordação e, em pouco tempo, nada dela resta.

É uma lei. Vamos chamar-lhe natural por lhe não podermos fugir. Porém, absurda. Como seres inteligentes está na nossa mão tentar impedir, o mais possível, que ela se aplique na sua cegueira incontrolável, e fazer com que a memória, mesmo a dos jovens desaparecidos, perdure.

Traz-nos aqui a vontade de conservarmos a memória de um jovem que morreu com um sofrimento que nem a ciência consegue descrever. Os técnicos podem especular, mas não são capazes de nos dizer inequivocamente o que se sente naquelas alturas.

E se o jovem morreu na guerra, que diremos? E a se a guerra em que ele morreu foi desencadeada por questões de ordem sociológica, por ventura insolúveis, e teve causas políticas absurdas e incongruentes? Era um jovem, volto a lembrar. Teria hoje a nossa idade e, naquela altura, estaria cheio de certezas, como todos estávamos. É o amadurecimento que nos torna cépticos. As dúvidas chegavam depois, perante a realidade. Não era o medo que nos conduzia à dúvida. Era a inteligência e o questionar do que víamos e vivíamos. Em pouco mais de cinco meses, não sei se o Henrique terá tido tempo para se questionar. De qualquer modo, uma vez lá só havia um caminho a seguir e esse, ele identificou-o rapidamente. Perdi o contacto com ele à chegada a Bissau. Cada um foi para um destino que a sorte ditou e nem as contingências da acção nos voltaram a reunir. Sei que combateu em vários locais, um dos quais se chamava Gadembel e que era um quartel que o Exército abandonou ao fim de 8 meses, com uma média de ataques inimigos superior a um por dia e onde estar era já em si bastante para se ser considerado um homem com letras bem grandes.

Lembro-me de que embarcou, a 10 de Janeiro de 1968, como se fosse para uma festa. Iremos vê-lo, daqui a pouco, no uniforme n.º 1 que usou no momento do embarque. Tenho a certeza de que, durante os 13 anos de guerra, foi o único militar que assim embarcou e recorro ao testemunho dos presentes – alguns que embarcaram mais de uma vez – para saber se outro militar foi para a guerra assim uniformizado. Colhi informações junto dos que com ele serviram e todos me falam de grande empenho no cumprimento de algo que podemos identificar com uma missão. Todos me dizem que transmitia ânimo aos que serviam sob as suas ordens e que se expunha, se o momento era para tal. Hoje, sinceramente não sei se o seu esforço e a sua dedicação tinham justificação, para além do sentimento próprio e sempre gratificante dos homens de boa vontade: a consciência do dever cumprido.

O Henrique faleceu nos primeiros minutos do dia 14 de Julho de 1968, numa noite de Lua Nova. O inimigo atacou o quartel de Cabedú, a curta distância e com um invulgar volume de fogo. Foram localizados, na altura, três canhões. Em África, naquelas noites, os halos da luz dos aquartelamentos viam-se de longe. O terreno é plano e, mesmo a mais de 10 quilómetros, nas margens do rio Cacine, eu podia ver as luzes da pequena localidade. Naquela noite, ouvi também as explosões. Foram, certamente, quinze minutos longos e avassaladores, com as munições inimigas a rebentar dentro do aquartelamento. Depois, foi o silêncio. Pesado e doloroso. E, no final, aquele que tantas vezes se expusera, por ironia do destino, tinha sido atingido dentro de um abrigo enterrado, donde não era possível combater. Era o centro de comunicações da unidade, onde se acoitara, durante alguns minutos, depois de ter ido “debaixo de fogo a todos os locais mais ameaçados, incitando e orientando o seu pessoal”. Sabemos hoje que a “sua vontade férrea de pôr termo ao ataque fez com que o fogo inimigo diminuísse francamente de intensidade”. As seteiras do abrigo, vedadas com rede mosquiteira para proteger os operadores de rádio, não permitiam fogo para o exterior, mas não foram suficientes para travar a entrada dos estilhaços assassinos.

A sua acção foi reconhecida com uma condecoração: a Cruz de Guerra de 2ª Classe. No silêncio do seu processo individual, no Arquivo Histórico Militar, podemos ler a sua curta biografia. Os processos individuais dos heróis são sempre silenciosos, mas aqueles que os investigam sentem-nos a queimar nas mãos e, em cada linha, em cada indicação manuscrita, sabe-se lá por quem, uma sentimento indescritível, misto de admiração e saudade.

E porque estamos aqui hoje: vizinhos ou amigos, mestres ou comandantes, camaradas, profissionais ou simples cidadãos fardados? Viemos dar um contributo para que a memória do Alferes de Artilharia Henrique Ferreira de Almeida possa manter-se por muito mais tempo, sustentada não apenas em silenciosos documentos, mas também na linguagem diária dos moradores deste lugar e até na actividade burocrática do dia-a-dia. Será essa a sua maneira de ser quase eterno.

Homenageamos também o miúdo esperto, sisudo e de poucas falas e, muito para alem disso, o jovem que gostava de dar de beber às plantas…

Homenageemos o Henrique agora com um minuto de silêncio e depois, cada um segundo o seu credo e as suas convicções, com uns instantes de recolhimento junto dos seus restos mortais.

Bem hajam pela vossa presença.


3. RESUMO DA ACTUAÇÃO MILITAR DO ALFERES HENRIQUE FERREIRA DE ALMEIDA

Apresentou-se na Companhia de Artilharia n.º 1689 (CArt 1689/BArt 1913), em 26 de Janeiro de 1968, iniciando a comissão na Guiné, como adjunto de Comandante de Companhia. Na altura, a referida Companhia era uma subunidade de “intervenção”, portanto sem responsabilidades territoriais, mas podendo actuar em qualquer local do Teatro de Operações.

Durante a operação “Bola de Fogo”, iniciada a 8 de Abril de 1968, a unidade apoiou a construção do aquartelamento Gandembel. Durante a operação, o Alferes Ferreira de Almeida passou a comandar a Companhia, a partir de 17 de Abril de 1968, quando o respectivo comandante (Cap. Manuel de Azevedo Moreira Maia) foi ferido.

Terminada a missão em Gadembel, a CArt 1689 deslocou-se para outro sector, ficando aquartelada em Cabedú. O Alferes Ferreira de Almeida passou, então, a comandar a Companhia a partir de 12 de Julho de 1968, dia em que o Cap. Moreira Maia saiu para frequentar o curso do Estado-maior.

Da História da CArt 1689, no referente ao dia 13 de Julho de 1968, em Cabedú, transcreve-se o seguinte:

Um grupo de combate inimigo instalou-se em Cabedú Nalu e Sosso.

Cerca das 24H00, o inimigo desencadeou um vigoroso ataque, com grande e preciso potencial fogo de canhão, morteiro, espingarda automática, metralhadora pesada e lança-granadas-foguete, sobre o aquartelamento, sendo estimado o seu efectivo em 30 a 50 elementos.

O inimigo estava instalado na direcção de Cabedú Nalu e Sosso, a cerca de 300 metros do arame farpado e foram localizados 3 canhões: um na estrada para Cabedú Nalu e Sosso e os outros dois de um lado e doutro, distanciados de 15 metros.

No espaço entre os canhões, havia indícios de terem estado instalados atiradores com armas ligeiras e, atrás deste dispositivo, referenciou-se uma posição de morteiro 82.

O ataque durou cerca de 15 minutos.

O inimigo, depois de ter aberto fogo de canhão, seguido de espingardas automáticas, desencadeou grande fogo de morteiro e canhão, cujas granadas caíram dentro do aquartelamento ou muito perto. Por ter sido atingido com estilhaços de morteiro, um dos quais lhe cortou uma carótida, foi ferido mortalmente o Alferes de Artilharia HENRIQUE FERREIRA DE ALMEIDA, que comandava a Companhia.

As Nossas Tropas procederam, logo que a visibilidade o permitiu, a uma batida à zona do ataque, tendo encontrado 2 granadas de canhão 82 (uma normal e outra de grande potência), 63 invólucros de granadas de canhão S/R 82 (28 normais e 35 de grande potência), 1 carregador curvo para espingarda automática com 35 munições e vários rastos de sangue.

O inimigo retirou em direcção à bolanha do Rio Soco.


Devido às especiais condições de visibilidade, há testemunhas de aquartelamentos próximos que referem a particular violência do ataque.

Pelo louvor que serviu de base à condecoração1 que veio a receber sabemos que:

No ataque ao aquartelamento de Cabedú, em que recebeu ferimentos que provocaram a morte, dirigiu-se debaixo de fogo a todos os locais mais ameaçados, incitando e orientando o seu pessoal e, com palavras esclarecedoras, conseguiu incutir em todos um espírito agressivo e uma vontade férrea de pôr termo ao ataque, acção esta que fez com que o fogo inimigo diminuísse francamente de intensidade.

Recorrendo ao depoimento de testemunhas, sabemos que casualmente, estava desarmado quando foi atingido, dentro do abrigo do posto de comunicações, que era enterrado. As seteiras desse abrigo destinavam-se somente a ventilação, porque estavam abertas para dentro do espaço do aquartelamento e colocadas quase ao nível do solo. Por uma dessas aberturas entraram os estilhaços da explosão que lhe causaram a morte aos primeiros minutos de 14 de Julho. O corpo ficou caído sobre as escadas do abrigo, pelo que estaria em pé e ia sair.

Pelo seu desempenho, em pouco mais de cinco meses de comissão, foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª Classe. Do louvor que serviu de base à condecoração2 destaca-se que:

(…) tomando parte em várias acções, em todas elas demonstrou possuir elevado espírito de missão, tenacidade, decisão, coragem, sangue-frio e serena energia debaixo de fogo (…). Oficial muito jovem, mas de marcada personalidade, pôs sempre (…) o melhor e mais generoso entusiasmo em bem servir e impôs-se pelo exemplo, (…) particularmente durante o desenrolar de uma das mais difíceis missões atribuídas à sua Unidade, durante a qual e por longo período, foi chamado a exercer o comando da Companhia, funções que desempenhou com notável acerto, espírito de sacrifício, lealdade e fé inquebrantável no cumprimento da missão.
Esta multiplicidade de predicados, a sua conduta leal e sólida formação moral, aliadas à coragem de que deu provas na sua infelizmente breve carreira, fizeram do Alferes Ferreira de Almeida, um oficial de quem muito havia a esperar e que pela sua acção muito prestigiou a sua Unidade e o Exército.


4. Comentário de CV

O camarada António José Pereira da Costa levanta um problema premente. Há autarquias e autarcas que mercê de algum pudor ou medo de conotação políca de direita, digo eu, mostram alguma resisitência em reconhecer o esforço de quase duas gerações que tiveram de fazer uma guerra, que se sendo considerada injusta para os povos das então Províncias Ultramarinas, foi trágica para os mancebos metropolitanos e até africanos, recrutados em massa para defenderem um ideal que então não era possível discutir.

Sei do que falo, porque, se no trato pessoal e directo somos acarinhados e reconhecidos, publicamente a coisa é mais complicada. Temos que reconhecer que somos um espólio incómodo na actualidade portuguesa. Estou convencido que daqui a 50 anos a Guerra Colonial será considerada um período que envergonha, a já tão mal estudada, História de Portugal, e tudo se fará para apagar o apagar das suas páginas douradas.

A ver vamos
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Notas de CV:

Negritos e itálicos da responsabilidade do editor

(*) Vd. poste de 18 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4831: (Ex)citações (40): Resposta a um comentário de Mário Fitas (A.J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

Guiné 63/74 - P5057: Notas de leitura (27): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)



Segunda parte da recensão do livro "Os Heróis e o Medo", de Magalhães Pinto, enviada pelo nosso camarada Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, em mensagem com data de 29 de Setembro de 2009.





Meus bravos, de que cor é o medo ?
Beja Santos
(Continuação)

O romance “Os heróis e o medo” de Magalhães Pinto (Âncora Editora, 2003) tem uma estrutura singular mas terá sido porventura redigido apressadamente, não tendo havido circunstância para explorar a fundo o recorte dos personagens e dar consistência à temática da heroicidade, que o autor promete enunciar como primeira prioridade.

Os diferentes figurantes vão sendo concentrados em Santa Margarida, daqui partirão para a Guiné, ainda na primeira metade dos anos 60, Arnaldo Schultz é governador. Em pinceladas largas, temos um tenente-coronel de formação conservadora, para quem a Pátria nunca se discute. Aos poucos, o seu mundo familiar entra em revolução: um filho prisioneiro na Índia, que se irá demitir do Exército e sair de Portugal; uma filha contestatária que se enamora de um jovem opositor do regime, que será castigado, enviado para a Guiné, exactamente para a unidade comandada pelo pai da sua namorada; a redacção principal cabe a Mário que vai tarde e a más horas para esta comissão, cria amizades com Álvaro e Manel. Depois de um estágio à volta de Bissau, partem para Mansoa, os Águias vão fazer operações no Morés. A narrativa tem, pois, os condimentos que permitem ao obreiro do romance aprofundar aquilo que se propõe: como se mede o heroísmo, como se manifesta? No teatro de combate, o que leva um ser humano a exceder-se ou a tolher-se? Magalhães Pinto refugia-se na polpa do troar das armas, no sangue à vista, não tira consequências dos estados de alma. É pena, temos aqui um bom território de combate e cidadãos identificáveis que nunca pretenderam alcançar a heroicidade. Nos casos em que ela lhes tomou o destino, a expressão literária é confusa e incompleta. Mas como a matéria-prima é muito rica, recomendamos a Magalhães Pinto que se afoite a rever este livro de alto a baixo, poderá aqui haver uma grande surpresa para a literatura da guerra colonial.

As tropas do batalhão de Mansoa, com companhias espalhadas por Mansabá, Bissorã e Olossato, estão de regresso do Morés, Álvaro rabiscou mais um dos seus poemas que Mário lê. É uma tropa exausta, tiveram duas baixas que estão na capela de Mansoa. Ao nível do comando, já há tensões, o major Glória Marques desabafa ao comandante Soveral que esta guerra não conduz a nada, os militares estão a pagar o tratamento injusto das populações pelos colonizadores. O autor aproveita para nos descrever a vida social em Mansoa com o seu clube de futebol Os Balantas, o círculo social das mulheres de alguns oficiais e sargentos, a mulher do administrador civil, as filhas do dono do tasco, as idas ao cinema, o restaurante de Emília Sá.

É nisto que se dá um violento ataque ao destacamento de Cutia. Sai uma coluna de socorro quando se percebe que estão cortadas as ligações e a situação no fortim parece aflitiva. Na noite escura, os faróis das viaturas desenhavam fantasmas na margem da picada. É a descrição mais poderosa do romance de Magalhães Pinto, a do ataque a Cutia. Tudo começa com o “pof” inconfundível de uma granada de morteiro a sair do tubo, depois o assobio em crescendo dos projécteis a cair no destacamento, a que se seguiu a fuzilaria das costureirinhas. No pandemónio que se vive dentro do destacamento, manobram-se quatro metralhadoras pesadas, mas o fogo inimigo parece nascer do chão, não distante do arame farpado, quem está dentro de Cutia sente o cerco, os guerrilheiros avançam para as fieiras de arame farpado. É o momento de heroísmo de Manel, ele pressente que os guerrilheiros podem chegar aos abrigos, a seguir seria o caos. Assim vai agir um herói sem medo: “Desceu o que restava das escadas da torre, chamou dois dos nativos e disse-lhes para virem atrás dele, carregando cada qual um cunhete de granadas de mão. Afrontaram o fogo a peito descoberto. Friamente, o Manel avançou, destemido e seguido pelos dois nativos, para o inimigo. Arrancava raivosamente, com os dentes, o grampo de segurança das granadas, segurando a cavilha, punha-se de pé e deixava-se tombar para a frente, arremessando as granadas na direcção dos adversários com o impulso da queda. Berros agora mais frequentes indicavam o sucesso da acção suicida. Empolgados pela acção do seu comandante, os soldados saíram dos abrigos e carregaram. Disparando incessantemente. O fogo do lado de lá foi abrandando, cada vez mais longe da cerca, agora. Alguns minutos depois, a parecerem horas, o silêncio voltou, quebrado por alguns gemidos aqui e além. Acalmada a trovoada, as rãs voltaram a coaxar”. Morreu o Miragaia, com o rosto meio desfeito por um estilhaço de morteiro.

Magalhães Pinto que já inventara um Wiriamu, põe agora um torturador, Xerifo Camará a espancar um prisioneiro, trata-se de um interrogatório que nós sabemos ser inverosímil: “O fula tinha o seu gabinete de trabalho instalado na torre da água do quartel. Um prisma oco, quadrangular, com dois metros de aresta na base, coroado no topo, a uns bons seis metros de altura, por de um depósito de cinco mil litros. Da barra de ferro atravessada no seu interior, bem lá no cimo, por debaixo do depósito, para dar consistência à construção, pendia, dobrada, uma corda roliça, já sebenta, de cor indefinida, armada em nó corredio numa das extremidades. Quando algum prisioneiro, moralmente mais forte, resistia à sessão de palmatória, era conduzido ao depósito, para o tratamento especial do Xerifo”. É um interrogatório de uma brutalidade sem limites. Mário ainda lhe leva água e o prisioneiro responde-lhe: “Tu vai morrer no Chão de Papel, branco...”. E não resistiu ao sofrimento. Estabelece uma grande amizade entre Mamadu e Mário, o primeiro fora salvo pelo segundo. Mais tarde Mamadu fugirá para o mato, o romance culminará com o reencontro dos dois, no momento em que o Mário está a terminar a sua comissão.

O romance prossegue com a ceia de Natal, um espectáculo organizado entre militares, Zé António, que viera castigado para a Guiné vai morrer na explosão de uma mina anti-carro, mais um problema graúdo na vida do comandante Soveral. É quando a comissão de serviços está no fim, que Mário realiza o seu último patrulhamento, na emboscada está Mamadu. E num dado momento ambos estão de armas apontadas, numa promessa de morte. É Mário quem dispara, aproxima-se e vê com horror que a arma de Mamadu estava travada. Mamadu pagara com a vida a vida que devia ao português. E assim termina o romance: “Vazio, sonâmbulo, ajoelhou-se e tomou o corpo inerte nos seus braços, abandonada toda a precaução a si mesmo jurada. Abraçou-o. Afagou-lhe a carapinha, enquanto deixava correr, rosto abaixo, duas lágrimas redentoras. Apenas duas. Tinha já passado a época das chuvas”.

Não se discute a sinceridade deste testemunho de Magalhães Pinto, é mesmo de supor que se trata de autobiografia com laivos de pura ficção. Haverá tudo a ganhar em refazer-se a obra, superficial em momentos culminantes, pouco expressiva sobre a essência do heroísmo, em que até o próprio medo sai mal tratado. Todas as guerras têm heróis, medos, desabafos, perdas e redenções. A notabilidade é tratar estes sentimentos e emoções numa atmosfera plausível e na inteireza da condição humana. É o que se espera da revisão ou da sequência deste “Os heróis e o medo”

Este livro fica a património do blogue.
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Nota de CV:

Vd. poste de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5052: Notas de leitura (26): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)