quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12192: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (4): O anúncio,em 4 de janeiro de 1961, do envio para a China, para a Academia Militar de Nanquim, dos futuros dez primeiros comandantes do PAIGC, João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes.

1. Transcrição de uma carta,  dactilografado, assinada por Amílcar Cabral (nome de guerra, Abel Djassi), datada de Conacri, 4 de janeiro de 1961 (, dois anos antes do início oficial da guerra colonial na Guiné, ou "guerra de libertação", no vocabulário do PAIGC), e dirigida ao secretário geral adjunto do Instituto Popular de Negócios Estrangeiros, em Pequim.  Nessa carta, Amílcar Cabral dá conta do nível de "desenvolvimento da luta de libertação" no interior do país, e anuncia a partida para a China dos dez primeiros militantes do PAIGC que irão receber treino político-militar.

[À direita: foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.]

Uns meses antes, em agosto de 1960. Amílcar Cabral em pessoa tinha-se deslocado a Pequim para negociar o treino dos quadros do PAIGC na Academia Militar de Nanquim.
Sabemos, por outras fontes, os nomes desses militamtes que irão tornar-se nos primeiros comandantes do PAIGC: veja-se aqui, no Arquivo Amílcar Cabral, a foto em que um grupo de quadros do PAIGC que ia receber treino militar na Academia Militar de Nanquim. é recebido pelo dirigente máximo da China, Mao Tse-Tung,  em Pequim, 1961 ... Eram eles: João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos [, irmão de Pedro Ramos e amigo do nosso Mário Dias], Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa ], irmão de Manuel Saturnino] e Hilário Gomes.

A carta, a entregar por mão própria, está escrita em frâncês, língua em que Amílcar Cabral  era fluente. Tradução de L.G., para efeitos meramente informativos e com destino exclusiva aos leitores do nosso blogue.   Agradecemos, mais uma vez, à entidade detentora do arquivo e dos respetivos direitos,  a amabilidade com que tem atendido os nossos pedidos de consulta de documentos e de cedência de imagens, que de resto estão  disponíveis para o grande pública. A cedência de imagens é condicionada, por razões que nos foram explicadas e que acatamos. (LG).

Fonte:

(1961), "Comunica a situação da luta de libertação na Guiné. Anuncia a partida de dez militantes do PAIGC para a República Popular da China [formação militar na Academia de Nanquim].", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39330 (2013-10-23)


Portal Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07066.091.019.
Título: Comunica a situação da luta de libertação na Guiné. Anuncia a partida de dez militantes do PAIGC para a República Popular da China [formação militar na Academia de Nanquim].
Remetente: Amílcar Cabral (Abel Djassi), Secretário Geral do PAIGC.
Destinatário: Secretário Geral Adjunto do Instituto de Negócios Estrangeiros da República Popular da China.
Data: Quarta, 4 de Janeiro de 1961.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relações com a China, Coreia, Vietname (anos 60).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Correspondencia 


2. Transcrição do documento, traduzido de francês para português por L.G., para efeitos deste poste



Conacri, 4 de janeiro de 1961

Caixa Postal 289 –Conacri


Ao senhor secretário geral adjunto do Instituto Popular de Negócios Estrangeiros da China
Pequim


Caro camarada:

Recebi a sua carta, anunciando o regresso dos meus dois camaradas. Eles chegaram [bem] e estamos contentes. Nunca será demais sublinhar a importância da ajuda fraterna que o povo chinês está a dar ao nosso povo na luta comum pela liquidação total do imperialismo e do colonialismo.

O desenvolvimento da nossa luta de libertação está a decorrer de maneira acelarada, de acordo com o programa que vocês conhecem. Já mobilizámos uma grande parte das massas populares e o nosso povo está cada vez mais ligado ao nosso Partido cujas organizações de base estão presentes em todas as regiões e zonas do país. Estamos em vias de organizar as nossas bases de resistência, elemento fundamental da nossa luta decisiva contra os colonialistas portugueses. Enfrentamos, naturalmente, alguns problemas que gostaríamos de poder discutir convosco. Esperamos poder fazê-lo em breve.

Envio-vos alguns documentos – panfletos – distribuídos no nosso país. Apesar de serem em português, vocês podem ver como nós procedemos à agitação das massas populares, explorando ao mesmo tempo as contradições no seio do nosso inimigo.

Tenho o prazer de lhe anunciar a partida para a China de dez camaradas do nosso Partido, portadores desta carta, e cuja viagem tem a missão que você conhece. É uma nova grande contribuição para o desenvolvimento e vitória final da nossa luta. Temos pressa, mas caminharemos sempre na base da segurança, por etapas e sobre “os dois pés”.

Agradeço-lhe que apresente aos membros do Instituto os nossos melhores votos de prosperidade e de sucesso na luta contra o imperialismo e na construção do progresso e da felicidade do grande povo chinês.

Esperando notícias suas, peço-lhe, caro camarada, que aceite a expressão dos meus sentimentos muito fraternos.

Amílcar CABRAL (Abel DJASSI)

Secretário-Geral

___________

Guiné 63/74 - P12191: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (74): José Macedo, ex-1º cabo, CCAÇ 798 (Gadamael, 1965/67), descobre o nosso blogue quando estava a digitalizar fotos do seu álbum... E pede o contacto do ex-alf mil Manuel Vaz


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 798  (1965/67) > O José Macedo  é o primeiro da esquerda, sentado na borda de um barco sintex... O  terceiro é o Capitão Anacoreta Soares, "quando íamos a pesca,. à granada ofensiva, para o rancho e para umas caldeiradas para o pessoal".

Foto (e lgeenda)  © José Macedo (2013). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Josè Macedo:


Data - 22 de outubro de 2013, 20:51
Assunto - Um abraço do tamanho do Mundo




Caro Amigo e Sr. Luís Graça

Se poder contactar o ex-alferes Martins Vaz, envie-lhe um abraço do tamanho do Mundo, da parte de:

José Macedo ( ex- 1º cabo 3430/64,   CCaç 798,   Gadamael- Guiné 1965/67).

Se tiver o endereço de e-eail dele, muito agradecia que me fosse facultado afim de entrar em contacto com o mesmo. Sucede que,  há dias atrás.  estive a digitalizar todas as minhas fotografias e não sei que me deu  na “mona ", quando estava a introduzir as mesmas no  nosso PC e procurei na Net, "CCaç 798, Guiné",,, para meu espanto,  dei com o vosso blog e com fotos de Gadamael e até uma, na qual estou incluído.

Tomo a liberdade de anexar foto: sou o 1º à esquerda. O 2º á esquerda é  o 1º Cabo 3428/64 Mário, sendo o 3º o capitão Anacoreta Soares, quando íamos a pesca (à granada ofensiva) para o rancho e para umas caldeiradas pró pessoal. 

Acerca do capitão Anacoreta Soares vivi,  com o mesmo, um episódio de Vida, de Homens e de Guerra… Só que por vezes a memoria é curta…

Desculpe-me o incómodo, pelo que apresento as minhas melhores saudações e cumprimentos

Na expectativa de suas prezadas noticias e agradecido

Atentamente

JMacedo

2. Resposta do editor L.G., 
com conhecimento ao Manuel Vaz


Camarada Macedo:

Deixemo-nos de rodeios, os velhos camaradas da Guiné tratam-se por tu. São as regras do nosso blogue para o qual gostaria que entrasses, apadrinhadio pelo nosso Manuel Vaz que está a fazer um trabalho fantástico de recuperação das memórias de Gadamael... 

Aqui tens o mail dele. (...)  Manda-me uma foto tua,  atual, e mais algumas do tempo de Gadamael.

Chamou-me também a atenção um parágrafo da tua mensagem: "Acerca do capitão Anacoreta Soares vivi, com o mesmo, um episódio de Vida, de Homens e de Guerra… Só que por vezes a memoria é curta"…

Pois eu, e os demais camaradas da Tabanca Grande, convidam-te a partilhar essa episódio... Para que a nossa memória de Gadamael e da guerra da Guiné seja cada vez menos curta...

Vejo, pela foto que nos mandaste, que deveria ser prática corrente, em Gadamael e em muitos outros sítios onde havia rios e braços de mar, o recurso à pesca com granadas de sopro... Porque era preciso matar a fominha e diversificar a dieta...Fala também sobre isso, camarada!

Um grande abraço. E se me permiites vou publicar a tua mensagem. Luis Graça

PS - Camarada Macedo, sabemos que o teu capitão miliciano Anacoreta Soares, de seu nome completo Luís Filipe Anacoreta Soares vivia em Matosinhos em 1967/68... Para além da CCAÇ 798 (Gadamel Porto, 1965/67) , comandou também a CCAÇ 1498 (Có, Binar, Bissau, 1966/67). Não sabemos se é vivo. E se continua a viver em Matosinhos. Se sim, um Alfa Bravo para ele.____________

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11913: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (73): Como o Micaelense Carlos Cordeiro, encontra Henrique Matos, um jorgense em férias na sua Ilha. (Carlos Vinhal / Carlos Cordeiro)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12190: Agenda cultural (289): Programa do Curso livre de história local: "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)", a realizar-se às quintas feiras, das 18h30 às 20h30, de 24 de outubro a 21 de novembro de 2013 (Jaime Silva)













Programa do Curso Livre de História Local: O Concelho de Fafe e a guerra colonial (1961-1974), organizado pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe, com o apoio de diversas entidades, entre elas a Câmara Municipal de Fafe e o Museu da Guerra Colonial, com sede em  V. N. Famalicão.

O folheto foi enviado em 18 do corrente, com pedido de divulgação, pelo nosso amigo, conterrâneo e camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, ou Jaime Silva, lourinhanse, a viver em Fafe, ex- alf mil paraquedista (BCP 21, Angola, 1970/72), professor do ensino secundário reformado, e antigo vereador da CM Fafe, com o pelouro da Cultura e Desporto.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12183: Agenda Cultural (288): Sessão de lançamento do livro de viagens "Toda a China", 1º volume, de António Graça de Abreu... Museu do Oriente, Lisboa, Sala Beijing, 3ª feira, 22 do corrente, 18h30. Apresentação do embaixador João de Deus Pinheiro. Entrada livre

Guiné 63/74 - P12189: Os meus (des)encontros com a PM - Polícia Militar (1): João Paulo Diniz (ex-locutor de rádio (PFA, Com-Chefe, Bissau, 1970/72); Henrique Cerqueira (ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)



Guiné > Bissau > Polícia Militar > 1971 > O José Basílio Costa, alf mil, mais o sold cond auto Diamantino Romão, que é o autor da foto. O nosso camarada José Basílio Costa tem página no Facebook, é natural de Vila Nova de Famalicão, e vive em Santo Tirso. (Foto reproduzidas com a devida vénia, e um abraço aos dois e convite para se juntarem a este "batalhão" da Tabanca Grande; edição de L.G.).


1. Mensagem do João Paulo Diniz [, ex-locutor do PIFAS, Com-Chefe, Bissau, 1972/74] , em resposta ao poste P12184 (*)

Caro Luis Graça,

Com a sinceridade de sempre, devo confessar que não me recordo da estória do nosso Zé Basílio (um abraço!) comigo (mas acho que me recordo da sua cara na foto...). 

Da malta da PM [ Polícia Militar,] recordo-me do Raul Castanho, com quem tive o grande prazer de falar há meia dúzia de semanas após longa ausência. 

E recordo ainda que, tal como ele, muitos camaradas passavam pelo Pifas para fazer companhia e tomar um copo, no pequeno bar de entrada, superiormente 'comandado' pelo Morais (que é feito de ti, amigo?).

Já agora: o Pifas não era só eu, mas sim uma equipa: dedicada, voluntariosa, com grande 'amor à camisola', com a perfeita consciência da importância das nossas emissões para animar todos os nossos camaradas das FA, independentemente dos locais onde se encotrassem na Guiné.

Posso contar uma coisa?

Um dia um tenente-coronel, comandante de um batalhão estacionado numa zona sensível, fez questão de visitar o Pifas, antes de regressar a Lisboa. E, após uma breve 'visita guiada', esse nosso camarada do Exército disse mais ou menos isto: 
Querem saber? Para os meus homens, muitas vezes é mais importante uma hora de emissão do Pifas do que receberem uma carta da família!

Com todo o respeito, creio que a maior parte de nós pensou que o nosso tenente coronel já estaria 'apanhado pelo clima'... Mas as suas palavras foram bem sentidas!

Por estas e outras, permitam-me uma confissão: como profissional, o Pifas foi uma das mais belas experiências da minha carreira!

Grande abraço! JPD

2. Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74],

Na verdade, verdadinha,  a malta na Guiné e que vinha do mato à cidade,  não morria de amores pelos PM [, Polícia Militar].  E na realidade a malta dessa força punha-se a jeito para não ser muito "querida". Mas isso são águas passadas e,  mais tarde,  até fiquei cheio de orgulho quando o meu filho Miguel foi para a PE [, Polícia do Exército,] em Oeiras e por lá andou a fazer serviço na NATO.
Bom,  eu até tenho um episódio engraçado, hoje claro, com os PM em Bissau.

Numa ida minha a Bissau,  e ao me encontrar com amigos, era inevitável o apanhar uma "carraspana", tanto de comida como de bebida. Vai daí,  e depois de muitas andanças pelos caminhos de Bissau,  acabámos (eu e mais dois amigos) a simular que conduzíamos um automóvel pela avenida principal de Bissau. Isto de noite. 

O inevitável aconteceu e lá apareceu o jipe da PM. Recordo-me que,  mesmo com a carraspana (se calhar,  já em curva descendente), a PM,  após os habituais ameaços e outros afins,  lá nos mandou embora. Só que eu,  armado em engracadinho,  disse:
Desculpem lá,  senhores polícias,  mas tenho que deixar aqui o carro porque não estou em condições de conduzir.

Comecei então a simular o fecho do carro e todos aqueles gestos que temos ao deixar um carro estacionado. Então nessa altura o Alferes mandou que nos metessemos no jipe e levou-nos para o QG que era onde estávamos "hospedados". Quando saímos do jipe,  o aferes,  alinhando na brincadeira,  disse-nos  que para a próxima não seríamos apanhados se tivessemos ligado as luzes do carro. 

Boa, alferes! Os PM nem sempre eram tão arrogantes como às vezes queriam dar a  entender.

Henrique Cerqueira

3. Nuno Esteves [, nosso estimado leitor, ex-Polícia do Exército, ex-Lanceiro, ex-Soldado PE do 1º Turno 94, do Regimento de Lanceiros nº 2, hoje a trabalhar em segurança privada]
Saudações Lanceiras!... Caros camaradas da Tabanca Grande, os PM cumpriam ordens como certamente cada um de vós as cumpriu. A PM não era adorada pois,  como autoridade militar,tinha de fazer cumprir a lei militar que,  como todos nós sabemos, quando assim é, geralmente qualquer Policia nunca é bem vista ou acarinhada.

Mas,  na história destes camaradas Lanceiros, também constam várias custódias (protecção) dadas a militares em sarilhos, entre variadissimas coisas.

Muito me orgulha ter sido sucessor destes homens mas,  no meu tempo, envergando o distintivo da Policia do Exército [PE].

Um forte abraço Lanceiro para toda a Tabanca.

Nuno Esteves


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Presume-se que fosse uma brincadeira de Carnaval... Dois militares parodiam a PM- Polícia Militar... O Cap Corvalho pode ser o terceiro a contar da esquerda, pelo menos é alguém que ostenta as divisas de capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garante-me o Nuno Rubim ... (LG).

Foto  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Do álbum do José Neto † ,  fotos reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.

4. Comentário de L.G.:

Histórias com a/os PM ? Encontros, desencontros... quem os não teve ? Cá e lá, em Bissau... (Nunca vi os PM fora de Bissau, a não ser "mascarados", em Guileje, no álbum fotográfico do nosso  saudoso Zé Neto...).

Toca, por isso, a puxar da memória!... Hoje publicamos mais duas pequenas histórias, do nosso tempo de Guiné... O objetivo não é, de modo algum,  desenterrar velhos machados de guerra, mas apenas relembrar tempos passados que... não voltam mais!

Como diz o povo, "quem vai à guerra, dá e leva!"... Em Bissau, à falta de guerra a valer, parece que fazíamos,  às vezes, guerra uns aos outros... Numa ou noutra ocasião, perdemOS mesmo as estribeiras... E não houve PM que nos salvasse!...

Recorde-se, entre outras, as "guerras" entre páras, comandos e fuzos, as três tropas especiais..., a que se vieram juntar, mais tarde, os "comandos africanos" e os "fuzileiros especiais africanos"... Uma das dessas "guerras" (que provocaram mortos e feridos graves!), ficou conhecida como a "batalha de Bissau" (**)...

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Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 21 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12184: Facebook...ando (29): Uma cena, bem humorada, passada entre a ronda da PM e o locutor do PIFAS, João Paulo Diniz, Bissau, c. 1971 (José Basílio Costa, ex-alf mil, PM, hoje a residir em Santo Tirso)

(**) Sobre a "batalha de Bissau" (3 de junho de 1967) entre fuzileiros e paraquedistas, vd.:


11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)



(...) Considero bastante conforme à verdade (com excepção da data, que foi o dia 3 de Junho de 1967 e não Janeiro de 1968, conforme a História oficial do BCP 12, da autoria do Tenente-Coronel Luís Martinho Grão) a versão apresentada pelo 1.º Sargento Carmo Vicente, inclusive no que respeita às responsabilidades dos graduados pára-quedistas, que pouco fizeram para evitar o infeliz desenlace duma jornada que devia ser lembrada apenas como desportiva. (...) 

(...) Na noite de 3 de Junho de 1967, no final dum jogo que parecia ter decorrido de forma idêntica a tantos outros, entre o ASA – acrónimo de Atlético Sport Aviação, o clube dos militares da Força Aérea – e a equipa onde alinhavam os marinheiros, sucedeu o inesperado: estes, depois de trocarem insultos e provocações com os pára-quedistas, como era hábito, abandonaram o recinto desportivo, numa atitude pouco consentânea com os seus comportamentos recentes.

Os páras correram atrás deles pelas ruas da cidade, não imaginando que, algumas centenas de metros à frente, emboscado num prédio em construção, um grupo de fuzileiros armados com G-3 se preparava para os atacar a tiro. Custa a entender onde aqueles homens foram buscar ânimo para levar a cabo semelhante acto, mas a verdade é que foram capazes de abrir fogo à queima-roupa sobre camaradas de armas desarmados, matando de imediato o 1.º cabo Ismael Santos e o sold. Fernando Marques, para além de terem provocado ferimentos noutros soldados. (...) 


(...) Segue-se a “batalha de Bissau” que ocorreu durante um campeonato de andebol de sete, entre a UDIB e a ASA Clube. Havia duas claques, a primeira, composta pelos civis e alguns marinheiros, era apoiada pelos fuzileiros e por todo o pessoal da Armada; e a segunda, inteiramente formada por militares da Força Aérea, com destaque para os pára-quedistas. 

Segundo Carmo Vicente páras e fuzileiros eram amigos, mas na ocasião quiseram provocar-se mutuamente. Porquê, fica-se sem se saber. No BCP 12 todo o pessoal foi dispensado para poder assistir ao encontro e apoiar a equipa. Durante o encontro, boinas verdes e boinas negras apoiaram ruidosamente as suas equipas. Súbito, começaram os incidentes e cerca de 400 militares envolveram-se num corpo a corpo incontrolável, derrubaram-se as portas do recinto, a luta generalizou-se pelas ruas da cidade, tudo à cinturada, murro e pontapé. 

Parecia que os fuzileiros batiam em retirada quando de um prédio em construção saíram seis fuzileiros armados de G3 e de granadas de mão, começando a disparar indiscriminadamente. Dois pára-quedistas ficaram ali mortos. Para Lisboa transmitiu-se às famílias que tinham morrido num acidente com armas de fogo (...).

Guiné 63/74 - P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26): Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 14 de Outubro de 2013:

Olá amigos Luís e Vinhal!
Vai tudo bem no reino do Blogue?
Bem me parece que sim!
Para além de vocês Luís e Vinhal, aproveito também para saudar o meu amigo (nosso) Magalhães Ribeiro.

Em anexo aí vai mais um “salpico”.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.


Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

26 - Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros e aproveita-se até para lhe dar a alcunha duma marca de cigarros muito em voga na Guiné, na altura, e que veio mesmo a calhar: “CRAVEN A”

Na Guiné, mais propriamente em Bissau, fomos encontrar coisas boas no comércio. Uma surpresa! Logo ali na rua paralela à marginal, na Casa Pintosinho, haviam as últimas novidades eletrónicas. Os melhores rádios, transistors, pick-ups, aparelhagens de som, máquinas de barbear e todo o mais. Akai e Pioneer era do mais reclamado e moderno. Estavam na moda.
Um rádio para pôr na mesinha de cabeceira era o que se pretendia mais. No mato, já a ventoinha, a 5 dedos da cara, ganhava bem aos rádios. Alguns compraram autênticos rádios de sala e andavam com eles debaixo do braço, como que a dizer que o meu é maior do que o teu, e os donos da música fossem eles; outros ficavam pelos mais pequenos (vulgo transístor) que se levava no bolso e para qualquer lado.

Um camarada comprou um rádio que se transformava em pick-up após uma ligeira articulação. Foi de abrir a boca. Na Casa Pintosinho comprei ali mais tarde um “Mitsubishi”. Este transístor andava em propaganda radiofónica local e assim andou durante bastante tempo. Seduzido por tanta propaganda fui lá buscar um mais tarde, quando passei por Bissau em trânsito para férias na metrópole. Boa compra, durou muitos anos e tocava dentro do carro como se fosse um auto-rádio. Uma relíquia, mesmo depois de deixar de tocar (os tombos foram muitos), posta fora inadvertidamente, para desespero meu.
A Casa Pintosinho era uma casa atualizada e a tropa era lá muito bem recebida e atendida.
Pudera! Sargentos e Oficiais tinham manga de patacão.

Na mesma rua e mais para o lado da Amura, na loja Taufik Saad comprava-se, principalmente, entre outras, louças decorativas, vulgo bibelots, louças de servir à mesa, faianças e porcelanas, louça fina, entre esta bonitos Serviços de chá e café que vinham da China. Louça “casca d’ovo “, louça de fina espessura para não fugir aquele nome, onde no fundo se podia ver recortada na própria louça o rosto de uma linda chinesa. Ainda hoje guardo um serviço destes. Era uma casa requintada ao nível das melhores de Lisboa.



Vendo uma das montras do Taufik Saad. Muita cabeçada ali no vidro. As grades, no lado de dentro do vidro enganavam e a curiosidade levava a bater com a cabeça no vidro. Foram muitos os cabeçudos, daí a curiosidade de incluir isto no texto. Ah(!), o rapazinho a ver a montra sou eu! Turista? Se calhar ao outro dia já estava a atirar-me para o chão, lá bem para dentro do Oio. Engraçado (!) ali vivia-se as duas faces da moeda.

Mais à frente e já virada para a Avenida principal, o Café Bento. Mesas cá fora, em jeito de esplanada e sob árvores bem frondosas. O ponto de encontro da malta da tropa, com boas bebidas e para todos os paladares e com boa vista para a avenida principal.

Em Bissau vendiam-se também Whiskies das melhores marcas, algumas nunca vistas na metrópole, quando muito só faladas: Vat 69, Black and White, o Johnnie o preto e o vermelho, Dimple, o Ballantines, etc, etc. Bons Scotches, bons Licores. O Licor Drambuie que era muito procurado pela malta.

Marcas que nunca tinha ouvido, e eu que não tinha chegado propriamente de um colégio de freiras. Brandies, tabacos, tudo da melhor marca. Terra pobre, muito pobre, mas onde as bebidas espirituosas os apetrechos eletrónicos, os melhores tabacos, os melhores chocolates belgas e holandeses, se viam em algumas casas comerciais. Camisas muito bonitas e adequadas para aquele clima. Dizia-se que vinham da China (ou Taiwan?). Muito contrabando se calhar….
Deu para ver com algum espanto que a Guiné tinha mesmo do melhor para a malta dos vinte anos. Se calhar foi esta que fez trazer as coisas. Sobretudo boas bebidas, do melhor tabaco, e outras coisas, outras coisas.

E na Avenida, também passavam bajudas bonitas e formosas. Mais as cabo-verdianas, de olhos grandes claros e expressivos, mas havia nativas que não ficavam atrás, pelo menos nas três medidas standard para a harmonia feminina. Os bifes na casa de uma senhora mulata que me esqueci do nome, o frango assado no Tropical, etc, etc.

Se lhe juntarmos o bom e diversificado marisco, isto já produto do domínio e captura doméstica, não era preciso mais nada. A guerra, essa podia esperar… Na altura era preciso sair 20 ou 30 Km. de Bissau para entrarmos em contenda. No meu tempo e para o norte, esta só andava para lá de Mansoa. No Sul não seria preciso andar tanto depois de atravessar o Geba. Para Este e Oeste havia já alguns arrufos e não muito longe.

Bom, eu estou a dizer isto do bom de Bissau mas, cuidado, estávamos em trânsito para o mato. Ali em Bissau, melhor, em Brá, estivemos apenas 13 dias. O nosso destino estava traçado: Alancar para o OIO, pois a Ópera era para esses lados. Houve quem fizesse a comissão inteira em Bissau e que nunca tenha ouvido um tiro, mas convém dizer que não faziam nem mais nem menos do que cumprir ali a sua missão porque fora essa a destinada. Sortes!!...

Ainda me lembro e pegando na moda de uma cantiga na altura, que, e quando chegamos ao mato (Bissorã), cantávamos : “beijinhos com beijinhos pra cá… bazocadas e granadas pra lá”. Deixem que digam (!), que pensem(!), que falem (!)… deixa lá”…

Ainda em Bissau começava-se pelas ostras e acabava-se, se é que percebo, isso mesmo, em perceves (!) passando por outros mariscos de nomeada. Nisto de marisco a barriga desligou-se de misérias. O Tropical ali tão perto. E isto a pensar que marisco, na metrópole, só um camarão escanzelado ali pr’as Portas de Santo Antão em Lisboa. Salvo a Solmar, mas aí era preciso mais dinheiro. Aí,“cá tem”.


Na esplanada (passeio na rua) do Tropical. No verso desta foto descobri agora que a tinha enviado na altura aos meus pais em correio. Curioso como escrevio ano (MIL 966)

No café Bento pedi uma cerveja, um pão partido ao meio e o chocolate tal.

O empregado pensou que estava a gozar com ele. Perante a cara dele perguntei-lhe se podia ser ou não e ele meio desconfiado foi para dentro e apareceu-me pouco depois com o que lhe pedi. Vá lá… Sabia bem uma sandes de chocolate a puxar pela cerveja. Essa mania trouxe-a do bar do Niassa. Seria pancada? Julgo que não…

Neste bar também se adquiriam coisas curiosas. Comprei ali uma máquina de barbear “Philips” que trabalhava com pilhas. Ainda hoje a tenho.

Falando dos bons tabacos. Os Três Vintes,  o CT, o Português Suave, etc. tinham ficado na viagem. Os últimos foram queimados no Niassa.

Ali na Guiné a fumaça era feita através de tabacos mais finos e requintados, entre eles o “Craven A” (novidade) que é afinal o protagonista desta história e que eu passo a contar:

À mesa no Olossato, ao serão, jogava-se às cartas e começava-se com a sueca (jogo). Lá por o andar da noite passava-se então à lerpa e acabava-se inevitavelmente no abafa e onde de vez em quando saía um ou outro bem (des)abafado.

A história que eu quero contar era ainda à mesa da sueca. Parceiros habituais na minha mesa, eu, o Carneiro, o Piedade e outro que é o centro do episódio e que passo a chamar-lhe o “nosso amigo” (por razões óbvias omito o nome real).
Portanto parceiros certos ali e acolá nas mesas.

Depois (só) de alguns dias é que nos apercebemos que um dos jogadores da minha mesa fumava os nossos - dos outros - cigarros e à vez:
- Dá-me um cigarro se faz favor.

Ao outro:
- Posso?
- Posso fumar um destes? - ao terceiro.

Dava a volta, pelo menos havia o bom senso (e o cuidado) de não cravar o mesmo duas vezes seguidas. Também a tática era logo ali detetada mais facilmente.

Bem, isto não podia ser assim alvitramos nós os três após a constatação, o que ainda levou tempo.

Sentávamo-nos à mesa e cada um punha à sua frente o seu maço e o isqueiro em cima. Primeiro os isqueiros que tinham vindo connosco da metrópole, mais tarde já usávamos os que as senhoras do Movimento Nacional Feminino, que por ali passaram fugazmente, nos ofereceram.
Isqueiros de pedra a fazer faísca e mecha embebida em benzina impregnada numa espécie de algodão e em depósito para o efeito.

Então teríamos de fazer alguma coisa para que os cigarros não fossem assim tão mal repartidos. O tabaco predominante ali era então o “Craven A”.

Pegamos numa embalagem de cigarros vazia e colamos num rótulo que se podia ver, logo mal abríssemos a caixa, com o dizer. "Vai cravar o car(v)alho". Ver, tal e qual, a figura seguinte.



Tinha no meu pelotão um soldado que se chamava Carvalho (que se calhar até nem fumava), mas não era esse o que queríamos apontar. Era o outro, o mais popular, o do léxico portuga, o que até ficou bem explicado na caixa, claro.

O maço ficou dissimulado em cima da mesa e à frente como era habitual de um dos contendores.
- Posso tirar um? - agora já apontando para o maço armadilhado.
- Podes…

Quando calhou de cravar no maço dito cujo, então o nosso amigo abriu, leu, e discretamente fechou. Como nada tivesse acontecido. Também não havia cigarros. Não sei se o maço tivesse cigarros o rótulo passava ao lado.

Bom, acabou ali o cravanço do nosso amigo e começou a risota, dissimulada, ao mesmo tempo que o nosso ilustre camarada logo “ganhou”, (perdeu nos cigarros) dali para a frente, a alcunha do “Craven A”, visto isso, e para memória futura.

Rui Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11658: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (25): Os três Hospitais Militares que conheci

Guiné 63/74 - P12187: Contraponto (Alberto Branquinho) (51): Micoses

1. Em mensagem de 21 de Outubro de 2013, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos o seu contraponto número 51, dedicado às micoses que tanto nos atormentava.


CONTRAPONTO

51 - MICOSES

A coluna auto estava a chegar à sede do Batalhão, vinda de um quartel a sul. Entre nuvens de pó, as viaturas começaram a estacionar lado a lado.

O furriel enfermeiro assomou à porta do Posto Socorros. Viu o furriel Sá, que lhe acenava. Estava a sair da cabina de uma viatura, com dificuldade em descer e colocar os pés no chão.
- Ó Rebelo, preciso falar contigo.

E começou a caminhar, em passos curtos e lentos, na direcção do enfermeiro.

- Eh pá! Que é isso? - Entra.
- Já te mostro lá dentro.

Entraram no Posto. Baixou as calças.
- Olha p’ra isto.
- Ih cum caraças!! Nunca vi uma micose assim.
- É uma greta em cada virilha, mas têm ramificações por aí abaixo até ao cu. Há partes que às vezes deitam sangue.
- O que é que estás a pôr?
- Nada, Rebelo, nada. A gente lá em cima já não tem nada p’ra isto. E tenho, também, no meio dos dedos dos pés. Costumava por Asterol, mas lá já não há nada. Nem pó.
- Tenho aqui um resto de um frasco. Líquido. Levas e aplicas com cuidado, com bolas de algodão por aí abaixo. A pouco e pouco.
- ‘Tá bem.
- E pões uma bola de algodão, molhada, no meio dos dedos. Mas pouco de cada vez.
- ‘Tá bem. Isto é das bolanhas. Do lodo. Arranja-me aí o algodão, que eu fico já com tudo.
- Vocês ainda voltam hoje para baixo?
- Não. A esta hora já não dá. É preciso carregar as viaturas e, depois, voltar a “picar” o caminho todo. Já não dá. Posso dormir aqui?
- Não é preciso. Podes dormir na cama do Barata.
- Barata? - O gajo das Transmissões. Está no mesmo quarto do Azevedo da “ferrugem”. O Barata está em Bissau.
- Porreiro. Então, vou ver se posso tomar um banho, secar tudo bem seco e, depois, começar a pôr isto. Até logo.
- Até logo.

- * -

Quando o furriel mecânico Azevedo foi ao quarto, viu o Sá completamente nu, com a ventoinha ligada e apontada para a entreperna. Com a mão direita puxava o pénis na direcção da barriga, expondo à ventoinha as virilhas e o escroto. E, ele próprio, soprava, soprava sem parar...
Tinha despejado o líquido antimicótico directamente nas virilhas.

O Azevedo ficou, em espanto, a olhar acena.
- Oh! Oh! Que é que estás a fazer?!
- ???
- Que estás a fazer?
- A arrefecer o leite. Não vês?

O Azevedo encolheu os ombros, recolheu o que buscava e saiu.
(- Estão todos “apanhados”!).

A meio da tarde, o furriel Sá, pôs uma toalha à cintura e caminhou, com dificuldade, até à porta. Viu um soldado da sua Companhia e pediu-lhe que fosse ao Posto de Socorros dizer ao furriel enfermeiro para chegar ali.
Já desesperava, sempre com a ventoinha apontada ao meio das pernas, quando ele chegou.
- Que é isso, pá?!

O Sá apontou para a zona do corpo, com ar sofredor.

- Ih pá! Despejaste o frasco em cima! Não foi isso que te disse.
- Era para resolver isto mais depressa e poder voltar amanhã lá para baixo. Parece que a pele está queimada, a estalar e... arde p’ra caraças!
- És marado! És marado de todo! O melhor é deixares estar assim, com as pernas abertas até logo à noite. Não ponhas mais nada, porra!
- E fico assim? Está tudo a arder.
- Vou ver se tenho talco ou outro pó. Já te mando o cabo com o pó e gaze.
- Fazes favor, manda-me, também, pelo gajo, um pão com qualquer coisa e uma cerveja. Depois pago-te.
- Está bem. Só logo à noitinha, antes de dormir, pões pó na gaze e vais pondo em cima da pele, com cuidado, de um lado e do outro. Sem apertar a pele. Suave, muito suavemente. E vais fazendo isso toda a noite, substituindo a gaze de vez em quando. Mas não apertes, caraças! Amanhã de manhã vejo como está isso.

- * - 

 Já tarde, depois do jantar, o furriel Azevedo entrou, cuidadosamente, no quarto, tentando não ser notado. Olhou para a cama onde o Sá estava deitado, mas não dormia. No chão, à volta da cama, viu (assim lhe pareceu) vários panos brancos, pequenos. O Sá segurava dois panos, um em cada mão, que aproximava e afastava, cuidadosamente, das virilhas e do escroto.

Ficou estupefacto:
- Sá, que é que estás a fazer?

O outro, com um esgar de dor e irritado:
- Estou a mudar os cueiros. Não vês?

O Azevedo saiu, entre incomodado e receoso. Num repente, tomou a decisão: falar com o furriel enfermeiro.
Mal o encontrou, gritou-lhe:
- Tira-me aquele gajo do quarto! Não tenho paciência para malucos! Leva-o para o Posto de Socorros e fala com o médico para o mandar para a psiquiatria, para Bissau. No meu quarto, não!
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11876: Contraponto (Alberto Branquinho) (50): A Batalha do Umbigo

Guiné 63/74 - P12186: Blogoterapia (239): O meu primeiro contacto com a África selvagem e misteriosa (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 15 de Outubro de 2013:

Nos idos de Março de 1970 desembarquei em Bissau, tendo ido no navio misto de carga e passageiros "Alfredo da Silva", propriedade da CUF que à época era a empresa monopolista do comércio e da indústria da Guiné e Cabo Verde.

Apresentei-me no Quartel General e entretando a aguardar destino e transporte terei ficado talvez oito dias em Bissau.

Durante esses dias alojaram-me numa suite abarracada, com 60 ou 80 camas, sobrepostas, (penso que grupos de duas ou três), onde estariam mais 20 ou 30 guerreiros lusitanos, a que os mais velhos chamavam "Biafra"

"Alfredo da Silva" - Imagem: Navios no Sapo, com a devida vénia

Sempre achei que Biafra era um nome inapropriado, porque essa palavra, não vale a pena recordar a sua história agora, porque é do conhecimento geral, evocava muita fome, miséria extrema e morte. No nosso caso somente a qualidade das instalações estava em causa.

Conheci algumas casernas tanto por cá como na Guiné, aquela era a pior. Deve ter sido algum tenente-coronel militarista, que ainda os havia nesse tempo, que por gostar pouco dos milicianos, a mandou construir assim tão miserável. No filme "A Vida é Bela" há uma semelhante, num campo de concentração.

Era destinada aos alferes em trânsito, vindos de Portugal, em rendição individual, e a outros que estando no mato tinham que se deslocar a Bissau por qualquer motivo. Tenho a certeza que no interior da Guiné havia muitos camaradas instalados em tabancas em piores condições, porém nos quartéis onde eu estive as casernas eram melhores.

Messe dos Oficiais em Bissau
Fotos: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados

Ou porque o calor era muito ou porque os "velhos", guerreiros experientes na arte da guerra, queriam informar os "periquitos" (éramos 3 ou quatro) sobre os horrores que os esperavam, somente já tarde, depois de muita brincadeira e algazarra, se conseguia dormir.

Dentre todos destacava-se um mais cómico e folgazão que era assim a modos que chefe de orquestra da barulheira. Uma noite descobriu numa cama de um alferes que tinha regressado ao mato aerogramas da namorada dele. Eram muitos, ela devia escrever-lhe todos os dias.

Acto continuo pôs-se a lê-los, alto e bom som, perante senão o aplauso pelo menos o agrado quase geral. Por mim sem aprovar propriamente o acto, calei-me pois um periquito não tinha direito a opinião naquela distinta assembleia. Os aerogramas eram muito inocentes, enfim uma moça a contar o seu dia a dia ao namorado, pouco romântica, nada sensual, nada erótica. Era uma jovem à moda dos anos sessenta no Portugal do Estado Novo, tímida, reservada e recatada. A libertação sexual só se generaliza em Portugal com o 25 de Abril. Lembro-me que algum tempo antes de partir estive numa aldeia próxima da minha, cerca de 2 horas a falar com a professora primária da terra, ela debruçada à janela e eu de pé na rua. Menina bem comportada. Sei que passado um ano ou dois casou com um médico muito conceituado e rico da vila.

No geral as raparigas do nosso tempo, exceptuando algumas da classe alta e outras já sintonizadas com a revolução cultural e sexual que soprava da Europa, não eram muito diferentes em relação à virgindade, das bajudas fulas ou mandingas que fomos encontrar na Guiné. O tabu existia na religião católica, como na islâmica. O alfero Cabral esse "grande feiticeiro e médico" essa madre Teresa de Calcutá do chão manjaco, se quisesse abrir consultório nas nossas tabancas não lhe faltaria trabalho. Preferiu a Guiné por amor às bajudas enquanto as nossas, as mais endinheiradas, segundo constava na altura, iam a Espanha, a clínicas especializadas, fazer uma estética invisível, que iria esconder horas de calor e entusiasmo clandestino compartilhado com amigos ou namorados. As que não tinham recursos ou liberdade para se deslocarem, sofreriam, por vezes por muitos anos as consequências desse "pecado".

Muitos meses depois voltei a Bissau a uma consulta médica que o Pedrosa, bom médico e bom camarada (era do Pombal) me marcou. O alojamento continuava a ser o mesmo e o ambiente um pouco festivo, um pouco louco como sempre.

O estado de espírito mais comum a todos era de não valorizar muito os azares e desgraças que iam acontecendo nas zonas onde estavam aquartelados e a dar mais realce a aspectos cómicos que também os havia. Havia também sempre um ou outro que falava da guerra, duma forma um pouco jornalística, para não perturbar o ambiente que se queria descontraído.

Cada um, no seu intimo, devia questionar, o que fazia, naquele lugar do mundo, tão diferente e tão distante da terra onde tinha nascido. A África mais selvagem, misteriosa, com aquele cheiro forte difícil de definir, mas que se entranha no corpo e na alma de quem lá vive, sempre enfeitiçou os europeus. As moiras encantadas de que falavam as histórias das nossas avós vieram da África do norte para a Península Ibérica

Um encanto próprio a que não seria alheio o estado de guerra em que se vivia. A guerra desperta no homem instintos primitivos, já que o seu passado ancestral nunca foi de paz, mas de guerra, mais ou menos violenta conforme as armas que foi inventando.

Porque é que o desejo de retaliação, a desforra, a vingança, empolgam tanto os homens?
Porque ficam tão embriagados com o tinir das espadas, o som das metralhadoras, o troar dos canhões?

Quando a raiva e uma mistura estranha, talvez adrenalina, nos aquecem a cabeça, estamos a deixar de ser racionais. e modernos e a regressar aos primórdios da humanidade, quando Caim matou Abel.

Diferente de quase todos, conheci um soldado já com 4 anos de Guiné, sem vir alguma vez a Portugal, foi talvez o jovem mais sorridente e feliz que lá conheci.
Mas essa é outra estória.

Um abraço a todos
Francisco Baptista
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 16 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12161: Blogoterapia (237): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade (Francisco Baptista)

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12167: Blogoterapia (237): Descansa em paz, Luís Faria (1948-2013), meu amigo, meu camarada (António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

Guiné 63/74 - P12185: Os nossos seres, saberes e lazeres (59): No lançamento do meu livro, "Toda a China", hoje, 3ª feira, 22, às 18h30, no Museu do Oriente, gostaria de ver por lá uns tantos camaradas da Tabanca Grande (António Graça de Abreu)




1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu, com data de 15 do corrente

Meu caro Luís

Tenho um livro novo e junto o convite para a apresentação e lançamento, no Museu do Oriente (*). Gostava de ver por lá uns tantos camaradas da Guiné.


É China, mas todos somos cidadãos do mundo, mais ainda depois da Guiné.

Será possível divulgares no blogue? (*) Por coincidência, vi agora no blogue que o novo livro do Mário Beja Santos será também lançado em Lisboa no mesmo dia 22 de Outubro, às 18 horas. Não haverá duplicação, cada um de nós no seu métier. E cabemos todos quando escrevemos livros de qualidade como será o caso do Mário Beja Santos e do António Graça de Abreu.

Forte abraço,
António Graça de Abreu

2. Comentário de L.G.:

"A viagem é o que fazemos delas, / As viagens são os viajantes. / O que vemos não é o que vemos, / Senão o que somos". 

Este pensamento de Bernardo Soares / Fernando Pessoa, que tu citas, é uma proposta para convidar o leitor a entrar também nesta "peregrinação" pelo imenso Império do Meio, de ontem, de hoje e de amanhã, e que tu iniciaste em 1977, três anos depois de vires da Guiné... Tinhas então 30 anos, e uma nova vida (e uma nova família) para viver (e construir).

Não é fácil pertencer, ao mesmo tempo,  a dois mundos, a duas culturas, a dois países, como são a imensa e milenária China e o nosso pequeno e multissecular Portugal, até por problemas de escala... e de língua. Mas eu acho que tu  tens os melhores genes da gente lusíada de antanho e de hoje, esse jeito de saber ouvir e entender os outros sem risco de perda de identidade... nem de aculturação fusional.

A profecia que tu contas no prefácio é elucidativa:  (i) quem vem à China por umas escassas semanas, escreve um livro; (ii) quem por lá fica uns largos meses, escreve um ou mais artigos para o jornal da sua terra; e (iii) quem lá vive durante alguns anos, desiste de escrever....

Não foi felizmente o teu caso, que lá viveste entre 1977 e 1983, que lá encontraste o amor da tua vida, que lá voltateste a casar, que lá tiveste pelo menos um dos teus dois filhos lusochineses, e que com tudo isto não deixaste de escrever: de facto, diz o teu currículo, que já  tens 16 livros sobre "chinesices" (sem ofensa...),  para não falar de algumas centenas de artigos e muitas, muitas dezenas de milhares de quilómetros, viajando por "toda a China" (incluindo Hong-Kong, Macau e Taiwan)...

Os teus filhos e a tua esposa, sei que têm orgulho em ti. E têm motivos para isso. Os teus patrícios,  os "tugas",  essses,  costumam  ser menos gratos em relação aos "estrangeirados", como tu. Pela minha parte, tenho a agradecer-te, em meu nome pessoal (mas também, correndo embora o risco de ser abusivo, em nome da Tabanca Grande), a tua disponibilidade, física e mental, para te sentares à mesa do computador e pores a China e o povo chinês, a sua socioecologuia, a sua economia, a sua geografia, a sua história, a(s) sua(s) cultura(s),  o seu património, a(s) sua(s) idiossincrasia(s)...  ao nosso alcance, ao alcance da nossa compreensão. entendimento, sensibilidade e vontade de conhecer e de aprender.

Espero dar-te, ao vivo, um abraço, mais logo, no Museu do Oriente. O Mário Beja Santos não vai ficar zangado, a verdade é que vocês acabaram, involuntariamente,  por me criar um conflito... de papéis. Não vou poder estar  nos dois lados ao mesmo tempo. De qualquer modo, reencontramo-nos todos os dias, no nosso blogue, à volta do nosso mágico, simbólico, fraterno poilão da Tabanca Grande. (LG)

PS - Desejo-te, naturalmente, os maiores sucessos para mais este "filho" que puseste no mundo (neste caso, livreiro) , já a partir de 17 do corrente... Ficamos à espera do 2º, volume, em 2014. E que entretanto as divindades todas te protejam... contra a doença do maldito alemâo que nos espreita, emboscado, nos mais inesperados sítios e dias do calendário... Dizem que aprender os ideogramas do mandarim não é tortura, é a melhor maneira de prevenir o Alzheimer...



Dedicatória autografada: "Ao Luís Graça, meu amigo das coisas da Guiné, da China e do mundo, estes meus textos de viagem por dentro da China, de viagens por dentro de mim, com um fortíssimo abraço de admiração e amizade. António Graça de Abreu, [17 de] Out 2013"

Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados


China >  Zhejiang > Hangzhou > 2011 > O autor com o poeta  Bai Juyi


China > Macau > 1992 > O autor, aos 45 anos, com monsenhor  Manuel Teixeira



China > Xangai > 2009 > Com a família chinesa, esposa, filhos, sogros, cunhados


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu  (2013). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 21 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12183: Agenda Cultural (288): Sessão de lançamento do livro de viagens "Toda a China", 1º volume, de António Graça de Abreu... Museu do Oriente, Lisboa, Sala Beijing, 3ª feira, 22 do corrente, 18h30. Apresentação do embaixador João de Deus Pinheiro. Entrada livre


(**) Último poste da série > 19 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12169: Os nossos seres, saberes e lazeres (58): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (5) (Tony Borié)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12184: Facebook...ando (29): Uma cena, bem humorada, passada entre a ronda da PM e o locutor do PIFAS, João Paulo Diniz, Bissau, c. 1971 (José Basílio Costa, ex-alf mil, PM, hoje a residir em Santo Tirso)




Guiné > Bissau > Polícia Militar > 1971 > O José Basílio Costa, alf mil, mais o sold cond auto Diamantino Romão, que é o autor das fotos. O nosso camarada José Basílio Costa tem página no Facebook, é natural de Vila Nova de Famalicão, e vive em Santo Tirso. (Fotos reproduzidas com a devida vénia, e um abraço aos dois; edição de L.G.).


1. Tirando provavelmente o meu amigo e conterrâneo Eduardo Jorge Ferreira, que foi alf mil da Polícia Aérea ((BA12, Bissalanca, 1973/74), não temos ninguém dessa especialidade que era... a Polícia Militar.

Posso estar a pecar por omissão, mas não tenho ideia de, na nossa Tabanca Grande, no nosso blogue (não me refiro ao Facebook) haver um PM (leia-se: não,  primeiro ministro, mas, sim, polícia militar). Porquê, não sei. De qualquer modo, eles também não eram muitos. Devia haver, no máximo,  uma companhia, no CTIG, em comissão.

Sei pouco sobre eles, sei que eram oriundos da arma de cavalaria e e eram também selecionados em função da altura. Tinham que ser mais altos do que a maioria dos militares do exército, para poderem exercer as suas funções de autoridade. . Julgo que também havia uma Polícia Naval, em Bissau. Em 1976, a PM passou a designar-se por PE (Polícia do Exército).

Descobri há dias que, no dia 24/5/1969, embarquei no N/M Niassa com uma companhia militar, a CPM 2347,  a que pertencia o atual secretário geral do PCP - Partido Comunista Português, o Jerónimo de Sousa (que era 1º cabo, segundo julgo saber).  Naturalmente, não me lembro dele nem de ninguém dos seus camaradas da CPM 2347. Nem das poucas vezes que estive em Bissau tive quaisquer contactos diretos com a PM.  Verdade seja dita, e sem qualquer intenção de ofensa (, o que seria contrário ao espírito do nosso blogue), acho que os PM, no tempo da guerra colonial, cá e lá, não eram muito populares junto da tropa fandanga... Pode ser impressão minha, ams entende-se: eles eram uma autoridade policial...

Lendo entretanto a nossa página no Facebook, dou de caras com uma história, bem humorada, passada com o nosso João Paulo Diniz, ex-locutor do PIFAS (Com-Chefe, Bissau, 1970/72) e uma ronda da PM. A história é contada pelo José Basílio Costa, ex-alf mil, da Polícia Militar, em comentário de 19 do corrente. Para que não se perca o episódio e chegue a outras audiências, vamos reproduzi-lo aqui.

Fica também o convite, ao José Basílio Costa, nosso amigo do Facebook, para integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande. Basta-nos dizer que sim, e concordar com as 10 regras de convívio, em vigor no nosso blogue (mas não aplicáveis à página do Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, que serve outros propósitos). (**)

2. Uma cena passada entre a ronda da PM e o locutor do PIFAS João Paulo Diniz, Bissau, c. 1971


por José Basílio Costa


O PIFAS...Grande programa com o João Paulo
Diniz [, foto à direita]... que agora está na Antena 1, salvo erro! 

A propósito deste locutor vou contar uma pequena história que se passou com ele. Uma noite, já passava da uma hora da noite, estava eu de serviço de ronda pela cidade e vimos, não muito longe do edifício do PIFAS,  o vulto de um militar a caminhar pela rua fora. 

Aproximámo-nos e disse-me o Vidigal, que era o meu soldado ordenança:
Meu alferes vai ali um militar fardado e sem boina e já passa da hora de recolher!

Quando nos aproximámos, eu perguntei-lhe que se identificasse, o que ele fez prontamente e justificou-se que trabalhava no PIFAS, onde era locutor, tinha acabado o serviço e dirigia-se a pé para o Quartel de Santa Luzia.

Eu, que não o conhecia pessoalmente, todavia no meio da conversa, reconheci logo a sua voz pelo seu timbre pessoal, mas não me "descosi" e disse-lhe: 
 ─  Acompanhe-nos,  por favor,  até ao Quartel! 

Ele ficou muito preocupado , perguntando se tinha feito alguma coisa de mal ou se tinha infringido alguma regra, e eu repeti : 
─  Acompanhe-nos ao Quartel. 

Aflito, perguntou se ia ficar detido na Amura toda a noite, que lhe estava a complicar a vida,  pois no dia seguinte tinha que se levantar cedo para voltar à Rádio, etc. etc. Entretanto eu disse baixinho ao Lança Ramalho, meu condutor: 
─ Vamos levá-lo a Santa  Luzia, mas primeiro passa pelo Palácio do Spínola,  para o despistar. 

Qual não foi o seu espanto de alívio, quando finalmente, e  depois de algumas voltinhas, o levámos ao seu quartel de Santa Luzia, onde o entregámos sem qualquer participação, até porque o homem estava plenamente justificado. Ficou todo contente e agradeceu-nos a boleia. E então,  como estavamos próximo do fim de ano,  disse-lhe que tería eu e nós todos muito gosto que ele aparecesse na Amura,  na passagem de ano para festejar, o que ele cumpriu. 

Não sei se te recordas,  Raúl (*), que ele esteve connosco numa passagem de ano no quartel da Amura?! (**)

________________

Notas do editor:

(*) Raul Castanha [, também ex-alf mil, da PM, a viver em Alcobaça], que tinha escrito, no nosso Facebook, em 19 do corrente:

"Tomei a liberdade de 'roubar' este grande amigo de um artigo publicado na Tabanca Grande Luís Graça onde entre outros está o meu amigo João Paulo Diniz.

Foi durante muitos anos um adorno presente em minha casa. Depois quando os miúdos nascerem desapareceu. Saudades do PIFAS. Quem se lembra dele?


O Diamantino Romão também comentou:

" Lembro perfeitamente do Pifas e do meu amigo João Paulo Diniz, onde tive oportunidade de estar no estúdio ao vivo com o meu alferes Castanha e o Lourenço. Rrecordo com saudade aquela ótima musica que era passada, tive o prazer de viajar com o João, de Bissau a Lisboa, e vice versa (férias de 1 mês vim conhecer a minha filha com 1 ano, bons tempos)"... [O Diamantino Romão tem página no Facebook, a que não conseguimos aceder].

Guiné 63/74 - P12183: Agenda Cultural (288): Sessão de lançamento do livro de viagens "Toda a China", 1º volume, de António Graça de Abreu... Museu do Oriente, Lisboa, Sala Beijing, 3ª feira, 22 do corrente, 18h30. Apresentação do embaixador João de Deus Ramos. Entrada livre

1. Convite de Guerra e Paz Editores para a sessão de lançamento do livro

Toda a China (Vol. I) – Descobrir, Desvendar, Entender o Mundo Chinês
António Graça de Abreu
15x23x2,5
368 + 32 (cores) páginas
23 €
Não Ficção
Nas livrarias a 17 de Outubro
Guerra e Paz



Nunca nenhum português falou assim da China. Por uma razão: o autor deste livro é o português que mais bem conhece a China, toda a China.


2. Press release, do editor, enviado em 16/10/2013:

A China tem 9,6 milhões de quilómetros quadrados. Um português acaba de os conquistar.

Já era tempo de um português pensar e escrever aChina por si mesmo, baseando-se na sua própria experiência, nas suas viagens, na sua relação vivida com o território e com as pessoas. António Graça de Abreu é esse português. «Toda aChina» é esse livro. Nunca nenhum português falou assim da China. Por uma razão: o autor deste livro é o português que mais bem conhece a China, toda a China.

«Toda a China» é o resultado das peregrinações de António Graça de Abreu pelo velho e actual Império do Meio. Todas as 23 províncias, cinco regiões autónomas, quatro municípios centrais e duas regiões administrativas especiais, foram visitadas ao longo de 36 anos de jornadas e estadas na vasta China, tão grande como a Europa.

Neste primeiro volume de «Toda a China», António Graça de Abreu traz-nos o testemunho das suas múltiplas vivências em viagens pelas grandes cidades ou pelo infindável campo chinês, pelas montanhas sagradas do Império ou por templos budistas e taoistas perdidos nos confins da China.

Mas não se engane. Mais do que um guia de viagens, este é um livro que lhe dá a conhecer a história, o património cultural, as transformações sociais e políticas e a forma de vida de toda aChina. E é um livro que inclui mais de 60 fotografias inéditas e a cores, assim como mapas detalhados de todas as províncias visitadas.

Leia e aceite o desafio de António Graça de Abreu:«Descobrirá porventura o prazer de caminhar comigo de cidade em cidade, de província em província, de tentar conhecer uma civilização e cultura únicas debaixo do céu, de sentir o pulsar daChina de ontem, de hoje, de sempre.»

3. Toda a China > Sinopse

Toda a China é o resultado das peregrinações de António Graça de Abreu pelo velho e actual Império do Meio. Após seis anos em Pequim e Xangai, entre 1977 e 1983, o autor continuou a viajar pelo mundo chinês, da Manchúria às fronteiras com o Laos, da Mongólia Interior a Taiwan, de Macau ao Tibete. Todas as 23 províncias, 5 regiões autónomas, 4 municípios centrais e 2 regiões administrativas especiais, foram visitadas ao longo de trinta e seis anos de jornadas e estadas na vasta China, tão grande como a Europa.

Neste primeiro volume da sua Toda a China, António Graça de Abreu traz-nos, numa escrita descomplexada e fascinante, o testemunho das suas múltiplas vivências em viagens pelas grandes cidades ou pelo infindável campo chinês, pelas montanhas sagradas do Império ou por templos budistas e taoistas perdidos nos confins da China, por desertos inóspitos ou pelas costas rasgadas, abertas sobre o Pacífico. É a completa imersão no mundo chinês, plurifacetado e complexo, na sua história, património cultural, transformações sociais e políticas, na vida quotidiana de centenas de milhões de cidadãos tão diferentes de nós mas com um mesmo coração a bater ao compasso de um mesmo tempo.

Toda a China é ilustrado com fotografias do autor. O segundo volume será publicado em 2014.

3. Biografia do autor [, foto à esquerda, na China, foto do autor, editada por L.G.]

António Graça de Abreu 

[, que é também membro da nossa Tabanca Grande,  ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74]

(i) Nasceu no Porto, em 1947.

(ii) licenciado em Filologia Germânica e Mestre em História:

(iii)  foi professor de Língua e Cultura Portuguesa em Pequim e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, entre 1977 e 1981;

(iv)  foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente;

(v) leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, na ex-Missão de Macau em Lisboa, e actualmente na Universidade de Aveiro e no Museu do Oriente;

(vi) traduziu para português O Pavilhão do Ocidente (1985), teatro clássico chinês, e os Poemas de Li Bai (1990), Prémio Nacional de Tradução 1991, Poemas de Bai Juyi (1991), Poemas de Wang Wei (1993), Poemas de Han Shan (2009) e o Tao Te Ching, de LaoZi (2013);

(vii)  é autor dos livros de poesia China de Jade (1997), China de Seda (2001), Terra de Musgo e Alegria (2005), China de Lótus (2006), Cálice de Neblinas e Silêncios (2008), A Cor das Cerejeiras (2010) e co-autor de Sinica Lusitana, vol. I e II, (2000 e 2003).

Fonte: Guerra e Paz Editores, Lisboa


Convite da da Fundação Oriente Museu e  Guerra e Paz Editores. A sessão do lançamento do livro é na 3ª feira, dia 22 do corrente, às 18h30, no Museu do Oriemte, sala Beijingt. Apresentação do libvro a cargo do embaixador João de Deus Ramos  que abriu a nossa Embaixada em Pequim, e que é um velho amigo do escritor.
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12153: Agenda cultural (287): Sessão de apresentação do livro "Profetas do Consumo", de autoria de Mário Beja Santos, dia 22 de Outubro de 2013, pelas 18 horas, nas instalações da Direcção-Geral do Consumidor em Lisboa

Guiné 63/74 - P12182: Em busca de... (231): Casimiro Silva procura camaradas do Centro de Mensagens, em Bissau, dos anos 1971/73

1. Mensagem do nosso camarada Casimiro Silva que esteve no Centro de Mensagens do QG/CTIG nos anos de 1971/73, com data de 12 de Outubro de 2013:

Boa noite camaradas
Estive no STM – Centro de Mensagens do Q.G. em Bissau, de 25 de Agosto de 1971 a 03 de Setembro de 1973.

Após o meu regresso, aconteceu o 25 de Abril e além de ter esporadicamente contactado com o camarada, operador de mensagens, Vitor Silva, do Porto, perdi o contacto com todos!

Hoje inesperadamente encontrei o blog e porque gostava de reencontrar os camaradas com quem estive aqui fica o meu endereço e o pedido de contacto se algum andar por aí.

- Os 3 Vitor Silva (um do Porto, outro do Barreiro e outro da Apelação / Loures)
- O “Caldas”
- O “Cortegaça”;
- O Gaspar;
- O “Tchefe”
- e …

casimiro.silva@netcabo.pt
961679979
Santa Iria de Azoia

Um abraço
Casimiro Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12120: Em busca de... (230): Camaradas da CCAV 1749, Os Duros (Mansoa e Mansabá, 1967/69)... Até hoje não encontrei ninguém (Martinho Gomes)

Guiné 63/74 - P12181: Notas de leitura (527): "As Minhas Memórias de Gabu 1973/74", por José Saúde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Lera o que José Saúde ia publicando na nossa rede social. Dá gosto relê-lo, expõe-se com uma simplicidade tocante, fosse outro contexto e até se podia insinuar que estávamos perante uma prova de elevada gabarolice, quando, com toda a modéstia, o José Saúde conta sem qualquer ênfase muito mais coisas dos tempos de paz que a guerra havida, terá sido pouca e pouco funesta. Percebe-se o orgulho que tem nas suas recordações, fez muito bem em compartilhá-las connosco, não custa a crer que foi um ano vibrante e de trajetória na sua vida.

Um abraço do
Mário


As minhas memórias de Gabu, por José Saúde

Beja Santos

O nosso confrade José Saúde teve a amabilidade de me enviar as suas memórias referentes ao período 1973/74. Tocou-me a simplicidade e o louvor que encerram as suas lembranças.

A obra reúne o seu acervo de recordações de furriel Ranger colocado na CCS do BART 6523, Agosto de 1973/Setembro de 1974. E são mesmo recordações vibrantes, singelas, no que toca ao desvelar da sua intimidade, os seus lazeres, o olhar à volta, a interpretação do meio. São textos despretensiosos, não há para ali farronca, o desfiar de atos de bravura, não se ampara na guerra que os outros fazem, descreve os patrulhamentos, com grande sobriedade nessa placa giratória que era Nova Lamego. Di-lo naturalmente: “A Guiné apresentou-se, para mim, como um universo de pesadelos vividos nos verdes anos da minha adolescência”.

Foi esta a Guiné que lhe coube cumprir. O seu relato, sempre económico, ganha logo foros de universalidade: a chegada e o bafo de calor, o encontro de gentes do mesmo curso e depois a dispersão; volta atrás e conta onde assentou praça e as etapas seguintes até chegar ao Gabu; depois, no dia 23 de Novembro de 1973, o contacto com a guerrilha, entre Nova Lamego e Piche; e o deslumbramento dessa Guiné que lhe coube, com pudor vai abrindo o seu álbum de memórias, os passeios à futrica, porque o Gabu era uma minúscula imitação de cidade, digamos que o último centro urbano digno desse nome, no Leste.

De modo suave e dialogante, fala dos “filhos do vento”, tem mesmo a fotografia com a menina de Gabu nos seus braços: “A menina, linda, possuía um ar tremendamente europeu. Quem não conhecia o seu cruzamento de sangues, talvez não imaginasse a sua originalidade. Desencontros sanguíneos, fruto do acaso…”. Mais adiante tem a confirmação de que a menina morreu e mostra a fotografia da menina de Gabu, uma mãe de porte senhoril, olhar melancólico. Fala do sexo na guerra, onde e como se praticava. Acompanhamo-lo nas ações da psico e como ele procurou dirimir conflitos. E o papel das lavadeiras nas nossas vidas, e o Alberto, um puto desenrascado que gozava um estatuto supremo, sempre cordial. E acrescenta: “Guardo religiosamente uma foto com o benjamim Alberto e interrogo-me do que será feito do senhor Alberto”.

E o Natal de 1973, profusamente ilustrado. E o batuque, que tanto o deliciava. E uma referência às colunas de reabastecimento, Piche, Pirada, Canquelifá, Buruntuma, Madina Mandinga, Cabuca, viaturas avariadas, chatices suplementares. E o Damásio que teve uma morte estúpida na pista de aviação, numa descrição contida: “Numa manhã, o soldado Damásio integrou um grupo cujo objetivo passava por descarregar bens alimentícios provenientes de Bissau e que vinham a bordo de um avião. Fez-se o habitual cordão para facilitar o serviço, sendo que o Damásio se colocou entre as duas viaturas destinadas ao carregamento. Num ápice, uma das viaturas tentou a aproximação a outra que se encontrava estacionada por perto e numa manobra arriscada – marcha atrás – embateu na traseira da outra viatura, sendo que o embate ficou marcado pela morte imediata do Damásio que se encontrava entre as duas viaturas. Morreu esmagado”.

Há saudades das colunas a Bafatá, o encontro com as gentes pelo caminho, episódios impressionantes e chocantes. A guerra aparece entremeada entre episódios pícaros, como se José Saúde assim suavizasse a morte e os feridos, seus camaradas, como o drama vivido pelo Fanado.

A jactância está sempre arredada destas impressões que o conduzem à escrita: Jaló, o milícia, era um convicto pedinchão, fazia e prestava favores, com intrincadas remunerações: “As lérias do camarada africano enterneciam o mais descuidado militar se porventura não meditasse de imediato no seu doce e embalador palavreado. Mostrava-se acolhedor a fazer favores e, de seguida, propunha como recompensa: cobrar alguns pesos ou uma dádiva de arroz”.

Bafatá baila-lhe na memória e mostra o cais do Xime, que já não existe. Não tem rebuço em descrever os lazeres com futebol, conversas com homens grandes, as crianças das tabancas. Mostra o seu camarada o furriel Ramos que desertou para o PAIGC. Ramos, diz ele, cedeu ao que o seu coração lhe pediu. A sede é tema obrigatório, a sede e o acolhimento nas tabancas, guarda mesmo o nome da fonte do Alecrim, na saída da estrada que conduzia a Piche, era a nascente do reabastecimento do quartel.

O tema da fé religiosa vem à baila, não se escusa. E chegou a hora da despedida, de três para quatro de Setembro entregaram-se as instalações ao PAIGC, arreou-se uma bandeira, içou-se outra, era o ponto final. É extremamente contido quanto à chegada do PAIGC e simultaneamente deixa claro a grande ansiedade em que viviam aqueles que estavam convictos, sob a bandeira portuguesa. Na despedida, e depois de exaltar as imagens que obteve na sua máquina fotográfica Olympus mostra imagens do Gabu em 1999 e despede-se: “Estas são as minhas memórias do Gabu que tiveram o condão de passarem, em parte, ao lado dos conflitos armados no terreno”.

Percebe-se que José Saúde andou ligado ao jornalismo, dá provas neste livrinho íntimo que põe à nossa consideração, controlando a exuberância e nunca escondendo a saudade dos tempos do Gabu.

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Nota de José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523, Nova Lamego, 1973/74:

"GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74", dia 26 de Outubro, sábado, pelas 15h00, na Casa do Alentejo em Lisboa* 

Camaradas
Com a distância do tempo a imperar sobre corpos gastos por uma longevidade que já vai longa, mas que teima em preservar neste universo terrestre homens com histórias hilariantes de guerra para contar, lancei um olhar subtil sobre a nossa comissão militar na Guiné, sendo que dessa descida à realidade vivida em Gabu, procurei indagar nas minhas memórias conteúdos reais observados, concluindo que estes foram transversais a outras gerações de camaradas, não obstante a data que coube a cada um de nós percorremos naquele território distante.

Um território, aliás, fustigado pelos matos adensados, capins enganadores e desafiantes, bolanhas q.b. infestadas de mosquitos, os tons avermelhados da estéril terra, o pôr de sol alaranjado e sempre encantador, as chuvas intensas que não davam tréguas, o cacimbo que arrepiava as nossas almas, bem como o calor africano sempre excessivo constatado, entre outras circunstâncias que nos deixarão saudades e eis-nos no presente perante um reviver de imagens, algumas ténues, que teimam em bater com o nosso ego.

Sublinho, com ênfase, que fui um dos muitos milhares de militares que cruzaram a guerra com a paz e que conheceu a realidade de um tempo que confirmava então o fim do domínio português naquela antiga província ultramarina, assim como o exaltar de um jovem país que resplandecia e se afirmava no continente africano como nação independente.

GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74 é uma obra que atravessa estilos semelhantes ao longo dos anos de luta, sendo certo que as exequíveis verdades presenciadas fazem parte de um espólio das nossas vivências em solo guineense.

Revejo as agruras de uma guerra no seu auge e que se deparou, posteriormente, com o emblema da paz. Uma dualidade visionada de posições anteriormente opostas, mas que marcarão eternamente o nosso sentir no decisivo momento do adeus àquela terra que muito nos marcou.

Os textos expostos neste volume, não longos mas sucintos, mostram o essencial de um olhar atento sobre o contexto de uma guerra cruel que não dava folgas e que se predispunha a autênticas incertezas num terreno que, para nós, se apresentava, a meu ver, diametralmente desigual, tendo em conta que o IN conhecia perfeitamente os terrenos que pisava e a razão da sua luta.

Fui ao fundo do baú do meu passado, e beneficiando de uma memória que teima em manter-se em absoluta atividade, soltei as amarras dos tabus e eis-me a mergulhar livremente no planalto da saudade, trazendo a público as mais diversificadas conjunturas por mim vividas em terras de Gabu.

Não me refugiei, por uma questão de ética e de honra, nos sons estridentes dos tiros ou no desenhar de puzzles que conduziam à preparação de estratégicas operações trabalhadas no palco do conflito. Não ajuizei pretensos cenários em confrontos diretos com o IN. Procurei, isso sim, mexer com assuntos que implicitamente escondiam, e escondem, o clamor da peleja. Somos humanos e como tal as análises feitas por cada um de nós obedecem a opiniões por vezes diferentes. Neste contexto, não desafio atos de bravura, cinjo-me, sim, a singelas dissertações que mexem com foros literalmente verídicos e que nos brindam com assuntos por nós vividos.

Adianto, porém, que não tranquei em exclusivo a minha caixa de pandora com os problemas vividos em campos de batalha, mas lancei ecos noutras direções que trazem evidentes burburinhos sociais, costumes tribais, entre outras temáticas registadas que mexem, em particular, com a intimidade de jovens militares entregues então ao destino.

Camaradas, nas minhas memórias de Gabu relato, também, a forma como a hierarquia tribal impunha regras tacitamente herdadas dos seus antepassados. A ordem de partilha imposta pela tribo. A maneira hábil como uma população sabia viver encaixada com duas frentes de guerra. O sexo praticado ao longo da campanha. Os filhos do vento com a menina de Gabu. O djubi Alberto, meu companheiro. A festa tradicional nas tabancas indígenas com o fanado. As colunas. As noites no mato. O Natal de 1973. As lavadeiras. O batismo de fogo. Motes interessantes, entre muitos outros, para puxar pelas nossas memórias mesmo frágeis que elas porventura hoje se apresentem.

Nesta apresentação da obra que farei na Casa do Alentejo em Lisboa, no próximo dia 26 de outubro, sábado, a partir das 15h00, contarei com a presença de camaradas que comigo dividiram o conflito na Guiné e deixarei, obviamente, dicas para que todos, em conjunto, apreciarem e tirarem ilações contundentes, espero, de um pedaço das nossas vidas que marcaram, inquestionavelmente, os verdes anos da nossa juventude.

Luís Graça, autor do prefácio e fundador do nosso blogue, será o camarada que dissecará os ventos trazidos pelo livro GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74, numa tarde cultural onde os sons do Alentejo se farão ouvir.

Lisboa é uma região onde abundam antigos camaradas que percorreram os trilhos da Guiné. E é justamente a eles que dirijo o meu convite para uma profícua presença de gentes que continuam a navegar, tal como eu, no campo da saudade.

Até breve!

Em novembro, provavelmente, estarei no Museu Militar do Porto.

José Saúde

(*) Vd. poste de 2 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12110: Agenda cultural (285): Apresentação do livro "GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74" na Casa do Alentejo, em Lisboa, dia 26 de Outubro de 2013 (José Saúde)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12165: Notas de leitura (526): "Um Novo Caminho: Os Congressos do Povo da Guiné", por Manuel Belchior (Mário Beja Santos)