quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7794: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (64): Na Kontra Ka Kontra: 28.º episódio




1. Vigésimo oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 15 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


28º EPISÓDIO

Continuam a andar pela mata, pouco densa nessa zona, calcando o capim que já atingia quase um metro de altura. O Samba ao lado do Alferes nada dizia, continuando de olhos baixos.

- Samba, se eu me divorciasse da Asmau estavas na disposição de casar com ela?

Nesta altura, pela primeira vez, o milícia levanta a cabeça e encara o Alferes. Admite que a Asmau ainda pode ser sua.

- Mas meu “Alfero” não tenho “patacão” que chegue para dar ao pai dela.

- Já falei sobre isso com o Adramane e podes crer que de alguma forma se há-de resolver o nosso assunto. Vou pensar bem sobre isso e depois tornamos a falar.

O nosso Alferes estava decidido a resolver a situação. Chegado do patrulhamento, tomou outro banho, almoçou com os seus homens e “dormiu” o que pensava ser a última sesta com a Asmau.

À noite no “bentem” conversou com todo o pessoal mas sobretudo com o João, tendo com ele sido abordada a questão do divórcio.

Acabou por ir dormir e, como é costume dizer-se, dormir com um problema debaixo do travesseiro é meio caminho andado para o resolver.

Mais uma vez dormiu ao lado da sua mulher sem nada acontecer. Desta vez pesava o problema que de momento o afligia. Por um lado queria divorciar-se da Asmau, “passando-a” ao Samba, por outro não queria perder muito dinheiro com a “transacção”.

Deitado ia pensando no problema. Por mais que o tentasse resolver de outra maneira acabava sempre por chegar à mesma conclusão. Achando que teria que ser assim, acabou por adormecer ao lado da mulher africana mais espectacular da Guiné.

Acordou cedo, como era costume quando andava preocupado. Foi tomar o seu banho e dirigiu-se à mesa de refeições para tomar o pequeno almoço. Só estava presente o “legionário” que começava a preparar as coisas para o “café” do resto da tropa. O Alferes apenas saudou o cozinheiro com um bom dia. Não estava para grandes falas e o “legionário”, que estava mais ou menos a par da situação, respeitou o laconismo do seu chefe.

Passado pouco tempo o pessoal tinha tomado o pequeno almoço e estava reunido para se ir fazer o patrulhamento dessa manhã. Todos já sabiam quem desta vez ia. Os que iam num dia não iam no seguinte. Dos presentes fazia parte o Samba, apesar de no dia anterior ter participado. O Alferes sabia muito bem o porquê da sua presença. Quereria saber se o Alferes já tinha algo a dizer-lhe que lhe possibilitasse o juntar-se com a Asmau. Para não haver equívocos o Alferes dirige-se-lhe:

- Samba, como sabes, hoje não vais na coluna. Sobre a nossa conversa, podes ter a certeza que ainda hoje falo contigo e tudo se há-de resolver pelo melhor. Podes ir.

O nosso Alferes já sabia como ia resolver o assunto mas queria assentar bem as ideias. Além de não querer falhar em algum procedimento, não queria, acima de tudo, que algum dos intervenientes saísse “ferido”.

Foram fazer o patrulhamento. Os guerrilheiros ainda não tinham andado por aquelas bandas. O capim era agora um óptimo indicativo da presença humana. A uns três quilómetros de Madina Xaquili, ao passarem junto da picada para Padada no local onde esta cruzava uma linha de água, o alferes verifica que ali seria um óptimo local para montar uma emboscada se se viessem a notar intenções de aproximação por parte do PAIGC. Era um local em que, a partir de uma zona arborizada e protegida, se podia “varrer” uma larga área do outro lado da linha de água. Podia ter-se perfeitamente debaixo de fogo um “bigrupo” inteiro, embora se soubesse que eram mandados à frente um ou dois elementos incaracterizados com funções de reconhecimento.

Regressaram à hora de almoço sem terem, mais uma vez, detectado quaisquer vestígios. Todo o pessoal se sentia aliviado com isso. Depois de almoço o nosso Alferes não vai dormir a sesta. A Asmau já não o motivava como antes e também queria trocar algumas impressões com o Furriel. Fica pois à conversa com ele à medida que iam esgotando o resto de uma garrafa de bagaceira e fumando mais que o costume, sobretudo o Alferes.

Estavam assim os dois graduados, descontraídos, quando para os lados de Padada, onde se situavam as sentinelas metidas na mata, se ouve um tiro aparentemente de arma automática.

Conforme as instruções que havia e que envolviam toda a população da tabanca, um dos militares foi percutir uma velha jante de viatura que se tinha pendurado numa árvore. Era o sinal de alarme para todos o pessoal ir para os abrigos que lhe estavam destinados. Como já havia abrigo para a população civil, aí se reuniram todas as mulheres, crianças e os poucos homens que não pertenciam à milícia. Deve aqui referir-se que a jante, neste caso, desempenhava as funções do “Grande Tambor” existente em quase todas as tabancas ou o característico tronco oco utilizado pelos balantas, maior que os utilizados nos batuques e por isso de som cavo. Todos eles eram tocados sempre que, por motivo importante, era necessário reunir toda a população.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7787: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (63): Na Kontra Ka Kontra: 27.º episódio

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (17): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (17)

AQUELE MANHAU

Relembrar um pouco para o outro lado, como disse a cronologia das datas foi-se, mas como é fácil de perceber a nossa área territorial era muito grande e eu tentei e vou tentando falar, por sectores.

Manhau a Canjambari com passagem por Mantida, fez-nos andar muitos e muitos quilómetros, é uma zona diferente de Morés na vegetação, e como estava ocupada na altura pelo IN, muita população, mas Casa de Mato com muita força, só Uália.

Mantida > JAN1972 > Furs Mil Carlos Vinhal e Rui Sousa da CART 2732 (segundo e quarto a partir da esquerda) com camaradas da 27.ª CComandos.

Fomos muitas vezes até Gendo Canjambari, saía-se de Manhau ainda tínhamos lá o destacamento, como sempre de noite tentando evitar as zonas habitadas passando por elas no regresso. Uma noite saímos com destino a Canjambari, era muito longe, chegámos ao amanhecer e passamos lá o dia, andando à procura... à procura, era um terreno relativamente aberto, de quando em quando uns tiritos, íamos preparados para ficar lá essa noite e ficámos. Acampámos ainda de dia em circulo, cavando-se uns pequenos abrigos, comeu-se o que havia e ficámos quietinhos à espera que anoitecesse. Assim que escureceu, rapidamente e em silencio, fomos ocupar uma zona de grande arvoredo, instalámo-nos o melhor que foi possível, passados uns minutos o lugar onde tínhamos estado foi atacado com uma violência enorme, assim que se aperceberam que não tinham resposta, calaram-se e assim nós passámos mais uma noite da Guiné. No outro dia começámos a regressar e a tentar passar pelas zonas populosas, chegámos já muito tarde a Manhau, com os milícias que andavam connosco carregados de coisas que tinham encontrado, e com alguma população civil, recuperada...

Ida a Uália, cercada por uma bolanha, a qual passamos ainda de noite, entrando por um sítio que os surpreendeu, o fogo foi muito rápido, mas aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido, passado pouco tempo, estavam a bater a zona com morteiros e muito bem regulados, nós fomos para o lado deles, o silêncio impôs-se, voltamos por Gussará, onde encontrámos população civil, recuperámos mais...

Passados uns tempos, uma noite de chuva e nós a caminho de Manhau, um grupo de combate e outro dividido a meio, duas grandes secções, comandadas pelo Alferes Henriques, a quem eu daqui, com todo o respeito, envio um grande abraço e peço, apareça Henriques.

No pequeno abrigo do comando de Manhau, todos molhados, o Comandante de Companhia, o Alferes Henriques, o Alferes Carvalho dos Águias Negras, a fazer de anfitrião, os outro não me lembro, talvez o Alferes Varela, a quem eu igualmente com todo o respeito mando um grande abraço, talvez ainda o Teixeira o Fur Mil Feijão, que com fervor peço que tenha no céu uma vida melhor da que teve na terra, e eu. Vimos os últimos pormenores, o Alferes Henrique não era o nosso comandante de pelotão e como nós íamos à frente, era sempre um momento tenso, disfarçado com algumas brincadeiras. Disse para o Comandante de companhia: - Eu vou à frente mais o meu cabo às ordens, nós olhamos neles (guias) nem que seja a tiro. Diz o Feijão: - Deixa-me ir eu porque eu nunca fui, e estás a querer armar-te em comandante. Era uma companhia disciplinada, Saímos, os soldados colaram-se a nós até porque o escuro com a chuva ainda era maior e era preciso mais cuidados, os primeiros começaram a andar e lá foi o Feijão à frente. Tínhamos andado muito pouco, continuava a chover e dentro das palmeiras ainda era mais escuro se isso fosse possível, passaram para trás porque havia uma palmeira caída ao longo do trilho. Ao passarmos por trás, oiço um grito: - Arame!!! Voei e gritei para se atirarem para o chão. Deu-se uma explosão enorme, muitos gritos, gritos do fundo da alma, levantei-me, orientei-me e comecei a chamar por eles, muitos responderam:  - Estou ferido.

O Feijão gritava: - Quero um médico. - Pus a espingarda a tiracolo, peguei-lhe ao colo e comecei a andar para o lado de Manhau , deixou de gritar e senti o corpo a apagar-se. Passei-o já cadáver a outros e fui à procura de mais, havia muitos feridos e muita gente desorientada devido ao estrondo da explosão, ao escuro e à chuva que continuava. A escuridão era praticamente total. Já dentro do destacamento de Manhau o Capitão estava mais louco do que todos, queria ir só com voluntários, eram todos, Bissau não deixou, voltamos para Mansabá a pé, sempre chovendo. No outro dia veio a ordem para tirar Uália do mapa com a Artilharia.

Hoje consigo dizer que foi uma noite louca, passada muito próximo do Inferno.

Para o lado do Ussado e Cubane fizemos menos operações, mas mesmo assim fizeram-se umas quatro ou cinco, uma delas a nível de Batalhão com muita gente metida, e por uma semana bem contada, com bombardeamentos constantes pela artilharia pesada de Cutia. É impressionante o efeito que causa na floresta o rebentamento daquelas granadas, o que causaram num grupo de palhotas e nos embondeiros em que acertaram.

Resultados, penso que muito poucos, saímos de lá à noite, uma coluna maior do que o normal, porque se levava muitos carregadores, havia prisioneiros e os guias que raramente sabiam alguma coisa. Vinham atrás da minha secção, que já não era uma secção normal, porque a companhia tinha criado o grupo de comandos Os Caveiras, ficando algumas secções muito maiores. Apercebem-se que se passa algo atrás, vão para lá uns quantos, mas aquilo eram todos pesos leves, não estavam a controlar, eu como peso pesado, e com a capacidade de reagir que tinha, parti a coronha da G3, mas pus ordem na situação num instante. A uns fiz o que tinha que fazer e bem, para mim nunca lá devia ter ido, os efeitos da minha intervenção contribuíram para que fosse muito violento no IN, ou pretenso IN.

Encerro mais uma página, não tem termo de encerramento, mas tem muita dor para mim.
Ernesto Duarte
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7785: Memórias de Mansabá (5): Vamos todos cá ver / O quanto custa aqui viver / Nesta terra que é Mansabá... (Rogério Cardoso

Guiné 63/74 - P7792: Estórias cabralianas (65): Os românticos... também mijam (Jorge Cabral)

1. Mensagem do nosso querido camarigo Jorge Cabral, acabado de se reformar das lidas académicas, mas que ainda mantém  a banca de advogado na praça:

Data: 15 de Fevereiro de 2011 15:18

Assunto: Flagrante Delito Mijatório, os Nenúfares de Fá e o Alfero quase afogado


Amigos!

Fala o Luís, no grãozinho de loucura deste Alfero escrevinhador. Grãozinho? É mas é uma seara!

Aí vai "estória"!

Abraços

Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas (65): Flagrante Delito Mijatório, os Nenúfares de Fá e o Alfero quase afogado

 Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé.

Há muito pouco a mostrar. Fá já fora sede de Batalhões e Companhias, mas agora só o seu Pelotão o ocupa e as redondezas dos principais edifícios encontram-se minadas. Dão uma volta e, ao passar por uma ampla vala, que separa o Quartel de cima, do Quartel de baixo, as raparigas reparam que,  naquela vala inundada, cresceram formosos nenúfares.
- Tão bonitos - exclamam. 


Logo o Alfero mergulha. Porém a vala é funda. Perde o pé, escorrega, cai, estrebucha, mas sem nunca largar as aquáticas flores. Valeu-lhe o Preto Turbado, gigante soldado Bijagó, que o consegue agarrar pelo colarinho e o retira salvo da água pantanosa. Batem palmas as Jovens.

Recomposto, encharcado e cheio de lama, o Alfero deposita-lhes no regaço, qual Magriço de outrora, o troféu, pois… os nenúfares.

Beijam-no, sem receio de se sujarem.
- Que romântico! - dizem.

Olhem se fossem rosas, pensa o Alfero. O pior foi o início da visita. Que se lixe, conclui, afinal os românticos também mijam… 

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Nota de L.G.:


Últimos postes da série: 


9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7251: Estórias cabralianas (64): O Avô, o Neto e os Heróis (Jorge Cabral)

(...) Mais um dia. Lá vou eu entalado entre os anafados peitos de uma dama e a gravata de um cavalheiro, que hoje fez greve ao chuveiro. O Metro segue cheio, mas há sempre lugar para mais um. Na Estação do Saldanha, é invadido por uma excursão de meninos, com a Mestra à frente (bem jeitosa, por sinal). São barulhentos os putos… e eis que um, apontando para mim, grita:
– Aquele ali, é da raça do meu Avô, é um Senhor Herói!. (...)


(...) Foi na Guiné que aprendi a contar estórias às Crianças. Comecei lá e nunca mais parei. Ainda ontem conheci uma Menina. Disse-me que tem um gato e eu falei-lhe das minhas duas moscas, uma de cama, coitada, cheia de febre… Em Missirá, na Escola, comecei com a Branca de Neve e os 7 Anões, mas logo desisti. (...)

 26 de Julho de 2010 > > Guiné 63/74 - P6787: Estórias cabralianas (62): À Tesão, Pelotão!... Este é o Alfero Souza, meu amigo (Jorge Cabral)


(...) Com o Pelotão [, o Pel Caç Nat 63,] em Bambadinca, preparando-me para arrancar para o Xime, eis que deparo, com um Gandhi,  de camuflado, que avança para mim com os braços abertos. É o Souza, com "z", meu amigo e camarada de Vendas Novas. (...)


(...) Bruxarias, espiritismos, magias sempre me atraíram. Ainda na Guiné, aconselhado a um jejum de um mês, para poder comunicar com os mortos…, quase morri de fome. Claro que não acredito em tudo, mas admiro o poder de sugestão dos profissionais, embora às vezes me desiludam, como a vidente Zinha, que quando estava a entrar na minha vida passada de monge austríaco, se lembrou do almoço do Pai e interrompendo a sessão, começou a gritar para a filha:
- Maria, vai ver o lume! Não deixes queimar a tomatada do avô! (...)


(...) Caro Luís,
nunca será demais enaltecer o teu blogue,
o qual nos tem permitido, principalmente recordar.


Como tu dizes,
fui um tropa desalinhado,
marginal
e quase sempre provocador,
características que mantive ao longo da vida. (...)

10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6364: Estórias cabralianas (59): Notícias do Ano 2050, quando formos todos UPV e morarmos num Velhil (Jorge Cabral)

(...) Tenho como sabem, uma máquina do tempo, na qual viajo ao passado. Porém hoje a máquina avariou e em vez de recuar os quarenta anos programados, avançou e eis-me aqui no ano de 2050. (...)

(..) Tenho a certeza que os primeiros cabelos brancos do Alfero lhe nasceram nos dias do Patacão.  No final de cada mês, deslocava-se a Bambadinca a fim de levantar o dinheiro para pagar os ordenados aos Militares do Pelotão e aos Milícias. Era o dia do Patacão, ansiado por todos e ainda mais pela multidão de credores, que desde manhã acorria ao Quartel. Usurários, Pré-Sogros e Sogros, Batoteiros Profissionais, Dgilas, Alcoviteiros, Fanatecas, Músicos… havia sempre alguém à espera que o Alfero liquidasse as dívidas dos seus homens. Todos devedores, incluindo o Alfero, que prometera pagar,  em prestações suaves, a conta do Fontória, onde em férias, numa noite, oferecera de beber a todos e terminara na Esquadra da Praça da Alegria. (...)


22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5522: Estórias cabralianas (57): As duas comissões do Alfero... ou a sua dolce vita em Bissau, segundo a Avó Maria e a Menina Júlia (Jorge Cabral) 

(...) A foto do Alfero, fardado de Alferes, no cais do Xime, comprova o que Avó Maria sempre disse. O seu neto Jorge deu-se muito bem na Guiné. Até porque, para ela, nunca saiu de Bissau, que devia ser igual à Lourenço Marques dos anos trinta, quando por lá passou. Essa a razão porque o Alfero, cumpriu simultaneamente duas comissões, uma em Fá e Missirá, outra na capital frequentando os bailes do Governador, os quais descrevia com pormenor em longas cartas, nas quais também falava das eloquentes homilias que ouvira na Sé Catedral. (...) 

(...) Alferes apanhado à mão? Helicópteros e Cavalaria Turra? Há uns dias telefonou-me o nosso Amigo Durães [, da CCS/do BART 2917, Bambadinca, 1970/72]. Estava em Setúbal, com um ex-cabo do Pelotão de Intendência de Bambadinca, o qual lhe jurava que o Alferes Cabral de Missirá havia sido, em 1971, apanhado à mão, quando regressava ao seu Destacamento. (...)

(...) Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma. (...) 


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)


(...) Nem um mês tinha de Guiné e já andava a experimentar todas as mezinhas recomendadas pelo Nanque. Bem, todas não. Nunca bebeu a primeira urina da manhã, remédio infalível para o estômago mas ainda no outro dia o receitou a uma distinta senhora, que calculem, se zangou com ele, por se pensar gozada. (....)


28 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)


(...) Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.- Mas que se passa? – indagou…- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!- Doença do Victor? (...)


22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)

(...) Na Guiné, há mês e meio, mas já em Fá, havia nessa tarde muito calor. O pessoal dormia e toda a gente procurara a aragem possível. Em silêncio, o Quartel repousava… Eu porém, em tronco nu, saíra, a caminho da fonte mais pequena. Resolvera isolar-me, para escrever, calculem, um poema… Lá chegado, ainda nem escolhera um poiso confortável, quando vejo surgir, não sei de onde, um vulto de mulher, apenas com uns panos, caindo da cintura. (...)

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4651. Estórias cabralianas (51): Alfero esfregador entre as balantas (Jorge Cabral)


(...) Tanto nas Tabancas Fulas como nas Mandingas, o Alfero actuava à vontade com as Bajudas, perante a complacência dos Homens e Mulheres Grandes… Aliás não ia além de um acariciar voluptuoso, acompanhado com promessas de encontros no Quartel. Na altura teria merecido o cognome de Apalpador. (...)

Em Novembro de 1969, visitou uma Tabanca Balanta, Bissaque [, a norte de Fá, ], e ficou deslumbrado com a beleza das Bajudas, designadamente peitoral… 



3 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)




(...) - Meu Alferes! Meu Alferes! Já chegou o Senhor Abade! - O cozinheiro Teixeirinha, todo eufórico, gritava, à porta do meu abrigo.
- Abade - pensei comigo - , o Puím?

Magro, simples, humilde, o único Capelão que conheci na Guiné, viera de sintex e, antecipando-se, não esperara por ninguém, entrando no Quartel. Logo após o descanso, a missa foi celebrada, mesmo ao lado da Cantina, no local da Escola. Fiéis, sete, dois comungantes e o Padre, de paramentos verdes. (...)

Guiné 63/74 - P7791: Lições de artilharia para os infantes (2): O artilheiro Doutor, Mansambo, CART 2339, 1968/69 (Torcato Mendonça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça junto ao  obus 10.5, possivelmente de marca Krupp (o do Xime, era), uma temível arma alemã que vinha da II Guerra Mundial...

"O obus é, por excelência, uma boca de fogo especializada em tiro curvo, de longo alcance... Ainda hoje tenho, nos meus ouvidos, o seu temível e incunfundível assobio por cima das nossas cabeças, quando o Xime fazia fogo de apoio às NT, por ocasião de operações à Ponta do Inglês, ao Poidon/Ponta Varela, ao Baio/Buruntoni... O seu alcance era, porém, limitado: 10/12 km, no máximo, tanto quanto me lembro, com uma cadência de dois a quatro tiros por minuto, na melhor das hipóteses ... Não creio, por exemplo, que disparado do Xime conseguisse atingir a Ponta do Inglês, na Foz do Corubal. Ou que os obuses de Mansambo chegassem ao Buruntoni... Mas quem sou eu para falar de artilharia ? Tirei a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria, mas juro que esqueci tudo, mal pus os pés na Guiné, quando fui parar a um companhia africana, que ficaria às ordens do comando do Sector L1 (Bambadinca), isto é, seria pau para toda a obra... É, claro, em vez de canhões sem recuo e morteiros pesados,  deram-me uma G-3"... (LG)


Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

1. Comentário(s) de Torcato Mendonça ao poste P7782 (*):

Eu, artilheiro, confesso o respeito que tenho pela artilharia, o que ela me auxiliou... Era atirador em especialidade dada pelo CAp Art Comando (hoje general) Victor Oliveira, como a maioria dos graduados da minha CART, e comandado primeiro (dois meses) pelo futuro (Dezembro de 1968) Cmdt da Artilharia da Guiné e depois, quase doze meses, por um Capitão de Artilharia e que sabia das artes, guerrilheiras e de obuses, peças, azimutes e cartografia...etc... (...)



Em Mansambo, era Outubro e arribou o nosso terceiro Comandante de Companhia. Alto o capitão, Artilheiro, terceira comissão, saberes de outras paragens, conversa fácil. O local era inóspito e ele dois meses depois abalou.

Ainda fez a transição com o outro Capitão, terceira comissão, Artilheiro, baixo, voz de reserva. Este , como era Dezembro, os estragos da invernia tinham passado ficou. Ficou até ao fim, onze meses. É Obra.

Como bom profissional recebeu um dia uma encomenda do anterior: 2 obuses 10.5, um alferes, dois furriéis e a guarnição constituída por soldados da Guiné. Curiosamente um deles tinha, como nome de baptismo Doutor - Artilheiro Doutor.


Eram bons e, com as dicas do Capitão Artilheiro conseguiu-se bom trabalho. O IN não gostava do "material". Nós usávamos e abusávamos. Caíamos numa emboscada e zás: Quebec e o número x, y ou z;... aí vem ameixa... vinham visitar-nos ao aquartelamento e toma lá "ameixa" de 10.5,...O alferes: Quebec....gritava a Convenção...tão alto gritou que o IN ao arame não voltou...

Tinha o contra de partir os vidros que protegiam a chama do frigorífico...

Nem tudo é bom...Ali, em Mansambo, dava bem um 14 ou uma 11,4... é só ver a Carta...Candamã, Moricanhe,Galoiel e mais uns eteceteras....para um dia [... agora a febre voltou...chata].


Torcato Mendonça
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Nota de L.G.:


(*) Poste anterior desta série > 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7782: Lições de artilharia para os infantes (1): Como era feito o tiro de obus 14 (C. Martins, ex-Alf Mil, Pel Art, Gamadael)

Guiné 63/74 - P7790: Agenda cultural (109): Lançamento hoje, às 15h00, em Oeiras, o livro Kinda e outras histórias de uma guerra esquecida, de Carlos Acabado, colecção "Fim do Império"



Kinda e outras histórias de uma guerra esquecida,  do major piloto-aviador Carlos Acabado, tem a chancela da  DG Edições. Está previsto para hoje, às 15h00, o seu lançamento. O convite chegou-nos muito em cima da hora. Limitamo-nos a dar aqui a notícia, desejando ao seu autor o merecido sucesso para a obra sobre a qual, infelizmente, não temos qualquer sinopse.

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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 15 de Fevereiro de 2011 >  Guiné 63/74 - P7788: Agenda cultural (108): Lançamento de 2 novos livros da única editora privada guineense, a Ku Si Mon, hoje, às 18h, no Centro Cultural Brasil, em Bissau

Guiné 63/74 - P7789: Portugalidade(s) (4): Os nossos mútuos estereótipos lusófonos (Cherno Baldé / Antº Rosinha)

1. Comentário de Cherno Baldé e de António Rosinha, de 14 do corrente, ao poste P7769:


(i) Cherno Baldé [, foto à esquerda, enquanto estudante, Kiev, Ucrânia, 1989]:



Caro Mais velho Rosinha,

Há muito tempo que a gente não discutia, não é verdade? Ultimamente não tenho acompanhado com regularidade o Blogue.

Na minha opinião, todas as utopias são descomunais e nascem e crescem e morrem sem serem absorvidas ou compreendidas pelo povo a quem se destinam pois não é dado a todos enveredar pela senda dos percursores.

Certamente o povo português absorveu e compreendeu a utopia dos Afonso Henriques e outros logo no inicio da aventura do que viria a ser "as grandes descobertas das terras dos outros".


Um abraço amigo,


Cherno Baldé


(ii) António Rosinha[, Fur Mil, Angola, 1961]:

Amigo Cherno, para já é um prazer saber que ainda aí estás (há tanto tempo!)...

Agora vou dizer-te a primeira impressão que tive quando com 18 anos cheguei a Luanda (África) em 1957.
Fiquei com a ideia que os luandenses de todas as cores conheciam melhor Portugal e todos os portugueses desde o Minho ao Funchal, do que eu, que nunca tinha saído da minha parvalheira.

Isto em 1957, e mais tarde em Bissau no tempo de Luís Cabral e de Nino, confirmei que os guineenses detinham a mesma perspicácia sobre o tuga, que os luandenses.

E hoje chego à conclusão que aprendi com os guineenses, brasileiros, caboverdeanos e angolanos a olhar para Portugal e portugas, tugas, caputos, cabeças de porco, etc. etc.


Nem fazes ideia de quantos amigos e colegas porreiríssimos que deixei no Brasil, Luanda, e Bissau.

E, tal como em Portugal, é difícil encontrar nessas terras políticos que respeitem o povo. E foi nessas terras que ouvi que em Portugal não nos sabemos governar, como é que queriamos governar outros?

E Amilcar tambem escreveu mais ou menos isso, e era uma das justificações dele para fazer a guerra da independência. Mas guerra sem armas tinha sido a verdadeira utopia posta em prática, como aconteceu em Caboverde.

Ouvi isto a um angolano na RTP no 4 de Fevereiro,  50º aniversário da revolução de Luanda. O angolano que disse isso foi o escritor Agualusa.


Um abraço e não desapareças por tanto tempo.

Antº Rosinha

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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 8 de Janeiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7574: Portugalidade(s) (3): Salut le copain Vasco!...

Guiné 63/74 - P7788: Agenda cultural (108): Lançamento de 2 novos livros da única editora privada guineense, a Ku Si Mon, hoje, às 18h, no Centro Cultural Brasil, em Bissau




 "O mito funda uma clareza feliz: as coisas parecem significar elas mesmas" (Roland Barthes, 1915 - 1980)


1. Material informativo que nos nos chegou através dos nosso amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau:


1.1. Quem a é editora ?

Segundo informação da própria organização, a Ku Si Mon é "a primeira e a única editora privada guineense". Foi criada em Bissau em 1994, "a seguir à liberalização política e à instauração do multipartidarismo".

Os seus principais domínios de intervenção são: (i)  a literatura (romances, contos, ensaios), (ii) a  tradição oral (recolhas de contos, provérbios, adivinhas) e (iii) a linguística (dicionários analógicos bilingues).

A Ku Si Mon publica textos em português e edições bilingues criol-francês e criol-português. Tem também tem patrocinado, ocasionalmente,  eventos artísticos (exposições).

"A  editora funciona através do trabalho não remunerado dos seus membros, que executam  todas as fases da edição prévias à impressão. As despesas de funcionamento são igualmente suportadas pelos seus membros, que aplicam as receitas na edição de novos títulos".

Nos quatro primeiros anos da sua existência, Ku Si Mon Editora publicou cerca de uma vintena de títulos. Durante a guerra de 1998-99 a sua sede foi bombardeada, tendo perdido boa parte do seu património. Em 2003, a editora retomou os seus trabalhos com a publicação do livro Contos da Cor do  Tempo, uma colecção de doze contos, editada especialmente para celebrar os seus 10 anos de existência.

Ku Si Mon Editora é membro fundador da “Aliança Internacional dos Editores Independentes”, uma associação internacional que congrega 75 editores de 42 países, sedeada em Paris.

1.2. Novos livros

Contos do Mar sem Fim
Antologia de contos de Angola, Brasil e Guiné-Bissau

Esta publicação é o resultado de um trabalho de vários anos desenvolvido por três editoras privadas de Angola (Chá de Caxinde), do Brasil (Pallas Editora)  e da Guiné-Bissau (Ku Si Mon Editora), no âmbito da colaboração estabelecida no seio da Rede Lusófona da “Aliança dos Editores Independentes”.

A obra, dividida em três partes, apresenta textos produzidos por contistas destes três países, num total de dezasseis contos. Nas palavras da Profª Laura C. Padilha, “…no plano do discurso e do paisagismo por ele criado, os contos viram cantos e, com eles, nos abrimos para a incrível festa de uma leitura, acima de tudo, prazerosa. Tal se justifica pelo facto de que, pelas malhas dos textos, se cria uma espécie de roda na qual ouvimos e vemos vozes e passos de homens e mulheres para os quais, sejam eles angolanos, guineenses ou  brasileiros, o importante, como ensinou Agostinho Neto, é saber que, para além dos caminhos o mar, é preciso buscar o caminho das estrelas.” (Sinopse do editor)


A Estátua Perdida 

 Raul Mendes Fernandes

Peça de teatro em cinco actos, esta obra nasceu “um dia em Bubaque a partir  de uma notícia sobre o desaparecimento de uma outra estátua em Bolama… Ela foi por aí, encontrou-se com outras um pouco perdidas nas nuvens e fundiu-se numa outra que se revoltou contra a sua sorte. Ela tornou-se  insurrecta e como não tinha muitos meios para enfrentar os seus opressores,  escolheu a fuga”. R.M.F. (Sinopse do editor).

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Contactos:

Ku Si Mon Editora - Rua José Carlos Schwarz, Edifício SITEC; Caixa Postal 268 – Bairro d’Ajuda - Bissau.

Telef (PBX): (+245) 660 5565 ; 721 2229; Email: kusimon@eguitel.com; Web: www.guine-bissau.net/kusimon
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7787: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (63): Na Kontra Ka Kontra: 27.º episódio




1. Vigésimo sétimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 14 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


27º EPISÓDIO

Praticamente o Alferes e a sua mulher só se encontram na cama. Será pouco para um relacionamento saudável.

Aos poucos começa a haver desinteresse mútuo na cama. Parece repetir-se o que se tinha passando com o João Sanhá e a sua primeira mulher Kadidja, pois o João só comia a comida feita pela outra mulher, a Mariama.

Os dias vão passando e o desinteresse de um pelo outro acentua-se. Ao fim e ao cabo tudo o que aconteceu talvez não passasse de uma fantasia do Alferes Magalhães que, depois de realizada, nada mais interessava.

Passou um mês do dia do casamento. A situação estava a tornar-se insustentável e o nosso Alferes começa a pensar como há-de sair da situação em que se tinha metido. Tinha agora plena consciência dos problemas que se podem criar com a diferença de culturas. Também aprendeu que o amor não se pode reduzir à cama.

Apesar de o Alferes Magalhães ter os patrulhamentos diários que lhe ocupam muito do seu tempo e até certo ponto o distraem, não deixa de pensar na sua situação de vida com a Asmau e na forma de a resolver. Como tem o Furriel que lhe resolve quase todos os problemas de comando, tem mais tempo para conversar com o João e o resto da população da tabanca.

Os autênticos concertos de kora dados pelo Braima, à noite, no “bentem”, ajudam à distracção de todos e especialmente do Alferes. Mas tudo isso não basta, o seu grande problema actual mantém-se.

Foi nessas conversas nocturnas que vem a saber que o milícia Samba não se importaria de ficar com a Asmau se o Alferes se divorciasse. Subsistia porém o problema de o Samba não ter dinheiro para a “transacção”.

Poderia haver um divórcio formal, passando pelo pai da Asmau em que este devolveria o dote ao casal, em partes iguais, ou o Samba poderia entender-se com o Alferes sobre o pagamento que lhe teria que fazer para ficar com a Asmau.

O Alferes fala com o Adramane e ambos concordam em que não haveria divórcio formal, ficando o Alferes com a liberdade de “negociar” com o Samba.

No patrulhamento do dia seguinte saem, como costume em fila indiana, afastados uns dos outros seis ou sete metros, conforme as instruções do Alferes, seguindo atrás deste o seu “ordenança” o Dionildo. Logo ao entrar na mata o Alferes dirige-se ao Dionildo:

- Desta vez quero que troques a tua posição com o Samba. Vais lá à frente e diz-lhe para ele vir para aqui.

- F… meu Alferes, fui despromovido?

- Não penses que te livras assim de mim. Só quero conversar com o Samba e depois volta tudo ao mesmo.

Depressa a ordem foi cumprida. Quando o Samba ia a passar pelo Alferes para se posicionar à distância combinada, este diz-lhe para se colocar a seu lado pois queria conversar com ele. Continuando a andar ao lado do Alferes o Samba não tira os olhos do chão. Em voz baixa como a dupla situação exigia, o Alferes vai-o pondo à vontade falando de algumas banalidades e de seguida passa a abordar o assunto que diz respeito aos dois.

- Samba, podes crer que ao chegar aqui a Madina Xaquili, se soubesse que tu gostavas da Asmau e só não tinhas casado com ela por não teres dinheiro para dar ao seu pai, eu não teria feito o que fiz. Gostei muito da Asmau, mas agora as coisas já não estão a correr bem entre nós.

Continuam a andar pela mata, pouco densa nessa zona, calcando o capim que já atingia quase um metro de altura. O Samba ao lado do Alferes nada dizia, continuando de olhos baixos.

- Samba, se eu me divorciasse da Asmau estavas na disposição de casar com ela?

Nesta altura, pela primeira vez, o milícia levanta a cabeça e encara o Alferes. Admite que a Asmau ainda pode ser sua.

- Mas meu “Alfero” não tenho “patacão” que chegue para dar ao pai dela.

- Já falei sobre isso com o Adramane e podes crer que de alguma forma se há-de resolver o nosso assunto. Vou pensar bem sobre isso e depois tornamos a falar.

O nosso Alferes estava decidido a resolver a situação. Chegado do patrulhamento, tomou outro banho, almoçou com os seus homens e “dormiu” o que pensava ser a última sesta com a Asmau.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7779: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (62): Na Kontra Ka Kontra: 26.º episódio

Guiné 63/74 - P7786: Os nossos seres, saberes e lazeres (29): Na China, com o meu portátil, para poder estar em dois mundos (António Graça de Abreu)










No passado dia 2 de Fevereiro, o nosso camarigo António Graça de Abreu mandou-nos uma cartão, com animação, anunciando o novo ano chinês... Chun Jie Hao, Xin Nian Hao, Bom ano do coelho...

O Novo Ano Chinês começou no dia 3 de Fevereiro. O Ano do Coelho  define-se por articulação, ambição, controle, afeição, cooperação, amizade e sentimento... O Coelho é o 4º signo do zodíaco chinês... Reproduzimos acima os 4 diapositivos que fazia parte do cartão remetido pelo António... Desconheço a sua autoria...  Ao nosso António e família desejamos boa viagam (pela China) e um bom ano do coelho...(LG),. . amizade




 1. Mensagem do nosso camarigo António Graça de Abreu, de partida para a China:

Data: 10 de Fevereiro de 2011 22:02

Assunto: Blogue na China

Vou amanhã para Xangai, só regresso a 22 de Março.
Na China não há blogues, é tudo cortado. Mas eu levo o portátil, e espero estar em dois mundos.

Há ano e meio, meu caro Carlos, enviaste-me como mails os textos do blogue.
Se for possivel repetir, agradeço muito . Se não, vocês também têm mais que fazer do que preocuparem-se com este Abreu sínico.

Adeus, até ao meu regresso, da China.

Abraço, amigo

António Graça de Abreu


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Nota de L.G.:

Último poste da série > 27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7513: Os nossos seres, saberes e lazeres (28): Banco de Crachás e Guiões (António Costa)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7785: Memórias de Mansabá (16): Vamos todos cá ver / O quanto custa aqui viver / Nesta terra que é Mansabá... (Rogério Cardoso)

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (16)

CANCIONEIRO

1. Comentário de Rogério Cardoso  (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66, foto à direita), inserido no poste P7767 (*)

Caro amigo Ernesto [Duarte]:

O que contas fez-me voltar atrás no tempo, 1964/65. Eu pertencia aos ÁGUIAS NEGRAS, estacionados em Mansabá,  CArt 642 e 644, Bissorã,  CArt 643. Conheci bem todos esses locais, inclusive o célebre Morés, essas locais foram calcorreados pela nossa malta.

Eu também senti a chamada sorte ou talvez um pouco mais, fui atingido por uma granada Pancerovka de 120 m/m, que bateu na minha perna e não rebentou.

A respeito de Mansabá, um camarada nosso adaptou um poema à musica La Mamma, cantada na altura por Charles Aznavour. É que a sede do Batalhão [, BART  645,]  estava em Mansoa e quando porventura por lá "poisávamos", a malta era sempre tramada.

Vista aérea de Mansabá

VENHAM TODOS VENHAM CÁ VER
O QUANTO CUSTA AQUI VIVER
NESTA TERRA QUE É MANSABÁ.


UMA VIDA DE COMOÇÕES,
CONSTANTEMENTE EM OPERAÇOES,
SEM TERMOS ACOMODAÇÕES,
COMO TE ADORO, Ó MANSABÁ!


SÓS NA CASERNA SEM NINGUÉM,
COM UM CINEMA DE ANO A ANO,
CHEIOS DE SAUDADE DE ALGUÉM,
Ó MANSABÁ DA MINHA ALMA!


QUANDO QUEREMOS O CORREIO,
NUNCA APARECE UM AVIÃO,
MAS SURGEM LOGO TRÊS OU QUATRO
PARA FAZER UMA OPERAÇÃO.


E QUANDO ALGUÉM,  PARA DESCANSAR,
VAI A MANSOA, SÓ POR ISSO
DIZEM-LHE LOGO, AO CHEGAR,
QUE AMANHÃ ENTRAS DE SERVIÇO.


Ó MANSABÁ E BISSORÃ!,
O TEU DESCANSO NÃO TEM IGUAL,
FAZ REVIVER OS CORAÇÕES,


E PARA PREOCUPAÇÕES,
PREFERIMOS AS OPERAÇÕES,
MAS JAMAIS, JAMAIS, JAMAIS,
SEDE DE BATALHÕES!!!!

Um abraço
Rogerio Cardoso
CART 643 "Águias Negras"

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Nota de LG:

13 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7773: Memórias de Mansabá (4): A construção dos destacamentos de Banjara e K3 (Ernesto Duarte)

Guiné 63/74 - P7784: Em marcha, a ideia de um próximo encontro da malta que passou por Bedanda (António Teixeira)

1. Dois comentários do António Teixeira [, foto à esquerda], inseridos no poste P7778 (*)

(i) Caro [José] Figueiral:

Vamos a notícias. Este fim de semana tive aqui em casa a companhia da família [Pinto de ] Carvalho. Como te disse as nossas famílias ficaram muito unidas e é com frequência que nos visitamos.



Ele, que está a par destes acontecimentos, referiu-me que já falou pessoalmente com o Dr. Nuno, com o Dino e com o Luis Nicolau (era o cabo que tratava do correio). Todos eles confirmaram a vontade no nosso encontro. Vai tentar entrar em contacto com o Capitão que te substitui, o Gastão Silva, que parece que está no Algarve.


Também enviei um mail ao Cap [Carlos] Ayala Botto e ele teve a gentileza (eu não o conheci) de me enviar o mesmo mail que te enviou.


Quanto ao Baltazar, parece que vai ser possível. O Vasco [Santos] já esteve com ele há uns tempos e parece que tem o telemóvel dele. Vamos esperar.


E já agora quanto à memória, nunca esqyeceria aquela noitada, pois foi a minha primeira acção militar. E até teve piada.


Quanto às batatas, como me lembro, assim como o sabor do vinho que nos enviavam, daqueles ovos com sabor a químicos e da bianda e marmelada quando já não havia mais nada.

Um grande abraço, companheiro
[António Teixeira]

(ii) Caro Rui [Santos]:

Foi com imenso prazer que li e reli o seu comentário, sobretudo porque temos mais um Bedandense entre nós. Melhor, o Rui é que encontru mais Bedandenses pois pelos vistos está há mais tempo aqui no Blog do que nós.



E é também com muito prazer que lhe comunico que está em marcha a realização de um encontro de Bedandenses, e claro está, contamos consigo. Nesta fase, estamos a tentar encontrar mais pessoal para engrossar o grupo (que já não é pequeno).


Quanto ao seu comentário em que faz a descrição da Bedanda do seu tempo, creio eu que pouco mudou para o quando lá etivemos. A Companhia lá em cima, com o Capitão e mais 4 Alferes (um deles destacado no "Pelotão"), a casa do chefe de posto, etc. Nós tinhamos felizmente mais um alferes médico e outro alferes artilheiro. Mesmo a sua descrição do Pelotão foi minunciosa e eu quase que me vi lá.


Quanto á operação representadas nas fotografias, tratava-se de uma operação de rotina executada todos os meses. Limitava-se ao patrulhamento das margens do rio para a passajem do comboio fluvial, já ele de si patrulhado por 2 LDM  (ou LDP  ?) e alguns sintex dos Fuzileiros e também com proteção aérea dos Dakotas. Assim, até dava para levar a máquina fotográfica (Tenho quase a certeza absoluta de que nunca houve problemas nestes patrulhamentos, pelo menos durante o meu tempo. Quanto ás outras operações, essas já eram bem mais complicadas e por várias vezes tivemos "embrulhanços", isto para não falar dos ataques ao aquartelamento que eram habituais).


Quando referi a noitada passada no rio Ungariuol para controle das canoas junto ao Nhai, realmente há um erro aqui. Não se tratava do Ungariuol, mas sim de um outro afluente do Cumbijã (se é que realmente se pode chamar aquilo afluente). Referi Nhai, mas é preciso ter em conta que nós consideravamos 2 Nhais: o Nhai Grande e o Nhai Pequeno, e eu referia-me a este, que ficava um pouco acima de Incala.

Quanto a fotos, ainda tenho por aqui bastantes, que irei postando com o tempo. Como disse noutro lado, tive a sorte de herdar do Furriel Vago Mestre um laboratório de fotografia que ficava nas traseiras do posto médico e que foi responsável pela minha paixão pela fotografia.



Muito mais havia a falar, mas ficará para outra oportunidade. Para já fica a grande alegria de encontrar um novo amigo. Daqui lhe envio um grande abraço e com ele segue a minha amizade.

António Teixeira


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Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7778: Memória dos lugares (139): Bedanda no meu tempo (Rui Santos, ex-Alf Mil, Op Esp, 4ª CCAÇ, 1963/65)

Guiné 63/74 - P7783: Ser solidário (102): Sementes e água potável - Um projecto inovador (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), membro da Direcção da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau (ONGD), com data de 13 de Fevereiro de 2011:

Caros editores.
Com votos de bom domingo, junto um texto sobre o Projecto em desenvolvimento pela Tabanca Pequena em parceria com a AD de Sementes e água potável para a Guiné-Bissau.
Se entenderem que pode ser publicado no Blogue eu agradeço.

Fraterno abraço do Zé Teixeira


SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL – UM PROJETO INOVADOR

É sim, um projeto inovador e exemplo a seguir, conforme me disse ainda esta semana o Pepito, Diretor geral da AD, a nossa parceira que gere o projeto da captação de água por administração direta no terreno e o complementa na dinamização e formação dos habitantes para rentabilizar melhor os recursos que a água proporciona.
Porque é inovador?
Os grandes projetos são dirigidos para os médios e altos centros populacionais, esquecendo o interior, aqueles que pela sua pequena dimensão e isolamento não têm voz. Tendencialmente os moradores do interior sonham em ir viver para os grandes centros à procura do maná que nunca lhes chegará às mãos. Perdem assim a sua identidade. Os que ficam resignam-se a viver com falta de meios.

Quando a Tabanca Pequena iniciou o Projecto Sementes e Água Potável para a Guiné-Bissau, potenciou uma nova e desafiante experiência - levar a água potável até às mais pequenas e mais recônditas Tabancas da Guiné. Terras por onde nunca passara até então a mais pequena réstia de progresso, a não ser alguns jeeps com curiosos turistas, ou os “toca toca”, o transporte público, qual convite ao abandono da terra e “fuga” para os grandes centros urbanos à procura do maná, tão propagandeado pelos “mass media”.

Começamos por Amindara, bem no centro da Mata do Cantanhez. A água, iam-na buscar a três quilómetros de distância. Manhã cedo, as crianças trocavam a sacola dos livros pela bacia de plástico e partiam para a mata à busca do precioso líquido.
Para surpresa dos adultos e gáudio da criançada, apareceram na tabanca uns indivíduos de fora da terra. Falavam outra linguagem, mais usada lá para o Norte, mas logo se entenderam.
Ali, mesmo no centro da tabanca havia água e eles iam-na trazer até à Mas como ?
Era preciso escavar. Escavar bem fundo. Mulheres e homens da terra, foram rapidamente conquistados para o projeto. O seu sonho tão antigo ia tornar-se realidade.
As crianças expectantes, de olhos arregalados, nem queriam acreditar.
A dezoito metros de profundidade surgiu o ouro líquido tão desejado e tudo na tabanca mudou.
A água era fresca e límpida. Mais que isso, era potável, e, estava ali. Mesmo ali à porta de casa. Nem dava para acreditar.

Para maior estranheza dos habitantes, a água começou a aparecer à superfície, na boca da mangueira, pela arte mágica do Sol, que despejava a sua energia num espelho colocado no topo de um mastro ali colocado pelos artistas vindos de Bissau. Transformada em força motriz, a energia do Sol alimentava a bomba que disponibilizava a água, sem o mais pequeno esforço das pessoas. Milagre da Natureza e da capacidade criativa do homem.

Quando o sol se ia embora, a água quedava-se pelo fundo do poço, até a manhã do dia seguinte. Situação que foi resolvida com a colocação de um depósito de 4.000 litros que garante água para as necessidades, até que o Sol e volte.

A água fonte da vida em todos os sentidos despoletou nas gentes da Amindara, forças até então desconhecidas.
Uma onda de felicidade atravessou a tabanca, uniu as pessoas e gerou nelas um sentimento de capacidade. Espelharam essa força na limpeza e higiene pessoal, sobretudo nas crianças. Na limpeza e ordenamento da tabanca. Nas roupas que usam. Na alegria que transmitem.

Já é possível educar, as crianças a lavarem as mãos antes de tomarem a refeição. Quantas doenças não se vão evitar nestes gestos tão simples!
Já é possível beber água com a garantia de salubridade. Quantas mortes por diarreias e doenças intestinais se vão evitar?

Ainda não há escola, mas as crianças talvez já tenham tempo disponível para irem para frequentarem a escola da Tabanca vizinha.

Com água por perto foi possível dinamizar a horticultura de modo a possibilitar uma alimentação mais rica e mais saudável, ou propiciar fontes de rendimento pela venda ou troca dos produtos hortícolas excedentes.

Os homens despertaram para a realidade de terem de defender os bens da sua terra. Uniram-se em projetos de proteção e defesa da floresta e de salvaguarda das espécies de caça, muito procuradas por caçadores furtivos de outras tabancas e estrangeiros. Caça que pretendem utilizar devidamente controlada para uso no enriquecimento da sua dieta alimentar.

Nota-se que as pessoas ganharam confiança em si próprias, nas suas capacidades e começaram a acreditar que é possível a mudança para melhor.
Não será isto, evolução cultural?
O que pode fazer uma simples torneira a jorrar água num aglomerado de cerca de quinhentas pessoas no interior de África!

A tabanca de Amindara, escondida no meio da floresta do Cantanhez ganhou vida. É caso para afirmar: A água é fonte de vida em todas as dimensões.

Acreditamos que é um exemplo a seguir. A construção por administração direta gerida pela AD- Acção para o Desenvolvimento, torna o projeto fiável, com a garantia de que nem um cêntimo se perde.

Continuamos no terreno, com um poço já aberto em Medjo e em pleno funcionamento. Os resultados positivos repetem-se. Apesar de estarem no fim da época propícia para desenvolver a horticultura, querem fazer experiências e vão tentar colher cebolas.

O próximo desafio é Farim do Cantanhez.

Zé Teixeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7754: Ser solidário (101): Espectáculo de Teatro e Música Popular. Campanha "Sementes e Água Potável para a Guiné-Bissau" (Zé Teixeira)