sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20127: Notas de leitura (1215): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (22) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
O bardo continua na ilha do Como, chora amargamente os camaradas que partiram e que ficarão no cemitério de Bissau. É o momento propício para dar um pano de fundo da Frente Norte, já se falou de Mansabá e Bissorã, a seguir à batalha do Como o destino será Farim, importa esclarecer o que na região aconteceu ao longo de 1963, aí se passarão muitas coisas que o bardo a seguir irá contar.
Feitas as contas, a batalha do Como assegurou uma retirada estratégica dos elementos do PAIGC, não podiam resistir ao potencial de fogo e à capacidade ofensiva das forças portuguesas. Só que o Como acabou por deixar de ter interesse estratégico, o PAIGC ganhou posições no Sul muito mais influentes. O mesmo PAIGC que usou o Como como arma de arremesso propagandístico, mentiu até dizer basta.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (22)

Beja Santos

“Ao virem para o Ultramar
seus paizinhos abraçaram.
Grande azar os perseguia,
ao Continente não voltaram.

O 820 falou
pouco antes de morrer
dizendo: - “é má de vencer
a força que nos enfrentou”.
Com coragem rastejou,
para conseguir escapar.
Ele e o 311 com azar
levaram muita rajada,
tinham a vida determinada
ao virem para o Ultramar.

Acabaram sua lida.
Aqui a lutar na guerra
ficaram debaixo da terra
tão longe da família querida.
Já não gozam mais na vida,
a mocidade deixaram,
pela nossa Pátria lutaram
com prazer e com orgulho.
Em 63, no mês de Julho
seus paizinhos abraçaram.

Ao abraçarem seus pais
foi uma coisa amargurada.
Na hora da abalada
deram suspiros e ais.
Já não tornam a ver mais
quem os trouxe à luz do dia.
Foi tão grande a agonia
quando este caso se deu.
Pinto e o condutor: morreu
grande azar os perseguia.

Na Província da Guiné
foi este acidente passado,
o condutor era Soldado
e o 1.º Cabo Henrique José.
Foi na mata de Uncomené,
que as amarguras passaram.
Para Bissau se evacuaram
onde foram enterrados.
E assim, estes malfadados,
ao continente não voltaram.”

********************

Enquanto o bardo exprime a sua dor pela morte dos camaradas, penso que chegou o momento azado de introduzir duas obras como pano de fundo para este PAIGC que desencadeara uma luta armada consequente logo no início de 1963 e ouvir um ponto de vista sobre a utilidade desta batalha do Como, do lado de investigadores portugueses, deixando para mais adiante a opinião de Basil Davidson, num trabalho panegírico sobre a libertação da Guiné.

Em “Os Anos da Guerra Colonial”, Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, a propósito da expansão da guerra, lembram que em junho de 1963 o PAIGC instalava-se na região que liga o Morés à fronteira norte, e escrevem:
“O comando militar português não esperava que essa actuação fosse desencadeada com tanta agressividade, nem que os grupos guerrilheiros do PAIGC dispusessem de armamento tão aperfeiçoado e em tal quantidade. A seguir a esta acção sucedem-se várias outras, reveladoras do potencial de combate e das capacidades militares do PAIGC”.
E vem um rol de datas com eventos: viaturas alvejadas entre Binta e Farim; grupos guerrilheiros a tentar destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá e Mansoa-Nhacra; ataques a Binar e Olossato, aqui saquearam-se casas comerciais; emboscada a uma força militar de Mansabá; ataque a Encheia.
E os autores comentam:
“Era evidente que a atuação do PAIGC obedecia a um plano bem definido. A PIDE de Bissau tinha informações de um plano para o desencadeamento de acções armadas na zona norte da Guiné e de que as acções seriam desencadeadas por guineenses residentes no Senegal. O PAIGC contava nessa altura, na região de Zinguinchor, com perto de 300 elementos em Samine, e a PIDE estimava existirem no interior do território cerca de 6500 elementos treinados para a luta. Era ainda conhecida a existência de um depósito de armamento em Biambe, concelho de Bissau, e que estavam a aguardar mais material para distribuir nas áreas de Bula e Canchungo, onde, em princípio, pensavam desencadear as ações militares. O plano do PAIGC que a PIDE descobriu incluía ainda sabotagem de aviões e barcos".

Voltemos ao Morés, onde o PAIGC estimava poder manter no centro do Oio um quartel-general. Em poucas semanas, todas as pontes da região circundante do Morés foram destruídas e as estradas cortadas com abatises, em especial a de Bissorã-Mansabá. O PAIGC pretendeu inutilizar eixos rodoviários de interesse económico, o principal dos quais era a estrada Mansoa-Mansabá-Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida no leste da Guiné.
E adiantam os autores:
No final de agosto de 1963, a situação na região-chave que abrangia Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabá e Olossato era idêntica à de grande parte do sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e a atividade comercial profundamente afectadas.
Amílcar Cabral emitiu um comunicado difundido em Agosto pelas emissoras de Dacar e de Conacri sobre este alastramento da actividade militar, confirmou que a luta estava a ser intensificada para tornar mais sólidas as suas posições no sul da Guiné ao mesmo tempo que se estendia a acção armada ao centro e ao norte.
A intensificação da luta, anunciada por Amílcar Cabral, correspondeu à realidade. No sul, o PAIGC, além de continuar a obstruir as estradas com abatises ou vales, aumentou o número de acções contra aquartelamentos militares, tendo sido especialmente visados os de Fulacunda, Catió, Buba, Cacine, Chugué, Empada e Bedanda. Estas acções foram quase sempre realizadas de noite e com maior ou menor violência. Para responder a esta situação de grande violência, as Forças Armadas deslocaram para a Guiné cerca de 5 mil homens durante o ano de 1963.”

O bardo e camaradas a caminho da Ilha do Como.

E chegamos agora à batalha do Como, evento militar maior, quase coincidente com o congresso do PAIGC em Cassacá. O PAIGC ocupava desde fevereiro de 1963 as ilhas de Como, Catunco e Caiar, ilhas estrategicamente importantes, a sua posse pela guerrilha dificultava a navegação pelo sul e facilitava-lhe ataques ao lado continental da colónia. Os autores de “Os Anos da Guerra Colonial” descrevem a Operação Tridente, a retirada de todo o contingente do PAIGC em que as suas bases foram destruídas após 71 dias de operação. Foi posteriormente construído um aquartelamento em Cachil onde ficou instalada uma companhia, com o objetivo de assegurar o controlo da ilha. Como seria de esperar, o PAIGC regressou à ilha e não deu vida fácil a quem estava em Cachil. Só que o Como acabou por perder a importância estratégica na justa medida em que a guerrilha se consolidou em vários locais do continente. Feitas as contas à batalha do Como, do lado português pôde dizer-se que os guerrilheiros resistiram e depois fugiram e a propaganda do PAIGC usou a batalha como uma grande vitória, falando sem pudor de centenas de mortes do lado português e de uma retirada das forças portuguesas perseguidas pelo PAIGC.

Se demos um pano de fundo sobre os acontecimentos da abertura da Frente Norte é para enquadrar o que, depois da batalha do Como, se irá passar com a atividade operacional do BCAV 490. E referir o livro “A libertação da Guiné”, por Basil Davidson, que teve a sua edição original em 1969 e edição portuguesa em 1975 é para ter uma imagem da profunda admiração sentida pelo jornalista e escritor britânico pelo pensamento e ação de Amílcar Cabral e como ele fez eco da batalha do Como. Prefaciou o livro Amílcar Cabral, fica demonstrada a conivência, a afinidade ideológica entre ambos, começara em 1960, quando Cabral se deslocou a Londres para pedir apoios políticos, deixando ali um importante documento.

Basil Davidson caminha no interior da Guiné ao lado de Cabral, fala-se da história da colónia, das bombas de napalm, colhe testemunhos de guerrilheiros, regista as tiradas tribunícias proferidas por Cabral junto das populações afetas, visita a região do Boé, descreve os princípios políticos do PAIGC: “É um movimento revolucionário que se baseia numa análise marxista da realidade social”. Dá como adquirido que organização política é uma democracia participativa, o PAIGC aceita apoio militar, formação profissional, nomeadamente na área da saúde e cita Cabral, a propósito do apoio internacional: “Não queremos voluntários. Conselheiros militares ou comandantes ou qualquer outro pessoal estrangeiro seria a última coisa que aceitaremos. Roubariam ao meu povo a sua única oportunidade de conquistar significado histórico pelos seus próprios meios, de reafirmar a sua própria história, de recapturar a sua identidade própria”. Mais adiante descreve a evolução dos meios militares sem antes, porém, enunciar as diligências perpetradas por Cabral para tentar negociar um processo de independência com o Governo Português. E assim chegamos à batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20116: Notas de leitura (1214): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1627), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20126: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte I


Foto 1 – Nuvem de fumo provocada pela explosão de mina anticarro, provavelmente accionada por viatura militar no decurso de uma coluna auto. Como sabemos, estas minas (A/C), bem como as anti-pessoais (A/P), constituíam, de facto, um enorme obstáculo ao desenvolvimento das acções militares e um permanente perigo para a vida de cada um dos combatentes das forças terrestres, como provam as imagens e os relatos que seleccionámos para a elaboração deste trabalho.

Fonte: Centro de Documentação da Universidade de Coimbra (arquivo electrónico), com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo

ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior,

indigitado régulo da Tabanca de Almada; tem c. 225 registos no nosso blogue.



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (PARTE I)


1. INTRODUÇÃO


Continuando mobilizado para as acções incluídas nos trilhos da investigação, nomeadamente no estudo da temática das "baixas em campanha", por permitir não só a sua organização quantitativa e qualitativa como a consequente análise demográfica, levo hoje ao conhecimento do fórum a abertura de mais um dossier "Ensaio", este abordando os casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados na literatura "oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

Para além do processo de colecta e organização dos dados, foi possível cruzá-los com algumas narrativas históricas específicas, produzidas por cada um dos sujeitos nelas envolvidas, com recurso às memórias que constam do importante espólio da «Tabanca Grande» e a outras que, por via do seu aprofundamento, encontrámos em diferentes lugares. Estes casos serão apresentados ao longo dos diferentes fragmentos.

Importa referir, neste contexto, que a opção por esta "especialidade" da organização militar foi influenciada pelo facto da primeira morte em combate, ocorrida no dia 23 de Janeiro de 1963, em Tite, ter sido  a de um "condutor auto rodas", o camarada Veríssimo Godinho Ramos, natural de Vale de Cavalos, Chamusca.

Porque se trata, como referido, de um "ensaio", este apuramento pode vir a ser alterado em função de outras colaborações e/ou informações complementares que, por estarem dispersas, possam surgir após a avaliação realizada por cada um de vós. A esta situação acresce o facto de existirem registados, nos dados oficiais, óbitos onde consta somente o posto do militar falecido.

Por razões metodológicas e estruturais do presente trabalho, nesta primeira parte não se referem os nomes dos sujeitos em cada uma das diferentes ocorrências, opção que será alterada a partir da segunda narrativa.

2. ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-19
74), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (n=191)

A análise demográfica que comporta esta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu, como referido na introdução, sobre os casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "dados oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).

O tratamento estatístico que seguidamente se dá conta está representado por gráficos e quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. Cada gráfico e respectivo quadro relata os valores quantitativos de cada um dos elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.


Gráfico 1 – Distribuição de frequências segundo a variável número de mortes de condutores auto rodas do Exército, por posto (1963-1974) – (n=191)

O estudo mostra que dos indivíduos que constituíram a população deste estudo (n=191), 93.2% (n=178) dos casos de mortes de condutores auto rodas do Exército eram soldados, enquanto 13 (6.8%) casos eram 1ºs. Cabos.



Gráfico 2 – Distribuição de frequências segundo a variável número de mortes de condutores auto rodas do Exército, por ano (1963-1974) (n=191)

O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes de condutores auto rodas. Os valores mais baixos foram verificados em 1963 (n=7) e 1970 (n=10). Durante os doze anos em que decorreu o conflito, por três vezes o número de mortes ultrapassou as duas dezenas de casos: em 1966 (n=21), em 1967 e 1968 (n=24) cada.



Quadro 1 – Quadro das mortes de condutores auto rodas do Exército por ano e território de recrutamento (1963-1974)(n=191)



Da análise ao quadro supra (Quadro 1), verifica-se que o número total de condutores auto rodas do Exército que morreram no CTIG (1963-1974), e que constituíram a população deste estudo, é de 191. Verifica-se, também, que desse total, 171 (89.5%) eram militares do continente, enquanto 20 (10.5%) eram do recrutamento local. 

Quanto ao número de continentais, 162 (94.7%) casos eram soldados e 9 (5.3%) casos eram 1.ºs cabos. No âmbito do recrutamento local, 16 (80%) casos eram soldados, enquanto 4 (20%) casos eram 1.ºs cabos.



Gráfico 3 – Distribuição de frequências segundo as causas de morte de condutores auto rodas do Exército, por ano e por categorias (combate, acidente, doença) (1963-1974)(n=191)


O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes de condutores auto rodas do Exército em todas as categorias em que foram divididas as suas causas, com excepção do ano de 1963, em que não se observaram mortes "por doença" (Gráfico 3).


Os valores mais altos foram verificados em 1966 e 1967 (n=15 casos cada) e em 1968 (n=14 casos),  na variável "em combate". 




Quadro 2 – Quadro das causas de morte de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974) (n=191)


Da análise ao quadro supra (Quadro 2), verifica-se que as causas de morte de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "combate", com 112 (58.6%) casos, seguida pela variável "acidente", com 57 (29.9%) casos e, finalmente, a variável "doença", com 22 (11.5%) casos.




Gráfico 4 – Distribuição de frequências segundo as causas de morte "em combate" de condutores auto rodas do Exército, por ano e por categorias (1963-1974)(n=112)


O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) o número total de condutores auto rodas do Exército que morreram em "combate" é de 112. Na categoria de "contacto", o valor mais alto foi verificado em 1964 (n=12) casos, seguido dos anos de 1966 e 1967 (n=10) casos cada (Gráfico 4). 


Na categoria de "minas", o ano que registou maior score foi o de 1968 (n=7) casos. Na categoria de "ataque ao quartel", os anos de 1965, 1969, 1970 e 1972, tiveram dois casos cada.



Quadro 3 – Quadro das causas de morte em "combate" de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974) (n=112)


Da análise ao quadro supra (Quadro 3), verifica-se que as causas de morte "em combate" de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "contacto", com 70 (62.5%) casos, seguida pela variável "minas", com 30 (26.8%) casos e, finalmente, a variável "ataque ao aquartelamento", com 12 (10.7%) casos.




Quadro 4 – Quadro das causas de morte "por acidente" de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974)(n=57)

Da análise ao quadro supra (Quadro 4).  verifica-se que as causas de morte "por acidente" de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "acidente de viação", com 24 (42.1%) casos, seguida pela variável "acidente com arma de fogo", com 16 (28.1%) casos, em terceiro "por outros motivos" com 10 (17.5%) casos, e, finalmente, "por afogamento", com 7 (12.3%) casos.



Quadro 5 – Quadro das causas de morte "por doença" de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974)(n=22)

Da análise ao quadro supra (Quadro 5), verifica-se que as causas de morte "por doença" de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "Hospital Militar 241 - Bissau", com 10 (45.5%) casos, seguida pela variável "Metrópole", com 7 (31.8%) casos, e, por último, "Unidade Militar", com 5 (22.7%) casos



3.QUARTEL DE TITE - 23 DE JANEIRO DE 1963: A PRIMEIRA BAIXA - O CASO DO SOLDADO 'CAR' VERÍSSIMO GODINHO RAMOS



Foto 2 (Quartel de Tite em 1964) – Do álbum do camarada Santos Oliveira (2.º Sarg Mil PMort 912; Como, Cufar e Tite (1964/1966) – P16812 «O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, como o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N'Djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)». Ou, do mesmo autor da foto, «A Guiné no meu tempo… Da mobilização ao regresso», p38, com a devida vénia.

Foi pelo acesso assinalado acima (foto 2) (porta de armas do quartel de Tite) que em 23 de Janeiro de 1963, 4.ª feira, um numeroso grupo de autóctones levou à prática o primeiro ataque a uma unidade militar do Exército Português presente no território, ficando este na historiografia da Guerra do Ultramar como sendo o prenúncio do conflito armado, no CTIG, e que serviu de ponto de partida para a perenização das acções da guerrilha.

Nas diferentes narrativas sobre este episódio, que ao longo dos anos foram sendo publicadas, encontramos pormenores divergentes que o transformam em objecto histórico onde será difícil encontrar uma unanimidade factual.

Aceita-se que assim continue a ser, na medida em que um pequeno detalhe pode alterar a percepção sobre a "verdade dos factos", particularmente porque ocorreram durante a noite e onde o desenrolar das acções teve por base o recurso ao efeito surpresa. Por outro lado, esse efeito surpresa acabou por influenciar todas as narrativas (escritas e orais), uma vez que os protagonistas, de um lado e do outro, agiram certamente por impulso, ainda que cada qual soubesse do seu papel.


Foto 3
Porém, existem detalhes de grande unanimidade como sejam a hora do início do ataque (01h45) e a morte de um soldado [condutor auto rodas, Veríssimo Godinho Ramos, foto 3 ao lado].

Recuperamos, agora, alguns detalhes divergentes entre si retirados das fontes consultadas.

O primeiro dá conta das informações remetidas para Lisboa pelo gerente do BNU, em Bissau, citadas no P19291 «Notas de leitura: Os cronistas Desconhecidos do Canal do Geba» pelo camarada Mário Beja Santos, do seguinte teor:

"Em complemento à nossa carta-extra de 21 do corrente, cumpre-me informar V. Exas. que, segundo nos acaba de ser revelado [não são citadas as fontes], à 01h45 horas de hoje [23.Jan.1963], um grupo de terroristas munidos de pistolas-metralhadoras, atacaram o Quartel de Tite, sede do Batalhão [BCAÇ 237] que faz a cobertura da área de Fulacunda. Uma bomba de regular potência [?] foi lançada, causando a morte de um soldado [condutor auto rodas], e ferindo outros sem gravidade. A tropa prontamente respondeu ao ataque, fazendo numerosas baixas entre os terroristas."

Neste contexto, aproveitamos agora para citar algumas das memórias escritas na brochura de 2002 - «Tite: 1961/1962/1963, Paz e Guerra» - de que é autor o camarada Gabriel Moura, do Pel Mort 19, na medida em que era um dos três militares de serviço, acordados, naquela ocasião e, por isso, considerado como testemunha privilegiada.

Conta que o seu serviço de vigia ao aquartelamento de Tite, naquele início do dia 23 de Janeiro de 1963 era da meia-noite até às duas horas. Tinha por missão percorrer o caminho, pelo lado de fora do arame farpado, com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento e projectando o seu foco para o caminho que teria de percorrer, desde a messe de sargentos (parte de baixo, fora do aquartelamento) até à messe dos oficiais (parte de cima e fora do aquartelamento) na estrada que passava por Tite e seguia para Nova Sintra, Fulacunda e Buba (foto 2).

Desde o primeiro minuto da sua vigia, sentiu, como é comum dizer-se "um arrepio pelas costas abaixo" que lhe causou uma desagradável sensação e um pressentimento deveras esquisito, face ao aparentemente, e de acordo com o zero de informação de que os responsáveis davam às tropas, nada que havia a recear!

Como de costume, naquela noite, eram três os militares em vigia. Ele na frente do aquartelamento, percorrendo para baixo e para cima com as luzes a "bater-lhe nas costas" e o lado do mato negro como carvão. Outro camarada fazia a vigia na porta da prisão (dentro do aquartelamento), onde estavam mais de cem presos. O terceiro fazia a vigia do lado do "Calino" mas pela parte de dentro do arame farpado.

Quando chegou, na sua primeira passagem, 

junto do "Cavalo de Frisa", que dava entrada aos veículos pesados e ligeiros no aquartelamento, pela parte da frente, pensou que aquela noite iria ser como tantas outras: um combate sem tréguas aos milhões de "sanguinários inimigos" que em sua volta tentavam sugar-lhe o sangue e os pensamentos (os mosquitos). (…) Todos dormiam, apenas os três militares de serviço estavam acordados (pelo menos não estavam deitados). [op.cit. pp79-80 – P17640]

Passado algum tempo viu os dois primeiros pretos a surgir, ao fundo, vindos do mato, correndo em direcção ao cavalo de frisa, logo seguidos de muitos mais, tendo apenas tempo para gritar em crioulo: "Jube onde bó vai"? (Tu, onde vais?). No mesmo instante, atirou-se para o chão, quando do mato foram disparadas rajadas de metralhadora, em sua direcção, fazendo ricochete em vários pontos do caminho, levantando poeira, sem que nenhuma das balas das rajadas das metralhadoras o acertasse, talvez porque o ângulo do seu corpo, no chão, não fosse fácil para os atiradores e fizesse que os seus disparos errassem o alvo.

Apertou o gatilho da metralhadora G3 e começou a disparar em direcção a uma pequena multidão de pretos que começou a rastejar no caminho para entrar no aquartelamento. Outros, os da frente, os que mais se aproximaram do cavalo de frisa, ainda conseguiram movê-lo e entrar no aquartelamento, indo pela parada numa grande confusão, pelo medo que as rajadas da sua metralhadora estavam a causar juntamente com as dos outros para si. (…)

Nos minutos iniciais, todas as reacções do interior do aquartelamento, perante os atacantes que conseguiram entrar no aquartelamento, foram lentas e há medida que cada um dos militares ia acordando e saltava da "tarimba" (cama), em cuecas, para ver o que se passava.

A cada minuto que se passava, a confusão era maior. Os camaradas, naquela grande confusão, de uns a sair pelos estreitos corredores entre as camas, umas por cima das outras, onde só cabia uma pessoa, se o de cima descia sem reparar no de baixo, caía em cima dele, ainda mais com as luzes apagadas, lá conseguiram ir buscar as suas armas às casernas, descarregadas, por vezes, por ordem "superior", sem algumas peças para evitar o roubo ou apropriação do "inimigo" e a sua utilização. Deu, como era de esperar uma grande "barraca", pondo os militares uns contra outros, com as casernas às escuras, uns com armas junto das camas ou nos armeiros. O nervosismo 'aos montes', o medo, a falta de experiência e alguns camaradas a berrar feridos com estilhaços de granadas e furos de balas, eis o cenário que se instalou na madrugada daquele dia 23 de Janeiro de 1963 [op cit. pp-88-89 – P17649], que teve como consequência a morte do camarada soldado condutor auto rodas Veríssimo Godinho Ramos, natural de Vale de Cavalos, Chamusca, conforme se prova na ficha de óbito abaixo.




Ficou na historiografia da guerra como sendo o primeiro militar morto em "combate", o primeiro "condutor auto rodas" a tombar no CTIG, o primeiro soldado a morrer em "ataque ao quartel", e, por tudo isto, o primeiro a constar na relação do livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); p23.


Foto 4 (Tite, em 2015) - Ruínas do antigo quartel. Foto de Alfredo Cunha, in «Expresso» de 16.09.2015, com a devida vénia. 

Cinquenta e dois anos depois do "Ataque a Tite", o jornal «Expresso», na sequência do trabalho realizado pelos seus colaboradores – Luís Pedro Nunes e Alfredo Cunha – publica, na sua edição de 16.09.2
015, uma reportagem sobre este acontecimento.
Sobre a pergunta do jornalista: "E o tal primeiro tiro, como Foi?" A resposta foi que "o homem que o deu morreu há poucos meses."

Porém, entre os antigos combatentes do PAIGC, que constam na imagem abaixo, encontra-se Pape Dabo, de 89 anos (o quinto da esquerda). Esteve presente no ataque de 23 de Janeiro de 1963 e participou nas reuniões que decidiram a operação ao Quartel de Tite.


Foto 5 (Tite, em 2015). Antigos combatentes do PAIGC à sombra do poilão. Foto de Alfredo Cunha, in «Expresso» de 16.09.2015, com a devida vénia.

Quanto ao Tiro? Diz que não foi tiro, explicando: "Só́ tínhamos dez armas e a sentinela [de serviço] estava a dormir e, quando avançamos pela porta do quartel [cavalo de frisa], matámos o homem com um "Canhaco", que é uma lança que se põe num arco. Mas foi com a mão. Perfurou-lhe o pescoço.

Voltando um pouco atrás, Pape Dabo [que na data deste episódio tinha trinta e sete anos] conta a história [a sua versão] do ataque. Este começa com ele e o irmão no quartel, a trabalharem como padeiros dos portugueses, e termina depois do ataque com ele a voltar a ser reconhecido pelos militares portugueses como um "dos bons" e, assim, a poder espiar. Pelo meio, o ataque: [os atacantes] estavam divididos em quatro grupos, só́ o primeiro entra no quartel; os portugueses acordam; os tiros; as mortes do lado dos 'tugas' [só foi um!]. Depois, teve que voltar no outro dia, foi obrigado a ver os cadáveres dos companheiros mortos e ter de fingir que não os conhecia. E recorda ainda quando o comandante [do BCAÇ 237; Major Inf António Tavares de Pina] alinhou a população na praça em frente ao quartel e disse: "A guerra começou."

[Continua]

Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

16Ago2019

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quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20125: Agenda cultural (699): Convite para a sessão de autógrafos do livro Memórias Boas da Minha Guerra - Volume III, da autoria de José Ferreira, dia 11 de Setembro de 2019, pelas 18h00, na Feira do Livro do Porto patente nos Jardins do Palácio de Cristal (José Ferreira da Silva)

C O N V I T E




1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), datada de 4 de Setembro de 2019 dando notícia da sessão de autógrafos do Volume III de Memórias Boas da Minha Guerra, a ter lugar no próximo dia 11 de Setembro, pelas 18h00, na Feira do Livro patente nos Jardins do Palácio de Cristal:

Conforme cartaz divulgado pela Editora Chiado, haverá uma Sessão de Autógrafos, que terá lugar no Palácio de Cristal no próximo dia 11, durante a Feira do Livro.

Está prevista a presença de vários Camaradas da Guerra do Ultramar, pelo que haverá uma primeira concentração, pelas 13h00, na Marisqueira do Porto, onde se realizará o ataque TF-À moda do Porto, conforme programa divulgado no Facebook pelo Bando do Café Progresso.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20118: Agenda cultural (698): Rescaldo da Sessão Solene de apresentação do livro "Brunhoso, era o tempo das segadas, na Guiné, o capim ardia", de Francisco Baptista, levada a efeito no passado dia 24 de Agosto, em Mogadouro (José Ferreira da Silva)

Guiné 61/74 - P20124: Os nossos seres, saberes e lazeres (352): A festa da Atalaia, Lourinhã: oito dias pantagruélicos porque aqui o marisco é rei... Na festa da Atalaia, alarga-se o cinto e aperta-se a saia... (Luís Graça)


















Fotos: cortesia da página do Facebook da Associação de Festas da Atalaia


1. É uma pena, mas  acaba já amanhã, sexta feira dia 6 de setembro... A Festa da Atalaia, Lourinhã, 2019, em honra de N. Sra. da Guia. A mais popular e concorrida festa anual do concelho de Lourinhã, a 70 km a norte de Lisboa.

Há muitos anos, dezenas de anos, que tem fama e proveito. Ainda me recordo, no regresso da Guiné, em 1971, lá ir comer os famosos mexilhões das Berlengas assados na brasa!... Agora, já não são das Berlengas, são  cozidos à espanhola... Dizia-se que os pescadores e mariscadores da terra tinham um privilégio real, do tempo da Dona Maria II, o de poder ir apanhar mexilhões às Berlengas por ocasião da festa anual...

Nessa altura, a Lourinhã era seguramente o concelho onde mais se pescava e comercializava a lagosta. Tinha portos pesqueiros: porto das Barcas, porto Dinheiro e Paimogo, onde ainda se podem hoje observar o que resta dos numerosos viveiros de rocha...Mas a tradição dos viveiros mantem-se, a Lourinhºa continua a ser um dos grandes fornecedores das marisqueiras de Lisboa...

A festa de N. Sra. da Guia coincide sempre com o primeiro domingo de setembro: este ano começou a 30 de agosto e prolonga-se até 6 de setembro... São oito dias pantagruélicos, porque aqui o marisco é rei!... E, como diz o povo, na festa da Atalaia alarga-se o cinto e aperta-se a saia...

Não tenho estatísticas, mas em anos anteriores, ouvi falar em 10 toneladas de mexilhão... E seguramente centenas e centenas  de quilos de lagosta, sapateira,  camarão, gambas, polvo, amêijoas, búzios, etc. Para não falar das bebidas, da cerveja, da sangria, do vinho leve,  ao litro, ao metro... Do pão com chouriço, das bifanas, etc.

Durante 8 dias, a ribeirinha vila da Atalaia (, que tem como praia e porto de pesca, o antiquíssimo Porto das Barcas), a escassos 2 ou 3 quilómetros da sede do concelho, Lourinhã, é um ventre gigante!... Milhares e milhares de pessoas, do concelho e de toda a região Oeste, passam por aqui todos os anos, sobretudo por causa da "manjedoura de mariscos"....

A relação qualidade/preço é imbatível: a travessa maia cara (38 euros) é a "mariscada" que leva diversas iguarias, incluindo uma lagosta inteira... Apanha-se uma barrigada de mexilhões por 5 ou 6 euros... A sapateira recheada é a oito e meio... Idem uma salada de polvo... Um litro de cerveja, quatro euros... Tudo por conta da santa que nos guia nos dias de mar calamo e nas noites de temporal,

Fui lá na segunda feira, às 20h00, e já não havia mesas vagas...A lotação, não faço ideia, mas é da ordem das muitas centenas de lugares, sentados incluindo dentro do recinto do Pavilhão Multiusos da Atalaia e tendas anexas, à volta... Este pavilhão acolhe outras iniciativas ao longo do ano, como, por exemplo,  o Festival da Abóbora (em outubro) e o Festival do Marisco da AMA (Associação Musical da Atalaia) (em julho).

Naturalmente vai-se à festa da Atalaia, em grupo, com os amigos, que vêm de perto e de longe. Sou fã desta festividade, há mais de meio século. Mais dos que os milhares de forasteiros, o que me impressiona é o trabalho voluntário da comissão organizadora, que mobiliza cerca de duas centenas de pessoas da terra... Nada disto seria possível sem o entusiasmo e a competência desta gente trabalhadora, que tem o mar e o campo no seu ADN... e que também já tem a sua conta na história trágico-marítima de Portugal...  Tenho cá bons e velhos amigos!

A vila da Atalaia está dividida em quatro setores,  cada um dele organiza, à vez. a festa, que é anual. Homens, mulheres e jovens fazem todos os anos uma verdadeira maratona: importa que tudo corra bem e que o pessoal volte sempre e traga mais cinco...

Os lucros da festa, que movimenta muito dinheiro,  revertem para a comunidade... É um exemplo extraordinário de dedicação e amor à terra, o que se passa todos os anos, por esta altura, na vila da Atalaia. Terminda a festa a 6m, começa logo a 7 a do Seixal da Lourinhã: eu e os meus amigos lá estaremos, no sábado... LG

PS - A festa da Atalaia já é objeto de letras de música, como a do nosso jovem amigo e conterrâneo Diogo Picão, que lançou, em 2018, o seu álbum de estreia, "Cidade de Saloia". Trocou a Lourinhã pela cidade grande e pelo mundo, mas não esquece as suas raízes telúricas e afetivas. Um grande poeta, músico, cantor, saxofonista.  Com a devida vénia reproduzo aqui uma das suas bem humoradas letras,  ora irónicas, ora divertidas, ora sarcásticas, justamente a do tema que dá o título ao álbum.

CIDADE SALOIA

Eu não sou mais do campo, acuso minha origem
Recuso enxada e pão, fruta madura e fisga
Recluso da cidade e da doce vertigem
Ter tudo a toda a hora, adormecer na bisga

Que horror, unhas com terra, desleixo no trato
Beijocar os parentes, comer bom e barato
Ser filho do fulano e fulana de tal
Recordarem quem me pariu no hospital

Agora sou da cidade e dos seus miradouros
Vitrines luminosas e avenidas largas
Sibilando palavras-chave citadinas
Recalcando saloias memórias amargas

Na noite glamorosa até horas decentes
Bebendo um cocktail, palrando entredentes
Ou no Cais do Sodré, mão apontada à saia
Creio que sou superior à festa da Atalaia

Mas às vezes tropeço no antigo sotaque
Sou gemada sem gema e me dá um baque
Sou couve, não alface, e penso nos avós
Na canja de galinha e na velha filhós

Se eu brinquei entre as canas, nelas fiz cabanas
Se a cabra e a carraça entraram no meu conto
Quem quero eu enganar, memória por quem chamas
Se entro ao serviço engravatado às oito em ponto

(Fonte: Com a devida vénia, Diogo Picão > Letras > Cidade Saloia)

Guiné 61/74 - P20123: Parabéns a você (1678): José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20119: Parabéns a você (1677): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20122: (De)Caras (135): Carlos Marques de Oliveira, membro da Magnífica Tabanca da Linha, ex-fur mil, Pel Mort 2115, 5º Pel Art e 7º Pel Art (Catió e Cabedu, 1969/71): tive o privilégio de comandar valentes artilheiros


Guiné > Região de Quínara > Fulacundia > Obús 10.5 [ Foto do álbum de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)]

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso camarada Carlos Marques de Oliveira, membro de A Magnífica Tabanca da Linha (desde  2 de maio de 2017), natural de Lisboa, vivendo em Sintra [, tem página no Facebook, temos cerca de 150 amigos em comum: fica desde já convidado para integrar, de pleno direito, a Tabanca Grande, com o nº 796, a seguir ao Domingos Robalo, o nº 795] (*)


Meu caro Domingos Robalo, felicito-o pelo poste sobre a artilharia na Guiné. (*)

O mundo é pequeno. Para além de termos viajado no Niassa de 7 a 12 de Maio de 1969, foi meu instrutor na BAC1/GAC7, quando da minha formação artilheira, de recurso. Fiz parte do grupo de Furriéis e Alféres Milicianos Armas Pesadas de Infantaria que recebeu instrução de Materiais e Tiro de Artilharia tendo sido colocado no 5º Pel Art  em Cabedu e mais tarde, por falecimento em combate do 2º Sarg. Issa Jau, no 7º Pel Art  em Catió. 

Tive a honra e o privilégio de comandar valentes artilheiros. Conheci pessoalmente o Sarg. Issa Jau, que admirei, pois o meu Pel Mort 2115 foi colocado de reforço ao BART 2865 em Catió. 

Na fotografia dos artilheiros de Catió está o então major de artilharia António José de Mello Machado, 2º Cmdt do BART 2865,  mais tarde promovido a ten cor,  passando a comandar o BART até final de comissão. (*)

Meu caro Luis Graça, obrigado pela possibilidade que nos tens dado de podermos partilhar e recordar tanto do que todos nós , os que estivemos na Guiné , temos de comum. Tanto que temos para conversar. 

Um abraço,  Domingos Robalo, e quero que saiba que a instrução que recebemos valeu a pena. Não o deixámos ficar mal.

Carlos Marques de Oliveira (**)
Magnífica Tabanca da Linha
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Guiné 61/74 - P20121: Historiografia da presença portuguesa em África (175): O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Um dia, em conversa com o nosso estimável camarada António Estácio, estava ele a escrever sobre Bolama, referiu-me a importância de se conhecer os conteúdos do Bolamense.
Chegou a hora, li na íntegra todos os números na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. A História de Bolama entre 1956 e 1963 ganha mais luminosidade, caminhava para um escombro quando, fruto da guerra subversiva, escolheu-se Bolama para centro de instrução militar. E havia o turismo, a praia do Ofir, que o jornal tece os maiores encómios. Era publicação nacionalista sem rodeios, os discursos de Salazar eram publicados na íntegra. E havia a cultura, de que neste e no próximo texto se dará notícia.
Vale mesmo muito a pena ler o Bolamense.

Um abraço do
Mário


O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (1)

Beja Santos

O primeiro número deste jornal publicado em Bolama data de 1 de agosto de 1956, trazia uma consigna: “Servimos Bolama, os governos da Província e toda a família guineense”. O jornal irá desaparecer em 1963, do que se consultou os editores não deram quaisquer explicações. Era oficioso, nacionalista, teimava pela causa de Bolama, por tudo e por nada. Quando o Instituto Honório Barreto passou a liceu, reclamou-se um liceu para Bolama. Pedia-se colaboração a pessoas entendidas e conhecedoras, Teixeira da Mota foi um deles. Folheando a coleção existente, dá para perceber que havia pouca publicidade, Bolama já estava na mó de baixo, com a ascensão do nacionalismo e a chegada da tropa a Bolama, a cidade ia reagindo, falava-se em turismo, nas belezas do arquipélago, a praia de Ofir parecia rivalizar com Varela, o leitor apercebe-se que havia dificuldades em arranjar bons conteúdos, a redação socorria-se de fotografias entre outras do fotógrafo Geraldo, qualquer conferência era motivo de duas a três detalhadas páginas, o Intendente Santos Lima foi promovido a inspetor, logo uma basta notícia, o jornalista Armando de Aguiar, natural de Bolama visita a sua terra natal e fez uma opípara conferência, casa cheia. Veio a guerra subversiva, e o jornal hasteou a bandeira da sua causa: “Os nossos territórios ultramarinos são a impiedosa cobiça dos desvairados blocos mundiais que se gladiam em feroz luta e por isso reconheçamos no passado as virtudes do presente e unamo-nos sem reservas, nem críticas maldosas, para o bem comum que é o da Guiné, cônscios do dever a cumprir numa tranquilidade de espírito cheia de altos impulsos e de novos sentimentos e não de outros que só deprimem, destroem e desorientam!”.

Para se avaliar o que o leitor pode encontrar com grande interesse cultural na curta vida deste periódico vamos fazer referência a subsídios para a história da ilha de Bolama, da autoria de António Pereira Cardoso, um administrador colonial que era possuidor de raridades, um artigo de Ruy Barreto sobre o fanado Bijagó e um artigo de Teixeira da Mota intitulado “A morte de dois franciscanos setecentistas, na Guiné”, ao tempo, o Comandante Teixeira da Mota era deputado da Nação pela Guiné.

Comecemos pelo trabalho de António Pereira Cardoso, que publica algumas epístolas. A primeira data de Bolama, de 26 de agosto de 1858, assina José Carlos Rebello Cabral, comandante de Marinha Mercante e dirigida a Honório Pereira Barreto. Informa-o que chegara um vapor de guerra inglês, desembarca um 1.º Tenente, arvorara bandeiras britânicas que foram içadas com três tiros de peça a bordo, o tenente percorreu as pequenas povoações e voltou a embarcar, regressou mais tarde e levou para bordo o agricultor João Marques de Barros, preso. E a carta termina assim: “Não sei isto em que acabará, e por isso me apresso a participar a V. Ex.ª pedindo-lhe por parte do Sr. Barros o seu socorro e auxílio para ele, antes que as coisas subam a mais, quer dizer ao ponto de o levarem preso a bordo, para a Gâmbia ou Serra Leoa, por alguma injusta quimera. Nada mais se oferece dizer a V.ª Ex.ª nesta triste situação, em que tanto carecemos dos seus conselhos e incansável auxílio”. Pelo meio, ficamos a saber que o tenente falava na libertação de cativos, era uma das moedas de arremesso dos ingleses, sabiam perfeitamente que ainda praticávamos a escravatura.

A segunda carta é também assinada por José Carlos Rebello Cabral e endereçada a João Marques de Barros. Pergunta-lhe se quer que mande a sua família para Bissau, refere que não está interessado em ficar em Bolama “por causa das intrigas do Manuel Barbosa a meu respeito e que eu já há muito sabia tudo”. E assim termina: “Estimo a sua saúde e felicidade, tal como para mim, e que agora tenha a força necessária para suportar estes pequenos incidentes da vida, e adeus até à vista”.

A terceira carta datada de 30 de agosto de 1858 é dirigida novamente a Honório Pereira Barreto: “Esta só serve para agradecer quanto em mim cabe o obsequioso serviço que V. Ex.ª fizera ao Sr. Barros, em consequência da que eu lhe tinha escrito em data de 26 do corrente; o que V. Ex.ª pode ficar certo é que eu nunca me cansarei em apregoar, se bem que a minha voz é ainda débil, nesta terra esquecida dos verdadeiros patriotas, a nossa infelicidade”.

Comenta António Pereira Cardoso que a violência levada a efeito em 26 de agosto de 1958 era injustificada, porquanto em 29 de abril daquele ano, D. Pedro V declarara livres os escravos portugueses, com obrigação de prestarem serviço aos seus senhores até abril de 1878.

O artigo de Ruy Barreto é sobre o fanado Bijagós dos Kanhocãs. E escreve:
“O Kanhocã é o indivíduo de idade compreendida entre os 15 e os 22 anos, aproximadamente. As cerimónias começam com batuques que duram vários dias e realizam-se em cada uma das tabancas onde há Kanhocãs. Estes apresentam-se durante o tempo das cerimónias com os melhores trajes: ‘lopés’ de couro cuidadosamente curtido e enfeitado, contas, grande variedade de efeitos metálicos, espelhos, campainhas, e na cabeça a conhecida cabeça de vaca. Após os dias de festa, que duram cerca de uma semana, chega o dia, previamente fixado, em que se vão sujeitar ao cerimonial, têm que dar entrada no mato em lugar retirado, onde são feitas barracas para abrigo dos rapazes.
É vulgaríssimo – e parece que até de tradição – verem-se os parentes do sexo feminino, aos quais é vedada a aproximação do mato, acompanharem, em alta grita e lavados em lágrimas, o ruidoso grupo dos homens que formam o cortejo dos Kanhocãs.

A classe dos Kamabis é a dos palhaços. Só se podem vestir de sarapilheira e, quanto mais suja for, melhor. E é de ver as tropelias que fazem e as brincadeiras que inventam. A cerimónia é iniciada por volta do princípio da tarde, com os mancebos de joelhos ou assentados, trajando unicamente um pequeno lopé. Cada Kamabi aparece armado de um bom molho de chicotes feitos de ramos flexíveis e bate em cada um com as chibatas, até que estas se quebrem.
Às vítimas só é permitido defender a cara, para o que só podem elevar o antebraço. Devem mostrar-se insensíveis à dor e vê-se alguém a ser sovado valentemente enquanto, sorridente, conversa com os circunstantes, indiferente ao sangue que corre pelo seu corpo. Grande glória é para aquele, e respectiva família, que suporta com mais valentia e, inversamente, é indizível a vergonha que provoca o que demonstre sofrimento.

Durante alguns dias permanecem os mancebos no mato, assistidos e tratados pelos mais velhos. Cerca de oito dias após a entrada no mato, regressam em visita às casas que tinham percorrido. Assim termina a primeira das duas cerimónias intervaladas de alguns anos a que têm de sujeitar-se os Kanhocãs antes de passarem a Kabarós, adultos".

(continua)


Duas fotografias de Francisco Nogueira, retiradas do livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.

Comandante Vasco Martins Rodrigues, Governador da Guiné entre 1962 e 1964. Foi efetivamente o último Governador da Guiné, sucede-lhe Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe, acumulação que continuará com António de Spínola e Bettencourt Rodrigues. Imagem retirada do “Bolamense”.

Imagem retirada do “Bolamense”.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20104: Historiografia da presença portuguesa em África (173): “Dicionário da Expansão Portuguesa, 1415-1600” com direção de Francisco Contente Domingues, Círculo de Leitores, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20120: Facebook...ando (53): Grande foi a abnegação dos artilheiros no CTIG, a avaliar pelo que lá vivi e testemunhei (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau e Fulacunda, 1969/71; reside em Almada)


O 7º Pel Art de Catió, comandando pelo 2º sargento Issa Jau, morto em combate em 27/2/1970. Na foto, o único elemento não guineense, na segunda fila, de pé, o terceiro a contar da esquerda, é o major art José Manuel Mello Machado (1928-2012),  2º cmdt e mais tarde comandante, depois de promovido a tenente coronel,  do BART 2865 (Catió, Cufar e Bedanda, fev 1969 - dez de 1970). 

Foto do cor art Mello Machado, reprodizida no poste P9514, de 21/2/2012. Presumimos que a fonte  seja: Mello Machado - Aviltafos e traídos: resposta a Costa Gomes. Lisboa: Editora Literal, 1977, 120 pp.



1. Comentário de Domingos Robalo, ao poste P20107, a partir da página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça (*);

[O Domingos Robalo tem página no Facebook desde março de 2009; vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariadodo, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval"; é praticante de golfe; foi nosso camarada na Guiné, 1969/71; e fica desde já convidado a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795; gostaríamos de ter o seu endereço de email e uma ou mais fotos do tempo do BAC 1 / GAC 7; temos dois amigos comuns,  os artilheiros João Martins e José Francisco Borrego] (**(

Fui artilheiro na Guiné (BAC1/GAC7),  de maio de 69 a maio de 1971.

Muito milicianos passaram por esta unidade artilheira daí que cada um tenha a sua história e o seu conhecimento não só em relação ao periodo em que prestou serviço, como também no lugar (leia-se Pel Art) em que esteve. 

Em agosto de 1969, estava eu colocado na sede em Bissau (BAC1), onde dava a especialidade de artilharia aos militares africanos que vinham com a recruta feita de Bolama, quando recebemos cerca de 2 dezenas de obuses 10,5 cm para reforçar as companhias distribuídas pelo TO. 

Em setembro de 1969, sou nomeado para dar instrução de artilharia a furriéis, sargentos e alferes pertencentes a pelotões de morteiro do TO. No início de outubro os obuses 10,5 cm começam a ser distribuídos pelo TO, em reforço a companhias e de forma a que todo o teatro de operações pudesse ser batido pela artilharia e entreajudarem-se entre si. 

Em outubro de 1969, sou nomeado para ir instalar um pelotão de artilharia em Fulacunda, a quem foi atribuído o nº 22, estava constituído o 22º  Pel Art e eu como comandante do mesmo, tendo o posto de furriel. Estive em Fulacunda até principio de maio de 1970, sendo colocado na sede em Bissau. 

No fim do mesmo mês, maio de 1970, sou destacado para uma operação em Cutia/Mansoa, para flagelar a mata do Morés (?). A artilharia flagelava de noite e a FA [Força Aérea] de dia. Nesse período, vêm a falecer os deputados à Assembleia Nacional que nos visitaram em Cutia [, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Bull].(***)

Um dos deputados era pai de um camarada meu da artilharia que estava colocado em Catió, razão pela qual o deputado trocou com um outro para poder visitar o filho. Deslocação inglória, porque não se encontraram. 

Colocado na BAC1/GAC7 tenho entre muitas outras tarefas na sala de operações a incumbência de dar escola de cabos a naturais da Guiné e especialidade de artilharia a mais mancebos que vinham de Bolama. Outra das tarefas era a de participar nas principais operações de artilharia levadas a cabo no TO. Outra das missões coadjuvando o capitão Fradique, era a elaboração das cartas de tiro para todos os Pel Art do TO.

A observação do tiro era efetuada por DO - 27 da FA. De notar que os alferes e os furriéis tinham todos a mesma função nos seus pelotões, independentemente de terem a especialidade de Campanha, IOL ou PCT. Os pelotões estavam bem estruturados e as guarnições competentemente cumpriam com as suas tarefas. 

Participo nas cerimónias de passagem de BAC 1 para GAC 7, com a presença do Comandante Chefe e Governador, General Spínola. Nesse mesmo dia é dado à parada o nome do 2º Sargento Issa Jau, natural da Guiné e falecido em combate junto à sua boca de fogo [, em 27/2/1970; foi subtituído, no comando do Pel Art de Catió por Carlos Marques de Oliveira]

Eu próprio, sou mobilizado em março de 1969, já com dois cursos mobilizados, a seguir ao meu. Fui em rendição individual substituir o furriel A. Batista [, António da Conceição Dias Baptista], morto em combate em [14 de] fevereiro de 1969 juntamente com o alferes [, José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa], agarrados à boca de fogo depois de terem mandado os soldados para o abrigo. 

Na semana de carnaval do ano de 1971, participo na operação Mabecos,  em Piche [, Acção Mabecos, em 22 de fevereiro de 1971]. Nesta operação e durante a deslocação para o local onde viria a ser executada a flagelação,  somos emboscados ficando com alguns mortos e creio que dois soldados da companhia de Piche que nos dava proteção apanhados à mão, entre eles o soldado Fortunato que já vi entrevistado na televisão, tendo sido libertado após o 25 de abril. [ Duarte Dias Fortunato, ex-1º cabo at art,  CART 3332, 1970/72].

Esta pequena descrição não dá a ideia do que foi a abnegação dos artilheiros em todo o TO, pelo menos no periodo em que eu lá estive. Sei que, posteriormente, a guerra teve outro desfecho quando os Strela são utilizados pelo IN. 

Para finalizar, muito teria a contar mas o tempo já vai demasiado longo para recordações. Durante anos estes temas não eram abordados sob pena de sermos apelidados de reacionários. Com as redes sociais aparecem relatos aqui e ali, mas [nem sempre com] objectividade esclarecedora e muitas vezes analisando a guerra com as ideias de hoje.

É verdade que a nossa perspectiva mudou, mas nem isso deve fazer com que tenhamos vergonha da nossa passagem por África para uma guerra que, supostamente, seria para dar tempo ao poder politico para resolver a contenda. A descolonização terá tido efeitos mais nefastos que a própria guerra e quase 50 anos passados ainda temos relações frias entre povos, embora os governos digam que temos boas relações, o tanas. 

No pós 25 de abril, uma das coisas que mais me chocou com a descolonização foi o fuzilamento de muitos dos soldados a quem não devia ter sido negada a opção de ser português. Fuzilamentos em força, comandos africanos, milícias, artilheiros etc...etc.. Já vai longa a prosa.. 

Saudações de Artilheiro

Domingos Robalo
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 19 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19994: Facebook...ando (52): Viva o STM - Serviço de Transmissões Militares, embora as nossas "comunicações" andem um bocado lentas... (Guilherme Morgado / Hélder Sousa)

(***) Vd. postes de:

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

Guiné 61/74 - P20119: Parabéns a você (1677): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)



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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20117: Parabéns a você (1676): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Guiné, 1973/74) e Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)