sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18967: Notas de leitura (1096): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (49) (Mário Beja Santos)

Imagem retirada do livro “Uma Apoteose - duas visitas - uma despedida”, comemorativo do período de governação do engenheiro Raimundo Serrão, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Continua a luta renhida para manter a capital da Guiné em Bolama, o gerente de Bissau do BNU é demolidor, com aqueles argumentos era como se pedisse a transferência imediata, o Sul da Província era pobrete em negócios. Bem elucidativo é o documento respeitante à participação da Guiné na I Exposição Colonial, que iria decorrer no Porto, é um descasca pessegueiro aos empreendimentos agrícolas, alguns deles muito vistosos, sempre na mira da exploração da mão-de-obra.
Chega entretanto à Guiné Luís Carvalho Viegas, nome incontornável, irão registar-se mudanças, o novo governador vem com várias incumbências, melhorar as condições do funcionalismo, preparar Bissau para ser capital, o que só ocorrerá ao tempo de Vaz Monteiro. Ver-se-á a seu tempo que o gerente do BNU vai arrasar Carvalho Viegas, tratá-lo como dissoluto, um reles distribuidor de prebendas.
É um dos textos mais chocantes que encontrei no Arquivo Histórico do BNU.

Um abraço do
Mário


Hospital Militar e Civil de Bolama 
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (49)

Beja Santos

Em 1932, a Associação Comercial de Bolama enviara ao Governo da Colónia, e este ao Ministro das Colónias, um longo ofício a defender a permanência de Bolama como capital.
Instado a pronunciar-se sobre o documento, escreve o gerente da filial de Bissau em 13 de dezembro desse ano:
“Não nos surpreendeu o que a Associação Comercial expôs porque, sentido que a cidade de Bolama, a pouco e pouco, vai perdendo o seu valor prático na colónia, a tudo se agarra para manter a vida de uma terra que há muito vem vivendo artificialmente e que, uma vez transferida a capital da colónia, perde a razão de existir.
E tanto assim é, que ainda há dias tivemos conhecimento pelos jornais de Lisboa que a Associação Comercial de Bolama, a propósito da extinção do lugar de Capitão de Porto de Bolama escreveu ao Exmo. Ministro das Colónias no sentido de ser criado de novo esse lugar ou ser para ali transferida, de Bissau, a Repartição dos Serviços de Marinha da Colónia, com o fundamento de que Bolama era um dos melhores aeroportos de África Ocidental.
Parece que, realmente, o porto de Bolama, como aeroporto, não é mau; mas tem o inconveniente de não irem lá hidroaviões, por circunstâncias estranhas, certamente, há boa vontade da Associação Comercial.
Isso, porém, não a preocupa.
O que a preocupa e pretende dar a Bolama uma vida que não pode ter, sem se importar com os encargos que a sua fantasia pode acarretar ao Estado, como não se importa com os encargos que a modificação da organização dos serviços das Dependências da Guiné possa acarretar ao Banco”.

É um extenso documento em que o gerente de Bissau vai procurando desmontar a argumentação dos comerciantes bolamenses, e tece um quadro bastante cru da atividade da filial de Bolama:
“Tem o seu movimento limitado a operações de empréstimo sob penhores, que não são feitos pelo comércio a alguns descontos de letra da praça, e pouco ou nada mais (…). A praça de Bolama vale tão pouco oficialmente, que não tem condições para sustentar a organização de estabelecimento bancário, por modesta que seja a sua organização”.

1932 é também o ano em que volta a vir à tona as dificuldades da Sociedade Agrícola do Gambiel. Nesta documentação avulsa, o Arquivo Histórico do BNU conserva um acervo de cartas que dá alguma claridade à ascensão e queda de uma das maiores promissoras sociedades agrícolas que se instalara na Guiné nos anos 1920 e 1930.
Logo em 1927, a filial de Bissau refere-se ao empreendimento para Lisboa nos seguintes termos:
“É detentora de uma extensa concessão compreendida entre as regiões de Bambadinca e Geba, na qual se acham instaladas as fábricas de destilação, escritórios, hangares, moradias de pessoal, etc., possuindo também uma edificação na Avenida Central de Bissau. Grande parte dos seus actuais bens pertenciam à Companhia de Fomento Nacional, da qual é sucessor, pela aquisição que fez por compra, em condições vantajosas, de todo o activo e passivo daquela.
Se bem que até há pouco tenha sempre apresentado como principal entrave aos seu desenvolvimento a obtenção de mão-de-obra indispensável, podemos sem receio de contestação afirmar que a principal razão das suas dificuldades residiu sempre na falta de matéria prima para a sua destilação, originada especialmente pelas cheias do rio Geba que lhe destruíram nos últimos anos dezenas de hectares das plantações de cana sacarina.
Relativamente à falta de mão-de-obra, não acreditamos que ela exista na Guiné. Factos diários nos confirmam esta afirmação. Dirigimos há cerca de oito meses a fábrica de cerâmica, e mantemos há anos as obras nos nossos edifícios, dispondo sempre de pessoal indispensável, sem ter necessidade de requisitar às autoridades administrativas. Pagando-se convenientemente e tratando o indígena bem, creiam V. Exas. que os braços não faltam nunca. O ponto difícil da questão é saber se remunerando o indígena com um justo valor do seu esforço haverá muitas empresas que possam com êxito e probabilidade de resultados manter quer as suas indústrias quer os seus trabalhos agrícolas. A Gambiel é das poucas que está em condições de suportar este encargo.
Ainda a este respeito, falando em tempos com o ex-Governador Velez Caroço, com quem variadas vezes trocámos impressões sobre a Gambiel, nos foi afirmado que a falta de mão-de-obra nesta empresa teve sempre origem no deficiente e irregular pagamento feito aos trabalhadores”.

Em 14 de junho de 1928, escreve-se para Lisboa acerca do mesmo empreendimento agrícola:
“Esteve aqui há cerca de dois meses o Engenheiro Armando Cortesão que veio tratar de conseguir o exclusivo para a instalação que dezasseis máquinas para descaroçamento e prensagem de algodão nos principais centros do interior da colónia, e ainda, ao que nos informou, para estudar a forma de regularizar a situação da Gambiel”.
Mais se informava que o Engenheiro Cortesão se retirara para França, havia vultuosas responsabilidades da Gambiel com a Agência do BNU, dava-se como garantia dos débitos tanques e garrafões com cerca de doze mil litros de aguardente. Na mesma carta se informava que a Gambiel cessara a destilação de aguardente. Em 1931, de novo se informava Lisboa que a Gambiel ainda não liquidara integralmente os juros e outras despesas em atraso. Em janeiro de 1932 voltava-se a informar que a Gambiel entregara a aguardente como caução do seu débito. Temos depois o silêncio, é bem provável que a Gambiel, de que se depositara tantas esperanças como empreendimento agrícola modelo caminhava para a extinção.

No fim de abril de 1933, confirma-se que o Major de Cavalaria Luís António de Carvalho Viegas assumira o cargo de governador, o gerente de Bissau não se exime a dar as suas impressões pessoais:
“Ao senhor Governador, como é da praxe, apresentamos em devido tempo os nossos cumprimentos, tendo trocado com ele algumas impressões gerais.
Deixou-nos a impressão de uma pessoa de inteligência normal, mas bem-intencionado e animado de bons desejos.
Oxalá que tenha a força necessária para transformar a feição indisciplinada da colónia.
Quanto à transferência da capital para Bissau, cremos que não será tão cedo que esta justa aspiração se realizará”.

Era claro o investimento que o BNU fazia na Sociedade Industrial Ultramarina, o gerente de Bissau contacta os seus colegas em Cabo Verde, tanto em S. Vicente como na Praia. Vale a pena ler os seus comentários, fica-se com a dimensão de que o gerente bancário tinha olho para os negócios industriais.
Assim se informa S. Vicente os pormenorizados esclarecimentos sobre a colocação de telha fabricada pela Sociedade Industrial Ultramarina:
“Por este vapor remetemos três grades com telhas, como amostra.
O preço é de 1$00 por telha tomada na fábrica de Bandim – a três quilómetros de Bissau –, podendo ali ser carregada por qualquer palhabote. Pretende esta sociedade que a telha possa ser vendida nos portos dessa colónia ao mesmo preço por que a vende aqui.
Para tanto, o que convém é que os veleiros, fretados por conta da Sociedade ou de estranhos o sejam com frete redondo, para ser gratuito o frete da telha. Nestas condições, convém que venham carregados de sal, cobrindo este carregamento o frete de retorno. Se V. Sras. tiverem oportunidade de conseguir que qualquer dos vossos clientes se interesse por este negócio, agradecemos o favor de o promover”. 
E escreve-se deste modo para a Praia, depois de usar argumentação idêntica a que já se usou para S. Vicente:
“Está a Sociedade estudando o assunto a fim de fazer a operação por conta própria; no entanto, se V. Sras. tiverem de conseguir que qualquer dos vossos clientes se interesse por este negócio, agradecemos o favor de o promover”.

E assim chegamos a 1934, pede-se a colaboração do BNU para a I Exposição Colonial Portuguesa, Lisboa fizera um conjunto de perguntas para apurar a viabilidade de incluir um pavilhão referente à Guiné, era preciso fazer um inventário das indústrias existentes e empreendimentos agrícolas. Convenhamos que a resposta terá sido recebida em Lisboa como muito desalentadora:
“Não foram nesta colónia criadas indústrias, sendo certo, porém, que com o dinheiro levantado no Banco por meio de descontos ou empréstimos caucionados, uns e outros feitos a firmas comerciais e a título comercial, se montaram na Guiné as indústrias de cerâmica, gelo e eletricidade, fábricas de óleo de palma e transportes de cabotagem.
A fábrica de cerâmica de Pereira Neves & Cª e as flotilhas dessa firma e da Sociedade Portuense, Lda., foram administradas directamente pelo Banco, depois dessas firmas terem liquidado contas com esta agência, entregando-nos os seus haveres e valores que mais tarde passaram para a Sociedade Industrial Ultramarina. São factos posteriores a 1925.
Quanto a auxílio prestado pelo Banco directamente à agricultura, também verdadeiramente o não há. Algumas firmas comerciais desviaram um pouco da sua actividade e dinheiro para a agricultura, mas as operações de crédito efectuadas realizaram-se a título meramente comercial.
De resto, na Guiné não há, praticamente, agricultura europeia com exploração organizada e metódica, como em outras colónias do Império.
Todas as tentativas agrícolas da colónia com essa preocupação – Companhia Estrela de Farim, Sociedade Agrícola de Fá, Sociedade Agrícola do Gambiel, Lda., Empresa Insular da Guiné e Companhia Algodoeira da Guiné Portuguesa – foram ou têm sido apenas sorvedores de dinheiro dos accionistas, e a única que ainda se mantém é a Sociedade Agrícola do Gambiel que explora exclusivamente culturas anuais – cana sacarina –, como outras pequenas agriculturas disseminadas pela colónia.
As firmas atrás indicadas, de que hoje só existe o nome, realizaram com esta agência apenas operações de utilizações de créditos mandados abrir em nossos livros”.

A Guiné, dito com total frontalidade, tinha muito pouco a mostrar na I Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto, nesse ano, a Guiné deu brado, enviou o régulo Mamadu Sissé, um herói das campanhas de pacificação, a belíssima Rosinha, que ganhou o certame das vampes coloniais, e as Bijagós de peito ao léu e a ondular as saias de ráfia provocaram uma grande consternação às senhoras de bons costumes, que apresentaram queixa ao coordenador da exposição, Capitão Henrique Galvão.

Bafatá, a ponte sobre o rio Geba, 
Imagem do Arquivo Histórico do BNU, com a devida vénia.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 24 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18950: Notas de leitura (1094): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (48) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18958: Notas de leitura (1095): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18966: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte VIII: Sangue, suor e lágrimas... mas missão cumprida!


Foto nº 52 


Foto nº 54


Foto nº 51


Foto nº 50


Foto nº 53


Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757.


Legendas (de 50 a 54, de um total de 55):

50. Atirei a uma gazela, ainda hoje se deve estar a rir, não lhe acertei!

51. Apanhado em flagrante de Litro (... a beber chá)

52. Tarefa diária obrigatória [, a piagem da estrada]

53. Retrato de família [ou de parte da família...]

54. Missão cumprida! Com o Vitor Simões, à esquerda, e eu a telefonar para... Bucelas!

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18885: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte VII: As chaimites chegam a Bissau em 1971

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18965: (De)Caras (115): O Carlos Fabião que eu conheci (António Novais Ribeiro, ex-fur mil trms, Cmd Agr 2951, Cmd Agr 2952 e Combis, 1968/70)


O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Aqui na foto ainda capitão e depois major, comandante do Comando Geral de Milícias (1971-973), ao tempo de Spínola... Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia. In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335


I. O António Novais Ribeiro, engenheiro, reformado, morador na Senhora da Hora, Matosinhos, contou-me, ontem, na Tabanca de Candoz, várias histórias do então major de operações Carlos Fabião. com quem trabalhou no âmbito do Comando de Agrupamento 2951 (e depois, 2952), em Mansoa, em 1968/60... 

Eu gostaria de as não esquecer. Carlos Fabião (1930-2006) não é um militar qualquer... O tempo dirá qual o seu lugar na história de Portugal. Aqui ficam. para já,  essas "pequenas histórias", que são  reveladoras do seu carater, sentido de humor, ar brincalhão, afabilidade, mas também da sua postura como militar... Dele se pode dizer que ninguém é feito de "uma só peça"... (Julgo que em Mansoa, em 1968/69, o Carlos Fabião ainda devia ser capitão e não major..).

Sobre o Carlos Fabião temos meia centena de referências.... Disse-me o António que o Carlos Fabião esteve 5 vezes na Guiné, a primeira como alferes ainda nos anos 50... Eu, pessoalmente, tinha a ideia que fizera 3 comissões de serviço na Guiné... Ainda não pude confirmar esta informação. De qualquer modo, era talvez o oficial do exercito português que melhor conhecia a Guiné e os guineenses. Recorde-se que, graduado em brigadeiro, ele foi  o último Alto-Comissário e Comandante-Chefe do CTIG, entre 6 de maio e 11 de outubro de 1974.

1. Um dia chegiu ao pé do alf mil Novais (era assim que o António era tratado) e entregou-lhe um "aviãozinho de papel", pintado a cores e tudo:

- Novais, guarde-me aí na sua gaveta este aviãozinho.
- Para quê, meu major ?
- Quando vocêr tiver 53, eu vou de férias!

... E todos os dias lhe confiava um aviãozinho de papel, pintado às cores, até à véspera da sua idade de féris à metrópole...

2. Também era brincalhão, e gostava de pregar partidas aos seus subordinados, em especial aos 3 alferes (Novais, Torgal e Oliveira, este último já morreu, foi tripulante da TAP).

Recorde-se que o António Novais Ribeiro foi furriel miliciano de transmissões, entre 1968 e 1970, no Comando de Agrupamento 2951 (Mansoa), e no Cmd Agrup 2952 (extinto em 7 de janeiro de 1969, sendo o seu pessoal integrado no Combis - Comando de Defesa de Bissau). Trabalhou, nomeadamente com o, na altura, major inf Carlos Fabião. Teve também como camarada o  historiador Luís Reis Torgal [Luís Manuel Soares dos Reis Torgal], mais velho 3 anos, alferes miliciano. Em 1966, já  estava licenciado. No Cmd Agrup estava ligado às operações ou à secretaria, já não posso precisar. Os gabinetes estavam pehados. O do Torgal tinha um postigo, furado, e uma rede mosquiteira... Um dia o Fabião. chegou ao postigo e chamou pelo Torgal:
- Ó Torgal, abra lá o postigo!
- O quê, meu major ?

... Do outro lado da janelinha, o Carlos Fabião tinha um seringa com água... Borrifou a cara do Torgal...

3. O Carlos Gavião costumava mandar aprontar uma viatura e ir para as tabancas de Mansoa conviver com a população, em acções de "psico-social"...

E convidava malta  do comamdo de agrupamento para ir com ele... O Novais nunca foi, mas era lendária a sua coragem física e a sua empatia... Costumava distrinuir aguardente de cana aos balantas cujas simpatias, soubemo-lo, íam mais facilmente para o Amílcar Cabral do que para o Spínola...

4. Também desenhava muito bem... Um dia fez um "boneco" com a chegada do Nuno Tristão à costa da Guiné, em 1446... 

O navegador português morreria pouco depois com uma flecha, possivelmente envenenada. Antes de morrer, o Nino Tristão ainda tem tempo, no "cartoon" do Carlos Fabião, de exclamar qualquer coisa como;
- Chego demasidafo cedo à Guiné e morro sem poder vir a ser o primeiro administrador da Casa Gouveia...

5.  Outra do Fabião:

O Cmd Agrup 2951 recebe uma mensagem Zulu ("Relâmpago"), secreta... O 1º cabo cripto decifrou-a, imediatamente, e logo a entrega da mensagem descofificada, em envelope fechada, ao alferes de transmissões paar ser entregue ao major de operações...

O Novais procura, a correr, o Fabião. Em vão, vasculhou tudo o que era sítio no quartel de Mansoa...Esbaforido, já desesperado, acaba finalmente por o localizar, à entrada da porta de armas, vindo de uma tabanca ou coisa do género...

Exclamou o Novais, à beira de um ataque de nervos:
- Porra, meu major, onde é que o senhor se meteu ? Tenho aqui uma mensagem relâmpago para si, ando há duas horas à sua procura.
- Ó Novais, você sabe que a mensagem relâmpago tem o grau máximo de procedência, mas isso é para o cripto, e lá na tropa... Agora, na Guiné,  você tem 24 horas paar ma entregar... Como só lá vão duas, ainda tem 22 horas de avanço...

Recorde-se aqui a classificação mensagens:

Z - ZULU ? = Relâmpago (No centro cripto, passava à frente de todas as outras; grau máximo de urgência)

O - OSCAR = Imediato (As primeiras a serem decifradas, caso não houvesse Zulus...)

P - PAPA = Urgente (Para se fazer...)

R - ROMEO = Rotina...(Como o seu nome indica, para ser ir fazendo...)

Quanto ao secretismo, as mensagens eram classificadas por esta ordem:

Reservada / Confidencial / Secreta / Nuito secreta

Explicação dada pelo  nosso camarada António J. Pereira da Costa: as mensagens têm ainda hoje 4 graus de precedência: Relâmpago, Imediato, Urgente e Rotina. A mensagem Relâmpago (Z) deveria chegar ao destinatário em 10 minutos.  As Imediato (O) demorariam cerca de 2 horas. As Urgente (P) já iam para as 4-6 horas.  Claro que as Rotina (R) eram como o combóio do espanhol. 

No que diz respeito à classificação de segurança ainda hoje temos as Muito Secreto, Secreto, Confidencial e Reservado.

6, Outra ainda que me contou ontem o António Novais Ribeiro, na Tabanca de Candoz... 

Por qualquer razão, o major Fabião queria dar uma "piçada" ao pessoal de transmissões do Cmd Agr... Ordena ao alferes de transmissões do Cmd Agrup 2951 (depois 2952):
- Novais, forme aí o seu pessoal.
- Sim, meu major.
- À minha direita... mas você coloca-se a meu lado, à esquerda.
- Sim, meu major, mas.. à sua direita, porquê ?
- É que vai tudo ser corrido à chapada...

[Texto: recolha, revisão e fixação: LG]
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Guiné 61/74 - P18964: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte I

1. Em mensagem de 21 de Julho de 2018, o nosso camarada Adolfo Cruz(*), (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1970-1972) enviou-nos 34 fotos, que vamos publicar em quatro postes, que retratam alguns dos momentos mais significativos da sua passagem por terras da Guiné.


Embarque no Carvalho Araújo em 31 de Outubro de 1970 no Cais Rocha Conde D’Óbidos, com viagem bem atribulada e cheia de “peripécias …, com escala em Cabo Verde, Ilha de S. Vicente, cidade do Mindelo – cenário lamentável !… 

Chegada a Bissau às 20:00h do dia 8 de Novembro de 1970 e fundeados até ao dia seguinte, com desembarque às 08:00h, com destino ao Depósito de Adidos. 

Primeira experiência inerente a cenário de guerra, com ataque vândalo e ameaçador (com faca) à tenda de campanha, ainda sem armas distribuídas.


Foto nº 1 - Bissau, Novembro de 1970


Foto nº 2 - Bissau, Novembro de 1970


Foto nº 3 - Bissau, Novembro de 1970 


Foto nº 4  Bissau, Novembro de 1970


Foto nº 5 - Bissau, Novembro de 1970


Foto nº 6  - Viagem para Gadamael Porto, em LDM


Fotos nº 7 - Viagem para Gadamael Porto, nosso destino de missão, em LDG, LDM, LDP E Batelão, meios possíveis de navegação pelo Geba e outros pequenos rios até ao cais de Gadamael.


Foto 8 - Gadamael: Material capturado ao IN aquando do “ataque ao arame” em 20 de Dezembro de 1970.

(Continua)
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Nota do editor

(*) - Vd poste de 8 DE ABRIL DE 2017 > Guiné 61/74 - P17222: Tabanca Grande (431): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael, Vicente da Mata, Ome (Bijemita), Quinhamel, Biombo e Bissau, 1970/72)... Grã-tabanqueiro n.º 740

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18963: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (110): Na Tabanca de Candoz fomos reencontrar dois velhos amigos, a irmã e o cunhado do infortunado 1º Grumete Fuzileiro Especial, do DFE 8 (1971/73), José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, morto por acidente em 9/12/1971, e homenageado pela sua terra natal, Senhora da Hora, Matosinhos, em 8/10/2016


Matosinhos > Senhora da Hora >  8 de outubro de 2016 >  Homenagem ao filho da terra, José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, 1º GR FZE, do DFE nº 8, morto na Guiné por acidente em 9/12/1971 >  Em primeiro plano, à esquerda, as irmãs do nosso infortunado camarada. A iniciativa foi do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes.



Matosinhos > Senhora da Hora >  8 de outubro de 2016 >  Homenagem ao filho da terra, José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, 1º GR FZE, do DFE nº 8, morto na Guiné por acidente em 9/12/1971 > Momento em que  a nosssa amiga Maria da Conceição Ferreira de Jesus Tomé Novais Ribeiro e o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, dr. Eduardo Pinheiro, descerravam a placa evocativa da memória do único combatente, natural da Senhora da Hora, morto na guerra do ultramar.


Matosinhos > Senhora da Hora >  8 de outubro de 2016 >  Homenagem ao filho da terra, José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, 1º GR FZE, do DFE nº 8, morto na Guiné por acidente em 9/12/1971 > Rotunda do Combatente: aspeto geral do monumento.


Matosinhos > Senhora da Hora >  8 de outubro de 2016 >  Homenagem ao filho da terra, José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, 1º GR FZE, do DFE nº 8, morto na Guiné por acidente em 9/12/1971. > Placa afixada no monumento da Rotunda do Combatente, frente ao edifício da junta de freguesia.


Matosinhos > Senhora da Hora >  8 de outubro de 2016 >  Homenagem ao filho da terra,  José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, 1º GR FZE, do DFE nº 8, morto na Guiné por acidente em 9/12/1971 > A Maria da Conceição Ferreira de Jesus Tomé Novais Ribeiro, ladeada pela sua irmã, agradecendo a homenagem prestada ao irmão de ambas.


Matosinhos > Senhora da Hora >  8 de outubro de 2016 >  Homenagem ao filho da terra, José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, 1º GR FZE, do DFE nº 8, morto na Guiné por acidente em 9/12/1971 >  Porto de Honra no Salão Nobre da Junta de Freguesia da Senhora da Hora. Do lado esquerdo, o Comandante da Zona Marítima do Norte.

Fotos (e legendas): © Carlos Vinhal / Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes (2016). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Na nossa Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, recebemos hoje a visita de velhos amigos da família, o engº António Novais Ribeiro e a esposa Maria da Conceição, que vivem no Porto. Têm casa aqui perto e almoçaram connosco.

O António, que por sinal nasceu em Paredes de Viadores, onde se situa Candoz, e portanto é também nosso vizinho, foi furriel miliciano de transmissões, entre 1968 e 1970,  no Comando de Agrupamento 2951 (Mansoa), e no Cmd Agrup 2952 (extinto em 7 de janeiro de 1969, sendo o seu pessoal integrado no Combis - Comando de Defesa de Bissau) (**).  Trabalhou, nomeadamente com o, na altura, major inf Carlos Fabião, de quem tem algumas deliciosas histórias. Teve também como camarada alferes o hoje prof catedrático jubilado, da Universidade de Coimbra, o historiador Luís Reis Torgal [Luís Manuel Soares dos Reis Torgal, n. 1942].

O nosso editor já o convidou, de viva voz, para integrar a nossa Tabanca Grande, aguardando agora a sua formalização, por email. O António é, além disso, um grande conversador e exímio tocador de cavaquinho e de bandolim, participando em várias formações musicais de cavaquinho. Pertence ao Lions Clube da Lusofonia, é amigo do Jaime Machado e do José Martins Rodrigues... e, ainda por cima, ele e o nosso Álvaro Basto, cofundador da Tabanca de Matosinhos, são compadres, tendo um neto em comum, o Sebastião...

2. Falando com a sua esposa,  Maria da Conceição, o nosso editor veio a saber que ela teve um irmão, mais novo, morto por acidente no TO da Guiné em 9/12/1971, no dia seguinte ao seu casamento com o António Novais Ribeiro... Um duro golpe para toda a família e amigos. Chamava-se José Manuel Ferreira de Jesus Tomé, era 1º GR FZE, do DFE nº 8.

Em conversa, soubemos que os procedimentos da Marinha, nestes casos, eram muito diferentes do Exército: este mandava um telegrama seco a dar a terrível notícia: a Marinha mandava pessoalmente, a casa dos pais, dois representantes seus...

Fazendo uma pesquisa na Net encontrámos apenas duas referências ao nosso infortunado camarada José Manuel Ferreira de Jesus Tomé: (i) a primeira, no nosso blogue (*); e (ii) uma segunda,  no blogue do DFE 8 (***).

Prometi à Maria Conceição e ao António Novais Ribeiro recordar aqui a saudosa memória do seu irmão e cunhado, publicando este poste que faz juz ao nosso ditado: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". (****)


3. Dois comentários ao poste P16601 (*)

(i) Tabanca Grande [Luís Graça]: 

Carlos [Vinhal], transmite ao Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, de cujos órgãos sociais fazes parte (1.º secretário da da Mesa da Assembleia Geral), o meu apreço por mais esta iniciativa, homenageando um camarada nosso, o 1º grumete fuzileiro do DFE 8, José Tomé, morto por acidente de viação, na Guiné, em 9/12/1971.

Deixa-me também, mais uma vez, destacar o grande brio, competência e dedicação que vocês põem em tudo o que fazem... O vosso Núcleo passa sempre com distinção e deve ser tomado como um exemplo para todos nós, antigos combatentes e respetivas associações de veteranos ou núcleos da LC. 

Um abraço do Luís

(ii) Alcindo [Manuel Pacheco] Ferreira da Silva, ex-1º tenente, cmdt do DFE nº 8 (1971/73)

Caro amigo

Gostava de transmitir ao Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes o meu apreço pela homenagem ao Grumete Fuzileiro Tomé. Fez parte do destacamento que tive a honra de comandar, era o mais novo de todos nós e foi o nosso primeiro camarada a partir. Era um jovem alegre, sempre bem disposto. Aproveitava todas as viagens que se tinham de fazer a Bigene para dar uma volta. Numa dela infelizmente teve um acidente.

(**) Vd. poste de 28 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13059: Comandos de Agrupamento, Operacionais e Temporários (1) (José Martins)

(***) Vd. blogue  Destacamento 8 de FZE (1971-73)

(****) Último poste da série > 15 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (108): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P18962: Antropologia (28): Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926; Dissertação de Mestrado em Antropologia Social por Olívia Gonçalves Janequine (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Nunca me ocorrera quando e como os sírio-libaneses arribaram à Guiné, como se poderá ler neste documento foi coisa que ocorreu na viragem do século, vinham do Monte Líbano, o Império Otomano dava sinais claros de decadência, eles sonhavam com melhores condições de vida, embrenharam-se por toda a África Ocidental, mas muitos foram para mais longe, para as Américas do Norte e do Sul, convém não esquecer Seu Nacib, a paixão de Gabriela, em Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado. Sempre minoritários, optaram por locais do interior, fugiram discretamente à discriminação, não encontrei nenhum registo de hostilidades entre estes comerciantes e os mauritanos.

Um abraço do
Mário


Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926

Beja Santos

A surfar na net deparou-se-me esta dissertação de mestrado em Antropologia Social na Universidade de Campinas, não podia resistir à leitura, tendo tido, como direto colaborador, no Pel Caç Nat 52, Zacarias Saiegh, de ascendência sírio-libanesa, sabendo que ao tempo os sírio-libaneses continuavam muito ativos no comércio, a despeito da guerra, resolvi inteirar-me como tinham chegado à Guiné.
É o que Olívia Gonçalves Janequine nos sintetiza sobre o seu trabalho: “Na passagem do século XIX para o século XX, no contexto da sua grande migração, alguns milhares de sírio-libaneses foram para a África Ocidental e ali se estabeleceram. Em toda a região, tornaram-se intermediários no circuito comercial, então em plena ascensão, que fazia chegar as matérias-primas da região à indústria europeia e os bens de consumo produzidos na Europa aquele que era o novo mercado. Com o contexto global e regional sempre em perspetiva, esta dissertação apresenta uma investigação sobre o processo de estabelecimento de migrantes sírio-libaneses na Guiné Portuguesa”, o período de estudo corresponde à I República.

Zacarias Saiegh, da I Companhia de Comandos Africana, executado em Porto Gole em dezembro de 1977.

A mestranda deu particular realce na investigação aos documentos que circulavam entre administradores coloniais, pois verificou que estes sírio-libaneses aparecem em relatórios, censos, anuários e artigos publicados em periódicos coloniais sempre como tema acessório. Parte do marco temporal, a partir da década de 1880, houve um grande movimento emigratório a partir da região do Império Otomano denominada Grande Síria (atuais Síria, Líbano, Jordânia, Israel, Territórios Palestinos e uma fração da Turquia) especialmente na área onde está localizado o Monte Líbano. Estes migrantes eram conhecidos por “turcos”, caso do Brasil, mas também os tratavam por árabes ou sírios. Nos documentos referentes à Guiné Portuguesa no período 1908-1950 são tratados como: “syrien”, “syrios”, “syrianos”, “franceses (naturais da Síria” e também “libaneses”. Pude constatar que eram referidos como sírio-libaneses ou só libaneses.

Esta migração prende-se com o declínio otomano, os sírio-libaneses lançaram-se num êxodo, na Europa, em direção às Américas (EUA, Brasil e Argentina). Uma dessas levas europeias encaminhou-se para a rede do comércio internacional de tecidos, outra para a África Ocidental, a partir do porto de Marselha. A invasão colonial na África Ocidental era impressionante, tratava-se da avidez dos mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores de manufaturas. Iremos encontrar estes migrantes vindos do Monte Líbano em regiões como o Senegal, a Costa de Marfim, a Nigéria e o Gana (então conhecida como Costa do Ouro) mas também a Serra Leoa, a Guiné Francesa, o Sudão Ocidental. Terão partido do Senegal e da Guiné Francesa até à Guiné Portuguesa. Um investigador aponta que em 1960 na África Ocidental os libaneses residentes aproximavam-se das 40 mil pessoas.

Irmã do falecido Faraha Heneni, um dos importantes comerciantes libaneses (ou de origem sírio-libanesa) de Bafatá, imagem do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.

Diz a mestranda que em casos como a Guiné Senegal, Guiné Portuguesa e Serra Leoa, o movimento migratório ficou restringido nos primeiros anos às principais zonas urbanas, muito cedo começaram a ser hostilizados os comerciantes locais, há dados que tal aconteceu no Senegal, em Serra Leoa e na Guiné Portuguesa houve o seu claro repúdio pela Liga Guineense em 1915.

A investigadora dedica particular interesse à análise da administração colonial e o seu relacionamento com os estrangeiros, recorda que a administração era constituída por uma minoria de metropolitanos cercada de funcionários oriundos de outros territórios ultramarinos, principalmente de Cabo Verde e crioulos guineenses, muitos deles de origem cabo-verdiana. Até a uma efetiva pacificação, o comércio processava-se em praças, isto é, em aglomerações onde comerciantes europeus, cabo-verdianos e luso-africanos viviam ou se estabeleciam e que se tornaram nos principais centros urbanos da Guiné ainda no século XIX.

A escassa presença portuguesa prendia-se a diferentes fatores: a hostilidade das populações locais, a insalubridade do território, o clima, verdadeiramente devastador, tal como o Governador Carlos Pereira, o primeiro nomeado após a vitória republicana escreveu numa obra que redigiu em francês em 1914:
“Vê-se que a colónia não se presta à adaptação da raça branca. (…) Uma vez que o clima é debilitante para o branco, este não deve, normalmente, passar na colónia duas estações chuvosas consecutivas. Convém, portanto, que ele aí permaneça apenas por períodos de 18 meses. (…) As obras de saneamento realizadas ultimamente na colónia, assim como o melhor conhecimento e uma aplicação mais rigoroso das prescrições higiénicas por parte dos brancos, fizeram baixar consideravelmente os números das estatísticas nosológicas (referentes a doenças), o que facilita hoje em dia a contratação dos funcionários necessários à boa organização dos serviços públicos e dos colonos necessários ao seu desenvolvimento económico”.

A investigadora destaca o papel da Liga Guineense, as suas contendas com Teixeira Pinto e as atrocidades e prepotências praticadas na Península de Bissau por Abdul Injai e a hostilidade ao comércio libanês.

Estes sírio-libaneses eram 101 na Guiné Portuguesa em 1924. Devemos ao relatório produzido por Calvet Magalhães, Administrador da Circunscrição de Geba, e referente a 1914, o dado de que havia mais de 20 estabelecimentos sírios só em Bafatá, refere a sua presença em Contuboel e Sonaco. Fica claro que esta concentração do comércio sírio era no interior da Guiné, posicionavam-se em locais que podiam ser abastecidos através do rio Geba. A investigadora estudou também dados sobre a presença destes comerciantes em Farim. Mas ao contrário da circunscrição de Farim, a região de Bafatá (pertencente à circunscrição de Geba) encontrava-se sob plena administração portuguesa. A autora sugere que os sírio-libaneses não queriam entrar em concorrência com as elites locais europeias e crioulas. A Liga Guineense criticava as práticas comerciais dos sírios e o próprio Governador Carlos Pereira tece-lhes considerações bem pouco abonatórias:
“O sírio é tão bom vendedor quanto o contratante negro, mas ele vive, em geral, mais miseravelmente que este último. Por sua insensibilidade moral, pelos procedimentos condenáveis que ele adota em suas transações com os indígenas, pelo conhecimento que possui dos costumes e da língua destes, o sírio é um concorrente ameaçador, não somente para as grandes casas europeias mas também e principalmente para os pequenos comerciantes”.
Calvet Magalhães também os vai zurzir no seu relatório, falando nas suas balanças viciadas, na ganância dos seus lucros.


A I Guerra Mundial afetou a presença síria na Guiné, Portugal entrou na guerra no lado oposto ao dos otomanos, havia que deter cidadãos alemães e seus aliados residentes na Guiné, os sírios teriam sido detidos em julho de 1916 e apenas no Cacheu e não há relatos de consequências para os sírio-libaneses noutros pontos da Guiné.

Importa igualmente dizer que Olivia Janequine analisa as atividades económicas deste comércio sírio no contexto de toda a África Ocidental e explana também o contexto da economia da Guiné Portuguesa na I República. No fundo, os sírio-libaneses granjearam posições em Bissau, Bafatá, Bambadinca, Sonaco e Farim e em centros menores como Cacheu, Geba e Xitole. Em 1948, apenas algumas companhias comerciais maiores de sírio-libaneses como a Aly Souleiman & C.ª atuavam no interior e estavam presentes nos portos marítimos de Cacheu e Bissau, as firmas sírio-libanesas representavam aproximadamente metade dos estabelecimentos comerciais em Geba, Xitole, Farim e Bafatá, isto já noutro período histórico, é referência que consta do Anuário da Guiné Portuguesa de 1948.

É possível ler todo este documento da dissertação de mestrado de Olivia Gonçalves Janequine em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279139/1/Janequine_OliviaGoncalves_M.pdf
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18594: Antropologia (27): Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18961: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVIII: Salalah, sultanato de Omã, onde a electricidade, a água, o ensino e a saúde são gratuitos...


Foto nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3

Salalah, sultanato de Omã, dezembro de 2016


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu.  

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 220 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

[Foto à esquerda: Hai Yuan e António Graça de Abreu]



2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)


(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga; visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016; volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(vi) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29/10/2016, à cidade de Melbourne, Austrália; visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e a esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(vii) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro); Phuket, Tailândia (12-13 de novembro); Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(viii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(ix) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão Dubai, Emiratos Árabes Unidos, passando por Muscat, e  Salah, dois sultanatos de Omã, em datas que já não podemos precisar (, as fotos deixam de ter data e hora...),  de qualquer modo já estamos em finais de novembro/ princípios de em dezembro de 2016; 

(x) tempo ainda para visitar Petra, na Jordânia, e atravessar os 170 km do canal do Suez (Egito), antes de o "Costa Luminosa" entrar no Mediterrâneo; a viagem irá terminar em Civitavecchia, porto de Roma.  



3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Salalah, sultanato de Omã [s/d,  dezembro de 2016] (pp. 20-22], da terceira e última Parte]




Salalah, sultanato de Omã 




Viveu Job cento e quarenta anos e viu os seus filhos, e os filhos dos seus filhos até à quarta geração, e morreu velho e cheio de dias. 


Antigo Testamento, Livro de Job, cap. 42, vers. 16 


Mais mil quilómetros de estrada marítima e chegamos a Salalah, no sudeste do sultanato de Omã, a dez léguas do Yémen, hoje assolado pela guerra e pela fome. Há paz do lado de Omã, as velhas terras de Dhofar, habitadas outrora pela formosa e antiquíssima rainha de Sabá. Hoje, para lá das fronteiras de Omã, é só metralha, miséria e morte. 

Iniciamos a viagem de descoberta da região de Salalah, com o autocarro a avançar desde o porto, pejado de contentores e de tubagens, estas para a exportação do gás natural. Tudo fica para trás e começamos a subir por uma cadeia de montanhas secas e inóspitas, rodeadas, lá em baixo, por avassaladores desertos [Foto nº1]. Nos declives dos montes há alguns pinheiros verdes, raros nestes lugares semi-desérticos. Não entendo exactamente para onde nos levam, tanta curva, tanto monte, por isso pergunto ao simpático guia local: “Qual é o destino?” 

Simples, vamos visitar o túmulo do profeta Job, esse mesmo, o do Livro de Job, no Velho Testamento, o “da paciência de Job”, expressão que tantas vezes utilizamos ao longo das nossas vidas. Job é considerado profeta também por muçulmanos e judeus. Descendente de Noé, terá vivido há uns três mil anos atrás e, no Corão, Maomé faz quatro referências à sua pessoa. Job, tal como Abraão, Moisés e David, é uma das figuras bíblicas que também encaixam no islão primitivo, tradicional, muito anterior a Maomé.

No alto da montanha, num lugar com uma vista majestosa, uma capela branca, de cúpula redonda, guarda o que serão os ossos do velho Job, hoje -- se é mesmo verdade que a tumba é autêntica! --, apenas restos de poeira e pó. Descalço os sapatos para entrar e estou diante de um simples túmulo jazente coberto por um pano de cetim verde e amarelo. Uma leve reverência a este pobre Job e ali fico, a embeber-me nos traços da memória de um profeta do nosso Antigo Testamento. Cá fora, ao lado da capela, levanta-se uma pequena mesquita fechada ao culto, mas o que mais me impressiona é a nascente de água, uma fonte jorrando num estranho lugar, no alto de uma montanha circundada por desertos. Há um pequeno jardim com lírios vermelhos e buganvílias floridas. O túmulo de Job levita na magia dos espaços. [Foto nº 2]

Descemos para o mar. Cá em baixo, na aridez extrema de terras de areia e cascalho pedregoso, não há uma árvore, é quase só desolação, desdobrada na secura da paisagem, no delapidar impiedoso do calor caído do céu, violento, esmagador, estendendo-se pela passagem dos séculos.

A estrada acompanha a orla marítima, bordeja a extensa praia de Mughsail, algo semelhante à nossa na ilha de Porto Santo. Temos uns trinta graus de temperatura mas não há um simples mortal na areia ou a mergulhar na ondulação serena do Oceano Índico. As gentes de Omã não serão muito dadas aos prazeres da praia e, quanto a bronzear o corpinho, estamos entendidos. Haverá mulheres muçulmanas lindas de morrer, no entanto, por respeito com o rigor do Islão, ao sair de casa cobrem quase todo o corpo. 

Atravessamos uma pequena aldeia de pescadores, com casas modernas, na arquitectura árabe, bem traçadas e implantadas no terreno. Dizem-me que foram mandadas construir e oferecidas pelo sultão Qaboos, o poderoso e omnipresente senhor de Omã, há mais de quarenta anos. 

Nestas terras, o petróleo corre em abundância, a electricidade e a água – escassa, muita dela proveniente de complexos de dessalinização da água do mar  –, são gratuitas, assim como o ensino e a saúde. Os cidadãos do sultanato também não pagam impostos o que, de resto, creio acontecer em outros territórios árabes. O dinheiro do ouro negro vai chegando para quase tudo embora, nos últimos anos, muitos destes países tenham perdido milhões e milhões com a descida do preço do petróleo. 

O extremo poente da praia de Mughsail termina num promontório que se eleva abrupto no horizonte. Na plataforma rochosa, em baixo, uma espécie de curiosos géisers marinhos lançam água do mar, comprimida pelas rochas, a uns vinte metros de altura. Mas é a vastidão azul do oceano, da quase infindável praia, a leste, e, do outro lado, o imenso maciço de pedra avermelhada entrando pelas águas que impressiona este pobre turista lusitano que, até há poucos meses atrás, desconhecia por completo a existência de uma cidade chamada Salalah, e para quem o sultanato de Omã era uma miragem fantasiosa, perdido algures em desertos do fim do mundo. Continuo a ignorar quase tudo sobre o coração desta terra, mas o lugar já não me é estranho.

A pequena urbe de Salalah  – bem alinhada e cuidada, com rotundas verdejantes e floridas, dado beneficiarem de constantes regas  –, tem edifícios baixos ao modo tradicional árabe, algum comércio, uns tantos mercados, um estádio de futebol, as sempre presentes mesquitas. Junto ao mar, com outra enorme praia vazia, o destaque vai para o palácio Al Husn, onde nasceu o sultão Qaboos e hoje uma das suas residências de Verão. Paragem para caminhar pelas ruas ajardinadas em volta do palácio, tirar fotografias e depois, no mercado em frente, comprar um lote de especiarias, algumas tão estranhas que nem sei exactamente o que são, mas que irei experimentar nos meus apaladados cozinhados em Portugal, a minha terra distante que me começa a fazer falta.[Foto nº 3]

(Continua)
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Nota do editor:

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18960: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLI: Efeméride: a maior flagelação ao quartel de São Domingos foi há 50 anos...


Foto nº 1A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >  16 de abril de 1968 > 18h00 > Cerimónia do arrear da bandeira


Foto nº 1B  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 > 18h00 > Cerimónia do arrear da bandeira > Do lado esquerdo,  o edifício do Administrador Local.


 Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 > 18h00 >  Após os primeiros ruídos de saída dos Morteiros- início de mais uma flagelação do IN, todo o pessoal vai a correr para os seus postos, abrigos ou espaldões. 


Foto nº  3 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 >  O ataque vem do Norte – Senegal – e por este caminho vai o pessoal a correr para o Quartel de Cima – Companhia de Artilharia 1744, do Capitão Mil Serrão.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 > Neste ponto o pessoal já está no fim da linha, junto à paliçada que separava o nosso aquartelamento, da terra de ninguém, a 2 ou 3 km do Senegal.



 Foto nº 11 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 1º semestre de 1968 > Vindos do lado leste um Grupo de Combate (CCAÇ 3 ou Companhia de Milícias  24) acaba de chegar de uma operação de rotina ou de reconhecimento dos arredores.



Foto nº 11A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 1º semestre de 1968 >Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento, levadas a efeito pelo CCAÇ 3 ou  CM 24.


Foto nº 12 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >1º semestre de 1968 > Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento..



Foto nº 12A  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 1º semestre de 1968 > Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento.


Foto nº 13 >  Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >1º semestre de 1969 >Chegada ao aquartelamento de um Gr Comb  da CART 1744, após uma operação de rotina ou de reconhecimento.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 80 referências no nosso blogue.



 Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:

T023 – A  MAIOR  FLAGELAÇÃO AO QUARTEL DE SÃO DOMINGOS ACONTECEU ÀS 24 HORAS DE 27, OU 00:00 HORAS DE 28 AGOSTO 1968
OUTRAS IMAGENS DE FLAGELAÇÕES AOS QUARTEL EM SÃO DOMINGOS
IMAGENS DE GRUPOS DE COMBATE NA SAÍDA E NA CHEGADA DE OPERAÇÕES


I - Anotações e Introdução ao tema:


1 – O MAIOR ATAQUE A SÃO DOMINGOS


Este Tema tem por finalidade dar conta de uma Efeméride – Os 50 anos, ou Meio século - que neste dia 27 e inícios de 28 de Agosto de 1968, se deu o maior ataque/flagelação ao aquartelamento e povoação de São Domingos.

Iniciou ao cair das 24 horas do dia 27 de agosto de 1968, e início de 28 do mesmo mês.

Sendo o maior de sempre, pela hora, o tempo de duração – 30 minutos, e a intensidade de fogo com todo o tipo de armas – Morteiros 82, Canhão Sem Recuo, Lança Granadas RPG e Lança Roquetes, Armas Pesadas e Ligeiras modernas,

Partiu da fronteira Norte com o Senegal, tendo sido devidamente respondido com as nossas armas, contudo o tempo foi interminável, longo e assustador. Era Noite.

Não sei explicar os contornos militares, pois não foi minha preocupação perceber isso, mas sim apanhar os invólucros que caíram perto da minha residência/dormitório.

Não houve mortes, feridos alguns e em especial das populações, socorridas prontamente.

O IN felizmente não apontava as armas como deve ser, pois num pequeno espaço em que nos encontramos, se meia dúzias de ameixas caíssem nas instalações haveria certamente muita coisa a lamentar, embora tínhamos sempre os abrigos, que não estando ao alcance imediato sempre serviam para meia protecção das tropas.

Não há fotos como é óbvio, nem dessa hora nem do dia seguinte, mas poderia ter algumas dos buracos que as bombas fizeram.

Fica aqui a história para quem esteve lá se lembrar, mas não vejo muita gente do meu Batalhão a comentar nada.


2 – IMAGENS DE UMA FLAGELAÇÃO ÀS 6 HORAS DA TARDE


Aproveitei este Poste para colocar então outro acontecimento, que por acaso eu estava a fotografar nos primeiros tempos em São Domingos. Era a cerimónia diária de Hastear a bandeira de manhã, e o arrear da bandeira ao fim do dia – 18 horas da tarde, inicio da noite.

Estava então uma secção comandada pelo Oficial de Dia, na cerimónia de arrear a bandeira, 10 militares, 2 a começar a arrear a bandeira Nacional em frente do Posto do Administrador Local, e além dos nossos militares estava sempre presente uma quantidade representativa da Mocidade Portuguesa de São Domingos.

Às 18 horas quando se inicia o arrear da bandeira, tinha eu feito a primeira foto, houve-se o ‘baque'  da saída de morteiros, então gera-se logo a confusão total e todos correm para os seus abrigos e os responsáveis pelos armamentos vão para os seus postos.

Eu fico ali com a máquina na mão, a tentar fazer as imagens da minha vida, isto é fotografando tudo. Claro que não era nenhum bravo nem herói, era a juventude e ingenuidade a juntar à minha ideia de fazer as fotos, não ligando nada ao que acontecia à volta. Quando elas começam a cair, eu também não era alheio a isso, e fiquei também descontrolado, as fotografias que deviam sair acabam por não acontecer.

A máquina não era como agora uma automática, após uma foto tinha de ir ao carregador e passar para a seguinte, mas com a normal atrapalhação, não metia nova foto, e assim vou carregando umas atrás das outras, e de vez em quando lá passando mais uma foto.

A verdade é que de quase um rolo se aproveitam umas 5 fotos, as outras ficaram todas em branco ou em cima das anteriores, foi uma desgraça total, e com a agravante de não encontrar uma quinta, só me aparecem 4 para representar este inédito e inolvidável acontecimento.

Acabo a última já na Companhia de Cima – onde estava a CART 1744, do Capitão Serrão, a qual fazia a segurança ao aquartelamento, a Companhia de Intervenção.

Nunca fiz publicidade disto, guardei e numerei-as e datei, dia 16 de Abril de 1968. Não durou muito tempo, pois conseguimos pôr os Turras a fugir com a nossa pronta resposta, mas nunca me escondi nem me deitei ao chão, estava obcecado pelas fotos, nada mais.


3 – PARTIDAS E CHEGADAS DE GRUPOS DE COMBATE AO AQUARTELAMENTO


Ainda dentro do mesmo princípio, para aproveitar este Poste, juntei algumas fotos – 3 – dos Grupos de Combate, quando saiam e quando chegavam de operações diárias.

Duas delas são com militares nativos, ou da CCAÇ 3, ou Companhia de Milícias 24, que integravam as nossas tropas. Na terceira,  em 1969, são militares da CART 1744.

São um pequeno testemunho de como se passavam as operações militares rotineiras, numa das quais eu próprio fui nomeado para uma operação, não de combate, mas apenas de um reconhecimento normal à volta do nosso aquartelamento de São Domingos, quando não devia ter feito, não era essa a minha especialidade.


II – As Legendas das fotos:


F1 – Cerimónia normal em qualquer Unidade em qualquer sitio. De manhã o hastear da bandeira, e ao fim da tarde, 18 horas, o arrear da bandeira. Aqui era mais uma vez, em frente do edifício do Administrador Local. São Domingos, 16Abr68

Pode ver-se um militar a puxar o fio da nossa bandeira, uma secção militar a prestar honras com as armas, atrás um grupo grande da Mocidade Portuguesa, e nessa hora e ao toque da corneta, toda a gente, civil e militar,  ficava parada e em sentido. Velhos tempos em que havia respeito à bandeira de Portugal.

F2 – Após os primeiros ruídos de saída dos Morteiros- início de mais uma flagelação do IN, todo o pessoal vai a correr para os seus postos, ou abrigos ou de armas. SD, 16Abr68.

Existiam outras fotos com a guarda de honra em debandada, mas falharam os disparos na máquina, muitas fotos se perderam.

F3 – O ataque vem do Norte – Senegal – e por este caminho vai o pessoal a correr para o Quartel de Cima – Companhia de Artilharia 1744, do Capitão Mil Serrão e outros. SD, 16Abr68.

Estas deslocações eram frequentes, o pessoal andava por outros sítios, e na hora de mais uma flagelação, teriam de correr para os seus abrigos e ninhos das nossas armas.

F4 – Neste ponto o pessoal já está no fim da linha, junta à paliçada que separa o nosso aquartelamento, da terra de ninguém e logo a cerca de 2 a 3 km tínhamos a Republica do Senegal, e os Santuários dos Turras, que eram autorizados por aquele país.

F11 – Vindos do lado Leste um Grupo de Combate acaba de chegar de uma operação de rotina ou de reconhecimento dos arredores. SD, 1º Semestre de 68.

Estes Gr Comb eram formados por militares de maioria negra, pertencentes à Companhia de Caçadores Nativos nº 3 ou Companhia de Milícias nº 24, comandadas normalmente por Furriéis ou Alferes miliciano.s

F12 – Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento, levadas a efeito por Nativos da CCAÇ 3 ou CM 24, comandadas por graduados brancos, Furriel miliciano ou Alferes Miliciano. SD, 1º Semestre de 68.

F13 – Chegada ao aquartelamento de um GC da CART 1744, após uma operação de rotina ou de reconhecimento, como chegam a pé, conclui-se que não seria de uma grande dimensão a área percorrida. SD, 1º Semestre de 69.

Pode ver-se bem o armamento que levava, e o cansaço com que chegaram. Em pé e sem boné, está o nosso Capitão Martins, da Secção de Pessoal e reabastecimentos, a ver a chegada das tropas.


Em, 2018-08-27

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

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