sábado, 10 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18400: (Ex)citações (331): Os problemas no CTIG logo em 1963: memórias de cá e de lá (Jorge Araújo)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Julho de 1973 > Estrada Xime-Bambadinca >  Ponte do Rio Udunduma: imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, com colchão, do mobiliário militar. Este buraco foi o meu “quarto” durante alguns meses… 


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Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Julho de 1973 >  Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca. Imagem do 'condomínio fechado'. 


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Agosto de 1973 >  Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca > Plano de água incluído no Destacamento da Ponte… Creio que o canoísta é o camarada José Sebastião.



Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Setembro de 1973 >  Imagem de parte da parada do aquartelamento de Bambadinca, onde estava sedeado o comando do BART 3873 e a sua CCS, e que distava 4 kms do Destacamento da Ponte do Rio Udunduma (contrastes da/na guerra). 


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



OS PROBLEMAS NO CTIG LOGO EM 1963: 

Memórias de cá e de lá


1. INTRODUÇÃO
As rotinas da minha continuada actividade operacional, constituídas por missões/ acções de obrigatória responsabilidade diária, têm-me impedido de dizer “presente no imediato” aos apelos do Blogue da Tabanca Grande (BTG), como eu gostaria que acontecesse. Mas, logo que a agenda o permite, lá vou ordenando algumas letras que funcionam, também, como “prova de vida”.

Assim, o caso em apreço relacionado com o tema em título, ainda que com algum atraso, levou-me a optar por uma triangulação entre memórias pessoais de cá e de lá, contributos já divulgados no nosso Blogue e trabalhos de investigação que começam a surgir, com mais frequência, sobre esta problemática.




Dito isto, espero contar com a vossa benevolência pelo facto de repetir algumas ideias expressas anteriormente nos trabalhos citados, a começar pela investigação histórica elaborada pelo nosso amigo José Matos, também ele membro da Tabanca Grande, e que aqui foi reproduzida em duas partes [P15795 e P15796], e já publicada na Revista Militar n.º 2566 de Novembro p.p., com o título “O início da Guerra na Guiné (1961-1964)”.

O artigo da autoria de José Matos acabou por suscitar o interesse e o elogio dos que sobre ele se manifestaram, levando cada qual a produzir o seu comentário de acordo com a sua perspectiva, sinal de que o tema [digo eu] continuará em aberto.



Porém, o principal destaque recaiu na avaliação feita pelo Coronel Fernando Louro de Sousa, na qualidade de novo Comandante-Chefe da Guiné nomeado em finais de 1962 pelo Governo de Lisboa (Oliveira Salazar), mas que só em 20 de Março de 1963 chegaria a Bissau, dois meses depois do ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro, considerado por todos os intervenientes [incluindo a literatura] como a data do início do conflito armado naquele território ultramarino.

Seis meses após ter iniciado as suas funções, exclusivamente como Comandante-Chefe, apresenta em Lisboa, em 4SET1963, uma exposição da situação ao Conselho Superior Militar, enumerando um conjunto de problemas que dificultavam a resposta das NT ao esforço de contra-subversão, a saber:

(i) Deficiente instrução das tropas e quadros;

(ii) Deficiente equipamento das unidades no terreno;

(iii) Falta de pessoal / insuficiência de efectivos;

(iv) Abastecimento (material, munições, víveres e água);

(v) Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses;

(vi) Instalações inadequadas;

(vii) Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole.



2. ENTRE AS MEMÓRIAS DESSA ÉPOCA E AS MINHAS


A eclosão do conflito armado na Guiné que, mau grado, acabaria por ser o meu destino nove anos depois, na condição de combatente miliciano, tem lugar quando tinha somente doze, ou dez anos se considerar o início da insurreição armada em Angola, em 15MAR1961, realizada pela UPA [União dos Povos de Angola], desconhecendo por completo, na época, o que estava na génese de cada uma, apenas gravando o conceito “Guerra do Ultramar”, com que foi baptizado.

Frequentava, então, o Liceu Camões, a segunda escola pública a ser construída em Lisboa, na Praça José Fontana, e inaugurada em 16OUT1909, sendo a primeira o Liceu Passos Manuel, em 1836, e que na sequência do «25 de Abril de 1974» passou a designar-se por Escola Secundária de Camões, mudança de nome verificada, aliás, em todos os Liceus existentes nessa época.

Nesse período o que mais me marcou e que ainda hoje retenho daqueles ambientes carregados de emoção, muitas lágrimas e uma mancha humana acenando com lenços brancos, foram as imagens dos embarques, no cais da Rocha Conde de Óbidos, dos diferentes contingentes de militares zarpando rumo a Luanda, Bissau ou Lourenço Marques, então mais velhos do que eu nove/dez anos.



Lisboa > Cais da Rocha > 1963 (há mais de meio século) >  Imagem (cinzenta como o ambiente) que se viria a tornar banal em Lisboa, uma vez que passou a ser repetida tantas vezes quantos os embarques dos contingentes com jovens milicianos (combatentes) realizados com destino a um dos três Teatros de Operações (Angola, Guiné ou Moçambique). E foram largas centenas. Era o momento da despedida reciproca e que para alguns foi para sempre… lamentavelmente. A partir de 1971, passou a ser utilizado, também, o transporte aéreo através da FAP, por ser mais rápido, cómodo e económico quando comparado com o marítimo (foto de autor desconhecido).



Entretanto, a avaliação provavelmente empírica de Louro de Sousa deveria ser reflexo daquele que terá sido o primeiro grande PROBLEMA que se colocou aos responsáveis políticos da época - os RECURSOS (quer os HUMANOS quer a competente LOGÍSTICA) - sempre imprescindíveis em qualquer organização, de que a MILITAR não é excepção, particularmente em contexto de guerra. E esses problemas não estavam resolvidos… nem nunca estiveram.

De referir que o conceito de logística, enquanto ramo autónomo da ciência militar, significa a arte do planeamento e da execução de movimentos e sustentação de forças. Nela se inclui um vasto conjunto de actividades complexas e interdisciplinares que vão desde a sua concepção e desenvolvimento; obtenção, recepção, armazenagem, movimentos, distribuição, manutenção, evacuação e alienação de materiais, equipamentos e abastecimentos e todas as actividades de apoio sanitário.

Por outro lado, as distâncias entre a Metrópole e cada um dos três TO, às quais se adicionam a inexperiência em relação ao modo como gerir, com sucesso, a natureza social e política do conflito e, ainda, à teimosia cega de não o resolver com bom senso, conduziram a uma maior exigência operacional dos efectivos aí destacados. Os recursos humanos e logísticos cresceram, por isso, ao longo dos anos, concomitante com as responsabilidades atribuídas aos jovens militares, fazendo recair sobre estes, desde o seu início, o ônus da manutenção de Portugal no continente africano em nome da Pátria, isto é, em nome da perpectuação do regime político vigente, se necessário com recurso da sua própria vida, como está plasmado na vasta bibliografia existente, quer seja nacional ou internacional.

Considerando que o conceito problema [contexto acima] faz parte, justamente, do nosso léxico do dia-a-dia [ex: tenho um problema; só temos problemas; arranjaste-me um problema; como resolver este problema; …] recupero aqui a definição do escultor e escritor italiano Bruno Munari (1907-1998) que nos diz: “todo o problema implica um certo saber do não saber, ou seja, antever, se terá ou não solução e para isso é preciso experiência” (in. Das Coisas Nascem Coisas, Lisboa. Edições 70, 1982, p. 39).

Durante a presença no CTIG (1972-1974), que decorreu entre os nove e os onze anos do conflito, reconheço a existência dos problemas caracterizados anteriormente por Louro de Sousa, por experiência feita da actividade operacional na minha Unidade Orgânica [CART 3494], ainda que admita serem de menor escala face ao esforço que naturalmente foi despendido para os minimizar ao longo do tempo uma vez que foram operacionalizadas diversas mudanças no terreno em função da reformulação das estratégias/tácticas propostas pelas sucessivas chefias militares nomeadas pelo Governo Central, mas sem grandes resultados.

Contudo, esse contacto directo com as várias realidades leva-me a ter uma percepção dualista, ou seja, NÃO e SIM, uma vez que eram distintos ou desiguais a natureza de cada um deles, bem como os contextos e locais onde se actuava, variando em função da geografia do terreno e da proximidade das linhas de fronteira, quer a norte quer a Sul, onde, nestas regiões, estavam sedeadas as principais bases do PAIGC. Esta localização facilitava-lhes a vida, e muito, pois ampliava o quadro de opções de mobilidade para realizarem as suas actividades de ataques e flagelações aos alvos seleccionados. Era também desigual a vida nas Cidades, nas sedes de Batalhão (CCS), nos Aquartelamentos e Destacamentos, e quanto mais no interior maior, levando-nos a (con)viver com o fenómeno da interioridade e com as situações adversas sem alternativas.

Outro problema, não menos importante, estava relacionado com o esforço que era necessário fazer para manter em funcionamento a rede da estrutura logística, sem a qual não teria sido possível suportar tanto tempo, por efeito dos insuficientes recursos locais e financeiros, ainda que uma parte dela estivesse a cargo de cada umas das Unidades por descentralização de competências.

Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica. Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar representou (creio) o Sport Benfica e Castelo Branco.

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.


Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão” através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas d
as NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf.Art., como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325 narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento, onde ele refere o seguinte: “sou (fui) um dos intervenientes desse triste e doloroso episódio na História da CCAV 8350”. Recorda que na tarde de 4JUN1973, em Gadamael, o Alf Mil Branco saiu com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCAÇ 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3JUN, sob o comando do cap. paraquedista Terras Marques).

Este acontecimento está, também, publicado em “A última missão, de José Moura Calheiros, 1.ª ed., Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, pp. 527/528”.

Nesse mesmo ano de 1973, quando estava já contabilizada uma década do conflito armado, o problema das instalações inadequadas mantinha-se, situação gravada nas imagens abaixo [para memória futura], de que é exemplo o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito na estrada Xime-Bambadinca. Este espaço fora ocupado a partir de 29MAI1969 pelo camarada Carlos Marques [ex-Fur.Mil da CART 2339], acompanhado por elementos do seu GComb, data em que a ponte aí existente [velha] foi danificada por elementos do PAIGC, história já narrada nos P12565, P12586 e P12734.

Trata-se de um mero exemplo e não caso único, naturalmente, como se pode provar através do riquíssimo espólio existente no Blogue da Tabanca.

Recordo, nas fotos acima , esse tempo e esse espaço no cada vez mais distante ano de 1973 [julho, agosto e setembro]..




3. UMA VISÃO HISTÓRICA SOBRE A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA DE ÁFRICA (1961-1974), POR PEDRO DA SILVA MONTEIRO (CAP)

Para concluir a presente narrativa, consideramos pertinente divulgar o que vem sendo feito a nível da investigação histórica relacionada com o fenómeno da “Guerra do Ultramar”, destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática.

A investigação em referência identifica, como questão central, em que medida a manobra logística de
Portugal influenciou as operações militares nos três TO e contribuiu para a sustentabilidade da Guerra Subversiva de África, de 1961 a 1974.

Desta questão de partida inicial a investigação derivou para mais seis subtemas, a saber:

a) - Qual a estrutura logística de Portugal antes e durante da guerra?

b) - Que dificuldades sentiram os serviços de apoio logístico de Portugal e quais os maiores problemas verificados?

c) - O que esperava o governo português do sistema logístico?

d) - Quais as necessidades sentidas pelas forças em operações, e que abastecimentos foram fornecidos?

e) - Que apoios logísticos recebeu Portugal do exterior?

f) - Como é que os serviços de apoio logístico se adaptaram às exigências operacionais e que implementações foram feitas?


Eis uma parte do resumo elaborado pelo autor.





Neste sugestivo trabalho de investigação encontramos algumas análises de dimensão histórica e política que ajudam a situar a problemática identificada por Louro de Sousa, em 1963.

Recebam um forte abraço de amizade.

Jorge Araújo.

10MAR2016.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18399: Convívios (842): Vai realizar-se no próximo dia 22 de Março o XXXVI Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no Restaurante "Caravela de Ouro", em Algés (Manuel Resende / Jorge Rosales)


Vai realizar-se no próximo dia 22 de Março, quinta-feira, com início às 12 horas, mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o 36.º, no Restaurante "CARAVELA DE OURO",  em Algés.



Página no Facebook de A Magnífica Tabanca da Linha


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Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18378: Convívios (841): XXXV Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447 - Brá, 1964-1974, a realizar-se no dia 14 de Abril de 2018 na Tornada, Caldas da Rainha (Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447)

Guiné 61/74 - P18398: Os nossos seres, saberes e lazeres (256): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 14 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há quem fuja de viajar no Outono e no Inverno no Norte da Europa. É um equívoco, sendo facto que a temperatura esfria, o céu se apresenta nublado e os dias encurtem, é tudo uma questão de programar o melhor aproveitamento possível das horas de luz, uma cidade como Bruxelas franqueia as portas de esplêndidos museus, tem jardins e parques soberbos, nos bairros típicos aguarda o visitante a traquitana mais diversa e o turista endinheirado tem galerias de arte, lojas de antiguidades e ourivesarias soberbas, Antuérpia é ali ao lado, continua a ser um dos centros de lapidação de pedras preciosas sem rival. O viandante vinha com propósitos de estadia low-cost e foi bem-sucedido, como, com toda a sinceridade, se está a contar.

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (6)

Beja Santos

O viandante procura ser meticuloso, mete num bloco de notas o que vai fazendo ao longo do dia. Ora, como se escreveu anteriormente, andou-se por Namur e passou-se por raspão pela exposição “Shakespeare Romântico”, no museu Félicien Rops, artista que o viandante cultiva pela crueza, ferocidade dos seus desenhos e telas, quebrou com convencionalismos e foi sempre controverso com uma sensualidade inaudita para a época, como a capa desse folheto ilustra. A exposição de Shakespeare permitia uma leitura paralela entre as obras do autor de Hamlet e a visão pictórica dos artistas do meado do século XIX, sempre à procura das grandes epopeias amorosas, e daí este quadro de Paul Steck, a Ofélia dos amores hamletianos. Pede-se desculpa de não ter ido no noticiário da viagem a Namur, como convinha.



Tem sido dito com insistência que a chamada Bruxelas Capital dispõe de uma folgada cintura arbórea/florestal que permite aos amantes da natureza, na maior parte das comunas, sair de casa e entrar rapidamente num bosque, num parque ou num determinado troço da floresta de Soignes. O viandante sugerira na véspera ao seu anfitrião, caso houvesse luz e não o habitual céu de chumbo que fosse calcorrear o bosque de Cambre, de uma extraordinária beleza. Houve mesmo luz, pode-se ver o extraordinário cromatismo deste bosque em pleno Outono.




À volta dos lagos, havia uma questão intrigante: por que diabo as águas estavam completamente esverdeadas, tratar-se-ia do fenómeno da eutrofização? Não se encontrou resposta, no regresso perdeu-se a inquietação sobre aquela água verde. Mas que dá uma visão espetacular, dá, ainda por cima, gera equilíbrio e harmonia com o matizado do arvoredo circundante.



Para onde quer que se volte, o viandante deslumbra-se com a paleta de cores, esta desagregação de amarelos, verdes e castanhos, por vezes emaranhados, em muitos casos com o seu perfil autónomo. Abençoada manhã, uma enorme tranquilidade, gente a correr, gente a namorar, um completo folguedo com a nesga de sol e estes poderosos revérberos que tornam os bosques fascinantes, numa última acalmia que prenuncia o Inverno.



A tarde está pardacenta, o viandante apanha um autocarro e lança-se no centro da cidade. Hoje é que é, vai em adoração a essa monumentalidade que dá pelo nome de Palácio da Justiça. No livro “Bruxelas Percursos”, que serve de guia, diz-se claramente: “O Palácio de Justiça de Bruxelas não deixa ninguém indiferente. O seu financiador, o rei Leopoldo I e ministros escolheram, em 1861, Joseph Poelaert para seu arquiteto. Metáfora de uma justiça temível e invencível, o edifício devia ser uma obra excecional, símbolo de uma jovem nação em formação. Durante 17 anos, Poelaert, glorificado e depois repudiado, enfrentou esta construção desmesurada. Um monte de colunas, arcos babilónicos, escadarias e vestíbulos monumentais criam uma silhueta enigmática diante da qual passamos amiúde mas onde é raro entrar-se”. O viandante leva 40 anos de andanças por esta terra, viu sempre andaimes, reparações, pinturas, da cúpula ao piso térreo. O clima também não ajuda, a pedra enegrece facilmente. E o gigantismo do edifício é esmagador. Aqui estamos em contemplação.




O preito de homenagem aos mortos da guerra é constante em todo o país. Os exércitos do Kaiser por aqui entraram de roldão, deram pretexto à Grã-Bretanha em enfronhar-se na terra. O rei Alberto I não partiu para o exílio, confinou-se numa nesga de terra, junto à França, ali esteve em permanência a animar os seus homens, ficou por isso conhecido como o rei soldado. Os exércitos de Hitler esmagaram a resistência das tropas de Leopoldo III, assenhorearam-se do país, levaram os judeus belgas para os campos de concentração. A Bélgica sabe o que é ocupação, daí a difusão destes memoriais para que as novas gerações reconheçam que a paz é o bem supremo da humanidade.


É sem dúvida alguma um dos mais belos miradouros da cidade, mesmo por baixo está o reino do bricabraque, o bairro de Marolles e o seu velho mercado cheio de tradições, por aqui, no século XIX, andaram judeus da Europa de Leste a vender tudo e mais alguma coisa. Até onde a vista alcança temos o centro da cidade, quando os reis eram donos do Congo pretenderam ombrear, ressalvadas as distâncias, com Paris, remexeram na cidade de alto a baixo, fizeram avenidas desafogadas, refizeram igrejas, as novas riquezas mostraram a sua magnificência em palácios, Bruxelas acolhia a expressão de vanguarda das belas artes, a gastronomia fina, os pratos típicos de mexilhão e os chocolates que fazem furor no mundo. Dentro em breve vai chover, é uma boa ocasião para o viandante se lançar nas lojas de livros e cd’s usados. Amanhã, é certo e seguro, há experiências novas.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18375: Os nossos seres, saberes e lazeres (255): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (5) (Mário Beja Santos)

Guine´61/74 - P18397: Álbum fotográfico do João Martins (ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) - Parte I: A caminho de Piche, con 3 peças de artilharia 11.4, em setembro de 1968


Foto nº 89/199: > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > A caminho de Piche,  o novo destino do Pel Art.


Foto nº 81/199: > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 >  Picada a caminho de Nova Lamego. Só mais tarde é que foi construída uma estrada alcatroada entre Bafatá e Nova Lamego, com seguimento até Piche.



Foto nº 90/199 > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Paragem obrigatória para descansar... Rm primeiro plano, uma das 3 peças de artilharia, 11.4


Foto nº 63/199 > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > LDG 101, "Alfange", no cais de Bissau


Foto nº 68/199 >   Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > A bordo da LDG 101, "Alfange"   > As peças de artilharia 11.4. ao lado de garrafões de vinho...



Foto nº 73/199 >  Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >Setembro de 1968 > Chegada da LDG 101. "Alfange",  ao porto fluvial de Bambadinca,


Foto nº 76/199 > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Em Bafatá, com as peças 11.4 à espera de prosseguirem, em coluna auto, até Piche, via Nova Lamego.



Foto nº 81/199 > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Partida de Bafatá


Foto nº 82/199 > Coluna Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Chegada da coluna auto a Nova Lamego


Foto nº 94  A/199 > Região de Gabu > Piche > Setembro de 1968 > Finalmente as peças em posição e com bidões de proteção (1)



Foto nº 94 /199 > Região de Gabu > Piche > Setembro de 1968 > Finalmente as peças em posição e com bidões de proteção (2)



Foto nº 95/199 > Região de Gabu > Piche > Setembro de 1968 >  O régulo de Piche veio, em nome da população, dar as boas vindas ao Pel Art e ao seu comandante, o alf mil Art João Martins. Missão cumprida.


Foto nº 96/199 > Região de Gabu > Piche > Setembro de 1968 >   O disparo de uma peça 11.4


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Depois de ter gozado um merecido mês de férias, na metrópole, em agosto de 1968, o João Martins regressou ao CTIG, para ompletar a segunda parte da sua comissão de serviço. Em setembro de 1968,  lá o vemos a caminho de Piche, ma região de Gabu, com o seu Pel Art e 3 peças de artilharia 11.4... 

Estas fotos, editadas, que reproduzimos acima são relativas à coluna que, partindo de Bambadinca,  tinha como destino Piche, passando por Bafatá e Nova Lamego,

As peças (e o pessoal) vieram de LDG (Lancha de Dsembarque Grande) de Bissau, até Bambadinca, tendo feito portanto o incrível troço do Geba Estreito (a partir do Xime),

Há diferenças entre a peça 11.4 e o obus 14, que não são imediatamente percetíveis pelos "infantes" (como nos chamam, à nós, pessoal de infantaria, os nossos camaradas artilheiros, com humor e algum paternalismo...).

Recorde-se:

(i) o João José Alves Martins foi alf mil art do BAC 1 (Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69); e entrou para a Tabanca Grande em 12 de fevereiro de 2012.

(ii) ele chega a Bissau em 19 de dezembro de 1967 (e só regressará à metrópole nos princípios de janeiro de 1970).

(iii) a Bataria de Artilharia de Campanha [BAC] nº 1 é uma  unidade de recrutamento da província com cerca de 25 pelotões de artilharia (Pel Art) de soldados de todas as etnias, espalhados por muitos dos aquartelamentos do território da Guiné.


2. Sobre o obus  14 (cm e não mm...), ele já nos deu as seguintes explicações técnicas:

(...) 14 cm é  o diâmetro da alma do canhão. Recordo que um obus é constituído por "reparo", a parte que assenta no chão e que tem duas "flechas" à retaguarda para que não recue, o "canhão" que começa na "culatra" que é a parte onde se colocam as "granadas" e os "cartuchos" com diferentes dimensões e cargas, conforme a força impulsionadora que se pretende, e que está relacionada com a distância, e, finalmente, a "massa recuante" que é o sistema hidro-pneumática  que, após o tiro, leva o "canhão" à posição inicial. 

Quando estive em Bedanda, e antes de rumar a Gadamael-Porto, com destino a Guileje, os 3 obuses estavam dirigidos para 3 direções bem distintas porque os ataques eram provenientes de 3 lados bem diferenciados, pelo que, regra geral, não disparavam simultâneamente, além de que estavam em extremos do aquartelamento. 

Recordo-me que um dia, alguém vestido de modo "estranho" me perguntou se os obuses disparavam só para longe, ou, também, para perto. Respondi que só para longe. É claro que,  naquela noite, perceberam quando queriam entrar no aquartelamento, que também disparava para perto. Os africanos que se encontravam no interior da moranças é que não gostaram do "festival" porque as granadas, que pesam 45Kg, passaram-lhes a rasar, eu diria que entre 1 metro e 2metros. Numa das fotografias das minhas memórias, vê-se um furriel a acimentar o chão, onde o obus rodava... Enfim, algumas das minhas muitas recordações...que não esquecerei facilmente.. (...) (**)

No essencial,  pode dizer-se o seguinte:

(i)  a peça de 11.4 cm e o obus 14 cm eram parecidos (mesmo reparo );


(**) Vd. poste de 8 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18391: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - II (e última) Parte (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18396: Parabéns a você (1400): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Março de 2018 > Guiné 61/74 - P18389: Parabéns a você (1399): Cor Art Ref (DFA) António Marques Lopes, ex-Alf Mil Art da CART 1690 (Guiné, 1967/69)

sexta-feira, 9 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18395: Notas de leitura (1047): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (25) (Mário Beja Santos)

Bafatá nos anos 70, instalações da Sociedade Nacional Ultramarina


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Estamos no auge da segunda guerra, é assombroso como se fazem relatos minuciosos sobre a produção de arroz, tanto de Bissau como Bolama estão atentíssimos ao que se produz, crescem as necessidades e levantam-se problemas de exportação; o gerente de Bolama, nesse ano decisivo da transferência da capital da colónia, tece hossanas à navegação aérea naquele local onde se instalou a Pan-Am e faz mesmo conjeturas daquela placa giratória nesse tempo glorioso dos hidroaviões. É nisto que o gerente de Bissau apresenta os protestos do governador que se queixa da luminosidade da fachada do banco, mesmo em frente do edifício onde trabalha, e o gerente pede ao pormenor tudo o que é necessário para duas de mãos de cinzento, para que o senhor governador não fique mais ofuscado...

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (25)

Beja Santos

O relatório de exercício de 1940 da filial de Bolama adita uma curiosa informação sobre os meios de transportes na ainda capital. Quanto à via marítima, operavam dois vapores do Estado, fazendo carreiras semanais entre a capital e Bissau e ligando as diversas ilhas do arquipélago dos Bijagós. A via área trazia uma novidade: um pequeno avião, propriedade do aeroporto, fazia a ligação entre Bolama e Bissau e outros pontos da colónia que dispunham de campo de aterragem. No porto de Bissau estabelecera-se a companhia americana de navegação aérea, a Pan-American Airways Company, aproveitando o aeroporto de Bolama, em desenvolvimento para as carreiras de Lisboa América do Norte. Esperava-se que esta companhia fizesse paragem neste porto, dentro do mês de Novembro ou Dezembro, mas até à data o acontecimento não tivera realidade. A falta de embarcação para o reabastecimento dos aparelhos, como gasolina e óleo, fizera demorar a presença da Pan-Am. Mas o relatório adiantava que a companhia aérea superaria essa falta com a construção de uma grande jangada que suportando enormes tanques teria facilidade em abastecer os aparelhos. Era grande a espectativa para Bolama:  
“Dos resultados que para este porto possam advir desta carreira ainda não podem ser avaliados, mas espera-se que venham a beneficiar grandemente esta cidade e esta colónia. Dos americanos, gerente e empregados da companhia que aqui se encontram, uns para ficar e outros que vieram para estagiar e fazer preparativos, nada se consegue saber. Nós aguardamos para ver os resultados”.

Entre 1940 e 1941 cruzam-se ainda relatórios de Bolama e Bissau, a agência e a filial, mesmo dispondo de um encarregado geral pretendiam mostrar serviço a Lisboa. Veja-se um curioso texto, alusivo à situação do mercado, saído de Bolama, é a primeira parte do relatório de 1940:
“Arroz – Abriu a campanha do mês de Janeiro último. As chuvas faltaram em algumas regiões de Tombali. Em Cubumba e Cabelol e para os lados de Caboxanque os arrozais foram plantados já tarde.
Na altura das colheitas, começou a aventar-se que era escassa a produção desse ano, o que logo ao nosso regresso à colónia fomos verificar pessoalmente, correndo algumas tabancas cuja produção conhecíamos dos outros anos. Realmente os celeiros não tinham muito arroz mas quem quisesse ver encontraria as medas nas bolanhas, à espera de condução e debulha.
O indígena produtor de arroz, vendo o preço exagerado da mancarra, estava a jogar, à espera que lhe fizessem preço relativo, sob o ponto de vista de acréscimo, ao seu produto. O pequeno comerciante, o que compra diretamente ao indígena, queria convencer também o industrial que havia muita falta de arroz, para este lho pagar melhor, caso lhe quisesse comprar.
As autoridades, caladas mas agradando-lhe este estado de coisas de onde poderia resultar mais dinheiro na mão do indígena e este poderia pagar mais e melhor os seus impostos. O governo da colónia, confidencialmente nos foi dito, pediu ao ministério das colónias notícias sobre futuros, preços de arroz, na metrópole. Se fossem mais altos, obrigavam-se aqui os compradores a pagar mais caro.
Sobre exportação, nada se sabe. O Senegal deve precisar de arroz porque lhe há de faltar navegação que transporte o arroz da Indochina e que costuma ficar, em Dakar, mais barato que o arroz da Guiné!!! A Gâmbia precisa de 6 a 7 mil toneladas de arroz e já o pede mas quer barato porque o indígena não tem dinheiro para pagar mais que no ano passado pagou o arroz das colónias francesas e algum das inglesas que para lá ia”.

Não deixa de ser elucidativo o relatório de Bolama referente a 1941. Descreve o pessoal da filial; fala da natureza e valor das importações e exportações, logo adiantando que “Tendo sido transferida para Bissau a Repartição de Estatística foi-nos impossível colher os elementos necessários ao desenvolvimento do movimento geral de importância e exportação que transitou pelas alfândegas da Guiné; quanto a transportes, relativamente à via marítima, havia dois vapores do Estado, já velhos, para passageiros e carga, lanchas à vela e motor das casas exportadoras e a ligação de Bolama para Bissau e algumas circunscrições é feita por pequenos vapores, o “Geba” e o “Bolama”.


Falando da via aérea, crê-se ser do maior interesse reproduzir a informação de gerente da filial:

“Um pequeno avião que liga a colónia em serviço de governador, servindo oficiais e alguns particulares, quando urgentes e de extrema necessidade. A Pan-Am liga esta colónia com a metrópole pelo porto de Lisboa e com as Américas do Sul e o Norte, pelo porto de Natal e Belém, no Brasil. Dá-nos esta empresa oportunidade para dizer a V. Exas., depois de ouvirem pessoas que de perto acompanham o seu movimento, o seguinte.
A esta importante sociedade norte-americana de navegação aérea concedeu já o governo português grandes facilidades para a utilização do aeroporto de Bolama. A importância destas facilidades torna-se cada vez mais evidente pela posição de Bolama em relação ao continente americano e as distâncias que a separam dos aeroportos de Natal e Belém e ainda com escala para futuras ligações dentro do continente africano. A mesma sociedade criou este ano mais algumas bases de escala neste continente, entre elas uma no Lago Fischerman, na Libéria, e outra no Congo Belga, prevendo-se para um futuro próximo grandes carreiras aéreas transoceânicas.
Na impossibilidade de conseguir que os capitais portugueses se arrisquem a empresas desta natureza, é de louvar a atitude do governo português facilitando à Pan-Am o estabelecimento destas carreiras. Todas as facilidades concedidas são poucas se considerarmos não só o desenvolvimento que pode advir para Bolama, mas também que na Libéria, República criada pela América do Norte, situado um pouco ao Sul da Guiné, tendo eles toda as facilidades e só este aeroporto pode ser preferido pelas condições naturais e pelo seu apetrechamento.
Não devemos esquecer também que a ocasião é a mais própria para eles se estabelecerem em Bolama, devido ao estado de guerra em que a maior parte das nações estão envolvidas.
Um pouco mais ao Norte da Guiné está o importante porto de Dakar, que já tirou a navegação marítima a S. Vicente do Cabo Verde e não se poupariam os franceses a esforços para tirarem a navegação aérea de Bolama, se não houvesse a guerra.
Portanto, repetimos, todas as facilidades são poucas, dada a importância destas carreiras e dos benefícios que delas pode vir a ter a Guiné”.

E continua a exaltar Bolama e o transporte aéreo:
“Antes de terminar a guerra é que se deve intensificar o apetrechamento do aeroporto de Bolama, onde já o governo gastou milhares de contos apesar de pouco se ver feito.
A maior parte dos maquinismos e aparelhos para serviço do aeroporto encontram-se ainda encaixotados e armazenados, por montar, nos armazéns da alfândega, embora já despachados há mais de ano.
Concluídas as obras que faltam no aeroporto de Bolama, é de esperar que os americanos, para não terem de gastar mais dinheiro na Libéria, escolham Bolama, não só para escala, como para entroncamento das carreias transoceânicas”. 

E o gerente presta informações sobre arrendamentos à Pan-Am e de que a comissão municipal já tinha oferecido à empresa um terreno nas proximidades do banco, para eles ali construírem, mas nada resolveram.

Em 30 de Julho de 1941, segue de Bissau um ofício assinado por Virgolino Teixeira que tem o seu algo de caricato:
"Sua Excelência o Governador instalou o seu gabinete no edifício em frente ao nosso.
A ação do tempo e o sol descoraram a tinta da nossa frontaria, que está agora muito clara e é um perfeito espelho que reflete intensa luz dentro do gabinete do senhor governador, prejudicando muito. Sua Excelência desejaria que a frontaria do nosso prédio fosse pintada de escuro, desejo este que solicitamos a V. Exa. que nos deixe atender.
Mas aqui não há tintas capazes e as que aparecem melhores, mal aplicadas, já estão estragadas pelo sol intenso.
Deste modo, agradecemos que V. Exa. nos mande remeter tinta de óleo boa, cor cinzenta muito escura, para cobrir uma superfície de 400 metros quadrados e o preparo respetivo para se aplicar uma primeira camada de suporte para a tinta boa.
Aquela tinta cinzento-escuro deve vir em quantidade que permita darem-se, pelo menos, duas demãos.
Seria útil que tudo viesse remetido com urgência para aproveitarmos uns operários que vieram da Europa fazer os acabamentos em edifícios do Estado.
Por outro lado, a instalação das repartições em frente do banco tornou a casa completamente devassada.
Por esta razão, pedimos licença para fazermos aqui 7 estores de cujo custo daremos depois conta e não será exagerado”.

Os despachos apostos, em Lisboa trazem as devidas contas e a administração questiona mesmo se o assunto não é mesmo urgentíssimo…

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 2 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18373: Notas de leitura (1045): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (24) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18381: Notas de leitura (1046): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18394: Agenda cultual (632): Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, 10 de março, às 14h30: comemorando o Dia Internacional da Mulher, com vozes no feminino, plurais e lusófonas, na arte e na música



1. Convite aos nossos leitores e leitores, gentilmente enviado à Tabanca Grande pela Casa do Alentejo:

É já á amanhã, 10 de Março, a Comemoração do Dia Internacional da Mulher na Casa do Alentejo.

A partir das 14h30, venha participar nesta festa de pluralidade, com o tema da Língua Portuguesa como elo de união das Mulheres.

Esta tarde de comemoração conta com participações de Mulheres de Língua Portuguesa desde o Alentejo, ao Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Cabo Verde.

Pode assistir a atuações de Grupos Alentejanos, e das Batuqueiras do Grupo Finka Pé, um desfile de moda do Estilista Mom’s Amade, bem como ver mostras de arte, artesanato e gastronomia. Não deixe de visitar também a Exposição “A Arte e A Mulher”, coma presença de vários artistas plásticos dos países de Língua Portuguesa!

A não perder!

Casa do Alentejo
Rua das Portas de Santo Antão, 58
1150-268 Lisboa


CANTE ALENTEJANO
É PATRIMÓNIO
DO ALENTEJO PARA O MUNDO

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de fevereiro de 2018 >  Guiné 61/74 - P18366: Agenda cultural (631): Lisboa, Bairro Alto, Teatro do Bairro, hoje, 28, às 21h30: Lançamento do álbum de estreia do músico e compositor lourinhanhense Diogo Picão, "Cidade Saloia"

Guiné 61/74 - P18393: Fotos à procura de... uma legenda (102): Uma mulher fula a amamentar a "sua" cabrinha!... Ainda em tempo, celebrando o Dia Internacional da Mulher (Foto de João Martins, Piche,1968)


Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199  do álbum do João Martins > 1968 > Uma  mulher fula amamentando, com o leite do seu próprio peito,  a "sua" cabrinha (ou cabritinho ?), provavelmente um dos bens mais preciosos do seu escasso património familiar... Uma ternura de foto do álbum do nosso camarada João Martins, já célebre nas redes sociais.... Era mais fácil aos fulas vender-nos uma vaca do que um cabrito...

Foto: © João José Alves Martins (2012).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já na altura (*) eu tinha comentado a "felicidade" e a "ternura" desta foto (e,  por tabela, a apreciação do João sobre os fulas)... Dizia mais ou menos isto:

João: sobre as tuas andanças pelo leste, o "chão fula" (foste de Bambadinca a Piche com 3 peças de artilharia 11.4), as tuas reflexões, os teus temores, a tua perceção do portuguesismo dos fulas, não me compete, a mim, pronunciar...

Sabias, logo entraste,  que umas das regras de ouro do nosso blogue era justamente não fazer "juízos de valor" sobre o que cada um de nós viveu, experimentou, sentiu, pensou (ou pensa)... Aliás, no dia em que transformássemos o nosso blogue em tribunal (inquisitorial) dos combatentes da Guiné, assinarímos a sua sentença de morte!... O que felizmente não aconteceu ao fim de quase 14 anos a "blogar"...

Eu estive 22 meses entre os fulas, numa companhia africana, a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, junho de 1969/março de 1971), composta por praças fulas, do recrutamento local,  comi e dormi em tabancas fulas, defendi tabancas fulas, vivi entre os fulas, fiz amigos e amigas fulas... Tenho outras vivências, diferentes de ti, que estiveste de passagem pelo "chão fula"...

Agora, acredita, nunca vi, que me lembre, uma mulher (fula) a dar de mamar, com o leite do seu próprio peito,  a uma cabrinha!... Nem fula nem balanta ou de outra etnia... Mas no caso dos fulas, entende-se melhor: eram originalmente um povo de pastores e nómadas...

Ainda continuo a pensar o mesmo que te disse em 2012: espantosa foto a tua, parabéns!... Se fosse agora, merecias que a mandássemos para o concurso da Worl Press Photo!

Passou ontem o Dia Internacional da Mulher, ainda vou a tempo de voltar a reproduzir, no nosso blogue, esta foto que merece, seguramente,  melhor legenda do que a minha!... Aqui fica o desafio aos nossos leitores e leitoras. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

13 de maio de  2013 > Guiné 63/74 - P11565: (Ex)citações (220): Cherno Baldé, deixo aqui a minha homenagem à mulher do teu país...(João Martins)