sábado, 30 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5732: Os nossos médicos (15): Professor Doutor Pereira Coelho (ex-Alf Mil Méd do BCAÇ 3872 e Director do Hospital Civil Bafatá, 71/74


1. O nosso Camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,Conforme havia sido combinado com o Luís Graça, junto extractos de uma entrevista com o Professor-Doutor Pereira Coelho, que foi médico do Batalhão de Caçadores 3872 (Guiné 1971-74) e, mais tarde, Director do Hospital Civil de Bafatá.Material este publicado inicialmente no blogue da CCAÇ 3491 (wwwccac3491guine7174.blogspot.com).

A nossa publicação está já devidamente autorizada pelo nosso camarada Ex-Alf Milº Médico.

Amigos e Camaradas,

Há uns dias atrás, mais propriamente no dia do jogo de futebol entre Portugal e a Hungria, fui surpreendido com um telefonema do meu caríssimo amigo - o Professor-Doutor Pereira Coelho - que me disse que o seu contributo para o blogue estava num artigo que saíra naquele dia na revista do Jornal "i".

É claro que parti logo para a compra do jornal e depois de ler o artigo telefonei-lhe de volta e falámos um pouco sobre o artigo e que, a meu ver, era extremamente importante, permitindo-me que transcrevesse para o nosso blogue alguns dos seus pontos de vista sobre aquela guerra, expostos no citado artigo. Parece-me dispensar apresentações o nosso querido médico de Batalhão, o então Alferes Miliciano Médico, Pereira Coelho.

Permitam-me, no entanto, salientar que, para além das inegáveis qualidades profissionais, tantas vezes demonstradas no apoio aos nossos combatentes, na forma como se dedicava aos problemas que surgiam de âmbito médico nas companhias do batalhão e também nas tabancas que de nós dependiam e estavam inseridas na nossa quadrícula, mas também destacar o seu elevado humanismo e sentido de camaradagem, a forma como se disponibilizava para ajudar, muitas vezes ultrapassando o seu dever, correndo risco de vida. Estas qualidades levaram a que fosse estimado por todos os oficiais, sargentos e praças e tendo conquistado, rapidamente, a amizade e admiração das populações locais.

Como também todos sabem, o Professor - Doutor Pereira Coelho foi a alma pioneira de um projecto iniciado no nosso país - a Fertilização in-vítro. Em resultado do seu trabalho e em conjunto com a sua equipa do Hospital de Santa Maria, nasce, em 25 de Fevereiro de 1986, em Lisboa, a primeira criança, graças à técnica FIV. O rapaz, de nome Carlos Saleiro (é hoje avançado no Sporting) veio dar esperança a muitos casais com problemas de infertilidade.

Este acontecimento encheu-nos, claramente, de orgulho.O Alferes Médico Pereira Coelho adoeceu em Galomaro e foi evacuado por coluna até Bafatá e depois seguiu de avioneta para Bissau, isto porque as evacuações por hélio estavam proibidas, sendo apenas usadas para casos extremos. Este facto, que se espalhou rapidamente pelas tropas, veio provocar alguma instabilidade nas nossas forças, porque muitos perguntavam: "Se eles não vêm a Galomaro, sede do batalhão, buscar o médico, com receio de serem atingidos pelos strella, como é que vão ao mato buscar alguém, se ficar ferido?"

O nosso médico, como ele conta na entrevista, foi desvinculado mais tarde do Batalhão e passou a ser o Director do Hospital Civil de Bafatá, onde continuou a exercer com a competência e a responsabilidade que lhe são conhecidas. Foi substituído no Batalhão pelo Alferes Miliciano Médico, Rui Coelho, também ele um óptimo profissional e um excelente camarada (estabelecido na cidade do Porto).

Extractos da entrevista do Alferes Médico Pereira Coelho, salientados pelo editor, com a devida vénia ao entrevistado e ao jornal "i".O António Manuel (Pereira Coelho) que regressa no dia 25 de Outubro de 1973 (a) é uma pessoa muito mais forte e personalizada do que aquela que sai daqui em 22 de Dezembro de 1971 (b). Melhor. Mais preparado para enfrentar a vida. Munido de resistências fantásticas reunidas en terrenos pantanosos, por entre capins colossais, mercúrio severo e iminência de assaltos e emboscadas com desfecho imprevisto".

"Posso garantir que se a nossa atitude fosse de coragem e de espírito de luta pela sobrevivência, por muito maus bocados que tivéssemos passado, acabávamos por sair de lá mais determinados do que tínhamos ido"."Fazendo uma retrospectiva da minha vida, quase me atrevia a dizer que o mais marcante foi a minha experiência na guerra, particularmente naquele período e naquele local" (c).


"Estávamos completamente sozinhos. Tínhamos de decidir as coisas mais inesperadas, particularmente quando foram proibidas as evacuações, a não ser em casos extremos".

Depois de em certo dia lhe caírem em mãos duas raparigas em estado comatoso com quadro de meningite. "Caí na asneira de fazer respiração boca a boca a uma delas. Passados uns dias apareci com febre enorme, rigidez na nuca, falta de ar. Achei que tinha contraído a doença e pedi evacuação". Em termos de assistência civil às populações vê-se ainda a braços com uma epidemia de febre tifóide e sarampo, com exótica manifestação nos negros... Febre, manchas brancas, tosse e conjuntivite, em centenas de miúdos.

Um flagelo desenrascado com sucesso à colherada de uma solução lenta improvisada.Num ataque medonho à tabanca (d) incendeiam os telhados de colmo e o número de mortos explode à frente dos olhos. Nesse dia debate-se com 32 feridos graves queimados e uma das situações mais críticas, na sequência da morte de um dos enfermeiros (e) que estagiara com o grupo. "O pessoal que trabalhava comigo recusou-se a acudir alguns terroristas que tinham sobrevivido.

Tive de ser eu sozinho a tratar dos homens do PAIGC."Na chegada do correio a má nova faz estalar a polvorosa. Um dos elementos do batalhão apura por carta a traição da mulher. A loucura não faz a coisa por menos. Passeia-se (f) no aquartelamento com uma granada descavilhada pronta a desfeitear a harmonia.

"Andei uma noite inteira atrás dele a convencê-lo a dar um destino à granada. Não podia sair do pé dele. Se a deixasse cair por cansaço ou por livre vontade, nós os dois íamos logo. Já pela madrugada concordou atirá-la no campo de futebol. Jamais me vou esquecer dessa noite, entre as sete da tarde e as cinco da manhã".

Quando certo dia se inteiram da iminência de um ataque a Bafatá, é destacada uma companhia de pára-quedistas para bater aquela zona e tentar localizar e interceptar o grupo. Os páras cumprem a operação.

Quando regressam, o sargento que os comandara pede por tudo para ser recebido pelo médico. Nenhum mal lhe acometera a carne. Tem necessidade de desabafar depois de ter localizado o grupo de combate. "O grande dilema era o que fazer. Atacar e matá-los a todos ou podre vir a ser responsável pelas consequências de um ataque quando actuassem. Ignorou-os. Mas não conseguiu aguentar sozinho aquela responsabilidade." (g)

Pela conduta em missão, é-lhe concedido um louvor pelo comandante militar, Brigadeiro Bettencourt Rodrigues. Nunca prescinde da sua arma sempre que se desloca em coluna. "Entendiam que o médico não devia usar arma. Sim, mas era médico militar. Um mero alferes no meio dos outros soldados".

Regressa à Guiné em 1992. A saudade é apenas saciada em Bafatá. O seu aquartelamento em Galomaro dista por estrada 35 tortuosos quilómetros avessos a viaturas comuns. A realidade que os sentidos alcançam decepciona. "As condições eram fantásticas comparadas com o que fui encontrar vinte anos mais tarde".

O hospital militar em Bissau, um modelo na altura, assente num lençol de água, afundara-se até ao ponto de inutilização completa. No Hospital Civil Simão Mendes, albergue próprio de "quinto mundo", as condições indignas facultam pouca assistência aos locais. Cheiro nauseabundo, fezes, urina. Gente prostrada. Enfermarias irrespiráveis...".

Impressionado mas também comovido depois da passagem por Bafatá. Uma consulta de manhã. E qual não é o espanto quando os enfermeiros que com ele trabalharam o reconhecem. "Foi indescritível porque todos se agarraram a mim a pedir por tudo para os trazer para Portugal, porque a vida não se comparava com o outro tempo. Foi um drama ter de os afastar".

O calor da recepção aumenta depois do almoço. Defronte do hospital uma multidão de 4ooo pessoas espera-o com a recordação fresca na fala. "Ainda sabiam o meu nome. Revela até que ponto o pouco que lhes podíamos dar os marcou."

Caro Amigo,

Confesso, como aliás já te disse, que gostei da tua entrevista e do contributo aqui para o blogue, e também te digo que me levantaste as saudades, não da guerra, mas da sã camaradagem que vivemos naquelas terras, dos amigos que lá deixámos e do apuramento de virtudes e de carácter que transformou meninos em homens. (h)

Sabes que eras bastante apreciado pelo pessoal do batalhão e fizeste por merecer esse reconhecimento. Bem hajas.

Um grande abraço para ti e que o nosso Benfica continue em grande (este ano é que é!!!).

O Professor – Doutor Pereira Coelho actualmente.

O Professor – Doutor Pereira Coelho actualmente.

O Alf. Milº Médico, Dr. Pereira Coelho, na Guiné

NOTAS DO EDITOR:

(a) O nosso Batalhão chega a Lisboa a 4 de Abril de 1974.

(b) O Dr. P. Coelho vai para a Guiné no navio Niassa, juntamente com o BART 3873, em 22 de Dezembro de 1971, enquanto o nosso batalhão - BCAÇ3872, partira uns dias antes, em 18 de Dezembro. Contudo, o Alf. Médico vai para Galomaro directamente, chegando à nossa zona de intervenção um mês antes de nós, porque ficámos em IAO no Cumeré.

(c) A zona de actuação do BCAÇ 3872 situava-se no leste da Guiné, com a sede do Batalhão em Galomaro e as companhias sediadas em Cancolim (3489), Dulombi (3491) e Saltinho (3490).

(d) A tabanca era a de Campata, que foi violentamente atacada, mas onde o IN também sofreu bastantes baixas, face à reacção do pelotão de milícias ali instalado.

(e) Tratava-se de um auxiliar de enfermagem de origem local e que dormia na tabanca atacada.

(f) Quartel da sede do batalhão em Galomaro.

(g) De facto uma força de pára-quedistas localizou na área de intervenção da companhia de Cancolim uma força inimiga estimada em cerca de 100 elementos e solicitou ataque aéreo, recuando da zona. O grupo IN terá primeiramente debandado, mas reagrupou-se e terá sido responsável pelo ataque com foguetões a Bafatá. O Sargento que comandava a força terá sido alvo de processo disciplinar por ter evitado o contacto com as forças do PAIGC. O caso foi bastante comentado entre as nossas forças, pois não era habitual que tropas especiais "retirassem" numa situação daquelas!

(h) Era normal, no discurso de regresso à metrópole proferido pelo General António Spínola, ele referir-se ao facto das tropas chegarem ao território ainda meninos e partirem feitos homens. "Chegastes meninos! Partis homens!".

Um grande abraço a todos,
Luís Dias
Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guin é 63/74 - P5731: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (11): Inauguração da mesquita, almadjadja, com a presença do filho do Cherno Rachide e da Júlia Neto (Pepito)





1. Fotos e mensaqem de 28 do corrente, do nosso amigo Pepito (*)

INAUGURAÇÃO DA “MESQUITA” DE GUILEDJE

Também no dia 20 de Janeiro de 2010 foi reconstruída a antiga Almadjadja existente no Quartel de Guiledje (A Almadjadja está para a Mesquita como a Capela está para a Igreja) (*).

Os Homens Grandes e lideres espirituais de Guiledje e de Quebo (Aldeia Formosa) fizeram questão de ter um encontro especial com a Srª Júlia Neto, para lhe manifestarem a sua alegria em a receber no chão que foi do marido e de todos os militares que passaram por estes dois quartéis.

Pepito
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Nota de L.G.:

(`*) Vd, poste anterior, 29 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5726: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (10): A inauguração da capela, em 20 de Janeiro, na presença do embaixador de Portugal (Pepito)

Guiné 63/74 - P5730: Blogues da nossa blogosfera (33): Site da CCAÇ 4740 (Armando Faria)



1. O nosso Camarada-de-armas Armando Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 4740, enviou-nos a seguinte mensagem, convidando-nos a visitar e a assim conhecer o site da sua companhia:

Boa tarde amigos, companheiros/camaradas/irmãos, de outras “aventuras”.

Verifico com agrado, que as dificuldades que um dia todos vivemos e quiçá as alegrias nela encontradas, servem hoje para nos unir em torno, senão mais, pelo menos de uma juventude deixada no tempo de uma vida que se vai aproximando do seu pleno.

Ao procurar, passados que foram mais de trinta e três anos, reencontrar aqueles que comigo andaram por Cufar entre 1972/74, tenho tido a felicidade suprema de ter neste momento reunido a quase totalidade da minha companhia, a CCAÇ 4740, oriunda do BI 17 em Angra do Heroísmo.

Temos criada uma pagina, o Site CCAC4740 - http://www.ccac4740cufar.com/,e nela vamos dando a conhecer a nossa gente àqueles que passaram por Cufar e que, como nós, têm as suas historias e a vontade de se reencontrarem.


É neste espírito que temos vindo a organizar os nossos Encontro Anuais. Em 01 Dezembro de 2007 (em Fátima) realizamos o 1º Encontro, que passou a ser regular nos meses de Junho. Assim, já realizados Encontros em 01-12-2007, 21-06-2008 e 20-06-2009). O próximo será em 19 Junho 2010.

A estes encontros têm estado presentes alguns companheiros da CCAÇ 4740 e de grupos que estiveram aquartelados connosco em Cufar, no mesmo período de Junho de 1972 a Julho de 1974.

Como sabem, por experiência, são estes momentos de muita alegria e de elevada amizade, que só quem como nós sabe o quanto significam tais eventos.

Hoje, porém, apenas vos solicito que dêem a conhecer a nossa página, para que outros se possam juntar e vir a dar corpo, quem sabe um dia, a um grande movimento de antigos combatentes a favor de outras causas que são hoje tão precisas pela nossa querida Guiné.

Um abraço a todos do tamanho do Cumbijã,
Armando Faria
Fur Mil da CCAÇ 4740
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 – P5729: Histórias do Eduardo Campos (7): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 7): Nhacra 2


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a 7ª fracção da história da sua Companhia:

CCAÇ 4540 – 72/74
"SOMOS UM CASO SÉRIO"

PARTE 7

NHACRA 2


Em Nhacra, fomos encontrar os camaradas do Pelotão de Morteiros 4581/72 e os do 3º Pelotão AA da Batª AA 7040, além de dois pelotões de Milícias: o 329 aquartelado em Oco Grande e o 230 aquartelado em Bupe, ambos pertencendo à Companhia de Milícias de Nhacra e que ficaram adidos à CCAÇ 4540.

O IN não possuía dentro da ZA, pessoal suficiente em quadros e grupos que lhe permitisse desenvolver uma actividade dinâmica e poderosa, quer para flagelar e atacar o aquartelamento e o Centro Emissor de Nhacra, quer para emboscar as NT fora do aquartelamento.

No entanto, fomos informados que Nhacra e o Centro Emissor foram flagelados pelo IN duas vezes: a primeira ao tempo da CCAÇ 3326, em Maio de 1972, por um grupo equipado com armas automáticas e RPG-2 e 7, e a segunda em Agosto de 1972, utilizando também um canhão s/r. Em ambos os casos sem qualquer consequência material ou pessoal para as NT.

Sabíamos que o IN andava por ali perto e que atravessava, frequentemente, algumas linhas principais de infiltração, para o interior da nossa ZA a saber: de Choquemone, Infaide, Biambe, pela península de Unche para Iuncume, quando se dirigiam para Nhacra.

As principais prioridades da nossa Companhia eram: a garantia da segurança do Centro Emissor de Nhacra, o itinerário Bissau–Mansoa e, através de intensa actividade (patrulhamentos e reconhecimentos), evitar que o IN se aproximasse de forma a evitar que pudesse atacar a cidade/capital de Bissau, o Aeroporto de Bissalanca, os complexos miltares de Brá e da Sacor, bem como as instalações militares e civis do Cumeré.

Em onze meses de permanência em Nhacra, nunca tivemos contacto com IN, nem as instalações sofreram qualquer ataque.

Os aglomerados populacionais da ZA da nossa Companhia, distribuíam-se por dois regulados: o Regulado de Nhacra com as tabancas de Nhacra (Nhacra, Teda, Sal, Bupe, Sucuto, Incume, Sumo, Nhoma e Cholufe) e o Regulado do Cumeré com as tabancas do Cumeré, Com, Cuntanga, Quide, Birla, Caiana, Som Caramacó, Cola, Nague, Ocozinho, Rucuto e Oco Grande (reordenamento zincado).

A estrutura agrícola existente baseava-se numa economia básica de subsistência, cujos produtos, que ocupavam lugares especiais de relevo, eram o amendoim, o arroz, o milho, a mandioca, o feijão, a cana sacarina e pouco mais.Na pecuária existiam boas condições para a criação de gado, condicionante porém pelo ancestral costume tribal, que considerava o gado como um sinal exterior de respeito e riqueza e não com um factor económico.

Era evidente e manifesto o desagrado em abater, ou mesmo vender, qualquer cabeça de gado, fosse para alimentação ou para outros fins industriais. Em toda aquela zona predominava a etnia Balanta, coexistindo com algumas minorias étnicas que se estabeleceram em chão Balanta, vindas de outras regiões, escorraçadas pela insegurança que a guerra originava, principalmente Fulas, Mandingas e alguns Manjacos.

Os Balantas eram dotados de uma impressionante constituição física, trabalhadores, valentes, enérgicos e com grande força de vontade pela vida, ao que acrescentaria que eram bons agricultores, arrancando da terra os meios de subsistência de que necessitavam, alimentando-se à base de arroz, azeite de palma, milho e mandioca. Além disso, eram polígamos e condenavam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditavam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria as suas desgraças.

Praticavam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim um admirável e enaltecedor sinal que revelava a perícia pessoal, bem com de toda a sua própria tribo. O gado bovino que possuíam destinavam-no às cerimónias de sacrifício, nomeadamente nos seus rituais de acompanhamentos fúnebres (choros).

Os Fulas de um modo geral eram hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.Apesar da influência que o Islamismo tinha entre eles, praticavam ainda o feiticismo e criavam gado, considerado este facto como um sinal de respeito e nobreza.

A acção psicológica desenvolvida pela NT na zona era bastante intensiva, apesar de se constatar em alguns núcleos, certa reserva em relação à mesma, quando não nula, com maior evidência nas tabancas de Sal e Bupe.

As populações tinham apoio médico/sanitário, transporte em viaturas militares, assistência educativa prestada por missões religiosas em várias escolas, um professor militar e vários elementos africanos que estavam adidos à Companhia, sendo também de salientar a assistência religiosa prestada por padres missionários aos domingos.


A Capela dentro do Aquartelamento de Nhacra. Eu (à esquerda) e o Charneca


No posto Rádio, "afogando" as nossas mágoas e saudades (da esquerda para a direita): Cristóvão, Saraiva e Eu


Amigos inesquecíveis (da esquerda para direita): Adriano, Cristóvão, Pinto, Eu e Charneca


Igreja, escola e campo de futebol em Nhacra


Mulher Balanta transportando lenha e as redes das lides da pesca do camarão e lenha


Armas de guerra artesanais em madeira, autênticas obras de arte, capturadas ao IN (serviam-lhes para instrução do seu pessoal), perto do Cumeré


A casa do Administrador em Nhacra

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

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Guiné 63/74 - P5728: Convívios (181): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro, aconteceu no dia 27 de Janeiro de 2010 em Monte Real



1. Quarta-Feira, dia 27 de Janeiro com repetição, para já, uma vez por mês, inaugurou-se a Tertúlia do Centro, concretizando-se o programado previsto para o repasto, que foi servido na Pensão Montanha, em Monte Real, tendo a concentração das tropas iniciado por volta das 12h00.


Feita chamada dos convivas que haviam marcado presença, todos responderam afirmativamente, sendo o pelotão constituído pelos seguintes convivas:

Álvaro Basto
Ana Maria e António Pimentel
António Martins Matos
António Graça de Abreu
Agostinho Gaspar
Américo Pratas
Artur Soares
Antonieta e Belarmino Sardinha
Carlos Neves
Daniel Vieira
Dulce e Luís Rainha
Eduardo Campos
Eduardo Magalhães Ribeiro
Gina e Fernando Marques
Giselda e Miguel Pessoa
Gustavo Santos
Joaquim Mexia Alves
Jorge Canhão
José Eduardo Oliveira e Esposa
José Belo
José Brás
José Carvalho
José Diniz
José Moreira
José Teixeira
Juvenal Amado
Lobo
Manuel Reis
Mendonça
Teresa e Carlos Marques
Vasco da Gama
Vasco Ferreira
Victor Caseiro


É sempre um caso sério descrever, por simples palavras, a animação, a alegria e a camaradagem que estas confraternizações proporcionam aos seus intervenientes.

Melhor que as palavras, porque como bem sempre ouvi dizer que uma fotografia vale mais que mil palavras, juntam-se algumas dos nossos fotógrafos de serviço: Miguel Pessoa, José Eduardo Oliveira (Jero) e Jorge Canhão.
A seguir transcrevem-se 3 mensagens recebidas, entretanto, dos nossos Camaradas Joaquim Mexia Alves, José Eduardo Oliveira (Jero) e Jorge Canhão.

1 - Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

1º ENCONTRO DA TABANCA DO CENTRO

RELATÓRIO DA OPERAÇÃO “COZIDO À PORTUGUESA”



Manhã cedo, aí pelo raiar das 11.15, aterrou em Monte Real a Força Aérea, acompanhada da Enfermagem Especializada em saltos de pára-quedas, prontos para as primeiras instruções sobre a Operação “Cozido à Portuguesa”.

À sua espera, a minha pessoa, “graduada” em Comandante Improvisado, aguardava-os no Palace Hotel Monte Real, onde pernoitaram para o dia seguinte, pois a Operação revelava-se cansativa.Acertados os primeiros pormenores, rumámos para o ponto de encontro, onde esperaríamos pelo resto das forças, para depois prosseguirmos para o teatro de operações.

Qual não é o nosso espanto quando verificámos que numa dedicação total à operação, já alguns camarigos se tinham adiantado, quais batedores/picadores, (até lá estava um das “especiais”), e desbravando terreno, nos receberam com alegria incontida.

Entretanto o resto das forças foram chegando, tais como reforço para a Força Aérea, (que a operação era de vulto), transmissões, enfermeiros, operacionais e outras coisas mais, um homem de Astrolábio e Sextante, e também calculem bem, um enviado julgamos que da Nato, vindo expressamente da Lapónia para ver as forças a actuarem e com elas participar nesta Operação de grande envergadura.

Ansioso por entrar em combate, o pessoal olhava e questionava o Comandante Improvisado, que assobiando para o lado tentava disfarçar, dizendo que o inimigo ainda não estava pronto, que a Operação devia iniciar-se à hora marcada, que ainda faltavam algumas forças importantes para a Operação, e todo o género de desculpas esfarrapadas, que não conseguiam demover as forças presentes de avançar para o objectivo.



Assim decidiu o Comandante Improvisado rumar ao teatro de operações e questionar da possibilidade de se avançar desde logo para o terreno e fazer alguns exercícios degustativos mesmo antes de o inimigo estar pronto para o combate.

Tendo obtido luz verde, correu, (devagarinho que a idade conta), a chamar os operacionais, que muito ordeiramente, ao magote, se dirigiram para o terreno de combate.

Tranquilamente e em silêncio quase absoluto, como é apanágio dos Portugueses, (não se ouvia uma mosca, tal era o barulho), ocuparam as suas posições e cada um deu início aos primeiros exercícios, utilizando para tal uma broa divinal, um pão a sério, azeitonas de rija têmpera e um tinto de se lhe tirar a barretina!

Convém informar que, apoiando-se nas medidas em boa hora tomadas em Portugal de aceitar nas Forças Armadas as Senhoras deste país, algumas delas, convocadas pelo dever pátrio e também para controlarem os copos dos maridos, responderam sim à chamada, abrilhantando assim com graciosidade esta Operação que se poderia revestir de graves riscos para as nossas forças, causados por alguns possíveis excessos.

Chegada a hora aprazada, deu-se a conhecer o inimigo, que se apresentou bem ataviado, nas couves com sabor a campo, na cozedura certa, as batatas sabendo a batata e não a terra, uns nabos bem melhores do que este nabo que escreve, uns enchidos que se percebia nunca terem conhecido plástico de embalagem no vácuo e umas carnes suculentas, recheadas dos seus líquidos próprios e que se desfaziam na boca.

Nesse momento houve algum descontrolo, (perfeitamente aceitável dada a ansiedade de entrar em combate), e mesmo sem esperarem a voz de ataque, todos se atiraram ao inimigo com notável empenho e valentia.

“Dos fracos não reza a história”e ninguém se negava, (com risco da própria barriga), a ir lutando denodadamente tentando esgotar o inimigo, o que se afigurava tarefa assaz difícil, visto que o mesmo ia sendo reforçado em permanência pela Senhora Dona Preciosa e seu apoio logístico, incansáveis nessa missão.

O representante da Nato, (acreditamos que o fosse), vindo da Suécia, ia conversando e tentando inteirar-se deste tipo de combate tão usual no nosso país, e integrando-se totalmente nas forças presentes lutava também ele incansavelmente para chegar á vitória final.

Há derrotas que são vitórias, e humildemente temos que, dizendo a verdade, dar a conhecer a nossa derrota, a nossa capitulação, perante a qualidade e quantidade do inimigo.

De tal forma a batalha foi, que houve alguns que ainda levaram inimigo para casa a fim de prosseguirem o combate, depois de um merecido interregno.Começou então o rescaldo da Operação à volta de uns quantos bafejados pela sorte que ainda tiveram direito a arroz doce, mas não ficando os outros atrás, perante uma mesa ataviada de doces e frutas em qualidade e quantidade.

Começou então também a perceber-se pelo meio das conversas, o nome de um tal Luís Graça, havendo unanimidade no reconhecimento que só era possível agora convocar estas forças para tais Operações devido à sua brilhante ideia de ter fundado e liderar a Tabanca Grande, que é afinal o Quartel-general onde acabam por reportar todas estas forças já disseminadas em boa hora, pelo nosso Portugal.

O tal representante da Nato, (seria ou não?), embalado nesta união de forças e depois de já ter recebido uns vinhos Portugueses para o aquecerem nas longas noites da Lapónia, decidiu brindar o Comandante Improvisado com um “capacete” típico das terras mais a Norte da Suécia, bem como, um artefacto que imitava a “voz” das renas daquelas paragens, que servirão ou não, para fazer o “Cozido à Laponesa”.

Coube então a vez ao Comandante Improvisado de usar da palavra para ler um relatório circunstanciado, em verso, sobre a Tabanca do Centro escrito e trazido por quem veio das planícies alentejanas.

Pediu então que cada um colaborasse nos custos da Operação que se revelaram assustadoramente elevados, 8,50 € por cada combatente, e a Preciosa, (tratemo-la assim carinhosamente), num rasgo de generosidade ainda colocou à disposição das forças, duas garrafas de um líquido amarelado, que segundo diziam teria vindo da Escócia.

Depois desse momento o Comandante Improvisado continuou a falar para acertar agulhas sobre o combate já em momentos finais, e alertar as forças para a necessidade de se traçarem novas Operações, e sobretudo como aproveitar as sinergias, (estava a ver que não utilizava esta palavra!), geradas neste grupo, passando depois a palavra ao homem da água que se queixou amargamente que a picada para a fonte tinha muito mau piso e que precisava de materiais para arranjar a dita cuja.


Como “quem não chora não mama”, logo ali se lhe arranjaram creio que 155,00 €, o que não dando para alcatroar a picada, já dá para a desmatação.Aproveitando a deixa, outro homem da logística veio alertar as forças para a necessidade de ajudar de várias formas o povo irmão da Guiné, pelo que pedia a compreensão das forças presentes.

Estas intervenções levaram o Comandante Improvisado a dizer que, não colocando de lado essas ajudas, este grupo de combatentes reunidos na Tabanca do Centro se deveria preocupar em ajudar os ex-combatentes que nada têm e vivem em dificuldades, o que foi de um modo geral bem aceite, ficando cada um de dar o seu contributo em ideias para melhor se colocar em prática tal acção.

Perante o dever cumprido, e bem cumprido, e dada a ordem de desmobilização, o pessoal começou a retirar em boa ordem, não deixando nunca de gabar a qualidade e quantidade do inimigo que se apresentou a combate.

Outras Operações irão ser agendadas e em tempo será dado conhecimento aos denodados combatentes.
Monte Real, 29 de Janeiro de 2010

O Comandante Improvisado,
Joaquim Mexia Alves



2. Mensagem do José Eduardo Oliveira (Jero):

Camaradas,

Gostei muito do convívio e de conhecer alguns camaradas.

Não deu para falar com todos mas sinto que estou mais dentro do blogue depois desta tarde de Monte Real.

Seguem algumas fotos.

Abração,
JERO


3. Mensagem do Jorge Canhão:

Camaradas,

O encontro foi muito bom, mas apesar do cozido estar excelente o melhor, para mim, foi o convívio e, especialmente, ter conhecimento directo do que antigos combatentes, numa terra então desconhecida, estão a fazer por amor a um povo que em tempos foi o "deles".

Parabéns para a Tabanca Mãe pelo que tem andado a fazer pelos ex-Combatentes da Guiné, e por ser mãe de várias “tabanquinhas”.Parabéns para a Tabanca de Matosinhos pelo trabalho excelente que tem andado a fazer (há quem faça blá... blá... ), vocês fazem na prática o que outros tinham obrigação de fazer.

Parabéns para a Tabanca da Lapónia.

Parabéns para a Tabanca dos Melros.

Parabéns para a bebé.

Tabanca do Centro.

Abraços a todos,
Jorge Canhão


Fotos e legendas: © Miguel Pessoa, José Eduardo Oliveira (Jero) e Jorge Canhão (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: