terça-feira, 19 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

1. Mensagem do Joseph Belo

Data - 13/10/2021, 19:20 e 20:41

Assunto -A caminhada para a... "descolonização exemplar" !


Em 1962 foi elaborado pela CIA  um plano denominado “Commonwealth  Plan”com vista a fazer aceitar ao governo português as inevitáveis independências das colónias. O plano estipulava a autodeterminação de Angola e Moçambique após um período de transição de oito anos.

O relacionamento futuro de Portugal com as ex -colónias seria resultante de um referendo efectuado durante o período. O planeamento propunha que em 1962 a NATO oferecesse a Portugal 
500 milhões de dólares para modernizar a sua economia.

Foto à esquerda: José Belo,  jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA); foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jibilado; na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref do exército português;  durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem cerca de 210 referências no nosso blogue.


Um ano depois esta proposta foi ampliada pelo diplomata Chester Bowles duplicando a quantia. Estes novos 500 milhões seriam pagos durante um período de cinco anos.

Mil milhões de dólares era uma quantia enorme na época tendo-se em conta a verdadeira dimensão da economia portuguesa.

Esta proposta foi apresentada a Salazar em Agosto de 1963 pelo então Secretário do Estado adjunto norte-americano, George Ball, em nome da Administração do Presidente Kennedy.

Salazar recusa a oferta, do mesmo modo que recusara todas as ofertas de uma saída política, por parte dos aliados, aquando da queda (exemplar?) de Goa.

Curiosamente verifica-se a exatidão com que a CIA e vários diplomatas norte-americanos apresentam, com uma antecedência de muitos anos, a previsão da derrocada portuguesa em África a somar-se ao derrube da ditadura em Portugal.

“A ser permitido que as revoltas em África ganhem volume, a incapacidade de uma vitória militar será o resultado inevitável, agravado pela internacionalização dos conflitos.“

Questionava-se mesmo se “os Estados Unidos poderiam permitir que Portugal cometesse suicidio arrastando os seus aliados na mesma via.”

No meio de todas estas análises o então embaixador norte-americano em Portugal, Burke Elbrick, enviou em 1963 um telegrama para Washington, salientando o facto de Portugal se encontrar frente a escolhas muito difíceis: “Não suficientemente forte, nem rico, para enfrentar uma prolongada guerra em três frentes.“

Advertiu ainda que “as guerras de África viriam a significar o fim do império Lusitano e do regime de Salazar. Fim de regime que poderia levar ao poder um governo consideravelmente mais esquerdista ou neutral.”

Um ano depois (1964), dez anos antes de Abril/74, a CIA advertiu que as guerras de África levariam a um aumento do descontentamento interno que poderia vir a convencer os militares da necessidade de substituir Salazar.

Em 1964 o então Presidente Johnson foi advertido pelo Conselho de Segurança Nacional que as perspectivas das guerras de Portugal em África não eram boas a longo prazo. “Já não se tratava de saber se as colónias se tornariam independentementes, mas antes de saber quando e como.”

Tinham como certeza que, quanto mais as lutas se prolongassem, mais violentas, racistas e infiltradas por comunistas se tornariam. Estes prolongamentos levariam a que a crise final a ser enfrentada pelos Estados Unidos seria mais caótica, radical e anti-ocidental (Angola é usada como exemplo).

O governo da ditadura mais uma vez procurou enfrentar a onda em vez de inteligentemente a “cavalgar”. Teriam havido oportunidades de “alinhamentos” diplomáticos passíveis de trazer benefícios nacionais… dentro de parâmetros realistas e dimensionados. Porque “alinhamentos” já os havia então,tanto transatlânticos como europeus.

As características do governo português não o tornariam atraente em muitos “salões” ocidentais. Mas convergências de interesses fazem milagres, principalmente quando os necessitados sabem realisticamente manobrar.

O ditador escolheu o “Orgulhosamente sós“ com êxito (mais uma vez exemplar?) experimentado frente à União Indiana.

Partiu-se do grandioso princípio que tanto os Estados Unidos como os outros aliados ocidentais iriam “acertar passo” por uma política ao revés dos seus interesses (!), porque referirem-se ideais nas relações internacionais seria... despropositado!

Em bicos de pés ditatoriais, que afinal eram de barro, olhando sobre o ombro para Áfricas do Sul e Rodésias que ninguém hoje sabe por onde andam, abriu-se a ampla via que terminou como terminou. Exemplarmente.

Um abraço, J. Belo
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Bibliografia:

— Documentos da Secretaria do Estado Norte-Americana para os assuntos africanos.

—Livro de Witney Schneider (Secretário de Estado Adjunto para os assuntos africanos durante a Administração do Presidente Clinton)

—Documentação de Paul Sakwa (Assistente do Diretor Adjunto da CIA  em 1962)

—Memórias do Secretário de Estado Adjunto George Ball.

—Jormal Público/2004


2. Uma adenda ao texto anterior, enviada em 17 do corrente, às 22:35, pelo J. Belo

Spínola e a Comissão Coordenadora do MFA tinham em mente soluções bem distintas para as colónias.

Para a Federação de Estados Lusófonos sob a égide de Portugal já era tarde. 
A situação político-social tinha tomado um rumo de tal modo acelerado que não permitia soluções políticas apoiadas em forças militares com uma coesão, disciplina e vontade, necessárias para tal missão.

“Nem mais um soldado para as colónias “ era então uma onda de fundo, criada na sociedade
civil mas que se fazia sentir dentro da instituição militar limitando-a nas suas capacidades.

Autocolante do PCP (ML).

Fonte: Ephemera - Biblioteca e Arquivo
de José Pacheco Pereira

(com a devida vénia...)


A solução spinolista para ser viável necessitaria de um apoio vigoroso por parte dos Estados Unidos. O resultado do encontro com Nixon a tal não levou.

Ficou demonstrado que o tempo criado pela resistência portuguesa, que poderia ter sido utilizado pelo governo da ditadura para encontrar soluções políticas, fora em vão perante esta nova dinâmica interna e internacional.

O Ocidente já há muito tinha compreendido, e posto em prática, toda uma forma de exploração neo-colonial adaptada às novas realidades e interesses das antigas potências coloniais.

Colhiam-se agora os frutos económicos das ex-colónias sem os custos em vidas e fazenda de todo um retrógrado aparelho colonial.

Portugal não dispunha (como fora reconhecido por Salazar) nem de poder político, económico, industrial, militar ou sequer demográfico, para participar nesta luta.

As colónias não se venderam, na perspectiva do ditador, para mais tarde acabarem por ser dadas ao… desbarato!

Que complexos de culpa, ou de inferioridade internacional, terão levado à afirmação comissieiras….” descolonização exemplar?"

Nenhum dos aliados tradicionais de Portugal se poderia considerar “exemplar” nas suas políticas de descolonização. Não o foram nem nunca sentiram necessidade “moral” de o ser.

Exemplar perante as duas super potências da época? Os Estados Unidos com intervenções continuas, nem sempre pacíficas, nos novos países quando estes não favoreciam os seus interesses económicos ou políticos? A União Soviética com um dos maiores impérios coloniais dos tempos modernos, mas dispondo sempre, segundo alguns, do monopólio da “exemplaridade?" Exemplar perante uma China que já então caminhava, lenta mas consequentemente, para a China de hoje que ocupa em África muitos dos “vazios” exemplarmente criados?

Curiosamente, enquanto muitos apontam algumas figuras “de cartaz”, tanto militares como políticas, a responsabilidade coletiva dos elementos da Comissão Coordenadora do MFA tem sempre passado… ”entre os pingos da chuva", independentemente das violentas cambalhotas políticas que alguns deles fizeram posteriormente.

A descolonização era imprescindível e historicamente irreversível. Delegados às negociações, baseadas nos interesses nacionais e não em agendas partidárias ou complexos internacionais,  não estiveram presentes. Exemplarmente.

Um abraço do J. Belo
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Guiné 61/74 - P22642: Memória dos lugares (428): Dunane, destacamento de Canquelifá, região de Gabu

Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região de Gabu >Canquelifá > Dunane > CART 1689 (1967/69) > 1968  > "Hotel Dunane" (Foto nº 1) e  "Aeroporto Internaci0nal de Canquelifá" (Foto nº 2)... Ou o humor de caserna no seu melhor...

"Dunane era um destacamento sob a responsabilidade da Companhia instalada em Canquelifá. Estávamos em 1968. A CART 1689/BART 1913 (Fá,  Catió,  Cabedu,  Gandembel e Canquelifá, 1967/69) em final de comissão, foi transferida para Canquelifá, deixando um pelotão aquartelado em Dunane. Em poucos dias deu para entender que estavam a gozar o merecido descanso do guerreiro. Não havia suspeita de guerra, os serviços eram poucos e o tempo ia-se gastando da melhor forma."  

Fotos (e legenda): © José Ferreira da Silva (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Muita malta terá passado por Dunane (e alguns terão lá estado "destacados" ou "desterrados"), mas poucoos, ao que parece, trouxeram fotos do lugarejo, agora "ressuscitado" com a republicação da série  "Diário de Guerra" do açoriano Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que foi alf mil da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67).

Dos que mais se "divertiram" com a sua estadia em Canquelifá e Dunane, foi o nosso Zé Ferreira, grande mestre do humor de caserna. As três histórias que ele nos conta desse tempo e lugar são  uma "delícia"... E ele garante-nos que são mesmo verdadeiras... Não precisava de o dizer: de facto, todas as histórias de guerra são verdadeiras, mesmo com o traço grosso da caricatura ou o ácido corrosivo do humor negro. Por isso até soldados básicos "badalhocos", havia alferes "malucos" e generais "de luneta e opereta", na nossa "Guinesinha" (como lhe chamava, com ternura patriótica, a nossa inefável Cilinha)...

Temos, em todo o caso, uma escassa dúzia de referências a Dunane, destacamento de Canquelifá, a meio caminho entre Piche e Canquelifá.

Daí acharmos útil recuperar os comentários ao poste P22634 (**)

(i) Manuel Luís Lomba:

Um reparo , a propósito de Dunane. A tropa não foi a incendiária daquelas (e outras) tabancas no Gabu, foi o PAIGC e o seu comandante Vitorino Costa, tirocinado em Pequim, nas quais praticou atrocidades e recrutou pela força dezenas de homens para a "reeducação" e guerra no sul.

Amílcar Cabral decidira-se pelo terrorismo no Leste, o resultado foi o seu contrário, serviu para fortalecer a oposição dos Fulas, os recrutados desertaram todos, substituiu-o pelo comandante Domingos Ramos, nosso ex-camarada, colocou-o em Quinara, no sul, morrerá no assalto à tabanca de S. João, em combate com a CCaç 153, deplorável foi o acto de passear o seu cadáver pelas tabancas de Quinara.

(ii) Valdemar Queiroz:

Como estive por aquelas paragens, estou sempre à espera de ler neste, quase tele, "Diário de Guerra", de Cristóvão de Aguiar, pormenores / descrições mais concretas sobre as localidades / tabancas Contuboel, Nova Lamego, Piche mas não aparecem, como de Dunane,  essas descrições.

Passei por várias vezes por Dunane nos finais de 1969 e era exatamente assim como nos descreve Cristóvão de Aguiar. A tabanca / quartel ficava colada à berma da estrada (a meio caminho, entre Piche-e Canquelifá), com um cavalo-de-frisa de porta d'armas a abrigos à prova de bombardeamento. 

Contavam-nos que se defendiam como nos filmes de western contra os índios. Recordo-me de uma das vezes ter sido o meu Pelotão ir de Canquelifá ao Xime (!!!) fazer a segurança a uma coluna de reabastecimento para Piche, Dunane e Canquelifá, e no regresso ao passarmos por Dunane:  eles protestarem com a chegada dos "frescos" por 15 dias antes (Natal) terem sofrido de grandes caganeiras devido ao camarão fresco do reabastecimento.

Também foi perto de Dunane que a minha CART 11 teve a primeira baixa, o  sold. Santoné Colubali, e ferimento grave do 1º.cabo trmas Custódio Marques, devido a minas na estrada para Canquelifá.

Sabia que Dunane não tinha população civil, mas não sabia ter sido uma tabanca de balantas (?) no leste, em terra de fulas e pajadincas, e que tinham sido expulsos pela tropa, mas o nosso Luís Lomba, qual Larousse nestas coisas, diz terem sido escolhidos em Pequim para serem reeducados, provavelmente comiam com as mãos, e servirem de educadinhos no sul.

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Da "má fama" o então capitão de infantaria José Curto, o carrasco de Vitorino Costa, não se livrou. Provavelmente ainda hoje, na região de Quínara,o seu nome (pelo terror que inspirava) é recordado pelos mais velhos. Pelo menos, era assim em 2008...quando eu lá estive, na Guiné-Bissau, e visitei a região de Tombali. Deve ser caso único, de entre os "tugas", tirando o nome de Spínola e poucos mais...

Continuamos a saber pouco de Dunane, se era originalmente uma tabanca fula, mandinga, pajadinca ou até balanta. Talvez o Cherno Baldé nos possa elucidar. De qualquer modo, estou grato pelos contributos do Valdemar de Queiroz (que conheceu a região) e do Manuel Luís Lomba, a par do Cristóvão de Aguiar e do Zé Ferreira...

No subsector, o L1 (Bambadinca), que me calhou em sorte, havia, isso, sim, tabancas balantas, junto ao rio Geba e ao Corubal, que forma riscadas do mapa... Infelizmente, a sua história é aqui pouco falada, tirando talvez o caso de Samba Silate.
 
(iv) José Ferreira da Silva:

Para melhor caracterizar a minha estadia no chamado "Hotel Dunane", naqueles tempos difíceis, lembro os meus textos da série Memórias Nos d Minha Guerra:



 "O Alferes Maluco".

As histórias são verdadeiras.

2. É igualmente oportuno reler o poste P16661,  da autoria do Cherno Baldé, de que se reproduzem aqui alguns excertos (***):

(...) Canquelifá: Poucas terras fazem jus ao seu nome como esta terra guineense situada no seu extremo nordeste.

Em língua mandinga “Canquelefá” significa campo de batalha e de morte:

Can = campo/acampamento;
quele = batalha/guerra;
fá = morte/matança.

Não sei de quem era o acampamento, quem matou e/ou quem morreu, poderia até ser uma simples bravata dos Soninques animistas para assustar os invasores fulas ou os vizinhos Padjadincas do Bajar, ou outro grupo qualquer que se aproximava dos seus domínios, também eles conquistados em épocas passadas.

Território de transição histórica entre o norte da região sudanesa do Sahel [, Sara,] e a zona da floresta húmida confinada à costa do Atlântico, esta região de Pachisse, Pakessi ou Paquisse com capital em Canquelifá foi, durante muito tempo e em diferentes épocas campo de batalha dos exércitos que invadiram o território da actual Guiné-Bissau e ponto de passagem entre o Senegal e o reino de Futa-Djalon.

Não admira por isso a (des)unidade étnica que se verifica na população local, dividida entre os temerários Camará, os argutos Djaló e os pacientes Sané, resultado da mais diversa mistura e uma autêntica babel linguística a começar pelos antiquíssimos Banhuns, Pajadinca, Cocoli até aos Fulas nas suas diferentes declinações, passando pela bonita, eloquente e musical língua Mandinga ou mandinkan.

Ao contrário de Ziguinchor, típica terra luso-tropical com cordão umbilical fortemente ligado à cultura e a tradição das praças guineenses, Canquelifá poderia passar para qualquer dos territórios vizinhos e não se notaria nenhuma diferença.

Após as constantes disputas entre os reinos vizinhos (Futa-Djalon com Alfa Iaia Jaló, Mussa Molo o rei de Firdu) e a cobiça das potências europeias presentes na zona, a delimitação franco-portuguesa de 1903 acabaria por incorporar o Pachisse na Guiné portuguesa, com a eliminação dos incómodos concorrentes locais que eram Mussa Molo e Alfa Iaia.(...) (****)
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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22641: In Memoriam (414): José Manuel Matos Dinis (1948-2021), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71), falecido ontem, dia 17 de Outubro de 2021

IN MEMORIAM

José Manuel Matos Dinis (1948-2021)
Ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71


Começa a ser dolorosa a cadência de postes publicados, no Blogue, na nossa série In Memoriam.

Ontem à noite, mais uma triste notícia, esta de todo inesperada e chegada pelo facebbok, a do falecimento, vítima de doença súbita, do nosso camarada e amigo José Dinis.

O Zé Dinis apresentou-se à tertúlia em 24 de Agosto de 2008, tendo participado em 6 Encontros Nacionais da Tertúlia, entre 2009 e 2016.

Entre as 227 entradas no Blogue, 72 são referentes à sua mais importante colaboração, a História da CCAÇ 2679.

José Manuel Matos Dinis, o primeiro de pé a partir da esquerda, com elementos da sua Secção
Das suas participações nos Convívios da Tabanca da Linha, que organizava em parceria como Jorge Rosales:
1.ª Foto - Com Hélder Valério Silva
2.ª Foto - Com Marcelino da Mata (já falecido) e Miguel Pessoa
3.ª Foto - Com o nosso editor Luís Graça
Monte Real, Junho de 2010, V Encontro da Tertúlia > José Manuel Matos Dinis e José Manuel Lopes

Aqui deixamos as nossas condolências aos seus filhos, restantes familiares e amigos próximos.
Nós, seus amigos e camaradas da Guiné, por aqui ficaremos a lembrar e a honrar a sua memória.
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Em tempo:

Informação do nosso amigo Hélder Sousa, em mensagem de hoje, dia 20:

Caros amigos
Informação recolhida junto da Servilusa, que tratará do funeral, indica que estará amanhã, 5ª feira, dia 21, a partir das 17:00 no Crematório de Alcabideche, numa das salas apropriadas para os velórios e que a cremação será no dia seguinte, dia 22, sexta-feira, pelas 12:00.
Abraços
Hélder Sousa

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22629: In Memoriam (413): Torcato Mendonça (1944-2021), ex-alf mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69)... Homenageando também um casal que sempre soube, em vida, amparar-se mutuamemnte, "na saúde e na doença" (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P22640: Notas de leitura (1389): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Por uso e costume, circunscreve-se a história da luta armada a um conjunto de intervenções, faseadas no tempo que esta durou, trazendo à cena protagonistas guineenses e cabo-verdianos. No início da guerra, como se viu no chamado Congresso de Cassacá, houve que punir líderes que agiam sem freio, era uma prepotência que aterrorizava as próprias populações coniventes com o PAIGC. Foram severamente punidos, embora não se saiba quantos e como. O PAIGC adquire um formato rígido: todos os comissários militares dependem de uma cúspide pública onde pontificam Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. A questão cabo-verdiana não se põe, a sua presença é ténue, passará a ser um problema quando os cabo-verdianos chegarem em massa a Conacri, ir-se-ão distinguir como artilheiros e técnicos, viverão à margem dos guineenses, eram outros preceitos culturais. Com este livro, temos pela primeira vez uma linha sequencial do que foi o PAIGC na linha cabo-verdiana, como Cabral teve que gerir problemas de tomo como a unidade Guiné-Cabo Verde e o sonho de uma invasão que era totalmente inviável. Uma obra que deixa claro o papel incontornável dos cabo-verdianos na guerra da Guiné, se dúvidas subsistissem.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (1)

Beja Santos

Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013.

A obra arranca no dia da independência de Cabo Verde, 5 de julho de 1975, tudo aconteceu no Estádio Municipal da Várzea, e vemos Abílio Duarte, líder do PAIGC, a ler a proclamação da independência, é um passeio íntimo, ouvem-se declarações de diferentes protagonistas. Segue-se um capítulo onde se procura interpretar as raízes da independência, destacam-se figuras nos chamados protonacionalistas e caímos na chamada fundação do PAIGC que, segundo a história oficial, teria nascido a 19 de setembro de 1956. A data é questionada por Abílio Duarte que declarou o autor que estranhou, estando em Bissau nessa data, não ter sido convocado para o encontro: “Pode ter havido reunião, mas não pode ser considerada a fundação do partido. A grande verdade é que Amílcar Cabral esteve em 1957 em Paris, onde se encontrou com Mário de Andrade e Marcelino dos Santos, e nunca falou da fundação do PAIGC com ninguém”. E ouve-se longamente o depoimento de Abílio Duarte que saiu de Cabo Verde em jovem e foi trabalhar para o BNU de Bissau. Fala-se da chegada de Amílcar Cabral a Bissau, em 1952, abre-se o proscénio da Casa dos Estudantes do Império, e é referida a atividade dos nacionalistas guineenses no período que precede a eclosão da luta armada.

Salta-se para Cabo Verde, é então governador o Major Silvino Silvério Marques, no período de 1958 a 1962 e entra em cena José Leitão da Graça, um dirigente nacionalista que se confrontará com Amílcar Cabral, Leitão da Graça nunca se conformará com a tese da unidade Guiné-Cabo Verde. E passamos ao Senegal, estamos em Dacar onde há inúmeros cabo-verdianos e guineenses, aqui emergem movimentos de libertação, igualmente como em Conacri. O autor dá-nos a conjuntura internacional, os ventos da História chegaram a África, os Estados Unidos, a esfera socialista e os países do Terceiro Mundo aparecem como os grandes aliados das independências africanas. Amílcar Cabral visita Londres, estivera em Tunes, na Conferência dos Povos Africanos, por enquanto ainda não se fala nas colónias portuguesas, é em Londres que Cabral faz a sua investida, conta com a ajuda de Basil Davidson, distribui documentação, dá conferências, concede entrevistas. Os movimentos nacionalistas procuram conjugar esforços. Amílcar Cabral contribui para fundar a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas, era a herdeira do Movimento Anti-Colonial, surge a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), agrupando o PAIGC, o MPLA e nacionalistas de Moçambique e Goa, isto em 18 de abril de 1961. E Abílio Duarte parte para a luta, será representante do PAIGC em vários países.

O autor destaca o período do Governo de Alves Roçadas e explica porquê. Alves Roçadas foi governador de Cabo Verde entre 1949 e 1953. Deve-se-lhe um “Plano de ressurgimento de Cabo Verde”, que previa várias fases: colmatar as grandes crises alimentares e fase de reconstrução, ampliação e melhoramento do património cabo-verdiano. Os seus relatórios anuais eram diretos e desabridos: “As padarias, talhos, hotéis, fábricas, garagens, etc., são, regra geral, uma porcaria”. E noutro documento: “Neste Arquipélago, onde o nível de vida da grande maioria da população é baixo, chega-se por vezes a pagar soldadas miseráveis, como remuneração do trabalho humano, a que é preciso pôr, ou procurar pôr, o devido cobro”. Partiu desiludido, não lhe deram os meios suficientes em Lisboa.

Fala-se de Dulce Almada Duarte e das peripécias da sua vida itinerante ao lado de Abílio. A ascensão do nacionalismo é passada em revista, aqui se falará do alferes Pedro Pires, de Osvaldo Lopes da Silva, estudante na Crimeia, de Honório Chantre, que se preparou em Cuba, de Silvino da Luz, que andou pela Argélia, e de Onésimo Silveira e Olívio Pires. Olívio Pires parte para Paris em 1964, aqui se encontrará com Manecas Santos e outros, aqui se mobiliza emigrantes cabo-verdianos para o PAIGC, uns irão para a Argélia, outros para Havana, outros para Conacri. E fala-se igualmente do último encontro entre Leitão da Graça e Cabral, em 1962, em definitivo a unidade Guiné-Cabo Verde separou-os irremediavelmente.

Em 1961, surgem ofertas de armamento da RDA, promessa não concretizada. Serão os marroquinos que enviarão armamento, muita gente converge para Conacri. Nesse mesmo ano, o ministro Adriano Moreira retoma a tese da adjacência de Cabo Verde, não terá futuro. Começam a chegar a Conacri os quadros formados na China, a luta entra no nível da subversão, no segundo semestre de 1962, um pouco por todo o Sul. José Vicente Lopes disseca a agitação nacionalista em Cabo Verde, há prisões, a figura proeminente será Jorge Querido, a partir de 1968, ano em que Salazar deixa o mando e em que Spínola sucede a Schulz. Fala-se sinteticamente da evolução da guerra, de diferentes iniciativas conducentes a um cessa fogo. No Arquipélago, a situação continua controlada pelas autoridades portuguesas. E assim se chega ao assassinato de Cabral, de novo se retomam velhas teses quanto a hipóteses de quem mandou matar o líder do PAIGC, a tónica é sempre a mesma: o complô era conduzido exclusivamente por guineenses e aqueles que foram ameaçados de morte eram todos cabo-verdianos. Ventila-se um compromisso português com os sublevados, Valentino Cabral Mangana depôs a existência de um pacto entre eles e as autoridades de Bissau, barcos portugueses esperariam fora das águas territoriais guineenses os capturados, Cabral e Aristides Pereira, tese delirante, não há qualquer documento sobre envolvimento da Armada ou concentração de barcos no Sul da Guiné, naquela data. Um outro sublevado, Lansana Bangoura, revelara a existência de um plano de agressão em preparação contra a Guiné Conacri e contra a Tanzânia e Zâmbia, nestes dois casos por causa do apoio à Frelimo e ao MPLA, depoimento sem pés nem cabeça. Volta-se a falar do ambiente podre em Conacri sem explicitar em que se manifestava tal podridão. Depois de desfiar contas do rosário que vêm em muitos livros, o autor fala no culminar de rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos. Em setembro de 1972, segundo Osvaldo Lopes da Silva que tivera com Cabral uma conversa tensíssima, nasce a ideia de destruir um quartel fundamental, era preciso sair do impasse já que Spínola pusera em andamento a reocupação do Cantanhez, ressuscitara gravíssimos problemas na liberdade de ação do Sul, com a evacuação de escolas e hospitais. Fala-se igualmente num possível envolvimento de Sékou Touré, um pouco de mais do mesmo. Segue-se a tomada de Guilege e retoma-se a velha questão de como invadir Cabo Verde.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22620: Notas de leitura (1388): Um acontecimento científico de renome: A Missão Geoidrográfica da Guiné (1947-1957) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22639: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XV: António Madeira Montez Júnior (Santarém, 1885 - França, CEP, 1918), cap inf


António Madeira Montez Júnior (1885 - 1918)


Nome: António Madeira Montez Júnior
Posto:  Capitão de Infantaria
Naturalidade:  Santarém
Data de nascimento:  27 de Dezembro de 1885
Incorporação;  1903 na Escola do Exército (nº 132 do Corpo de Alunos)
Unidade:  4º Grupo de Metralhadoras, 5º Grupo de Metralhadoras
Condecorações; Cruz de Guerra de 3ª classe
TO da morte em combate;  França (CEP)
Data de Embarque: 24 de Dezembro de 1916
Data da morte: 9 de Abril de 1918
Sepultura:  França, Cemitério de Richebourg l'Avoué
Circunstâncias da morte; Faleceu em combate devido a ferimentos provocados por fogos alemães.

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António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa

Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.
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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 9 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22527: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XIV: Alfredo Guimarães (Guimarães, 1884 - França, CEP, 1918), cap cav

domingo, 17 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22638: Memória dos lugares (427): Coimbra, cemitério da Conchada, onde repousam os restos mortais do alf mil António Maldonado, morto em combate em Porto Gole, em 4/3/1966 (João Crisóstomo)


Foto nº 5 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Jazido da família de Maria Conceição Maia Antunes. leirao nº 15, nºs 9 e 10. Placa que foi posta na frente, na parede exterior do jazigo, e onde se lê: "Alferes António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, morto em combate na Guiné em 4.3.1966".

 
1. Mensagem, com data de 23 de setembro último, enviada pelo João Crisóstomo, o nosso camarada luso-americano que está de visita à sua Pátria, tendo logo nos primeiros dias ido a Coimbra, a casa de uns amigos, com quem está ligado "por mor de Timor"... Aproveitou para ir ao Bussaco e ao cemitério da Conchada, em Coimbra, à procura do túmulo do nosso camarada António Maldonado, morto em combate em Porto Gole, na Guiné, em 4/3/1966, e que era natural de Coimbra.

O Eduardo Jorge Ferreira (1952- 2019) veio-me à memória outra vez quando visitei o Bussaco. Lá encontrei uma evocaçãoda batalha do Vimeiro, de cuja “reencarnação" o nosso saudoso Eduardo era o um dos interprtes mais entusiastas,. Incluo uma foto dessa pedra onde a evocação da batalha aparece. (Foto nº 1).



Foto nº 1 - Mealhada > Buçaco > Antigo Convento de Santa Cruz do Buçaco > Placa alusiva a Arthur Wellesley, 1.º Duque de Wellington que, no contexto da Guerra Peninsular, em 1810, que comandou as forças anglo-portuguesas contra as do general francês André Massena na batalha do Buçaco, e que esteve ali hospedado.

 

Mas isto foi só a "ponta do fio”. Uma vez que ia a Coimbra, pois queria ver o barco de Timor onde, já faz quatro anos, estão dois contentores cheios de coisas para a escola de S. Francisco de Assis que tanta falta fazem nessa escola e aos seus alunos, eu lembrei-me de ir visitar um nosso antigo  camarada, o infeliz Maldonado. Nunca o cheguei a encontrar pessoalmente na Guiné, mas a sua vida e morte cruzaram-se comigo, conforme posts 22131 e 19517 , em que ele é mencionado pelo Jorge Rosales.

Pelo que depreendo,  o Rosales esteve em Porto Gole até 1964. Porto Gole era um dos destacamentos a que pertencia ao (ou estava a cargo do)  Enxalé, embora os comandantes destes destacamentos fossem de outros unidades ou em rendição individual. 

Quando o Rosales saiu de Porto Gole quem o devia ter substituído era o Maldonado. Que por sua vez iria ser substituído pelo Henrique Matos. Mas por razões que desconheço, o Maldonado não veio logo e, como sucedia com Missirá, antes da chegada dos alferes Marchand e depois Beja Santos, nestes casos o Enxalé servia de “tapa-buracos”. Em ambos os casos ( Missirá e Porto Gole) eu desempenhei esse papel de tapa-buracos mais que uma vez. Estive em Porto Gole umas semanas e, quando o Maldonado estava para chega,  eu voltei ao Enxalé, sem nunca o ter encontrado pessoalmente ( ou pelo menos eu não me lembro dessa “rendição”.)

Uma semana ou duas depois do Maldonado chegar, o destacamento de Porto Gole foi alvo dum ataque violento por parte do IN e o infeliz Maldonado foi atingido por uma granada de morteiro 82 que lhe causou morte quase imediata. 

Por razões que desconheço fui instruido para voltar para Porto Gole mais uma vez, onde fiquei até que o Henrique Matos, do Pel Caç Nat 52, chegou, para assumir o comando desse destacamento. Mas …não me posso esquecer que podia ter sido eu no seu lugar, como podia ter sucedido em outras ocasiões em que as vítimas estavam mesmo a meu lado, como no caso do Queba Soncó em 1966 ou logo no início da minha estadia na Guiné em Agosto de 1965 na operação Avante.



Foto nº 2 -  Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Talhão dos combatentes, naturais de Coimbra


Foto nº 3 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Lápide fúnebre, evccativa da memória dos  antigos combatentes. Liga dos Combatentes, Núcleo de Coimbra, Talhão dos combatentes: 

"Silêncio… Névoa… Campos sepulcrais 
Ali dormem soldados de alma forte.
Deram à Pátria e vida num transporte
Que foi o seu Deus p’ra nunca mais

Eram Homens… Tornaram-se imortais
Souberam dominar a própria morte.
Na guerra todos são irmãos na sorte!
Na sepultura todos são iguais."



Foto nº 4 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 >
Jazido da família de Maria Conceição Maia Antunes, onde foi inumado o António Maldonado, leirao nº 15, nºs 9 e 10

 
Foram estas considerações que me levaram a procurar o cemitério da Conchada em Coimbra. Depois de longa e repetida exposição do que pretendia, consegui convencer a pessoa que se encontra na administração do cemitério a procurar o nome do nosso Maldonado que foi encontrado depois de longa procura. Encontra-se no “ leirão" 15, número 9 e 10 deste leirão. (Foto nº 4).

Foi um encontro duro e emocionante para mim. Na pessoa dele eu revia e lembrava o Mano, o Abna na Onça ,o Queba Soncó, o Açoriano e tantos outros que acabaram a sua vida nas terras da Guiné e outros que voltaram mas que também da lei da morte já se libertaram: os Zagalos, os Pires, os Rosales, os Eduardos…

Saí do cemitério em busca de umas flores; e foi pensando em todos aqueles nossos camaradas para quem a memória dos nossos falecidos é algo sagrado que deixei este pequeno ramo de flores na porta/entrada do jazigo onde se encontram os restos mortais do Maldonado (Fotos nºs 5 e 6). Naquele momento o Maldonado não era ele só, mas todos aqueles irmãos nossos , mortos em qualquer situação, incluindo os nossos camaradas nativos que foram vítimas de represálias, depois de já termos deixado terras da Guiné; e por eles todos "elevei o meu pensamento”,  independentemente da sua raça, religião e posição ideológica.



Foto nº 5 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Pequeno ramo de flores o melhor que pude arranjar) que deixei em nome de todos nós, conforme se pode ler no improvisado “cartão" (Vd. Foto nº 6)


 Foto nº 6 > Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Ramo de flores depositado à pporta do jazigo da família do Maldonado: "Ao Maldonad com saudades. Os teus amigos e camaradas da Guiné, 22/9/2021". 

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Entretanto o Gaspar Sobral e esposa (, meus amigos, ligados à causa de Timor, ele timorense e ela natural do Sabugal) tinham encontrado uma área grande onde descobriram que "todos as sepulturas são de militares; mas todas as sepulturas são iguais…" E logo me dirigi a esse lugar do cemitério. (Foto nº 2).

Verifiquei que todos aquelas sepulturas ( um total de 75 ) são de militares da região de Coimbra que prestaram serviço nas diversas campos de acção fora de Portugal territorial em Angola, India, Moçambique etc, mas a grande maioria era de militares que estiveram na Guiné. Soldados, sargentos e oficiais de todos as patentes... Na base dum pequeno monumento aí erguido está gravado: "na guerra todos são irmãos na sorte; na sepultura todos são iguais." (Foto nº 3).
Voltei , mas o resto do dia foi um contínuo reviver. (*)

João Crisóstomo



Guiné > Bissau > Praça do Império > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales mais o Maldonado, junto ao monumento "Ao Esforço da Raça" ...

De seu nome completo, António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, morreu no dia 4/3/1966. Natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada. Pertenceu à 1ª CCAÇ / BCAÇ 697 (Fá Mandinga, 1964/66). (**)

Foto (e legenda): © Jorge Rosales (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22520: Memória dos lugares (426): Paço, União das Freguesias de São Bartolomeu dos Galegos e Moledo, Lourinhã, inaugura o seu monumento aos antigos combatentes (46 no total estiveram presentes nos vários teatros de operações do séc. XX, da I Grande Guerra à Guerra do Ultramar)

(**) Vd. poste de 22 de fevereiro de 2019 > uiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)

Guiné 61/74 - P22637: Blogues da nossa blogosfera (162): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (70): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


LÁGRIMA DE INVERNO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

Aquece-nos o sol de Inverno
nascido de um amor criança
de muitos invernos de pés frios.
Dia pequenino e preguiçoso
suspiro de angústia e carícia
nascido nas entranhas das raízes.
A noite acende a beleza nua
escurecem as pupilas
por entre os lábios do desejo
no olhar tépido da lua.
As mãos da solidão abrem a madrugada
as árvores celebram o nascer do dia
e na lareira adormecida
um ramo seco aquece o frio da manhã vazia.

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22434: Blogues da nossa blogosfera (161): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (5): Garraiada na Monumental Arena do Real Solar Esquadrão - 1972 (José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML do EREC 3432)

sábado, 16 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22636: Lembrete (36): Convite para a apresentação do livro "Nunca Digas Adeus às Armas (Os primeiros anos da Guerra da Guiné)", por António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, dia 18 de Outubro de 2021, pelas 18 horas, no Pálácio da Independência - Largo São Domingos, 11 - Lisboa

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Notas do editor

Vd. poste de 4 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22597: Agenda cultural (786): Convite para a apresentação do livro "Nunca Digas Adeus às Armas (Os primeiros anos da Guerra da Guiné)", por António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, dia 18 de Outubro de 2021, pelas 18 horas, no Pálácio da Independência - Largo São Domingos, 11 - Lisboa

Último poste da serie de 9 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22528: Lembrete (35): Apresentação, no sábado, dia 11, na Tabanca dos Melros, do livro autobiográfico do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos". Intervenientes: além do autor, José Manuel Lopes, Ana Carvalho e Luís Graça. (Inscrição prévia, para o almoço de convívio, "vinte morteiradas", na "messe de Mampatá": 'vagomestre' Gil Moutinho, telef / telem 224890622 / 919677859)

Guiné 61/74 - P22635: Os nossos seres, saberes e lazeres (472): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20): Da Roliça até ao Vimeiro… E o derrotado Junot regressou a França com o nosso ouro e prata (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
À volta do meu casebre de Reguengo Grande não disponho só de moinhos, peras e abóboras, vinhas e fráguas que vêm dos tempos jurássicos. Aqui perto o tal el-rei Junot teve a sua malquerença, tudo lhe correu mal na Roliça e no Vimeiro, o absurdo é que regressou de malas aviadas cheias de riquezas portuguesas. A boa estrela protegia o Duque de Wellington, mas não se livrou dos apupos que ele viu no parlamento britânico, dera-se o ouro ao bandido, uma absurda condescendência com o invasor ainda por cima destruidor, vinha naquele contingente um general maneta, de nome Loison, de triste memória. Assim começava o século XIX todo ele acompanhado de destruição, guerra civil, descrença nas instituições, o Brasil independente e então acordou-se para as riquezas de África, isto enquanto o nosso património edificado se arruinava a olhos vistos. Mas ao pé do meu casebre os franceses levaram coça, Napoleão ainda decretará mais duas invasões, conhecerá brutas derrotas, suficientes para não haver menção delas no Arco do Triunfo...

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20):
Da Roliça até ao Vimeiro… E o derrotado Junot regressou a França com o nosso ouro e prata


Mário Beja Santos

Quem diria que este meu casebre, incrustado numa área protegida, está bem próximo de acontecimentos capitais ocorridos em 1808, o combate da Roliça e a batalha do Vimeiro? Há indicações nas proximidades que sugerem a visita ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, e bem perto do meu Reguengo Grande há sinalética que fala da Roliça e do seu interesse histórico. Tudo tem a ver com a primeira Invasão Francesa, Napoleão quis sufocar o poder económico e naval da Grã-Bretanha, decretou o Bloqueio Continental, o regente D. João disse sim, não ou quem dera, e Napoleão nomeou o general Jean Andoche Junot para nos reduzir a pó, era importante apanhar à mão a família real portuguesa e anular qualquer veleidade de independência nacional.

Irão dar-se aqui os primeiros passos gloriosos de um senhor que passará à História com o título de Duque de Wellington, e a primeira cena do primeiro ato ficará com o nome de refrega ou combate da Roliça, tudo se travou na localidade do mesmo nome em 17 de agosto de 1808. O tenente-general Sir Arthur Wellesley confronta-se com as forças francesas do general Henri-François Delaborde. Dia aziago para Napoleão, o Cerco de Saragoça era assumido pelos franceses como um fracasso, resistiram heroicamente, as tropas de Napoleão recuaram.

Combatemos ao lado dos britânicos, Bernardim Frei de Andrade era o comandante do corpo de forças portuguesas. Procurei aqui dar-vos algumas imagens esclarecedoras do campo de batalha, a Roliça fica na parte norte do concelho do Bombarral, o exército francês ocupou um pequeno planalto e para norte estende-se uma planície onde se deu a aproximação do exército anglo-luso. Houve vários movimentos estratégicos na Serra do Picoto e Planalto das Cesaredas, os franceses quiseram explorar a superioridade numérica. Os britânicos começaram a subir em relação às posições francesas. Os homens de uma brigada procuraram ultrapassar um regimento francês, foram atacados à retaguarda, apanhados de surpresa. Neste combate morre o tenente-coronel George Lake, foram feitos muitos prisioneiros e apreendidos estandartes que só serão recuperados dias mais tarde no Vimeiro. Os franceses retiram, acabou a refrega, os franceses perderam cerca de 600 homens, o exército anglo-luso tem 70 mortos, centenas de feridos e mais de 70 desaparecidos. A carreira europeia do duque começou aqui, tempos depois cometer-se-á o erro estratégico, ao assinar-se a Convenção de Sintra com Junot, de os deixar sair de Portugal com o nosso espólio, o Parlamento britânico entrou em fúria. Mas o significado da Roliça é muito mais do que simbólico: afinal, era possível bater os franceses em terra.

Travessa do Casal da Esperança, Reguengo Grande, Lourinhã, o paraíso do velho combatente
Monumento funerário do Tenente-Coronel George Lake
Legenda constante no monumento funerário
O ponto alto da Roliça, assistiu ao intenso dos combates
Aqui se combateu, por aqui se subiram estas veredas, num verdadeiro jogo do gato e do rato, muitos mortos e feridos, afinal os franceses não eram inexpugnáveis
Imagem da fachada da Sociedade Recreativa Sobralense, vinha dos plainos da Roliça e por aqui passei, dá gosto ver esta fachada curiosamente marcada por aspetos tradicionais e as linhas da Arte Deco. Posto isto, sigo para o Centro Interpretativo da Batalha do Vimeiro
Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro
Visita guiada ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro
Monumento comemorativo do I Centenário, o rei D. Manuel II esteve presente na inauguração, em 21 de agosto de 1908
Conjuntos de azulejos que se espalham pelo jardim circundante, mostrando aspetos alusivos à batalha, recomenda-se ao visitante que os observe atentamente, são belos e dão uma ajuda à compreensão da evolução da batalha
Foi neste extenso campo que se travou a Batalha do Vimeiro, em 21 de agosto de 1808, Junot está à frente de 13 mil homens, Wellington comanda o exército anglo-luso com cerca de 19 mil homens. Junot decidiu um ataque direto ao outeiro do Vimeiro (onde hoje se encontra um monumento comemorativo) e procurou uma manobra de envolvimento. Os confrontos mais importantes e decisivos aconteceram no outeiro. As tropas de Junot atacam e fracassam, vêm a possibilidade de fixar o inimigo na colina. Na localidade do Vimeiro travou-se uma sangrenta peleja que acabou com a retirada dos franceses, perseguidos pela cavalaria anglo-lusa. Sem conhecimento do que se estava a passar no flanco esquerdo, duas brigadas francesas confrontaram os britânicos nos altos da Ventosa e Fonte de Lima, tudo lhes correu mal. Junot entendeu propor a Wellington um acordo de cavalheiros, dará pelo nome de Convenção de Sintra. Diz-se em português que nunca se deve dar o tesouro ao bandido, ainda hoje é um enigma o que levou os britânicos a autorizar o vencido a partir para França com o nosso querido património. O dado fundamental é que acabara no continente europeu a invencibilidade francesa. E tudo às portas do meu casebre.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22613: Os nossos seres, saberes e lazeres (471): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22634: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VII: Contuboel e Dunane (entre Piche e Canquelifá) (Out - dez 1965)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de PIche, a meio da estrada entre Piche e Canquelifá, como rio Caium a sudeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > Dunane >  Temos uma dúzia de referências a Dunane, um lugar perdido no Leste, um dos muitos Bu...rakos da nossa geografia de guerra,. E este topónimo remete ora para  o Cristóvão de Aguiar (CCAÇ 800, 1965/67) ora para o Zé Ferreira  da Silva (CART 1689/BART 1913, 1967/69), dois dos nossos escritores de talento. A diferença entre eles é que o Zé Ferreira, um "assumido bandalho", tem carradas de humor, que é coisa que falta (va) nos escritos do açoriano. 
 E foi ele, o Zé  Ferreira, quem celebrizou, na guerra da Guiné, o nome de Dunane, com o Bife à Dunane, criado por um cozinheiro madeirense, o "Senhor Badalhoco" (, texto que já faz parte do... Plano Nacional de Leitura).(*)

Foto (e legenda): © José Ferreira da Silva (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (**). 

Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).

Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (***)


Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)

Diário de Guerra

por Cristóvão de Aguiar

(Continuação)

Contuboel, 12 de Outubro de 1965

O meu Grupo de Combate vai dentro em breve para o destacamento de Dunane, quartel de campanha rodeado de arame farpado, sem qualquer tabanca (a que aí existia foi incendiada pelas nossas tropas, e a população que não morreu, fugiu para outros chãos) - fica então Dunane entre Piche e Can­quelifá, onde existem duas companhias, uma em cada uma dessas localidades, que por aquelas bandas a guerra é mesmo a doer. 

Vamos então render um outro Grupo de Combate, o do João Cortesão Casimiro, da nossa companhia, que, por estes dias mais próximos, conclui um mês de estada naquele que é considerado um dos piores desta­camentos daquela zona, sem as mínimas condições para se viver como gente: água bi­chenta, instalações em abrigos feitos de bidões de gasolina cheios de pedregulhos, o tecto coberto de troncos e por um oleado, e tudo isto rodeado de mata e de silêncio e guerrilheiros. 

Esta zona militar abrange, além das unidades já mencionadas, Nova La­mego, Bruntuma e Madina do Boé, onde, aí, nem se atre­vem as nossas tropas a meter o nariz fora dos abrigos de cimento armado, recebendo os ví­veres e o correio através de helicóptero, que lança os sacos das alturas e desapega-se logo para lugar mais se­guro... 

Em Dunane não há população, só meia dúzia de milícias indígenas. Com cerca de trinta homens, ao fim de pouco tempo não há solidão que re­sista. Só é preciso é que não falte vinho nem correio, porque assim o soldado acomoda-se com mais facili­dade...


Contuboel, 15 de Outubro de 1965

Recebi um rádio do comandante do batalhão acantonado em Bafatá, ao qual pertencemos, anunciando a rendição do pelotão de Dunane para o dia 18. Temos de sair às primeiras horas da manhã. E vinham também várias instruções sobre o mate­rial a levar, não esquecendo os sacos de areia nas cabi­nas dos Unimogs por causa de surpresas de­sagradáveis, que vamos atravessar zonas perigosas e algumas quase terra-de-ninguém, além das rações de combate para a via­gem, que deve demorar as suas quatro horas, com paragem em Nova Lamego e Pi­che... 

Reuni os homens do meu pelotão e transmiti-lhes todas as ordens que achei con­venientes quando à nossa futura partida (só não lhes revelei nem o dia nem a hora), or­dens que são para se cumprir à risca, sem a mínima discussão. E avisei-os que come­cem, desde já, a preparar os seus sacos de campanha, porque nunca se sabia quando largávamos para Dunane, a fim de render os nossos camaradas.

Dunane, 19 de Outubro de 1965

Após uma viagem atribulada e cansativa, chegá­mos por fim ao nosso destino. E eis-me aqui, diante de mim, nu, andrajoso, suplicante, a alma enregelada e crucificada na cruz destes dias sem nome. Nos olhos, uma forna­lha de fúria e uma fome antiga não sei em que víscera, essa fome de séculos que é já grito milenário de todas as bocas em mim. 

Eis-me, pois, aqui, disparando bombas de palavras ao concentrado silêncio da noite. 

Eis-me aqui, tentando pescar estrelas no poço aberto do firmamento. Eis-me aqui, indefeso e nu, interrogando não sei que morto que vive numa parte de mim... Em frente de mim, nu e com o frio de todos os pólos, interrogo-me como se fosse réu e juiz ao mesmo tempo. E as palavras que ouço vêm da minha voz antiga, saída do mais fundo de mim, carregada de pedras e de car­dos, que grita e se contorce, morre e ressuscita, e continuo, indefeso e nu, aqui em frente de mim...


Dunane, 21 de Outubro de 1965

CRISTAIS DE DOR

Cristais de dor na noite tenebrosa,
Ferindo o silêncio duro e magnético;
Nenhum gesto de luz, leve, carinhosa,
Calando na noite o grito profético.

Em bandos descem pássaros estranhos,
Trazem recados no bico agoirento;
Muito ao longe nos currais os rebanhos
Tremem e choram lágrimas de vento.

Nas palhotas sem luz sonhos vencidos,
Crianças sem estrelas nos olhos caídos,
E pão de tristeza em bocas de fome.

Silêncio, dor, tristeza, solidão,
Tudo o que tem quem vive nesta prisão,
E um número no lugar do próprio nome.



Dunane, 3 de Novembro de 1965

MORTOS-VIVOS

Somos os mortos-vivos duma geração
Tran­cada nos aposentos do medo.
Se ousamos outra voz no coro duma canção,
Dão-nos nova alma e este degredo.

Se puderes olha em frente de olhos repousados,
Ar­reda o medo da mente ferida.
E teus dias serão plenos, serenados
E a vida será um salmo de vida...



Dunane, 6 de Novembro de 1965

ANSIEDADE

Conto os dias pelos dedos
Um a um sem fa­lhar.
Triste de quem tem segredos
E não tem a quem contar...

Parti triste e triste estou
Longe de ti nesta terra,
Onde o Sol se apagou
Sob negras nuvens de guerra.

Se a dor que no peito sinto
Tivesse boca e contasse
Tudo o que peno (não minto)
Talvez ninguém acreditasse...



Dunane, 10 de Novembro de 1965

PRIMEIRA CANÇÃO DO MAR

A minha voz vem do mar,
Meus cabelos de espuma são,
É no cais que vou cantar
As penas do cora­ção.

As coitas do coração
Ai, coimas de amargura.
Diz-me lá tu, ó canção,
Que é da velha ternura
Do mar da minha infância
E porquê vida tão dura,
Este viver sempre em ânsia?

Tatuaram-me no braço
Uma âncora de esperança...
Ai, e no peito um cansaço
Já do tempo de criança...

O mar embalou meu berço
- Velha canção de embalar
E assim rimei meu verso
Com a triste voz do mar.

O mar indicou-me o mundo
Nas rotas das caravelas...
Foram-se os sonhos ao fundo,
Rotas ficaram as velas.


Dunane, 15 de Novembro de 1965

SEGUNDA CANÇÃO DO MAR

Nas ondas do mar salgado
Escrevi o meu destino
Assim tracei o meu fado
Desde o tempo de me­nino.

Fez-se o mar meu amigo
Desde os tempos de outra idade:
- Quando não está comigo,
Chora triste de saudade...

Tantas vezes boiei morto
Na crista das ondas bravas,
Mesmo à vista dum porto
Onde, amor, me esperavas...


Dunane, 18 de Novembro de 1965

UM BARCO NA NOITE

Na noite subversiva havia um barco
Anco­rado no cais.
O céu era o reflexo de um charco
E de outras sombras mais

Súbito acordou uma luz
Nos olhos adormecidos...
Uma candeia que conduz
A vitória aos vencidos.

Todo o Universo se encheu de asas
E de itinerários...
Trancámos as portas de nossas casas
Nós, os revolucionários...

Tudo por fim rolou na lem­brança
Na noite subversiva
O barco ancorado partia para França
E nós ali à deriva...

Só nos ficou o sonho e a esperança,
E o barco ancorado partiu para França...


Dunane, 23 de Novembro de 1965

Estou com o meu pelotão há mais de um mês neste destacamento de Piche. Antiga tabanca balanta, destruída pelas nossas tropas há já al­gum tempo, é agora um aquartelamento destinado a um pelotão das nossas tropas e a uma secção de milícias indígenas. 

Estamos em solidão absoluta e com falta de víve­res. À noite, entretém-se o pes­soal com o espectáculo deslum­brante dos incêndios das tabancas atacadas pelos guerrilheiros e cujas chamas se vêem ao longe lam­bendo o horizonte cir­cular que deste cabeço onde se situa o aquartelamento se abarca. Nem dentro do perímetro do arame far­pado se pode an­dar à von­tade.

Contuboel, 1 de Dezembro de 1965

Chegou o novo capitão para comandar a com­panhia. O primeiro, o que foi ferido na tal operação simulada, com o intui­to de trei­nar os homens para a dureza da guerra, nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima. In­formou-me há dias o nosso primeiro Mota que ele tinha sido transferido para uma re­parti­ção do Quar­tel General, em Bissau, após ter estado em prolongada con­vales­cença na metrópole. O guarda-costas, esse, foi para a Alemanha para lhe porem uma prótese nos cotos das pernas. Nesta vida da tropa são tão efémeros os senti­mentos.

Contuboel, 25 de Dezembro de 1965

OUTRO TEMPO

Tempo loiro, maduro,
Nas mãos o Universo.
Sentia-me seguro
Como a rima num verso...

Depois veio o frio
Das noites de Inverno.
E pensava (agora sorrio)
Nas penas do inferno.

- Já rezaste, rica cara?
Perguntava uma velha tia.
Dizia que já terminara
E tinha a alma em dia...



(Continua)

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Notas do editor: