quinta-feira, 18 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19989: Os nossos seres, saberes e lazeres (341): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (1) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 12 de Julho de 2019, onde nos fala de um projecto em que esteve envolvido no Saltinho, a criação de um jornal para a CCAÇ 2701, a que foi dado o o título de O Saltitão.


O Saltitão

Quando, no final de Agosto/71, após as minhas primeiras férias na metrópole, regressei ao Saltinho, fui convidado pelo Capitão Carlos Trindade Clemente, Comandante da Companhia ali instalada (CCAÇ 2701), para levar avante a criação do Jornal da Unidade, que era uma coisa que ele tinha em mente há muito tempo. Só ele saberá das razões que o levaram a escolher-me para missão de tamanha responsabilidade, tanto mais que eu não fazia parte dos quadros da Unidade – estava lá em diligência desde Março/71, após estágio de informações, com a duração de cerca de três meses, em Bambadinca. Claro que logo aceitei a incumbência com o maior entusiasmo, ou não tivesse eu, sem que ele conhecesse o facto, grande experiência do antecedente naquelas coisas do jornalismo – fora, de parceria com um conterrâneo do mesmo pelotão, o grande feitor do Jornal de Parede da 5.ª Companhia no RI 5, nas Caldas da Rainha (recruta do 4.º turno de 1969 – Curso de Sargentos Milicianos), após termos afastado a indesejável concorrência à bofetada.

A Direção do jornaleco pertenceria por inteiro, e por inerência do cargo, ao mentor da obra, o Capitão Carlos Clemente, Comandante da Companhia, que, desde logo, delegou em mim todas as competências e mais algumas: Migueis, você fica com inteira liberdade para orientar e dirigir o Jornal. Não há censuras. Mas, respeitaremos o objetivo primordial – já falámos sobre isso –, que é contribuir para manter as tropas com o moral tão elevado quanto possível. Do resto, tratará o nosso bom censo. Gostaria também que o jornal não estivesse virado apenas para as elites. Com erros ou sem erros de gramática, ponha-me os soldados a escrever. Com estas ou com outras palavras, a mensagem estava passada. E, se, no imediato, não seria possível atender a esta última recomendação do nosso Capitão – lembremo-nos do baixo nível de literacia, ao tempo, da maioria esmagadora dos nossos soldados –, para lá caminharíamos rapidamente nos números seguintes.

O Corpo Redatorial, sem o qual nada seria possível, acabaria, então, constituído por mim próprio – o moiro de trabalho, pois claro – e pelos 1.ºs Cabos Operadores Cripto, José Sargaço e Rui Coelho – com gente desta estirpe, O Saltitão só poderia ter feito um enorme ronco não só na Guiné como também no resto do mundo e arredores (se não acreditam no sucesso da coisa, perguntem ao PIFAS, que ele ainda se há de alembrar).

Para gáudio dos seus mentores, feitores, colaboradores e apoiantes, ainda naquele mês de Setembro de 1971, saltaria para as bancas o primeiro número de O Saltitão (a ideia do nome foi-nos sugerida pelo lugarzinho onde nos encontrávamos, pois claro), em tamanho A4 (normalmente, cada número dos jornais do género não passava de meia dúzia de páginas e era impresso em folhas tamanho A5), e impressão em stencil, maquineta que, em conjunto com umas boas toneladas de papel almaço branco e liso, o Capitão Clemente se apressara a requisitar a Bissau – ainda estou a ver e a ouvir o helicóptero de dois rotores, pairando, a 10 metros de altura, sobre a pista do Saltinho, a descarregar cuidadosamente aquele fardo gigantesco de resmas e mais resmas de papel para impressão.

Para satisfação da curiosidade dos estimados seguidores do nosso blog, estou a anexar algumas das cerca de trinta páginas do primeiro número do mensário (Setembro/1971). Dependendo dos likes (leia-se comentários) recebidos, divulgarei ou não o segundo número editado (Outubro/71).

Esposende, 10 de Julho de 2019
Mário Migueis

O héli de dois rotores, descarregando as preciosas toneladas de papel para impressão do Saltitão
Com a devida vénia à Sputnik Brasil, onde a foto foi publicada oportunamente

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2. Primeiras 5 de 19 páginas do primeiro número de O Saltitão






(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19976: Os nossos seres, saberes e lazeres (340): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19988: (Ex)citações (356): A Exposição Colonial do Porto, 1934: a balanta Rosinha, com os seus seios ao léu, foi capa de revista, num tempo e lugar em que nenhum jornal ou revista se atreveria a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880, Angola, 1972-74)



Capa da "Civilização: grande magazine mensal", Porto, 1928-1937 (Direção de Ferreira de Castro, e Campos Monteiro) > Exposição colonial portuguesa, 1934: a Rosinha Balanta, fotografada pelo portuense por Domingos Alvão (1872-1946). Exemplar da coleção de Mário Beja Santos (2017) . [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Comentário de Fernando de Sousa Ribeiro ao poste P17782 (*):

[ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74), do BCAÇ 3880; é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; vive no Porto; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018, sentando à nossa sombra do nosso poilão nº lugar nº 780.]

A grandiosa Exposição Colonial do Porto, ocorrida no Palácio de Cristal em 1934, deverá ter sido um ensaio geral para a (ainda mais grandiosa) Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa. Ainda Salazar não tinha vergonha de chamar colónias às colónias.

Feita à imagem e semelhança de outras exposições coloniais realizadas em França, Inglaterra, Alemanha, etc., a Exposição Colonial do Porto de 1934 foi organizada por Henrique Galvão, esse mesmo, o do assalto ao paquete Santa Maria, que antes de ser um feroz opositor de Salazar tinha sido um seu fervoroso admirador.

A Exposição Colonial do Porto teve como finalidade, como facilmente se compreende, exaltar o orgulho imperial dos portugueses, supostamente portadores de um mandato divino de civilizar os povos primitivos sob seu domínio, e ao mesmo tempo consolidar o regime do Estado Novo, comandado pelo pulso de ferro de António de Oliveira Salazar. 

A exposição teve características idênticas às das exposições coloniais estrangeiras, a começar pela redução dos povos colonizados à condição de indígenas atrasados, cujo exotismo se procurava sublinhar. Para tanto, mostraram-se seres humanos trazidos das colónias ao público visitante, como se de animais do jardim zoológico se tratasse.

No caso da Exposição Colonial do Porto de 1934, a Guiné teve um papel de particular relevo, não necessariamente pelas melhores razões. Foi instalada uma "tabanca" de bijagós numa ilha de um pequeno lago existente nas imediações do Palácio de Cristal, onde pessoas seminuas eram exibidas ao público como se estivessem no seu ambiente natural. Ora o clima do Porto é consideravelmente mais frio do que o da Guiné. Nem quero pensar no frio que essas pessoas terão passado.

O grande êxito da exposição foi, sem sombra de dúvida, uma moça balanta de seios descobertos, a Rosinha, que deve ter povoado os sonhos eróticos de muitos homens do Porto. Além da Rosinha, teve também bastante sucesso entre o público um menino guineense que andava completamente nu, o Augusto. Mas a balanta Rosinha é que foi a grande sensação da exposição. Multidões acorreram ao Palácio de Cristal para verem ao vivo as mamas da Rosinha, além da pilinha do Augusto. Até capa de revista a Rosinha foi, com os seus seios ao léu. É claro que, naquele tempo, nenhum jornal nem nenhuma revista se atrevia a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra, mas como a Rosinha era negra, já podiam mostrar...

Há poucos anos, encontrei na internet um blog com uma vastíssima coleção de imagens da Exposição Colonial do Porto. Dezenas e dezenas de imagens, para não dizer centenas. Não consigo voltar a encontrar esse blog. O que encontrei foi uma página de um outro blog, que faz uma referência mais resumida à exposição, mas que mesmo assim já consegue ser muito elucidativa. É a seguinte:

Porto, de Agostinho Rebelo da Costa Aos Nossos Dias > 23 de setembro de 2013 > Diverimentos dos portuenses, IX.

Também encontrei o seguinte trabalho académico:


Guiné 61/74 - P19987: Manuscrito(s) (Luís Graça (157): Andamos à volta com os fantasmas de sempre, que, desde meninos, nos ensombram, uns, ou nos encantam, outros... Para o Jaime, ao km 73 dos passos em volta...



Lourinhã > Seixal > 17 de julho de 2019 > Festinha de anos do nosso amigo e camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva... que foi alf mil paraquedista em Angola (BCP 21, 1970/72). O bolinho feito pela mana Esmeralda e o quadro que lhe traz, à memória, os fantasmas da guerra no leste de Angola.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Herberto Hleder Oliveira
(Funchal, 1930 . Cascais, 2015)

“Os passos em volta”, de Herberto Hélder, escrito  1963 (Lisboa: Portugália Editora)… Vai agora, ao fim de mais de meio século, na 12ª edição (Porto Editora, 2019). Pensei que era uma boa prenda de aniversário, para ti, Jaime, meu amigo, vizinho e camarada. 

Quando fez esta incursão pela prosa, com vinte e tal “short stories”, o autor estaria longe de pensar que tinha escrito um dos mais  belos textos poéticos, publicados em Portugal no séc. XX.  Foi apresentado,  na altura, como um dos "novos contistas portugueses". Como era difícil de prever, para quem o leu, como eu, nessa altura, que estávamos perante um dos grandes poetas da nossa língua.

Iamgem da capa, de João Câmara
Leme. Lisboa, Portugália Editora,
1963

Sempre  li e reli este texto  como poesia... Foi dos livros, de culto,  que levei para a Guiné, em 1969, juntamente com o "Livro Sexto", de Sophia... Os passos em volta. Andamos à volta de nós mesmos. E dos outros. Saímos do lugar onde nascemos para mais tarde voltar. É o eterno retorno. Saímos da terra e à terra voltamos, definitivamente, quando morrermos. Afinal, é "na morte de um poeta que se principia a ver que o mundo é eterno".

Andamos por aí, do Seixal a Fafe, de Santarém a Almada, dos Olivais a Luanda, de Lisboa à Guiné,  da Lourinhã a Paris... Andamos por aí, na guerra e na paz. A nossa condição terrestre é andar à volta à procura de um sentido para o puro existir e o puro respirar… Os passos em volta...  Melhor do que os teólogos, os filósofos ou os cientistas, são os poetas que nos ajudam a encontrar o elo perdido dos nossos circuitos interiores e as peugadas das nossas deambulações na volta ao mundo, numa existência que é sempre imanente e inevitavelmente curta.

Andamos à volta com os fantasmas de sempre,  que, desde meninos, nos ensombram, uns, ou nos encantam, outros. A poesia, em prosa ou em verso, é a magia da(s) palavra(s). E este texto deve ser lida em voz alta, num exercício de puro exorcismo e encantamento, conforme as ocasiões e os  lugares.

A poesia sobre os nossos passos em volta não nos salvam, mas ajudam-nos a tonificar o músculo do coração que bate aos 73 anos. Como eu gosto de dizer os meus amigos e camaradas, ex-combatentes de uma estúpida e inútil guerra (como todas as guerras o são…),  Jaime, boa continuação pela caminhada da vida, ao quilómetro 73. Cuidado apenas com... as m(en)inas & armadilhas…

Se chegares aos 100 anos, é porque és santo, e a gente, se lá chegar contigo, irá, em romaria,  pôr-te uma vela no altar. Por isso a gente, os teus amigos, manas e cunhados, aqui reunidos à volta de um singelo bolo de aniversário, e de meia garrafa de aguardente da Lourinhã, te diz: “Muita saúde e longa vida, porque tu mereces tudo”…

Um xicoração fraterno, meu, da Alice e da malta toda.

Seixal, Lourinhã, 17 de julho de 2019
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19914: Manuscrito(s) (Luís Graça) (156): Quando eu morrer vou ter saudades da... Tabanca de Candoz

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19986: (Ex)citações (355): Mortes por afogamento - A morte por afogamento, sem recuperação do corpo, do 1.º Cabo Radiotelegrafista Manuel Andrade da CCAÇ 2701 (Mário Migueis da Silva)

1. Em mensagem datada de 17 de Julho de 2019, o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), fala-nos das circunstâncias da morte, por afogamento no Corubal, nos Rápidos do Saltinho, em Agosto de 1970, do 1.º Cabo Radiotelefonista Manuel Andrade da CCAÇ 2701, cujo corpo não foi recuperado.

A morte por afogamento, sem recuperação do corpo, do 1.º Cabo Manuel Andrade, especialidade de Radiotelefonista, foi a única baixa fatal sofrida pela CCAÇ 2701 durante a sua comissão de serviço no Saltinho desde Maio/70 a Fev/72.

Segundo o José Sargaço, ex-1.º Cabo Operador Cripto, com o qual, por coincidência, estivera a falar sobre o afogamento do Andrade, duas horas antes da publicação do post de 15/07, tudo se passou assim:

O Andrade, dias após a chegada ao Saltinho, em Maio/70, foi, com um grupo de combate da CCAÇ 2701, destacado para Cansonco, tabanca em autodefesa situada a sensivelmente quinze quilómetros do aquartelamento, onde se manteve cerca de dois meses. Na tarde - seriam mais ou menos dezasseis horas - do próprio dia em que regressou de Cansonco, isto é, em 09/08/1970, o Andrade, ainda empoeirado da viagem, convidou o José Sargaço para irem tomar uma banhoca no rio (a Companhia dispunha de balneários, mas era aquela vontade de se refrescar no rio, tal como fizera antes).

Como, desde a ida do Andrade para Cansonco, o caudal do Corubal engrossara imenso (estava-se já em plena estação das chuvas - Maio a Novembro) e a corrente das águas era tremenda, eram eles dois os únicos elementos presentes junto ao rio e limitavam-se a ensaboar-se e a refrescar-se sentados numas pequenas pedras da margem. A certa altura, o Andrade, excelente nadador, talvez por ignorar a terrível força da corrente que se fazia sentir (quando partira para Cansonco, os rápidos eram ainda de grande mansidão), levantou-se e mergulhou num local em que a profundidade das águas não iria além de um metro. Só que, levado pela corrente, quando emergiu já estava nas proximidades dos pegões da ponte do Saltinho, sendo arrastado irremediavelmente naquele turbilhão tremendo, onde desapareceria para sempre.

Impotente para lhe valer, até porque o Andrade logo desapareceu sob as águas, limitar-se-ia o José Sargaço a alertar imediatamente os camaradas da Companhia. Mas, apesar das diligências efetuadas por nativos e tropas apeadas ao longo das margens do rio no próprio dia e no dia seguinte ao desaparecimento, sempre apoiados por um helicóptero, o corpo jamais seria recuperado.

Esposende, 16 de Julho de 2019
Mário Migueis


A bordo do Carvalho Araújo, rumo à Guiné, em Abril/70. Da esquerda para a direita: José Simão, 1º cabo escriturário (já falecido); José Sargaço, 1º cabo operador cripto; com a farda nº3, Manuel Andrade, 1º cabo radiotelefonista (morto por afogamento em 09/08/70).

Ainda a bordo do Carvalho Araújo, o José Simão, o José Sargaço e, mais à frente, o Manuel Andrade

Aspeto do Corubal, junto à ponte do Saltinho, durante a estação seca 

Aspeto do Coruba,l junto à Ponte do Saltinho, durante a estação das chuvas

A ponte do Saltinho
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Notas do editor:

Comentário de Mário Miguéis  no poste Guiné 61/74 - P19982: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: atualização: o caso do 1º cabo Henrique Manuel da Conceição Joaquim, do BENG 447, afogado em 31 de julho de 1974, na ilha da Caravela e cujo corpo não foi recuperado

Por coincidência, hoje mesmo estive a falar com o José Sargaço, ex-1.º cabo operador cripto da CCAÇ 2701 (Saltinho), a propósito de uma fotografia por ele afixada no Solar do Marquês, em Cantanhede, onde, no mês passado, decorreu o último convívio da Companhia. 
Na foto, que vou remeter a/c do Vinhal, para eventual publicação, estão presentes três 1.ºs cabos da CCAÇ 2701, a bordo do navio que os levou à Guiné em Maio/70: José Simão, José Sargaço e Manuel Andrade. Este último é precisamente o morto por afogamento no R. Corubal em 09/08/70. Um abraço, 
Mário Migueis

Último poste da série de 16 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19983: (Ex)citações (354): como é que a máquina burocrática do exército fazia chegar, à família, a notícia funesta da morte ou desaparecimento em combate de um militar ? O caso do sold at cav nº 711/65, José Henriques Mateus, desaparecido no rio Tompar, afluente do rio Cumbjiã, no decurso da Op Pirilampo, em 10/9/1966 (Jaime Silva, seu colega de escola, no Seixal, Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)

Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167): “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Nenhum investigador do período colonial pode descurar o acervo informativo das publicações da Agência, repertoriavam tudo o que tinha a ver com legislação, colónia a colónia, e a respetiva imprensa.
Havia também publicações na Europa, é o caso da Gazeta das Colónias, que apareceu no final da I República, há igualmente que a estudar, foi através da sua consulta que encontrei a Companhia Estrela-Farim, quando pesquisava no Arquivo Histórico do BNU.
Na última fase do Estado Novo verifica-se ter existido uma diversificação das publicações, tome-se em consideração a revista Ultramar que era propriedade do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, era uma aposta na formação da juventude, em simultâneo com a divulgação das coisas do Império, por vezes com artigos de estudo de grande importância. Começa-se finalmente a ter um grande ecrã de todas estas publicações, que irão facilitar a vida dos investigadores e estudiosos, não se pode estudar o que quer que seja sem consultar esta rosa dos ventos, onde se inclui a propaganda colonial.

Um abraço do
Mário


Laudes para o Império Português: 
A Agência Geral das Colónias/Ultramar (1932-1974)

Beja Santos

No conjunto dos trabalhos publicados na obra “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, destaca-se um trabalho de José Luís Lima Garcia sobre a Agência Geral das Colónias/Ultramar, permite conheceu o itinerário das preocupações ainda na I República quanto à informação/formação que se pretendia dar aos portugueses sobre as colónias, de Cabo Verde a Timor. A Agência Geral das Colónias foi de facto criada na I República, em 30 de setembro de 1924, Armando Zuzarte Cortesão foi o seu primeiro responsável. Com a Ditadura Nacional, tomou posse Júlio Garcez de Lencastre, a grande missão era fazer compreender a ideia da unidade do império colonial, à Agência eram atribuídos novos acometimentos como a informação na recolha e divulgação de dados estatísticos. O serviço de informação da Agência era o de abastecer de notícias os jornais diários, liam-se os boletins oficiais e periódicos das colónias, tinha-se acesso a informações na área administrativa colonial e até a publicações, conheciam-se os negócios, a investigação científica, as inaugurações, a abertura de estradas, tudo era canalizado para os meios de comunicação social da época. Uma secção de propaganda preparava mostruários e expositores com produtos, cartazes e gráficos que pudessem circular pelos municípios. O primeiro evento a que se meteu mãos foi na Exposição Industrial de Lisboa, apresentou-se um mostruário das atividades coloniais. Passaram a organizar-se as “Semanas das Colónias”, em parceria com as instituições científico-pedagógicas, neste caso a Sociedade de Geografia de Lisboa e a Escola Superior Colonial.

Multiplicaram-se as sessões de divulgação, o Ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não fugia à participação, o Tenente Henrique Galvão era outra presença obrigatória, como o jornalista António Eça de Queirós. Produziram-se filmes e houve sessões promocionais logo em Lisboa e arredores (Voz do Operário, Cinema Condes e Casino do Estoril). A primeira grande prova de fogo foi a grande Exposição Colonial do Porto, jamais se investira tanto, trouxeram-se comunidades nativas, simularam-se aldeias e modos de vida, era um corrupio constante de mirones, chegou mesmo a haver um concurso de beleza para premiar as grandes beldades. Em 1937, a Agência participou na organização da Exposição da Ocupação e no Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo. Desde a sua fundação até 1937 a Agência divulgara 450 obras que representavam cerca de um milhão de exemplares. Em 29 de abril de 1938, a Agência prestou homenagem ao Marquês de Sá da Bandeira, junto do monumento que lhe foi erigido na Praça D. Luís em Lisboa, por ocasião do 80.º aniversário do decreto que abolia a escravatura. E assim se chegou à Exposição Colonial do Mundo Português, 1940, a Agência participou ativamente com publicações e a realização de eventos, no ano seguinte a Agência foi em missão oficial ao Brasil, apresentou uma mostra da sua obra cultural. Em 1942, aproveitava-se a Emissora Nacional para fazer palestras sobre o Império Colonial Português, ano em que a Agência passou a ter um delegado junto do Secretariado da Propaganda Nacional, o nomeado foi Augusto Cunha, um advogado que dirigia a revista “O Mundo Português” e estivera empenhado na organização dos cruzeiros de “Férias às Colónias” e dos “Estudantes das Colónias à Metrópole”.

Marcello Caetano sobraçou a pasta das colónias a partir de setembro de 1944, adotaram-se novas estratégias para a divulgação do império. É nesse contexto que a Agência aparece em 1945 na Feira Popular com um pavilhão artístico decorado por Jorge Segurado. Qualquer data era um ensejo para comemorações, foi assim em 1946, com as comemorações nacionais do V Centenário da Descoberta da Guiné que trouxeram a visita das autoridades tradicionais da Guiné a Lisboa, a inauguração de um monumento a Nuno Tristão e houve mesmo guineenses no “Desfile dos Municípios”, a propósito do VIII Centenário da Conquista de Lisboa. Em maio de 1950, inaugurava-se no Palácio da Independência o primeiro Centro de Estudos de Formação Imperial da Mocidade Portuguesa, a Agência estava implicada.

Com recurso aos meios audiovisuais, a Agência dispunha de uma viatura para o cinema, para missões de propaganda, abordavam-se os mais variados assuntos desde a coroação de Nossa Senhora de Fátima passando pelos desfiles da Legião Portuguesa até à viagem de Marcelo Carmona ao Porto. 1951 é o ano da Reforma Constitucional, a Agência passou a ser de Ultramar. Foram criados os Centros de Informação e Turismo em Angola, Moçambique e Índia. E assim chegamos a 1961, o ano das mudanças radicais.

Lembra o autor que em outubro de 1964 se realizou na Agência a primeira reunião que chamava a atenção para o início da guerra colonial. A Agência está muito próxima do Ministério do Ultramar. A partir de 1967 a Agência passa a ser um organismo destinado a difundir informações relativas ao património tropical, a superintender e impulsionar o turismo. Passa a ter assento na RTP, apresentava um programa de 15 minutos, primeiro quinzenal, depois semanal, produzido pela Agência Geral do Ultramar e intitulado “Portugal Além Europa”. A publicação mais evidente era o Boletim Geral, primeiro “Boletim Geral das Colónias”, depois “Boletim Geral do Ultramar”, a revista “O Mundo Português” e também desde 1970, a revista “Permanência”. Lembra o autor que com o intuito de estimular o interesse dos intelectuais pelos interesses tropicais, instituiu a Agência Geral o “Concurso de Literatura Colonial”, anualmente promovido, desde 1926 até 1951. Em 1954, o certame foi melhorado com a criação de quatro prémios que viriam a subsistir até 1974, contemplando géneros literários tão diversos como o conto, a poesia, o romance e o teatro. Foram muitos os contemplados com os prémios “Camilo Pessanha”, “Frei João dos Santos”, “Fernão Mendes Pinto”, “João de Barros” e “Pêro Vaz de Caminha”, cada um no valor de 20 contos; para além destes, havia ainda o prémio “D. João II”, no valor de 50 contos, que distinguia o melhor estudo sobre o tema que a propaganda do Estado Novo, já no período final, procurava consagrar, a Unidade Nacional.




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Nota do editor

Último poste da série de 10 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19966: Historiografia da presença portuguesa em África (166): Alfa Moló Baldé e o mito fundador do reino de Fuladu, em 1867 (Cherno Baldé) - II (e última) Parte

Guiné 61/74 - P19984: Parabéns a você (1654): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 3492 (Guiné, 1971/74); Jaime Bonifácio Silva, ex-Alf Mil Paraquedista do BCP 21 (Angola, 1970/72) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19974: Parabéns a você (1653): António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)

terça-feira, 16 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19983: (Ex)citações (354): Como é que a máquina burocrática do exército fazia chegar, à família, a notícia funesta da morte ou desaparecimento em combate de um militar ? O caso do sold at cav nº 711/65, José Henriques Mateus, desaparecido no rio Tompar, afluente do rio Cumbjiã, no decurso da Op Pirilampo, em 10/9/1966 (Jaime Silva, seu colega de escola, no Seixal, Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)

Brasão da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)


José Henriques Mateus (Lourinhã, Areia Branca, 1944 - Guiné, Rio Tompar, região de Tombali, 1966)


I. A notícia do desaparecimento do soldado n.º 711/65 José Henriques Mateus, sold at cav, CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido no rio Tompar, em 10/9/1966(*)



por Jaime Silva [, foto à esquerda, 2014]


1.O DEPÓSITO GERAL DE ADIDOS CENTRALIZAVA A INFORMAÇÃO (**)


Os Serviços da República Portuguesa, através das Forças Armadas, tinham um Serviço especializado para este efeito. A primeira comunicação da morte ou acidente de um militar ocorrida durante a sua Comissão no Ultramar era da responsabilidade do Comandante da Unidade a que pertencia o Militar em questão. 

Este, via rádio, comunicava as circunstâncias da ocorrência ao superior hierárquico que, por sua vez, encaminhava o "assunto" para o departamento responsável, o Depósito Geral de Adidos.

A partir desse momento todas as formalidades eram da sua competência:

i) informar todos os departamentos governamentais e das Forças Armadas com responsabilidades na condução da Guerra;

ii) enviar um "telegrama à família", via CTT, a dar a notícia (nunca as Forças Armadas de Portugal enfrentaram diretamente as famílias para lhes darem essa notícia, escudaram-se nos carteiros, mas isso é outra história!);

iii) realizar o funeral na respetiva Província onde ocorreu o acidente (por vezes, sobretudo no início da Guerra, os miliares eram sepultados nos cemitérios locais);

iii) trasladar o caixão chumbado com o corpo do militar para Portugal e realizar o funeral no cemitério da sua freguesia (até 1968 as famílias dos militares tinham que pagar ao Estado as despesas com o transporte do caixão);

iv) tratar de enviar à família a mala com o seu espólio (quase sempre, era o melhor amigo que realizava esta "operação");

e, v) tratar da documentação a enviar à família para que esta pudesse receber a "pensão de sangue", quando tinha direito (nem todas as famílias, apesar da morte dos filhos no Ultramar, tiveram direito a essa "pensão").

2. O CASO CONCRETO DO SOLDADO N.º 711/65, MATEUS - S.P.M. 3008:

Oficialmente a notícia do desaparecimento do soldado José Henriques Mateus seguiu a rotina habitual:

(i) O Comandante da Companhia enviou para o Comandante de Batalhão a notícia do desaparecimento do Mateus e este fez seguir a informação para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) que se limitou a enviar, via rádio, a informação para o Depósito Gerald e Adidos, sediado em Lisboa.

A partir daqui os militares da Secretaria adstrita ao Comando do Depósito Gerald e Adidos, na altura chefiada pelo Coronel de Infantaria Amândio Ferreira, põe em marcha um conjunto de procedimentos de rotina:

1.º Através do Ofício N.º 1893/B - P.º 183 e datado de Lisboa, 14 de setembro de 1966, informa:

a) Chefe da 1.ª Seção da Rep. do Gabinete do Ministro do Exército;

b) Chefe da Rep Geral DSP/ME;

c) Chefe do Serv. Inf. Pública das Forças Armadas do Dep. da Defesa Nacional;

d) Chefe do Estado Maior do QG/GML;

e) Chefe da Repartição de Sargentos e Praças DSP/ME;

f) Chefe da Agência Militar;

g) Comandante do R.C.7 (Leiria).


2.º Depois, dá conhecimento, a partir de Lisboa, ao Chefe de Estado Maior do Quartel General do CTI da Guiné que informou aquelas entidades oficiais do teor do seguinte rádio:


"ASSUNTO: DESAPARECIMENTO DE PRAÇA NO ULTRAMAR

“Para os devidos efeitos, transcrevo a V. Exa. o rádio N.º 1859/A de 12.9.66 do CTI da Guiné, que é do teor seguinte:


“DESAPARECIDO OPERAÇÕES 10.19.00SET66 JOSÉ HENRIQUES MATEUS SOLDADO 6951665 CCAV 1484/RC 7 NATURAL FREGUESIA CONCELHO LOURINHà FILHO JOAQUIM MATEUS JÚNIOR E ROSA MARIA RESIDENTE LUGAR DA AREIA BRANCA CONCELHO LOURINHÔ.

Informo V.Exa. que foi enviado telegrama à família do desaparecido comunicando a ocorrência”.

"O comandante
Amândio Ferreira
Coronel de Infantaria".


Exemplo de um telegrama  enviado à família de um outro militar, o fur mil João Carlos Oliveira Martinho, neste caso com data de 26 de maio de 1973, às 12h32, assinado pelo Comandante do Depósito Geral de Adidos, Ajuda Lisboa. (A família do Mateus deve recebido um, de teor similar,  7 anos antes.)

"Nº 602787. Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho furriel miliciano João Carlos Oliveira Martinho ocorrido dia 25 corrente Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências

"Comandante Depósito Geral de Adidos
Lisboa".


O fur mil cav Martinho pertencia ao EREC 8740/73, sediado em Bula, e morreu em combate em 25 de maio de 1973.




II. Depoimento de José Francisco Couto [, ex-sold at cav, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67, natural do Bombarral, vive há muito no Canadá] (***):

O soldado n.º 699/65 – S.P.M. 3008, José Francisco Couto, natural de Baracais, freguesia da Roliça, concelho do Bombarral, foi camarada de pelotão do Mateus e seu amigo. Participou na “Operação Pirilampo”, assistindo ao desaparecimento do Mateus quando ambos atravessavam o Rio Tompar. Escreveu dois Aerogramas à mãe do Mateus. 

Durante a consulta do espólio do Mateus,  encontrei entre a sua correspondência dois aerogramas enviados à mãe do Mateus pelo José Francisco Couto. Neles, lamentava as circunstâncias da morte do filho e afirmava que a iria visitar logo que regressasse da Guiné, uma vez que eram naturais de concelhos vizinhos.

Transcrevo o segundo aerograma que enviou à mãe do Mateus em 8 de novembro de 1966:


Catió,  8 Nov966

Prezada Senhora:

É com os olhos rasos de lágrimas que novamente me encontro a escrever-lhe, sendo ao mesmo tempo a desejar-lhe uma feliz saúde, a si e aos seus filhos, que eu cá vou indo na graça de Deus.

Sei, senhora Rosa, que ao receber esta minhas notícias mais se recorda da tragédia que lhe roubou o seu querido filho, pois é com mágoas no coração que lhe respondo a tudo quanto me pergunta e peço a Deus que não a vá magoar mais com tudo o que lhe possa dizer. Pois compreendo que, além da minha dor ser enorme, a sua não tem palavras, pois o destino foi traiçoeiro. Sim, a Senhora pede-me que lhe explique como tudo se passou. Pois sou a dizer-lhe tudo o que sei.

Foi uma das saídas que nós tivemos, durante o dia tudo se passou da melhor maneira na graça de Deus e nós nos sentíamos satisfeitos, mas no regresso tivemos que atravessar um rio e a corrente era enorme, como enorme era o peso que trazíamos.  [E foi aí] que ele [, o seu filho,]  ao passar, a corda se partiu e foi quando ele foi parar ao fundo sem mais ninguém o ver. 

[Logo] quatro camaradas nossos, mal pressentiram o que se estava a passar, atira[ra]m-se à água e mergulharam ao fundo para ver se o encontravam,  correndo o rio de cima para baixo e vice versa mas o resultado foi o que Senhora já sabe. Não o conseguiram encontrar pois a corrente o arrastaria logo, foi como um balde de água fria que caiu sobre nós e todos os esforços que juntos fizemos foram negativos. 

Esta é apenas a verdade que podem contar à Senhora [e] aos seus filhos. Sim, também me diz que apareceu alguma coisa dele, e é certo, mas não o que a Senhora me diz. Apareceu, sim, o que lhe vou contar.

Passados alguns dias nós voltámos a passar por lá, e foi nessa altura [que] um dos alferes encontrou uma parte da camisa e a carteira no bolso, pois a parte da camisa era só [a] da frente e tinha o bolso onde estava a carteira, que o alferes tem para lhe enviar tudo junto, [o] que resta do seu querido filho. 

E a Senhora não precisa de tratar nada, pois a companhia já tratou de tudo, também tratou dos papéis para a Senhora ficar a receber algum dinheiro que bastante falta lhe fará. 

E, assim, minha Senhora, não quero alongar mais as minhas notícias pois elas só lhe levam mágoas. No entanto, mais uma vez lhe digo, a companhia está a tratar de todos os assuntos e lhe enviará todas as suas coisas. 

Sem mais me despeço, com muitas saudades para os seus filhos, um aperto de mão para todos, para a Senhora também deste que chora também a sua dor.

José Couto 


[Revisão / fixação de texto: JS/LG]


3. Nota adicional de JS:

O Mateus nasceu, na Areia Branca, Lourinhã, a 17.10.1944, e foi meu colega da escola primária, no Seixal, Lourinhã. Assentou praça no RI 7 em Leiria no dia 4 de maio de 1965 com a idade de 21 anos e, numa altura em que, como me disse o seu irmão Abel, era o “homem da casa” e o “braço direito da mãe”, uma vez que o pai já tinha falecido e tinha, ainda, mais duas irmãs e um irmão para ajudar a criar. 

Sobre as dificuldades das famílias em criar os seus filhos naquela época em que os trabalhadores do campo labutavam de “sol a sol” para ganharem uma “côdea”, são contas de outros rosário. A mãe do Mateus não escapava a estas dificuldades. Nem nestas circunstâncias o Governo de Portugal tinha alguma consideração: Ala para a guerra. Quem fica, que se amanhe! (****)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19982: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: atualização: o caso do 1º cabo Henrique Manuel da Conceição Joaquim, do BENG 447, afogado em 31 de julho de 1974, na ilha da Caravela e cujo corpo não foi recuperado

Comentário de LG:

Jorge: Para já, o meu/nosso muito obrigado por este inventário, doloroso mas precioso, tratando-se de camaradas mortos, por afogamento, no CTIG... Mas, se eu bem li os teus postes [...], há mais um caso omisso: o sold at cav, José Henriques Mateus (1944-1966), que pertenceu à CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), e que desapareceu em combate em 10/9/1966, no rio Tompar, afluente do rio Cumbijã, no decurso da Op Pirilamp, no setor de Catió, região de Tombali... Estive há tempos, na sua terra, Areia Branca, Lourinhã, justamente a participar numa homenagem póstuma à sua memória... Houve camaradas da sua companhia que chegaram a ponderar a hipótese de ele não ter morrido, mas antes ter sido feito prisioneiro pelo PAIGC... A verdade é que o corpo nunca foi encontrado. 
(...)

(**) Vd. poste de 11 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13127: Homenagem póstuma, na sua terra natal, Areia Branca, Lourinhã, 11 de maio próximo, ao sold at cav José Henriques Mateus, da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido em 10/9/1966, no Rio Tompar, no decurso da op Pirilampo. Parte VIII: Como é que a funesta notícia chegou à família ?... Através do carteiro... (Jaime Bonifácio Marques ds Silva)

(***) 10 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13123: Homenagem póstuma, na sua terra natal, Areia Branca, Lourinhã, 11 de maio próximo, ao sold at cav José Henriques Mateus, da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido em 10/9/1966, no Rio Tompar, no decurso da op Pirilampo. Parte VII: Dois importantes depoimentos de camaradas e amigos do Mateus, o sold at cav, José Francisco Couto (Bombarral e Canadá e o ex-fur mil radiomontador Estêvão Alexandre Henriques (Lourinhã) (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

(****) Último poste da série > 3  de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19943: (Ex)citações (353): Uma achega referida à circunstância da morte em combate de Guerra Mendes, comandante do PAIGC (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705)

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19982: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: atualização: o caso do 1º cabo Henrique Manuel da Conceição Joaquim, do BENG 447, afogado em 31 de julho de 1974, na ilha da Caravela e cujo corpo não foi recuperado


Foto do 1.º Cabo Henrique Manuel da Conceição Joaquim
In: "Os eternos esquecidos". Almada, Trafaria, Junta da Freguesia da Trafariam, 2009. p.127


Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); 
coeditor do blogue desde março de 2018



ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974) - ACTUALIZAÇÃO
O CASO DO 1.º CABO HENRIQUE MANUEL DA CONCEIÇÃO JOAQUIM, DO BENG 447, AFOGADO EM 31JUL1974 NA ILHA DA CARAVELA
(CORPO NÃO RECUPERADO) 



Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > 1969 > Militares da CCS do BCAÇ 2856, atravessando um afluente do Rio Geba, durante uma operação de reconhecimento. In: Lugar do Real , com a devida vénia.


1. INTRODUÇÃO

No âmbito do projecto de investigação titulado de "ensaio" sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné, durante o conflito armado (1963-1974) (*), deixei expresso no primeiro fragmento – P11979 – que os resultados entretanto apurados, através da consulta a fontes oficiais, poderiam vir a ser alterados em função de outros casos particulares, "estranhos" ou "não considerados" no domínio institucional.

Cabe neste cenário a situação do 1.º Cabo Henrique Manuel da Conceição Joaquim, militar pertencente ao Batalhão de Engenharia [447], sedeado em Bissau, com a especialidade de Pedreiro, que viria a morrer afogado em 31 de Julho de 1974, 4.ª feira, na Ilha da Caravela, Arquipélago dos Bijagós, cujo corpo não foi recuperado. 

Como este episódio ocorreu no CTIG, ainda que depois do "25Abr74", no período de retracção das nossas Unidades no terreno, porque não consta a morte (por afogamento) do camarada Henrique Manuel Joaquim no número de baixas oficiais do Exército?
O que terá acontecido?
Entretanto, a informação que abaixo de reproduz, e que serviu para estruturar a presente narrativa, faz parte do livro editado, em Setembro de 2009, pela Junta de Freguesia da Trafaria, pertencente ao Município de Almada, no qual constam pequenas biografias de militares, nascidos ou residentes naquela Freguesia, que estiveram nos diferentes "Teatros de Operações", como é o exemplo do camarada Henrique Manuel Joaquim.


Esta colectânea nasceu, como sucedeu noutros contextos, da conversa informal entre camaradas, ex-combatentes, onde vieram à "baila" histórias vividas por cada um, nas ex-Províncias Ultramarinas onde efectuaram o respectivo serviço militar.

No caso em análise, foi eleita uma Comissão, constituída por: Alfredo Pisco (CCaç 2321; Moçambique); António Oliveira Bentes (1946-2007 - CCav (?); Guiné): Euclides Soares (BA 12; Guiné); Ezequiel Pais (CArt 2521; Guiné); Ilídio Pinheiro (CArt 698; Angola - pesquisa e análise); João Freitas (BCP 31; Moçambique - coordenação gráfica); José Manuel Martins (AgEng; Moçambique) e Manuel Fernandes (PInt 2161; Angola).

Dessa conversa inicial e informal "começou a nascer a ideia, ainda que sem consistência, de fazer algo para homenagear todos esses bravos militares, apenas lembrados por familiares e amigos, (e eternamente esquecidos por todos os governantes) alguns dos quais, infelizmente, desaparecidos nessas terras longínquas.  Ao fim de muito trabalho e muitas pesquisas, foi-nos possível reunir todos os dados para começarmos a pensar na possibilidade de compor um livro". 

Este livro, publicado em Setembro de 2009 [, imagem da capa a seguir], "é uma homenagem a todos os militares falecidos em combate, e os que felizmente ainda vivem, nascidos ou a habitar na Trafaria há mais de dez anos" [na data em que a ideia foi aprovada].
Quem tiver conhecimento deste triste episódio, faça o favor de comunicar. Obrigado!


Capa do livro, editado em  Setembro de 2009, pela Junta de Freguesia da Trafaria, pertencente ao Município de Almada. Referência bibliográfica na PorBase: Os eternos esquecidos / comis. Alfredo Pisco... [et al.] ; colab. Câmara Municipal de Almada... [et al.]. - [Trafaria : s.n.], 2009 ([Charneca da Caparica] : Jorge Fernandes). - 173, [3] p. : il. ; 30 cm


Imagem de satélite do Arquipélago dos Bijagós, com a situação geográfica da Ilha da Caravela e Bissau, e da sua relação entre si.


2. OS DADOS DO "ENSAIO" ACTUALIZADOS (*)

- QUADROS ESTATÍSTICOS

Em função da alteração dos resultados anteriormente divulgados, organizados em quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, tomei a iniciativa de os corrigir, apresentando, de imediato, a respectiva actualização [gráficos e quadros], levando em consideração os objectivos que cada contexto encerra.



Quadro 1 e Gráfico 1 – Da análise supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974), e que constituíram a população deste estudo, é de 145. Verifica-se, ainda, que desse total, 113 (77.9%) eram soldados; 23 (15.9%) 1.ºs cabos; 7 (4.8%) furriéis; 1 (0.7%) 2.º sargento e 1 (0.7%) major. 




Quadro 2 e Gráfico 2 – Da análise supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 64 (44.1%). Verifica-se, também, que desse total, 48 (75.0%) eram soldados; 11 (17.2%) 1.ºs cabos; 4 (6.2%) furriéis e 1 (1.6%) 2.º sargento. 




Quadro 3 e Gráfico 3 – Da análise supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 64 (44.1% do total). Quanto aos corpos não recuperados, verifica-se que a CCaç 1790, com 26 (40.6%) casos, e a CCaç 2405, com 19 (29.7%) casos, foram as Unidades Militares que contabilizaram maior número, sendo estes consequência do acidente da «Jangada de Ché-Che» em que elementos das duas Companhias de Caçadores estiveram envolvidos. Segue-se o Pel Mort 980, com 3 corpos não recuperados, no Rio Cacheu, na «Operação Panóplia", e a CArt 3494, com dois, no Rio Geba (Xime), durante uma missão, não cumprida, a Mato Cão, situado na margem direita desse rio. Das 17 Unidades Militares que não conseguiram recuperar os corpos dos seus naufragados, 12 (18.8%) tiveram apenas um caso.



Quadro 4 e Gráfico 4 – Distribuição de frequências segundo a relação entre as variáveis "ano das mortes por afogamento", "corpos não recuperados" e "corpos recuperados". O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes por afogamento. No final foram contabilizados cento e quarenta e cinco náufragos. Durante os doze anos em que decorreu o conflito, por quatro vezes (1/3) o número de mortes ultrapassou a dezena de casos, com destaque para o ano de 1969, onde os números ultrapassaram a meia centena, em consequência do «desastre da Jangada do Ché-Ché». Para esses valores globais muito contribuíram os "acidentes" nos rios da Guiné - Cacheu, Corubal e Geba.

Nota:

Para efeitos de comparação estatística devem ser consultados os P19679; P19710; P19788 e P19822 (*).

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.
05Jul2019.
___________

Nota do editor:

Vd. postes anteriores:

15 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19788: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Os três acidentes na hidrografia guineense (Parte III)

Guiné 61/74 - P19981: Em bom português nos entendemos (22): nas grandes ocasiões, como o nosso léxico pode ser tão.. pequeno!

I. Com a devida vénia à Carla Marques e ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:


Uma lista para feitos desportivos incríveis:
para relatores turvados pela emoção


por Carla Marques |  14 jul. 2019 187

Incrível! A seleção portuguesa sagrou-se campeã do mundo em hóquei em patins. Um feito incrível que já não tinha lugar há 16 anos! E para este acontecimento incrível contribuiu, e muito – senão decisivamente...– a incrível exibição do guarda-redes Ângelo Girão. Uma atuação tão incrível que deixou o relator do jogo sem palavras, ou melhor, sem adjetivos, isto é, semoutros adjetivos… como ele foi repetindo ao longo da transmissão na RTP 1.

«Incrível!», «Isto é incrível!», «Este guarda-redes é incrível!», «Uma exibição incrível!»… para, a certa altura, concluir: «Eu não tenho palavras!» Ainda arriscou qualificativo estratósférico, mas, face ao incrível, nenhuma outra palavra tomou a dianteira.

Sabemos que as emoções fortes podem turvar os pensamentos e também reduzir drasticamente o léxico da narração. Especialmente se uma locução em direto envolve uma vitória tão excitante como a ocorrida em Barcelona. Para prevenir eventualidades futuras, aqui fica uma lista de incríveis adjetivos de que qualquer relator em semelhantes circunstâncias – seja na televisão ou na rádio – pode lançar mão para descrever uma prestação desportiva de primeira água, ou melhor, incrível: extraordinário, assombroso, notável, estupendo, fantástico, espantoso, fenomenal, sensacional, excecional, fabuloso, brilhante, inesquecível…
Enfim, uma lista para feitos incríveis!


Sobre a autora, Carla Marques (, foto à esquerda). (i) doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); (ii) investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); (iii) autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; (iv) formadora de professores; (v) professora do ensino básico e secundário; (vi) consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

II.  A palavra "incrível" no dicionário:

incrível | adj. 2 g. | s. m.

in·crí·vel

adjectivo de dois géneros

1. Que não pode ser acreditado; em que não se pode acreditar.

2. Extraordinário.

3. Que custa a acreditar.

substantivo masculino

4. O que não se pode crer.

Superlativo: incredibilíssimo.

Palavras relacionadas:
incredível, incredibilíssimo, incrivelmente, inconcebível, inimaginável, inopinado, mirabolante.

"incrível", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/incr%C3%ADvel [consultado em 15-07-2019].
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19921: Em bom português nos entendemos (21): quem chama "fula-preto" a quem ? (Luís Graça / Cherno Baldé)