terça-feira, 6 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5062: Efemérides (28): Amália (1/7/1920- 6/10/1999): Dez anos de saudade... (José Coelho / Luís Graça)



Fotos: José Coelho / Toca dos Coelhos (2009). (Com a devida vénia)


1. Fui encontrar, no blogue Toca dos Coelhos, uma inesperada (e surpreendente) referência à Amália, a nossa Amália, que morreu faz precisamente hoje 10 anos. E mais: encontrei várias preciosas (e desconhecidas) fotos da Amália entre combatentes da guerra colonial, no enclave de Cabinda, Angola... São fotos raras, a Amália no meio da tropa... A Amália nunca foi à Guiné, que eu saiba. Em contrapartida, actuou diversas vezes em tournées, em Angola (1951, 1962, 1966, 1971, 1972) e em Moçambique (1951, 1966, 1969, 1972).

O poste é do José Coelho, data de 11 de Junho de 2009 e tem por título o seguinte: A D. Amália Rodrigues foi ao Maiombe visitar-nos...

Dona Amália era o tratamento, cerimonioso, respeitador e bem português, dado pelas pessoas do povo à grande diva do fado, a Voz, a nossa Voz... Maiombe era a grande floresta de Cabinda, o enclave de Cabinda, onde o MPLA fazia luta de guerrilha.

O José Coelho é um dos três administradores e animadores do blogue da família Coelho, com raízes alentejanas. É pai do Pedro Coelho e sogro da Ana.

O José Coelho é natural da freguesia de Beirã, concelho de Marvão, Alto Alentejo... Fez uma comissão em Angola, integrado no BCAV 3871 - Cavaleiros de Maiombe (Belize, Cabinda, 1972/74).... Os Cavaleiros de Maiombe reuniram-se, pela primeira vez, em 2009, ao fim de 35 anos, em 10 de Maio de 2009. O José Manuel Lourenço Coelho era de transmissões, e pertencia à CCS. Hoje é reformado da GNR, presumo com o posto de sargento. O seu poeta favorito é o Aleixo. Faz cicloturismo e BTT. Parece ser um verdadeiro pater familias.

A Toca dos Coelhos (nome da casa da família em Marvão) é descrita como "um espaço onde a nossa Família pode deixar aquilo que vem na alma. Devido à distância que me separa dos meus Pais e Irmão e Família em geral, penso ser um local onde poderemos rever e deixar os nossos testemunhos e recordações, assim como de tudo um pouco"... A origem do blogue remonta a 17 de Novembro de 2008. O Pedro também é militar da GNR e vive em Setúbal.

O José Coelho, nosso camarada, descreve asssim (de acordo com as legendas das fotos que publicou) o dia em que os felizardos da CCS do BCAV 3871 Cavaleiros de Maiombe - receberam a visita da D. Amália:

"Dia 1 de Maio de 1972, acabadinha de aterrar no Belize, recebida pelo Comando do BCav 3871, e por todos os Cavaleiros [de Maiombe] que estavam presentes no Quarel...(porque alguns estavam na mata em patrulha)... Simpatiquíssima... Tomou um drink na messe... Cantou para nós, deu um beijinho a cada um e uma foto sua, autografada... Foi um dia memorável para todos nós... 35 anos depois, e mais uma vez, obrigado, D. Amália".

Peço ao camarada José Coelho que perdoe e me releve este notório abuso, esta ousadia de lhe pedir, emprestadas, as quatro fotos do seu álbum que reproduzo acima, a pretexto da efeméride dos 10 anos da morte da Amália (*)...

É uma homenagem aos Cavaleiros de Maiombe e a todos os fãs da Amália (não gosto de lhe chamar dona...) . Que saudades daquela voz, e daquela grande cantora portuguesa (e mundial) que é hoje, incontornavelmente, uma figura maior da nossa cultura... e da nossa história.

Amália agiganta-se à medida que o tempo que passa... Há dez anos que ela está no Olimpo, lá no assento etéreo, muito acima das pequenas quezílias, paixões, safadezas, sacanices, portuguesices, etc., que vão alimentando o nosso pequeníssimo quotidiano... Tenho uma imensa pena de nunca a ter visto e ouvido ao vivo... Fui criado na cultura (contestatária) dos anti-F (fado, futebol, Fátima, fascismo)... Mais tarde, como estudante de sociologia, na segunda metade da década de 1970, dei um pequeno contributo para reabilitar o fado como forma de cultura popular urbana, com mesma matriz histórica e sociológica do tango e do flamenco ... Um projecto que deve muito à ousadia, ao entusiasmo, ao saber e à liderança do meu professor de antropologia, o Joaquim Pais de Brito (director do Museu Nacional de Etnologia, desde 1993).

Curiosamente, redescobri a Amália, aprendi a ouvi-la com outros ouvidos, em Setembro de 1980, no estrangeiro, em condições algo insólitas... Estava a fazer férias no País Basco, e cheguei a Guernica, ao parque de campismo, já de noite (e que noite, de temporal)... De repente, eu, a Alice e outro casal nosso amigo somos surpreendidos com um dos mais fabulosos fados da Amália (talvez o Povo que lavas no rio, Estranha forma de vida, Com que voz... - já não posso precisar), saído da instalação sonora do parque... Ficámos siderados!... Alguém (um casal francês, ele camionista de um TIR, soubemos no dia seguinte) quis ter uma gentileza para com os portugueses que chegavam a Guernica àquela estranha hora... Até então eu não tinha em casa nenhum disco da Amália... E se ela tivesse aparecido em Bambadinca, em 1969/71, eu não teria aparecido para a ver nem a ouvir...

Hoje não tenho qualquer pudor em confessar, entre amigos, que cada vez mais sinto arrepios ao ouvir algumas das maiores interpretações da Amália, cuja voz, génio e talento só podem estar ao alcance de uma semi-deusa... (Não esqueço também o contributo dos nossos poetas e músicos, do Frederico Valério ao Alain Oulman, o luso-francês nascido na Cruz Quebrada, em 1928, expulso de Portugal em 1966 , e que morreu precocemente em Paris, em 1990).

Amigos e camaradas: se me permitem uma sugestão, não percam a exposição que está no Museu Berardo, a partir de hoje e até 2 de Fevereiro de 2010, Amália, Coração Independente. Há também a exposição, no Panteão Nacional, Amália no mundo - O Mundo de Amália.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série: 4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (23): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)

Guiné 63/74 - P5061: Em busca de... (94): Informações sobre a CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (António Queiroz)

APELO

1. Mensagem de António Queiroz, com data de 2 de Outubro de 2009:

Assunto: Informações sobre a CCAÇ 2616/BCAÇ 2892


Boa Noite Sr. Luis Graça,

Quero felicitá-lo pelo vosso blog, e venho através deste e-mail pedir-lhe uma ajuda. Tive um tio que faleceu na Guiné. Será que me pode ajudar a encontrar mais informações sobre o grupo onde ele esteve inserido? O que aconteceu ou até outros camaradas que tenham servido com ele?

Deixo as informações que tenho sobre o meu tio:

JOSÉ MANUEL BRANDÃO QUEIROZ
Santo Ildefonso - Porto
Alf Mil Inf Op Esp - NM 08882667
RI 16 - Évora
CCAÇ 2616/BCAÇ 2892
Faleceu vítima de ferimentos em combate em 02.03.1970

Agradeço a sua melhor compreensão

Os meus cumprimentos
António Queiroz
queirozmeister@gmail.com


2. Caro amigo António Queiroz

O Batalhão de seu tio tinha como Companhias operacionais, as CCAÇs 2614; 2615 e 2616.

Recorrendo à Página do nosso camarada Jorge Santos que tem um secção de Ponto de Encontro, encontrei um camarada da CCAÇ 2615 a pedir contacto.

É ele, o Fernandes com o telemóvel 969 750 028

Faz parte da nossa tertúlia um outro camarada da CCAÇ 2615, o ex-Fur Mil Enf Manuel Amaro.

Poderá tentar junto deles saber da hipótese de chegar a algum camarada da CCAÇ 2616, uma vez que pertencendo ao mesmo Batalhão, têm por vezes contactos ocasionais.

Vou fazer circular entre a tertúlia uma mensagem pedido informações a quem eventualmente as tiver, no sentido de lhe serem dirigidas.

Neste momento é tudo quanto podemos fazer por si. Toda e qualquer informação que chegue até nós, e lhe possa ser útil, ser-lhe-á encaminhada.
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Nota de CV:

Vd. ultimo poste da série de 27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5018: Em busca de... (93): Procuro qualquer informação sobre o pessoal da CART 3567 "Os Insaciáveis". – 1972/74, (Paula Sofia Ferreira)

Guiné 63/74 - P5060: Memória dos lugares (45): Bambadinca, BART 2917, 1970/72, ex-Cap Art Passos Marques (Benjamim Durães)

Olhão > 27 de Agosto de 2009 > O ex-Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, comandante da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) que também esteve temporariamente a comandar a CART 2715, unidade de quadrícula do Xime.

Olhão > 27 de Agosto de 2009 > O Passos Marques e o Benjamim Durães (ex-Fur Mil, Pel Rec Inf, CCS/BART 2917, 1970/72)

Olhão > 27 de Agosto de 2009 > O Benjamim Durães e o Passos Marques (que vive em Faro)

Fotos: © Benjamim Durães (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso incansável correspondente de Bambadinca, da CCS/BART 2917 (1970/72, o setubalense Benjamim Durães, dinamizador igualmente dos encontros daquela subunidade e demais unidades adidas, especialista em perdidos & achados (*)

Boas Noites,

Em anexo junto fotos do Passos Marques, tiradas em Olhão no passado dia 27 de Agosto.

Mando igualmente duas fotos com o Arsénio Puim, que o Passos Marques (ex-Capitão da CCS, e actualmente Major na reforma) me fez chegar.

Chamo a vossa atenção para o conteúdo do e-Mail que acompanhou as fotos. O Passos Marques, com quem estive a almoçar no passado dia 27 de Agosto, em Olhão, autorizou a publicação do e-Mail bem como das fotos.

Um forte abraço
BENJAMIM DURÃES

2. Comentário de L.G.:

(i) O BART 2917 teve como unidade mobilizadora o RAP 2 (Vila Nova de Gaia), embarcou para a Guiné em 17 de Maio de 1970 e regressou à Metrópole em 24 de Março de 1972. O Comando e a CCS estiveram sedeados em Bambadinca, Zona Leste, Sector L1.

Era composto por três companhias, para além da CCS: CART 2714 (Mansambo, Cap Art José Manuel Silva Agordela), CART 2715 (Xime, Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo) e CART 2716 (Xitole, Cap Mil Art Francisco Manuel ESpinha de Almeida).

O Major Anjos de Carvalho era o 2º Comandante; e o Major Barros e Bastos, o major de operações... O Cap Passos Marques era o comandante da CCS. (Desconheço em que altura o Passos Marques esteve a comandar, interinamente, a CART 2715, fortemente abalada pela emboscada sofrida nas imediaçoes da Ponta do Inglês, em 26 de Novembro de 1970 (**).

Foram comandantes do BART 2917 o Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e o Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro (este já falecido).

(ii) Folgo em saber notícias do Passos Marques, com quem estive em Bambadinca, entre Maio de 1970 e Março de 1971... Era um homem afável e um militar com trato correcto e educado. É essa a impressão que me ficou desses, para mim, duros tempos que foram a 2ª parte da minha comissão militar, integrado na CCAÇ 12 (Bambadinca, Julho de 1969/Março de 1971). Gostaria de o rever.

Agradeço as fotos que nos foram enviadas pelo amigo e camarada Benjamim Durães. E aqui fica, entretanto, o convite para o Passos Marques se juntar ao nosso blogue e trazer mais algumas dessas memórias comuns.... de Bambadinca.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4416: Memória dos lugares (26): Bambadinca, CCS/BART 2917, 1970/72 (Arsénio Puim, ex-capelão)

23 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4404: CCS do BART 2917: a emoção do reencontro, 38 anos depois (Arsénio Puim)

22 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4399: Em busca de... (74): O caboverdiano Leão Lopes, meu antigo camarada de Bambadinca, BENG 447, 1970/72 (Benjamim Durães)

18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4372: Convívios (131): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o Arsénio Puim e os filhos do Carlos Rebelo (Benjamim Durães)

16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)

(**) Vd. postes de:

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 >Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

Guiné 63/74 - P5059: Tabanca Grande (178): Vasco David de Sousa Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)

1. Mensagem de Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73, com data de 1 de Outubro de 2009:

Caro Luis,

Já desde 2007 que visito a Tabanca, tertúlia, etc., mas como não sou grande homem de letras, nunca me dirigi a vós.

Antes de mais, permita-me que me apresente:

Meu Nome: Vasco David de Sousa Santos
1.º Cabo Operador Cripto na CCaç 6/Onças Negras/Bedanda
Janeiro de 1972 a Novembro de 1973

Já tive o prazer de através do V/blogue encontrar o Dr. Mário Bravo que foi médico na minha Companhia, sob o comando do Capitão Carlos de Oliveira Ayalla Botto, em 1972.

Anexo algumas fotos para que o pessoal possa ver, assim distribuídas:

Foto N.º 2 - Uma foto minha em Bedanda e uma actualizada;

Foto N.º 3 - Natal de 1972 em Bedanda e a equipa de futebol;

Foto N.º 4 - Dr. Mario Bravo ao centro, eu do lado direito dele e, do lado esquerdo, um camarada do Pelotão de Artilharia que até hoje nunca mais o vi;

Foto N.º 5 - Uma foto da famosa Tia Djaló, uma das mulheres do Régulo das Tabancas de etnia Fula.

Caso seja possível publicar estas fotos, quem sabe, pode dar-se o caso de algum amigo as reconhecer e nos possamos encontrar, agradeço imenso.

Melhores cumprimentos,
Vasco Santos

P.S. - Vi na Tabanca um artigo dum colega meu, Carlos Azevedo, que estava no Pelotão destacado e, que conta um detalhe de uma prisão que lhe foi transmitida pelo Ismael Barros, mais conhecido pelo "BABA BOTA AXIM", pois era uma jóia de amigo - de Vila Verde da Raia/Chaves, com o qual tive o prazer de confraternizar já cá em Portugal. Gostaria de ter o contacto dele, pois sei que vive (vivia) perto de Custóias e, gostaria de entrar em contacto com ele, a fim de lhe contar a verdadeira história sobre a "prisão" do Nino em Bedanda.


2. Comentário de CV:

Caro Vasco, bem-vindo à Tabanca.

És mais um dos camaradas que vêm até nós que dizem já nos acompanharem há algum tempo.

Sabemos que muitos camaradas têm alguns problemas com a informática, o que não admira, porque somos da geração da lousa (placa de ardósia dentro de uma esquadria de madeira) onde se escrevia com uma pena do mesmo material. O Delete era uma cuspidela e a manga da camisola. E aqueles aparos, de má memória, de molhar no tinteiro? A geração actual da playstation nem acreditará que isto alguma vez aconteceu.

A evolução da técnica atropelou-nos e poucos conseguimos acompanhá-la. Já não somos novos, não é?

Nada de dramático, porque estamos entre amigos, onde os mais letrados nos compreendem e desculpam alguma coisinha.

Isto para dizer que te deves sentir completamente integrado na Tabanca, onde ganhaste novos camaradas e amigos. Aqui, desde os licenciados, até aos da 4.ª classe adiantada, como costumo dizer, estamos em plano de igualdade enquanto camaradas, porque pisamos o mesmo chão da Guiné que jamais esqueceremos.

Vou mandar-te o endereço do Carlos Azevedo, que conheço pessoalmente, porque ele costuma estar presente nos eventos do concelho de Matosinhos. Vou pedir-te é que nos contes a tua versão da prisão do Nino Vieira, porque me faz um pouco de confusão como é que se ele se apresentou livremente e fugiu sem ninguém o impedir. O Carlos contou-me isso diversas vezes, mas não entendo a história. Será verdadeira? Será lenda? Como apareceu o Nino em Bedanda? Como foi possível a sua fuga?

Aqui ficam estas interrogações, às quais vais prometer responder.

Não vou publicar as tuas fotos, porque chegaram com pouca resolução e não têm a qualidade mínima para serem publicadas. Peço-te que as reenvies, mas digitalizadas uma a uma e com mais resolução. Inclusive as tuas tipo passe, que como podes verificar, têm muito má qualidade. Vais conseguir melhor.

Em nome da tertúlia, envio-te um abraço de boas-vindas.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5055: Tabanca Grande (177): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil At Inf (Centro de Instrução de Comandos - Angola, 1969/71)

Guiné 63/74 - P5058: In Memoriam (33): Alferes Henrique Ferreira de Almeida, morto em combate em 14JUL68 em Cabedu (António J. Pereira da Costa)

1. Em mensagem de 4 de Outubro de 2009, o nosso camarada A.J. Pereira da Costa, Coronel, ex-comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, enviou-nos este texto com a notícia de uma homenagem prestada ao malogrado Alferes Henrique Ferreira de Almeida


Ontem fomos a Abrunhosa e ao cemitério de S. Miguel de Vila Boa, Concelho de Sátão

Fomos homenagear um camarada morto na noite de 13 para 14 de Julho de 1968 num ataque particularmente violento ao quartel e aldeia de Cabedu.
A homengem consistiu no descerramento de uma lápide evocativa na casa onde nasceu e viveu e na atribuição do seu nome a uma rua da Aldeia.

Fomos depois ao cemitério para uma pequena oração e colocação de uma coroa de flores. A sua acção foi reconhecida, naquela altura, com uma condecoração: a Cruz de Guerra de 2ª Classe.

No silêncio do seu processo individual, no Arquivo Histórico Militar, podemos ler a sua curta biografia. Os processos individuais dos heróis são sempre silenciosos, mas aqueles que os investigam sentem-nos a queimar nas mãos e, em cada linha, em cada indicação manuscrita, sabe-se lá por quem, um sentimento indescritível, misto de admiração e saudade.

E porque fomos ali: vizinhos ou amigos, mestres ou comandantes, camaradas, profissionais ou simples cidadãos fardados? Viemos dar um contributo para que a memória do Alferes de Artilharia Henrique Ferreira de Almeida possa manter-se por muito mais tempo, sustentada não apenas em silenciosos documentos, mas também na linguagem diária dos moradores deste lugar e até na actividade burocrática do dia-a-dia. Será essa a sua maneira de ser quase eterno.

Parece-me que seria boa ideia que conseguíssemos intensificar esta boa prática, pressionando as nossas autarquias a seguir o exemplo da de Sátão/S. Miguel de Vila Boa, tanto mais que alguns dos autarcas ainda serão ex-combatentes.

Em cada freguesia, recorrendo aos livros da CECA, é possível identificar os fregueses que foram ex-combatentes e morreram na guerra. Depois, com o recurso a relatos verbais e à documentação da Unidade, é possível pressionar os concelhos (responsáveis pela toponímida) e não as freguesias, a atribuirem nomes de ex-combatentes a ruas, de preferência em áreas novas da localidade (para evitar confrontos com designações tradicionais ou já implantadas e porque normalmente se inserem em áreas populadas de novo) de modo a que na vida diária dos cidadãos passe a figurar nome de um ex-combatente falecido na guerra.

Esteve presente uma grande parte da população, os autarcas locais e ex-combatentes, na maioria da CArt 1689 à qual o Ferreira de Almeida pertencia, quando morreu.

Um Ab.
António Costa


2. Discurso proferido por A.J. Pereira da Costa durante a cerimónia de homenagem

Que se poderá dizer de um jovem de 21 anos que morreu? É pouco provável que tenha deixado uma pegada na História do seu tempo que vá para além do desaparecimento dos seus familiares mais directos ou de um ou outro amigo. A memória de cada um de nós, sob a pressão do correr dos dias, não é tão grande que permita conservá-lo como uma lembrança indelével, para além de um período mais ou menos curto. Depois, recordamo-lo, de vez em quando, quando a saudade bate. Mas a memória colectiva faz pior: trucida rapidamente a sua recordação e, em pouco tempo, nada dela resta.

É uma lei. Vamos chamar-lhe natural por lhe não podermos fugir. Porém, absurda. Como seres inteligentes está na nossa mão tentar impedir, o mais possível, que ela se aplique na sua cegueira incontrolável, e fazer com que a memória, mesmo a dos jovens desaparecidos, perdure.

Traz-nos aqui a vontade de conservarmos a memória de um jovem que morreu com um sofrimento que nem a ciência consegue descrever. Os técnicos podem especular, mas não são capazes de nos dizer inequivocamente o que se sente naquelas alturas.

E se o jovem morreu na guerra, que diremos? E a se a guerra em que ele morreu foi desencadeada por questões de ordem sociológica, por ventura insolúveis, e teve causas políticas absurdas e incongruentes? Era um jovem, volto a lembrar. Teria hoje a nossa idade e, naquela altura, estaria cheio de certezas, como todos estávamos. É o amadurecimento que nos torna cépticos. As dúvidas chegavam depois, perante a realidade. Não era o medo que nos conduzia à dúvida. Era a inteligência e o questionar do que víamos e vivíamos. Em pouco mais de cinco meses, não sei se o Henrique terá tido tempo para se questionar. De qualquer modo, uma vez lá só havia um caminho a seguir e esse, ele identificou-o rapidamente. Perdi o contacto com ele à chegada a Bissau. Cada um foi para um destino que a sorte ditou e nem as contingências da acção nos voltaram a reunir. Sei que combateu em vários locais, um dos quais se chamava Gadembel e que era um quartel que o Exército abandonou ao fim de 8 meses, com uma média de ataques inimigos superior a um por dia e onde estar era já em si bastante para se ser considerado um homem com letras bem grandes.

Lembro-me de que embarcou, a 10 de Janeiro de 1968, como se fosse para uma festa. Iremos vê-lo, daqui a pouco, no uniforme n.º 1 que usou no momento do embarque. Tenho a certeza de que, durante os 13 anos de guerra, foi o único militar que assim embarcou e recorro ao testemunho dos presentes – alguns que embarcaram mais de uma vez – para saber se outro militar foi para a guerra assim uniformizado. Colhi informações junto dos que com ele serviram e todos me falam de grande empenho no cumprimento de algo que podemos identificar com uma missão. Todos me dizem que transmitia ânimo aos que serviam sob as suas ordens e que se expunha, se o momento era para tal. Hoje, sinceramente não sei se o seu esforço e a sua dedicação tinham justificação, para além do sentimento próprio e sempre gratificante dos homens de boa vontade: a consciência do dever cumprido.

O Henrique faleceu nos primeiros minutos do dia 14 de Julho de 1968, numa noite de Lua Nova. O inimigo atacou o quartel de Cabedú, a curta distância e com um invulgar volume de fogo. Foram localizados, na altura, três canhões. Em África, naquelas noites, os halos da luz dos aquartelamentos viam-se de longe. O terreno é plano e, mesmo a mais de 10 quilómetros, nas margens do rio Cacine, eu podia ver as luzes da pequena localidade. Naquela noite, ouvi também as explosões. Foram, certamente, quinze minutos longos e avassaladores, com as munições inimigas a rebentar dentro do aquartelamento. Depois, foi o silêncio. Pesado e doloroso. E, no final, aquele que tantas vezes se expusera, por ironia do destino, tinha sido atingido dentro de um abrigo enterrado, donde não era possível combater. Era o centro de comunicações da unidade, onde se acoitara, durante alguns minutos, depois de ter ido “debaixo de fogo a todos os locais mais ameaçados, incitando e orientando o seu pessoal”. Sabemos hoje que a “sua vontade férrea de pôr termo ao ataque fez com que o fogo inimigo diminuísse francamente de intensidade”. As seteiras do abrigo, vedadas com rede mosquiteira para proteger os operadores de rádio, não permitiam fogo para o exterior, mas não foram suficientes para travar a entrada dos estilhaços assassinos.

A sua acção foi reconhecida com uma condecoração: a Cruz de Guerra de 2ª Classe. No silêncio do seu processo individual, no Arquivo Histórico Militar, podemos ler a sua curta biografia. Os processos individuais dos heróis são sempre silenciosos, mas aqueles que os investigam sentem-nos a queimar nas mãos e, em cada linha, em cada indicação manuscrita, sabe-se lá por quem, uma sentimento indescritível, misto de admiração e saudade.

E porque estamos aqui hoje: vizinhos ou amigos, mestres ou comandantes, camaradas, profissionais ou simples cidadãos fardados? Viemos dar um contributo para que a memória do Alferes de Artilharia Henrique Ferreira de Almeida possa manter-se por muito mais tempo, sustentada não apenas em silenciosos documentos, mas também na linguagem diária dos moradores deste lugar e até na actividade burocrática do dia-a-dia. Será essa a sua maneira de ser quase eterno.

Homenageamos também o miúdo esperto, sisudo e de poucas falas e, muito para alem disso, o jovem que gostava de dar de beber às plantas…

Homenageemos o Henrique agora com um minuto de silêncio e depois, cada um segundo o seu credo e as suas convicções, com uns instantes de recolhimento junto dos seus restos mortais.

Bem hajam pela vossa presença.


3. RESUMO DA ACTUAÇÃO MILITAR DO ALFERES HENRIQUE FERREIRA DE ALMEIDA

Apresentou-se na Companhia de Artilharia n.º 1689 (CArt 1689/BArt 1913), em 26 de Janeiro de 1968, iniciando a comissão na Guiné, como adjunto de Comandante de Companhia. Na altura, a referida Companhia era uma subunidade de “intervenção”, portanto sem responsabilidades territoriais, mas podendo actuar em qualquer local do Teatro de Operações.

Durante a operação “Bola de Fogo”, iniciada a 8 de Abril de 1968, a unidade apoiou a construção do aquartelamento Gandembel. Durante a operação, o Alferes Ferreira de Almeida passou a comandar a Companhia, a partir de 17 de Abril de 1968, quando o respectivo comandante (Cap. Manuel de Azevedo Moreira Maia) foi ferido.

Terminada a missão em Gadembel, a CArt 1689 deslocou-se para outro sector, ficando aquartelada em Cabedú. O Alferes Ferreira de Almeida passou, então, a comandar a Companhia a partir de 12 de Julho de 1968, dia em que o Cap. Moreira Maia saiu para frequentar o curso do Estado-maior.

Da História da CArt 1689, no referente ao dia 13 de Julho de 1968, em Cabedú, transcreve-se o seguinte:

Um grupo de combate inimigo instalou-se em Cabedú Nalu e Sosso.

Cerca das 24H00, o inimigo desencadeou um vigoroso ataque, com grande e preciso potencial fogo de canhão, morteiro, espingarda automática, metralhadora pesada e lança-granadas-foguete, sobre o aquartelamento, sendo estimado o seu efectivo em 30 a 50 elementos.

O inimigo estava instalado na direcção de Cabedú Nalu e Sosso, a cerca de 300 metros do arame farpado e foram localizados 3 canhões: um na estrada para Cabedú Nalu e Sosso e os outros dois de um lado e doutro, distanciados de 15 metros.

No espaço entre os canhões, havia indícios de terem estado instalados atiradores com armas ligeiras e, atrás deste dispositivo, referenciou-se uma posição de morteiro 82.

O ataque durou cerca de 15 minutos.

O inimigo, depois de ter aberto fogo de canhão, seguido de espingardas automáticas, desencadeou grande fogo de morteiro e canhão, cujas granadas caíram dentro do aquartelamento ou muito perto. Por ter sido atingido com estilhaços de morteiro, um dos quais lhe cortou uma carótida, foi ferido mortalmente o Alferes de Artilharia HENRIQUE FERREIRA DE ALMEIDA, que comandava a Companhia.

As Nossas Tropas procederam, logo que a visibilidade o permitiu, a uma batida à zona do ataque, tendo encontrado 2 granadas de canhão 82 (uma normal e outra de grande potência), 63 invólucros de granadas de canhão S/R 82 (28 normais e 35 de grande potência), 1 carregador curvo para espingarda automática com 35 munições e vários rastos de sangue.

O inimigo retirou em direcção à bolanha do Rio Soco.


Devido às especiais condições de visibilidade, há testemunhas de aquartelamentos próximos que referem a particular violência do ataque.

Pelo louvor que serviu de base à condecoração1 que veio a receber sabemos que:

No ataque ao aquartelamento de Cabedú, em que recebeu ferimentos que provocaram a morte, dirigiu-se debaixo de fogo a todos os locais mais ameaçados, incitando e orientando o seu pessoal e, com palavras esclarecedoras, conseguiu incutir em todos um espírito agressivo e uma vontade férrea de pôr termo ao ataque, acção esta que fez com que o fogo inimigo diminuísse francamente de intensidade.

Recorrendo ao depoimento de testemunhas, sabemos que casualmente, estava desarmado quando foi atingido, dentro do abrigo do posto de comunicações, que era enterrado. As seteiras desse abrigo destinavam-se somente a ventilação, porque estavam abertas para dentro do espaço do aquartelamento e colocadas quase ao nível do solo. Por uma dessas aberturas entraram os estilhaços da explosão que lhe causaram a morte aos primeiros minutos de 14 de Julho. O corpo ficou caído sobre as escadas do abrigo, pelo que estaria em pé e ia sair.

Pelo seu desempenho, em pouco mais de cinco meses de comissão, foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª Classe. Do louvor que serviu de base à condecoração2 destaca-se que:

(…) tomando parte em várias acções, em todas elas demonstrou possuir elevado espírito de missão, tenacidade, decisão, coragem, sangue-frio e serena energia debaixo de fogo (…). Oficial muito jovem, mas de marcada personalidade, pôs sempre (…) o melhor e mais generoso entusiasmo em bem servir e impôs-se pelo exemplo, (…) particularmente durante o desenrolar de uma das mais difíceis missões atribuídas à sua Unidade, durante a qual e por longo período, foi chamado a exercer o comando da Companhia, funções que desempenhou com notável acerto, espírito de sacrifício, lealdade e fé inquebrantável no cumprimento da missão.
Esta multiplicidade de predicados, a sua conduta leal e sólida formação moral, aliadas à coragem de que deu provas na sua infelizmente breve carreira, fizeram do Alferes Ferreira de Almeida, um oficial de quem muito havia a esperar e que pela sua acção muito prestigiou a sua Unidade e o Exército.


4. Comentário de CV

O camarada António José Pereira da Costa levanta um problema premente. Há autarquias e autarcas que mercê de algum pudor ou medo de conotação políca de direita, digo eu, mostram alguma resisitência em reconhecer o esforço de quase duas gerações que tiveram de fazer uma guerra, que se sendo considerada injusta para os povos das então Províncias Ultramarinas, foi trágica para os mancebos metropolitanos e até africanos, recrutados em massa para defenderem um ideal que então não era possível discutir.

Sei do que falo, porque, se no trato pessoal e directo somos acarinhados e reconhecidos, publicamente a coisa é mais complicada. Temos que reconhecer que somos um espólio incómodo na actualidade portuguesa. Estou convencido que daqui a 50 anos a Guerra Colonial será considerada um período que envergonha, a já tão mal estudada, História de Portugal, e tudo se fará para apagar o apagar das suas páginas douradas.

A ver vamos
__________

Notas de CV:

Negritos e itálicos da responsabilidade do editor

(*) Vd. poste de 18 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4831: (Ex)citações (40): Resposta a um comentário de Mário Fitas (A.J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

Guiné 63/74 - P5057: Notas de leitura (27): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)



Segunda parte da recensão do livro "Os Heróis e o Medo", de Magalhães Pinto, enviada pelo nosso camarada Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, em mensagem com data de 29 de Setembro de 2009.





Meus bravos, de que cor é o medo ?
Beja Santos
(Continuação)

O romance “Os heróis e o medo” de Magalhães Pinto (Âncora Editora, 2003) tem uma estrutura singular mas terá sido porventura redigido apressadamente, não tendo havido circunstância para explorar a fundo o recorte dos personagens e dar consistência à temática da heroicidade, que o autor promete enunciar como primeira prioridade.

Os diferentes figurantes vão sendo concentrados em Santa Margarida, daqui partirão para a Guiné, ainda na primeira metade dos anos 60, Arnaldo Schultz é governador. Em pinceladas largas, temos um tenente-coronel de formação conservadora, para quem a Pátria nunca se discute. Aos poucos, o seu mundo familiar entra em revolução: um filho prisioneiro na Índia, que se irá demitir do Exército e sair de Portugal; uma filha contestatária que se enamora de um jovem opositor do regime, que será castigado, enviado para a Guiné, exactamente para a unidade comandada pelo pai da sua namorada; a redacção principal cabe a Mário que vai tarde e a más horas para esta comissão, cria amizades com Álvaro e Manel. Depois de um estágio à volta de Bissau, partem para Mansoa, os Águias vão fazer operações no Morés. A narrativa tem, pois, os condimentos que permitem ao obreiro do romance aprofundar aquilo que se propõe: como se mede o heroísmo, como se manifesta? No teatro de combate, o que leva um ser humano a exceder-se ou a tolher-se? Magalhães Pinto refugia-se na polpa do troar das armas, no sangue à vista, não tira consequências dos estados de alma. É pena, temos aqui um bom território de combate e cidadãos identificáveis que nunca pretenderam alcançar a heroicidade. Nos casos em que ela lhes tomou o destino, a expressão literária é confusa e incompleta. Mas como a matéria-prima é muito rica, recomendamos a Magalhães Pinto que se afoite a rever este livro de alto a baixo, poderá aqui haver uma grande surpresa para a literatura da guerra colonial.

As tropas do batalhão de Mansoa, com companhias espalhadas por Mansabá, Bissorã e Olossato, estão de regresso do Morés, Álvaro rabiscou mais um dos seus poemas que Mário lê. É uma tropa exausta, tiveram duas baixas que estão na capela de Mansoa. Ao nível do comando, já há tensões, o major Glória Marques desabafa ao comandante Soveral que esta guerra não conduz a nada, os militares estão a pagar o tratamento injusto das populações pelos colonizadores. O autor aproveita para nos descrever a vida social em Mansoa com o seu clube de futebol Os Balantas, o círculo social das mulheres de alguns oficiais e sargentos, a mulher do administrador civil, as filhas do dono do tasco, as idas ao cinema, o restaurante de Emília Sá.

É nisto que se dá um violento ataque ao destacamento de Cutia. Sai uma coluna de socorro quando se percebe que estão cortadas as ligações e a situação no fortim parece aflitiva. Na noite escura, os faróis das viaturas desenhavam fantasmas na margem da picada. É a descrição mais poderosa do romance de Magalhães Pinto, a do ataque a Cutia. Tudo começa com o “pof” inconfundível de uma granada de morteiro a sair do tubo, depois o assobio em crescendo dos projécteis a cair no destacamento, a que se seguiu a fuzilaria das costureirinhas. No pandemónio que se vive dentro do destacamento, manobram-se quatro metralhadoras pesadas, mas o fogo inimigo parece nascer do chão, não distante do arame farpado, quem está dentro de Cutia sente o cerco, os guerrilheiros avançam para as fieiras de arame farpado. É o momento de heroísmo de Manel, ele pressente que os guerrilheiros podem chegar aos abrigos, a seguir seria o caos. Assim vai agir um herói sem medo: “Desceu o que restava das escadas da torre, chamou dois dos nativos e disse-lhes para virem atrás dele, carregando cada qual um cunhete de granadas de mão. Afrontaram o fogo a peito descoberto. Friamente, o Manel avançou, destemido e seguido pelos dois nativos, para o inimigo. Arrancava raivosamente, com os dentes, o grampo de segurança das granadas, segurando a cavilha, punha-se de pé e deixava-se tombar para a frente, arremessando as granadas na direcção dos adversários com o impulso da queda. Berros agora mais frequentes indicavam o sucesso da acção suicida. Empolgados pela acção do seu comandante, os soldados saíram dos abrigos e carregaram. Disparando incessantemente. O fogo do lado de lá foi abrandando, cada vez mais longe da cerca, agora. Alguns minutos depois, a parecerem horas, o silêncio voltou, quebrado por alguns gemidos aqui e além. Acalmada a trovoada, as rãs voltaram a coaxar”. Morreu o Miragaia, com o rosto meio desfeito por um estilhaço de morteiro.

Magalhães Pinto que já inventara um Wiriamu, põe agora um torturador, Xerifo Camará a espancar um prisioneiro, trata-se de um interrogatório que nós sabemos ser inverosímil: “O fula tinha o seu gabinete de trabalho instalado na torre da água do quartel. Um prisma oco, quadrangular, com dois metros de aresta na base, coroado no topo, a uns bons seis metros de altura, por de um depósito de cinco mil litros. Da barra de ferro atravessada no seu interior, bem lá no cimo, por debaixo do depósito, para dar consistência à construção, pendia, dobrada, uma corda roliça, já sebenta, de cor indefinida, armada em nó corredio numa das extremidades. Quando algum prisioneiro, moralmente mais forte, resistia à sessão de palmatória, era conduzido ao depósito, para o tratamento especial do Xerifo”. É um interrogatório de uma brutalidade sem limites. Mário ainda lhe leva água e o prisioneiro responde-lhe: “Tu vai morrer no Chão de Papel, branco...”. E não resistiu ao sofrimento. Estabelece uma grande amizade entre Mamadu e Mário, o primeiro fora salvo pelo segundo. Mais tarde Mamadu fugirá para o mato, o romance culminará com o reencontro dos dois, no momento em que o Mário está a terminar a sua comissão.

O romance prossegue com a ceia de Natal, um espectáculo organizado entre militares, Zé António, que viera castigado para a Guiné vai morrer na explosão de uma mina anti-carro, mais um problema graúdo na vida do comandante Soveral. É quando a comissão de serviços está no fim, que Mário realiza o seu último patrulhamento, na emboscada está Mamadu. E num dado momento ambos estão de armas apontadas, numa promessa de morte. É Mário quem dispara, aproxima-se e vê com horror que a arma de Mamadu estava travada. Mamadu pagara com a vida a vida que devia ao português. E assim termina o romance: “Vazio, sonâmbulo, ajoelhou-se e tomou o corpo inerte nos seus braços, abandonada toda a precaução a si mesmo jurada. Abraçou-o. Afagou-lhe a carapinha, enquanto deixava correr, rosto abaixo, duas lágrimas redentoras. Apenas duas. Tinha já passado a época das chuvas”.

Não se discute a sinceridade deste testemunho de Magalhães Pinto, é mesmo de supor que se trata de autobiografia com laivos de pura ficção. Haverá tudo a ganhar em refazer-se a obra, superficial em momentos culminantes, pouco expressiva sobre a essência do heroísmo, em que até o próprio medo sai mal tratado. Todas as guerras têm heróis, medos, desabafos, perdas e redenções. A notabilidade é tratar estes sentimentos e emoções numa atmosfera plausível e na inteireza da condição humana. É o que se espera da revisão ou da sequência deste “Os heróis e o medo”

Este livro fica a património do blogue.
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5052: Notas de leitura (26): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)

Guiné 63/74 – P5056: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (8): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas II

1. Esta é mais uma pequena porção das memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Esta é a 8º fracção desta sua série, dando assim continuidade aos postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995, P5027 e P5047.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

ROTINAS PERIGOSAS II

Nos finais de Julho, mais uma operação foi posta em acção no terreno, em Banjara.

O caminho era sempre o mesmo seguindo pelas proximidades de Sinchã Jobel. Saímos de madrugada, passamos por Tumania, Bantajã e Belel, sem nada de anormal ter acontecido.

Como sempre tinha acontecido, até àquele momento, só no regresso é que eram elas.

Atravessamos a bolanha, que nesta altura tinha muita água, num cruzamento através de uma grande clareira e seguimos em frente por uma pequena subida. Naquela ZO não haviam grandes subidas, entramos no mato denso e logo à esquerda dentro do mato viam-se, mais ou menos bem camufladas, umas palhotas.

Entrei por elas adentro, de rompante, acompanhado pelo pessoal da milícia, efectuando alguns disparos, para um e o outro lado, sem quaisquer consequências práticas, pois não se via vivalma por ali.

Os soldados da milícia começaram a queimar as palhotas e a destruir grandes quantidades de arroz, que por ali encontraram. Olhei em volta e não vi o resto do pessoal da minha companhia, à excepção de um soldado, que ficou comigo, bem como a Milícia que era comandada pelo Alferes Braima, de 2ª linha.

Ordenei então o regresso, mas o Braima disse-me: “Não, vamos em frente!”

O rádio não captava nada e pensei para mim: “Que vou fazer, em frente? Sou maluco mas não tanto!”.

De repente ouvi umas rajadas distantes.

Voltei-me para o Braima e disse: “Aqui quem manda sou eu!”

Era puro suicídio seguir em frente, apenas armados com duas G3 e uma Mauser.

- Vamos para trás! – disse eu.

O Braima lá obedeceu, mais ou menos contrariado, e chegamos à picada donde tínhamos saído.

Chegados à picada, consegui entrar em contacto com o capitão, que me mandou emboscar junto a bolanha. Desloquei-me para lá com o pessoal disponível e pouco tempo depois o capitão voltou a contactar-me, dizendo-me que regressasse ao local onde tínhamos acabado de queimar as palhotas. Recomendou-me que tivesse muito cuidado, quando lá chegássemos, em virtude de eu estar rodeado de nativos e podermos ser confundidos com os “turras”, o que, logicamente, não seria muito saudável para nenhum de nós.

Disse-lhe que todo o pessoal estava dentro do mato e apenas eu ficava junto da picada, por isso logo que os avistasse os avisaria da nossa posição.

Assim foi, e quando o capitão chegou junto de mim, contei-lhe o sucedido, ao que ele respondeu, que só eu e os milícias, é que atingimos o objectivo, pois ele tinha sido informado, por uma avioneta que nos sobrevoava, que o objectivo tinha sido destruído.

Regressamos a Geba percorrendo o mesmo percurso, atravessamos a bolanha e quando todo pessoal saiu para fora da água, seguimos por uma clareira subindo um pequeno declive e entramos na mata. Caímos aí numa emboscada, iniciada com o rebentamento de granadas de mão, seguida de várias rajadas de metralhadora. Deixei-me cair de costas na picada e rebolei para junto de dois soldados, que estavam atrapalhados, tentando reparar as suas armas que estavam encravadas.

Dei uma rajada única com a minha G3 em direcção de onde provinham os disparos do IN, larguei a minha arma e peguei nas 2 que estavam encravadas. Utilizando a “técnica” de bater com as coronhas contra uma árvore, acreditem que consegui, com este simples “truque”, que elas ficaram operacionais.

Uns dez ou quinze minutos depois tudo se calou por minha ordem. O capitão ligou-me, via rádio, perguntando-me se havia problemas, ao que eu respondi que estava tudo bem pois não haviam feridos. Mandou-me prosseguir a marcha até Banjara. Nada mais de irregular se passou no regresso a Geba.

Mais uns dias de descanso, em serenos passeios como habitualmente pela Tabanca, bebendo umas cervejas fresquinhas com uns petiscos e jogando à bola.

Como o descanso não podia durar sempre, seguiram-se mais umas patrulhas, agora fora das áreas do nosso controlo, para verificação se as localidades abandonadas se mantinham nesse mesmo estado.

Numa dessas patrulhas, fomos surpreendidos por uma grande jibóia, da qual só me lembro de ver um soldado da milícia, suspendê-la pela cauda e a “desgraçada” serpenteando para se tentar libertar, o que acabou por conseguir, determinando assim o seu fim, pois o soldado deu-lhe com a Mauser na cabeça, até ela morrer.

Após mais uns dias de folga, um dia de manhã, o Alferes chamou-nos comunicando-nos que a seguir ao almoço íamos sair, sem nos dizer o destino. Eu ficava fulo com estas decisões. Fomos levantar “ponchos” e rações de combate, e ficamos prontos para sair.

O nosso Capitão ficou no aquartelamento, e foi o Alferes Pimenta (mais antigo que o meu Alferes) a comandar a coluna. As viaturas deslizaram parada fora, sem sabermos com que destino, seguindo em direcção a Sare Banda (deduzi que íamos para Sare Dembel) e em Banjara paramos. Mandaram-nos apear, já com a Milícia pronta, contornamos o arame farpado em direcção da bolanha, por onde já tínhamos ido uma vez. Atravessamos a bolanha, dirigidos para Sare Dembel e, aí chegados, voltamos à direita, parando a uns cem metros.

Como o sol já se estava a pôr, comemos uma ração de combate e montamos uma emboscada. Estávamos todos molhados, pois chovia torrencialmente e aí ficamos toda a noite. Quando parava de chover, surgiam os malditos e indesejados mosquitos que não nos deixavam em paz. O dia nunca mais chegava. Finalmente rompeu o dia e o IN sem aparecer.

O Alferes Pimenta, que tinha o curso de minas e armadilhas, colocou diversas armadilhas em todas as picadas, a algumas centenas de metros da bolanha e à entrada da mesma. Colocou algumas no meio da bolanha e nos troncos das palmeiras.

Após estas tarefas regressamos novamente a Geba.

Como já andava a sentir umas dores intestinais à uns dias atrás, fui ao médico a Bafatá. Ele suspeitou que fosse apendicite e aconselhou-me a ir a uma consulta ao Hospital Militar de BISSAU.

Pedi uma guia de marcha, e uns dias depois, já autorizado, segui para BISSAU de avião.

No dito hospital fizeram-me exames radiológicos e análises, mas nada se registou de anormal.

Fiquei mais descansado, e passei a recuperar o tempo “perdido” no hospital, a circular pelos bares de BISSAU, saboreando umas apetitosas ostras acompanhadas por umas deliciosas cervejinhas, até acabar o dinheiro.

De tal modo gastei o “cacau” que tinha, que nem para pagar as refeições na messe em Santa Luzia ficou algum. Tive que pedir emprestado a um Furriel de Chaves (que estudava na referida cidade), e, logo que cheguei a Geba, enviei-lhe a importância em questão.

No hospital deram-me “alta” e passada uma semana tive de regressar a Geba. Como não havia lugar no avião, tive que me desenrascar na Bor até Bambadinca, rio Geba acima, que me compensou com um grande e belo espectáculo da natureza, que foi ver os ninhos de várias espécies de aves, nas árvores, ao longo das margens do rio.

Chegado a Bambadinca, foi difícil arranjar boleia para Bafatá, até que soube de uma viatura que se deslocaria para lá. Pedi para me levarem Geba, pois era mais fácil para mim, dado que a nossa oficina mecânica estava aí instalada. Com um pouco de boa vontade deixaram-me finalmente em Geba.

Em finais de Agosto, mais uma operação foi preparada para a zona operacional mais perigosa da companhia, situada a sul de Banjara.

Previamente, foram tomadas todas as medidas de segurança e, manhã cedo, arrancamos a caminho do objectivo. Aparentemente tudo se encontrava normal, tal como dantes sem população, e o que nós havíamos destruído assim continuava… destruído.

Regressamos, mais uma vez “provocatoriamente”, pelo mesmo itinerário, e, pela primeira vez, chegamos a Banjara sem que o inimigo nos tivesse criado qualquer tipo de problemas.

Foi bom, visto que bem precisávamos de descansar psiquicamente, da tensão e do cansaço das diversas patrulhas e operações.

Chegados a Geba, ainda de dia, ficamos também, por este motivo muito satisfeitos, pois de noite o trajecto era muito mais perigoso.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Imagem 1: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
Imagem 2: © Jornal do Exército - Anos 60 (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5055: Tabanca Grande (177): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil At Inf (Centro de Instrução de Comandos - Angola, 1969/71)

Caros camaradas e amigos tertulianos.
Há muito que venho trocando mensagens de trabalho, com o nosso camarada Carlos Cordeiro (*).

Os mais atentos devem lembrar-se que já se fez referência no nosso Blogue à sua qualidade de irmão do malogrado Cap Pára-quedista João da Costa Cordeiro (**), e tio do já nosso amigo Pedro Cordeiro, filho do Cap João Codeiro.

O nosso camarada Carlos Cordeiro, que teve já várias intervenções no Blogue, é um ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão como Fur Mil At Inf, no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71. É presentemente professor de História Contemporânea em Ponta Delgada e está a fazer um trabalho relacionado com as Unidades mobilizadas para o Ultramar pelos BII 17 e BII 18. Se se proporcionar poderemos ainda ver aqui publicado esse trabalho.

Tudo isto para dizer que convidei este nosso camarada para o grupo dos nossos amigos, tendo ele aceitado com gosto.

Assim passo a publicar a troca de mensagens entre nós.


1. Mensagem de Carlos Cordeiro, com data de 4 de Outubro de 2009:

Em fins de Novembro irá ter lugar, na Universidade dos Açores, um colóquio internacional intitulado "Representação de África e dos Africanos na História da Cultura (Séculos XVI-XXI".
Estou a preparar uma comunicação, que terá por fonte essencial o blogue "Luís Graça e Camaradas da Guiné", que venho a acompanhar, como leitor muito assíduo, há já alguns meses. Além das questões afectivas (que o meu amigo conhece) que me ligam ao blogue, trata-se também de, como profissional (professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores), considerar o blogue como uma fonte importantíssima para a abordagem científica de diversos aspectos da Guerra do Ultramar, no caso, da Guiné. Tenho já algumas ideias bem assentes de como desenvolver a comunicação, mas agora terei que pôr mãos à obra com mais afinco, pois o tempo passa depressa.

É por isso mesmo que recorro à boa vontade do amigo para me auxiliar num aspecto: gostaria de apresentar dados estatísticos sobre os "camaradas e amigos" que participam no blogue (data da comissão, posto, miliciano, do quadro), mas não encontro maneira de lá chegar. Haverá algum modo de, através de busca automática no blogue, conseguir estes dados? Estive a ver nos marcadores para tentar descobrir algum que me abrisse os postes de apresentação dos bloguistas, mas não vi nada.
Será que o meu amigo me pode ajudar com alguma dica que me facilite a busca?

Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro


2. A minha resposta com data de hoje:

Caro Carlos
Será isto que quer?
Já agora aproveito para o convidar a fazer parte dos amigos do nosso Blogue.

Não sendo ex-combatente da Guiné, é no entanto um ex-combatente da guerra colonial, e um acontecimento infeliz acaba por o ligar anós.

Para não andar a procurar a nossa correspondência antiga, lembre-me o seu posto, Unidade e anos de permanência em Angola.

Com um abraço do camarada e amigo
Carlos Vinhal


3. Resposta imediata do nosso novo amigo Carlos Cordeiro:

Obrigadíssimo, meu caro Carlos. Era mesmo isto. Aliás, fico com a papinha toda feita!!! Depois perguntarei como fazer a indicação dos créditos.

Tenho também a informação das companhias dos BII 17 e 18 que foram para a Guiné (na totalidade, 25). Parece-me que vai ficar um trabalho interessante, ainda que reconheça que, dado o seu carácter científico, digamos assim, possa não vir a ser de leitura interessante. Veremos.

Quanto a ser amigo do blogue, é, sem dúvida, uma grande honra que aceito com imenso gosto. Era, como sabe, amigo, ainda que informal. Agora ficarei formalmente, o que me alegra muito.

Tenho divulgado o blogue a amigos que estiveram na Guiné. Ainda a semana passada falei com o Alferes (João Carlos Carreiro - CCAÇ 2444 (*)) que comandava o grupo de combate dos tais três açorianos que morreram no mesmo dia da grande desgraça dos afogamentos. Pedi-lhe para entrar e se tornar membro de pleno direito do blogue, mas ele ainda não entrou. Vou novamente falar com ele, pois diz-me que tem muito material, sobretudo fotos.

Na Universidade dos Açores só temos no activo quatro camaradas que fizeram a guerra do ultramar: um, o Tomás (que foi ao encontro nacional e há vários postes sobre ele); um professor que é leitor habitual, mas que nunca se inscreveu (72-74, na região de Oio); um que esteve em Moçambique e eu. Isto, no fundo, quer dizer alguma coisa: estamos cada vez mais na reforma!

Carlos Cordeiro
ex-Fur Mil Atirador de Infantaria.
CIC (Centro de Instrução de Comandos),
Angola (sede, em Luanda).
Comissão: Abril de 69 a Abril de 71.

Muito obrigado por tudo.
Um abraço camarada e amigo do
Carlos


4. Comentário de CV:

Caro Carlos Cordeiro.
Muito obrigado por aceitar o nosso convite para fazer parte do núcleo de amigos do nosso Blogue, que reservamos para as pessoas que de algum modo se identificam connosco, não sendo ex-combatentes da Guiné.

O seu caso é muito particular, porque sentiu como ninguém a dor provocada pela perda de um entequerido, irmão neste caso, vítima do infortúnio, causa não directa de uma acção guerra, mas na guerra, no TO da Guiné.

Ao tentar ser-lhe útil, mais não fiz que retribuir a sua colaboração neste blogue, fazendo os seus comentários e dando as suas achegas sempre oportunas.

Poderá, como é lógico, servir-se do nosso espólio para fins didáticos, cuja paga será só mencionar a fonte. Julgo que em casos particulares, poderá contactar directamente o(s) camarada(s) em causa, que com toda a certeza colaborarão.

O mentor desta página, Luís Graça, directamente ou delegando, estará disponível para esclarecimentos adicionais.

Resta-me mandar-lhe o tradicional abraço de boas-vindas da tertúlia, desta feita para o meio do Oceano onde se encontra, mais propriamente na bonita Ilha de S. Miguel. Já sabe que tem a incumbência de dar um abraço, da minha parte, ao meu Primeiro Rita, amigo para sempre depois de com ele conviver na CART 2732.

Ilha de S. Miguel - Furnas

Foto: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4853: Dando a mão à palmatória (23): Verdadeira causa da morte de três camaradas açorianos da CCAÇ 2444 (Carlos Cordeiro/Carlos Vinhal)

(**) Sobre as causas da morte do Cap Pára-quedista João Costa Cordeiro, vd. postes:

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4216: Comentários que merecem ser postes (4): Homenagem à memória do Capitão Pára-quedista João Costa Cordeiro (João Seabra)

16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)

17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4700: Meu pai, meu velho, meu camarada (7): Cap Pára João Costa Cordeiro: Um homem de carácter (António Santos / Carlos Matos Gomes)

17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4703: Meu pai, meu velho, meu camarada (8): Sobre o Capitão-Pára João Costa Cordeiro (Manuel Peredo)

18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4705: Meu pai, meu velho, meu camarada (9): Testemunho do Coronel Pára Sílvio Araújo sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (João Seabra)

18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4706: Meu pai, meu velho, meu camarada (10): Depoimento e fotos sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (Miguel Pessoa)

24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4731: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): Mensagem do filho do Cap-Pára João Costa Cordeiro (Pedro Miguel Pereira Cordeiro)

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5039: Tabanca Grande (176): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje (1971/73)

Guiné 63/74 - P5054: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (2): Ponte para o regresso

1. Mensagem de José Eduardo Oliveira (JERO) (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), dirigida ao nosso Editor Luís Graça, com data de 30 de Setembro de 2009:

Ganda Luís
Agradavelmente surpreendido pela tua postagem 4943 acerca da Blogoterapia (126) e dos considerandos acerca do periquito de Alcobaça, que se assina JERO.
Fico-te grato pela atenção e, acerca da tua feliz expressão do "Blogando e andando..." tenho que te confessar um pesadelo desta noite... Que, não vais acreditar, mas que eu vou arriscar...

Sou do Benfica desde pecanino e tenho-me habituado ultimamente a ver os jogos dados pela TV com a companhia de um tal "James Martin's", de 20 anos.
Durante o Belenenses-Benfica - o tal de ontem à noite - festejei cada golo com um golinho do 20 years old...

Acabou o jogo e quando ia a rolhar o "James Martin'" pareceu-me ouvir uma voz cavernosa dizer:

- JERO não me voltes a fechar na garrafa onde estou há 20 anos. Agora, que já bebeste tudo, concede-me a liberdade que... eu te concederei um desejo.

Fiquei sem palavras. O que hei-de pedir ao génio da garrafa!?Pensei, pensei e lembrei-me de um trauma dos anos 90!

- Génio posso xingar o Homem Cardoso que uma vez me disse que uma fotografia não deve levar nenhuma legenda!?.

- Podes. Escreve ao Luís Graça, da Lourinhã, que ele põe isso no blogue e toda a malta da tropa te irá razão.

Fui-me deitar às escuras. Esqueci-me de tomar o Xanax 0,5 e dormi que nem uma pedra.

Acordei esquisito. A garrafa da noite anterior estava na bancada da cozinha desarolhada. Comecei a arrumar ideias e procurei por toda a casa o génio. Não o encontrei mas... a janela da cozinha, que dá para as traseiras estava aberta.

Vim para o computador e escrevi-te. Está feito. Agora é contigo.
Já bloguei.
Agora vou andando.
JERO


PONTE PARA O REGRESSO

Contrariando a opinião do Mestre Homem Cardoso (1) que defende que “uma fotografia não tem que ter título”, esta minha fotografia precisa de um título que tentarei defender nas considerações que se seguem.
A fotografia em questão foi tirada em finais de 1964 no Rio Cacheu-Guiné, numa povoação à beira rio chamada Binta. A viagem não tinha sido de recreio e o “Alexandre da Silva”, que tinha navegado de Bissau até aquele local - mais ou menos a oitenta quilómetros acima da foz do Cacheu - levava tropas e não turistas. O navio era de carga e tinham sido precisas cerca de 17 horas de navegação para acostar ao pontão da fotografia, pomposamente apelidado de cais. O nome de cais tinha no entanto alguma lógica pois as tábuas estavam tão desconjuntadas que cair no cais era mais do que certo e seguro para quem não estivesse a pau com as tábuas. Mas… adiante.


Dá para perceber na fotografia que o rio era bastante largo frente a Binta, povoação com alguns grandes armazéns com telhados de zinco. Para lá desta zona urbana havia ainda 4 ou 5 habitações de pedra e cal de madeireiros e um perímetro delimitado por arame farpado apelidado de quartel, com uma forma mais menos rectangular.
Vivemos neste local - cerca de 170 militares da Companhia de Caçadores 675 - durante dois anos. Dois longos anos!... Vezes sem conta nos sentámos nas tábuas deste pontão, habitualmente frequentado por pescadores indígenas, que remendavam as suas redes, enquanto fumavam cachimbo e mascavam cola. (2)
Vezes sem conta olhávamos para lá do pontão sonhando com o regresso, curtindo saudades, relendo cartas dos familiares e das namoradas, chorando lágrimas furtivas, lambendo feridas do corpo e da alma, quando regressávamos das patrulhas das matas do Norte da Guiné.
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1- António Homem Cardoso, nascido em São Pedro do Sul em 11 de Janeiro de 1945, é um dos mais prestigiados e premiados fotógrafos portugueses, sendo ainda escritor com numerosas publicadas. Conheci-o profissionalmente na SPAL- Sociedade de Porcelanas de Alcobaça, SA., numa reunião de trabalho e foi então ,por volta dos anos 90, que tivemos a tal conversa sobre as fotografias terem ou não tem necessidade de legenda. Cabe aqui dizer que fui responsável pela área comercial da SPAL(mercado nacional) cerca de 30 anos.

2- Para os não iniciados nos costumes africanos esclarecemos que esta cola não é das que se usa para colar selos nem para snifar. Estas colas crescem na África tropical, onde estão representadas por uma dúzia de espécies. As sementes da árvore que se parece com os castanheiros, são conhecidas pelo nome de noz de cola e têm um poder excitante superior ao do café e do chá (Dicionário da Lello Universal, Volume I).

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Vezes sem conta pareceu-me ver, esfumadas no horizonte, as Torres do meu Mosteiro, do Mosteiro de Alcobaça.
Deste pontão descobrimos amanheceres cinzentos, carregados de neblina que anunciavam um novo dia a descontar na conta-corrente dos dois anos de comissão.
E ao fim da tarde - quando nos conseguíamos abstrair da guerra desse dia ou da que estava marcada para o dia seguinte – descobríamos o fim do dia avermelhado, o pôr do Sol da África, misterioso, quente, sufocante, agressivo, mas com um cheiro único, envolvente, pesado que nos esmagava os sentidos, entranhando-se na pele e na memória do olfacto.


Havia dias em que este pontão fervilhava de agitação no desembarque de géneros de pequenos barcos a motor que subiam o rio até Farim, onde se situava a sede do Batalhão 490, cerca de 20 quilómetros mais acima. Devido à guerra, o rio era uma via mais segura para as populações se deslocarem e as LDM (lanchas de desembarque do tipo daquelas que se celebrizaram no desembarque da Normandia) partiam apinhadas de mandingas e fulas da região, que em cada viagem transportavam quase todos os seus haveres – galinhas, cabritos, máquinas de costura, bicicletas e crianças, muitas crianças.

De vez quando chegava um navio patrulha o que animava o nosso dia a dia, pois a guerra da Marinha sempre foi melhor do que a dos caçadores - leia-se guerra do ar condicionado, da cerveja fresca para os praças e de alguma garrafa de whisky para as patentes mais elevadas. Há que referir que a chegada da Marinha também resultava para nós, caçadores, numa sessão de cinema com energia fornecida pelos geradores do navio.

Deste pontão arriscava-se de vez em quando uma viagem em piroga para apanhar uns peixes para melhorar o rancho ou, para alguns mais aventureiros, dar um tirinho nalgum crocodilo sonolento que estivesse a apanhar sol nas margens. Para trazer uma pele para uma mala ou para uns sapatos para a namorada, tinha de se levar para essas caçadas furtivas uma “Mauser” porque as balas da ”G3” não furavam a pele dos crocodilos. Quando havia crocodilo para esfolar havia também chatice com os habitantes de Binta que eram protegidos pela tropa mas que não davam baldas no que respeita aos crocodilos do seu rio. Queres levar a pele (a do crocodilo e a própria) para Lisboa pagas...

A vida nocturna do povoação era animadíssima como se calcula e quando não havia guerra para o dia seguinte, vinha-se apanhar o fresco junto ao pontão. Das variedades constava habitualmente tentar descortinar na noite os olhos de alguns crocodilos que vinham até junto da margem comer restos de comida deitados para o rio pelos cozinheiros da Companhia.

Numa noite em que o patrão estava fora – leia-se Comandante da Companhia - quatro malucos pediram emprestado ao cabo-quarteleiro um cartucho de dinamite de 100 gramas e com os restos de um cabrito prepararam uma armadilha mortal junto à margem, encostada como não podia deixar de ser a um dos suportes do pontão. A primeira vítima foi um cão, que lhe cheirou a cabrito e quando deu por si estava a sobrevoar a fronteira com o Senegal, que ficava a cerca de 25 quilómetros. O estoiro foi tão grande que o resto da tropa saiu dos seus quartos para repelir o ataque dos turras.

Muitos tiros depois conseguiu-se alguma calma para o grupo dos quatro explicar à rapaziada que estava em curso uma caça ao crocodilo. Perante a grandeza do estoiro anterior, reduziram a dose para 50 gramas de dinamite, com mais uma dose de cabrito fornecida por uma mandinga, a quem se prometeu a pele do dito crocodilo antes propriamente de... a ter. O risco mais elevado do negócio continuava a ser... para o mandinga e para o crocodilo...

Desta vez o crocodilo vem ao engodo, a dinamite rebentou, o pontão voou, o quartel ia caindo, mas o crocodilo... não ficou por ali! Recuperada a surdez dos caçadores e respectivos mirones alguém se lembrou de que os crocodilos não são parvos de todo e que o bicho deve ter feito detonar a dinamite quando puxou os restos cabrito para comer em local sossegado – o fundo do rio. Conclusão triste – o crocodilo deve ter apanhado um grande cagaço, talvez tivesse ficado surdo ou mesmo gago, mas a pele continuou agarrada ao seu corpo... Lixou-se o mandinga, o cão e o Estado Português, com menos 150 gramas de dinamite nos seus paióis. E o pontão é bem de ver, que teve de ser reparado em horas extraordinárias antes do regresso do Capitão Tomé Pinto, que não era para brincadeiras...

Como estão a perceber pela amostra este pontão do Cacheu dava para escrever um livro, sendo certo que ele ficou para sempre guardado nas nossas memórias
Porque foi ao longo do tempo a nossa... PONTE PARA O REGRESSO.

Ali chegámos em meados de 1964... meninos, de vinte e poucos anos, putos e dali partimos... homens de traços vincados e... almas marcadas pela dureza da guerra. Vimos este pontão pela última vez em Maio de 1966.

O simbolismo da sua imagem, desta fotografia com alma está pendurada na sala de estar da minha casa, em Alcobaça.
A maioria das pessoas que me visita quase não dá por ela.
Para mim, no capital do meu património de recordações, ela diz muito.
Para mim e cento e setenta irmãos esta fotografia do pontão do Cacheu representa a magia de uma época.

Sem palavras... recorda-me os afectos, a minha juventude, a minha generosidade, o meu gosto pela fotografia... e a minha nostalgia pelas Torres do meu Mosteiro.

Vezes sem conta pareceu-me ver, esfumadas no horizonte, as Torres do meu Mosteiro, do Mosteiro de Alcobaça


Continuo a tirar umas fotografias.

Mas... o que me apetece dizer para terminar... é que cada vez me custa mais passar um dia sem ver as Torres do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.

A incurável nostalgia dos anos sessenta... quando nos aproximamos dos setenta!!!

José Eduardo Reis de Oliveira
(Setembro de 2009)

Nota: Tratamento de imagem da responsabilidade do meu amigo Marco Correia, a quem expresso o meu agradecimento pela sua competência e... paciência.
JERO

Estas imagens foram posteriormente editadas pelo Editor do Blogue para efeitos de publicação
CV

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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5048: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (16): Leões na Guiné em 1966!

Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4943: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (1): O gasóleo do Amílcar e a emboscada de Sare Dicó