segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22679: Notas de leitura (1391): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Trata-se de uma investigação cuidadosíssima, logo na 1.ª edição foi acolhida pelos especialistas com rasgados encómios. David Brookshaw disse mesmo que se pode ler como um romance pós-moderno, é um cintilante percurso onde se fala da aurora dos nacionalismos, se perfilam protagonistas, se contextualizam no pós-II Guerra Mundial os pilares da autodeterminação que levam à organização da luta armada. 

Relato imparcial, como se poderá ver na descrição da participação dos cabo-verdianos nos teatros de guerra da Guiné, a forma como se apresentam as referidas identidades culturais e, compreensivelmente, a história do PAIGC em Cabo Verde até 1991, quando chega e se consagra a via pluripartidária. 

De leitura obrigatória para quem estuda a Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (3)

Beja Santos

Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013. 

Vai longa a pesquisa deste valioso documento onde a história oral tem um peso determinante. O autor percorreu as raízes da independência, apresentou protagonistas, deitou um olhar alargado às conjunturas internacionais, contextualizou os ideais do império português, iniciou-se a luta armada na Guiné, descreveu-se ao pormenor as tentativas de subversão nas ilhas e mesmo as tensões entre os cabo-verdianos e a liderança do PAIGC. 

Assim se chegou à independência da Guiné-Bissau e se preparou a independência de Cabo Verde. É neste ponto que o investigador pergunta, depois de saber que tudo foi facilitado ao PAIGC para dispor do monopólio do poder: poderia ter sido diferente?

O PAIGC arrogava-se ao papel de interlocutor privilegiado, a sua implantação nas ilhas era minoritária, cita mesmo um trabalho de Manuel Lucena em que este escreveu num relatório enviado a Melo Antunes que “a maior parte da população ficaria muito contente com uma autonomia menor do que a dos Açores…”

São opiniões que valem pelo que valem, vinte anos após a independência quadros cabo-verdianos do então PAIGC irão deplorar o facto de não se ter tratado bem uma real oposição ao PAIGC, que existia, designadamente a de Leitão da Graça e o seu grupo. O próprio Aristides Pereira admitiu excessos. Leitão da Graça, líder da UPICV, simpatizante da linha chinesa, reconhece que o contexto era favorável ao apoio soviético e dos países socialistas, Mao Tsé-tung estava em decadência e os chineses acabaram por se aliar ao imperialismo americano. 

O PAIGC tinha sido reconhecido tanto pela OUA como pela ONU como o único representante do povo de Cabo Verde, fazia a sua entrada triunfal nas ilhas. Carlos Reis, do PAIGC, tecerá o mesmo tipo de considerações, dizendo: 

“O partido único foi proclamado na rua, pela própria evolução dos acontecimentos. Vivia-se naquela altura um clima favorável ao partido único. A própria ONU escolhia representantes legítimos e únicos dos povos que lutavam pela sua independência”

José Vicente Lopes aborda seguidamente a questão do PAIGC e dos intelectuais. Havia uma figura consagrada, Baltazar Lopes, licenciado em Direito e Filologia Românica, passou a sua vida em Cabo Verde no ensino, foi reitor do Liceu Gil Eanes. Distinguiu-se por romances como o “Chiquinho” e pela criação da revista “Claridade”, fundada em 1936. Desconfiava do PAIGC, quadros importantes como Silvino da Luz e Osvaldo Lopes da Silva fizeram acusações bastante ásperas a determinados escritores, falava-se mesmo em atirar os intelectuais ao mar. Baltazar Lopes irá registar magoado o seu ressentimento com o tratamento que lhe deram. Muito se falará também de Onésimo Silveira e de Teixeira de Sousa, figuras que entrarão em rota de colisão com o PAIGC.

Segue-se a construção do Estado, Pedro Pires fica à frente do Governo onde constarão, entre outros, Abílio Duarte, Silvino da Luz, Carlos Reis, Osvaldo Lopes da Silva, Amaro da Luz, Sérgio Centeio, Manuel Faustino. E diz-nos o autor: 

“O Arquipélago ascendia à independência com uma população estimada em 280 mil habitantes, uma economia completamente arruinada, cabendo ao setor terciário – comércio, serviços públicos e privados – um predomínio absoluto, aparecendo o Estado como o principal empregador. A agricultura, essencialmente a de sequeiro, encontrava-se em profunda crise, face aos efeitos da seca que já se prolongavam há oito anos, mantendo 91% da população economicamente ativa sobre a sua dependência, na maioria dos casos através de brigadas de apoio social. A indústria resumia-se a três ou quatro padarias, uma fábrica de tabacos e duas unidades falidas de pesca”

Este primeiro Governo centrou as suas prioridades no combate ao desemprego, na procura de aquisição de meios de transportes marítimos, na construção de silos e armazéns; os investimentos foram para o desenvolvimento rural e a pesca, numa primeira linha e mais abaixo os transportes e as comunicações. Houve recursos externos que facilitaram muitas destas iniciativas. Mas havia divisões ideológicas, há que as ter em conta para perceber as linhas políticas do PAIGC até ao dia em que o multipartidarismo, depois da queda do Muro de Berlim, mudou o xadrez cabo-verdiano. 

José Vicente Lopes dá-nos um impressivo olhar sobre esta governação do PAIGC: a política de independência face às superpotências, como foi tratado o dossiê da África do Sul, como se tentou um modelo económico misto mas sob a supervisão do Estado, e passa em revista os múltiplos dossiês da governação. 

A oposição foi-se organizando, a UCID ganha expressão. E começam as contradições, a formação de grupos, a fragmentação ideológica, releva-se, pelo bom senso e prudência, a figura de Pedro Pires. O III Congresso do PAIGC realiza-se em Bissau, em novembro de 1977, avultam tensões entre maoístas, trotskistas e leninistas, Pedro Pires passa a ser muito questionado. Toda a problemática da identidade cultural cabo-verdiana é analisada nesta obra.

E assim chegamos à questão constitucional, que levantará muita celeuma nas ilhas e com forte ressonância em Bissau, dirão muitos analistas que será um dos motivos fundamentais para o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980. O tema é abordado com profundidade, a páginas 600 do seu importantíssimo trabalho o autor analisa as diferenças entre Cabo Verde e a Guiné:

“Estudiosos das causas que conduziram à rutura entre os dois países situam-nas, geralmente, na discrepância das realidades que se foram construindo na Guiné e em Cabo Verde. Enquanto, no primeiro caso, havia uma hierarquia partidária e militar que era mais obedecida; no segundo, prevalecia, pelo menos inicialmente, uma massa crítica e uma liderança mais baseada na discussão dos problemas do que na obediência cega. 

A estrutura da sociedade cabo-verdiana – mais moderna, escolarizada e crítica, além de dependente do exterior –, contribuía para que o regime na Praia fosse menos pretoriano do que o seu congénere de Bissau. Em suma, para Pedro Pires, o 14 de novembro foi o desfecho de uma situação contraditória, ‘duas realidades que se foram desenvolvendo e que, em vez de se aproximarem, se afastaram. Teria de ser assim. Não havendo um 14 de novembro, talvez viesse a acontecer uma outra coisa. Sabíamos, entre nós, que havia qualquer coisa que não marchava bem’”

Tanto Aristides Pereira como Luís Cabral se referiam regularmente a desvios, práticas de corrupção, passividade e falta de rigor ideológico. E vão surgir acusações múltiplas: de Nino Vieira contra Luís Cabral, de Aristides Pereira contra Luís Cabral e Nino, de Vasco Cabral contra Luís Cabral, e muito mais. Os dois partidos separam-se, perdurarão as feridas, a reconciliação virá depois. E inicia-se um processo histórico que conduzirá ao multipartidarismo em Cabo Verde. 

A 13 de janeiro de 1991, realizar-se-ão no Arquipélago as primeiras eleições livres e pluralistas da sua história, ganhas pelo Movimento para a Democracia (MpD). No mês seguinte, António Mascarenhas Monteiro vencerá Aristides Pereira, tornando-se no primeiro Presidente da República eleito em eleições multipartidárias.

Obra singular, hoje de referência para entender o papel cabo-verdiano na formação, desenvolvimento, luta armada e independência de Guiné e Cabo Verde. A sigla da unidade foi o medicamento eficaz para a luta vitoriosa mas encerrava em si o peso de uma tormenta que se chama em História a longa duração dos acontecimentos que tanto os guineenses como os cabo-verdianos não ignoravam – dois países com identidades tão distintas jamais poderiam ficar associados.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22659: Notas de leitura (1390): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22678: In Memoriam (417): Queta Baldé (1943-2021), ex-Soldado do Pel Caç Nat 52 e 2.ª CComandos Africana, falecido em Lisboa

IN MEMORIAM

Queta Baldé (1943-2021)

Ex-Soldado do Pel Caç Nat 52 e 2.ª CComandos Africana


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 1 de Novembro de 2021:

Queta Baldé, o meu querido 126, o construtor do meu Diário da Guiné, deixou-nos

Mário Beja Santos

O confrade Carlos Silva telefonou-me no intervalo de um congresso de antigos combatentes, ali para a linha do Estoril, deu-me a saber que alguém fazia questão de me informar que falecera o Queta, pedi mais esclarecimentos, sim, era Queta Baldé, o 126, finda a sua comissão militar no Pel Caç Nat Nº 52 concorrera à 2ª Companhia de Comandos Africana, foi aceite, veio a independência, e correndo o risco de ser preso ou fuzilado conseguiu chegar ao Senegal e daqui a Marrocos, contou com a solicitude da Associação dos Comandos, veio para Portugal, instalou-se em Chelas J, veio a Cadi, apareceram os meninos, entrei em cena, a casa onde viviam tinha tanto bolor que se lavava com lixívia à segunda-feira e dois dias depois estava tudo enegrecido. Fizeram-se diligências, o menino mais velho tinha asma agravada, mudaram de casa. E sem obrigatoriedade de data o Queta era sempre uma presença no almoço dos bravos do pelotão, religiosamente bacalhau com batatas, vinha o Mamadu Camará, o Cherno, o Abudú, chegou a participar no repasto o Benjamim Lopes da Costa.

Quando, em 2006, tomei a decisão demencial de escrever os Diários da Guiné, perguntei ao Queta se me podia ajudar a ultrapassar o claro-escuro de certas situações que tínhamos vivido em Missirá. Acedeu prontamente, e passámos a ter encontros semanais na Praça Duque de Saldanha, ele saía da empresa onde fizera cerca de 12 horas de vigilância e começava a sabatina. Havia antecipadamente um telefonema para o pôr ao corrente das minhas dúvidas, quem era quem, que itinerário tínhamos seguido naquela volta junto ao rio Gambiel até Salá, se se recordava dos seis trajetos diferentes que nós utilizávamos para chegar a Mato de Cão sem pisar as picadas convencionais, se se lembrava da data em que tínhamos ido pela primeira vez ao Buruntoni… E cedo começou o meu deslumbramento com a sua memória de elefante.

Explicou-me ao detalhe como chegaram a Missirá para substituir a Companhia do Enxalé, como se constituíra o Pel Caç Nat 52 que tivera como seu primeiro comandante o Henrique Matos Francisco, as operações a Madina, as populações de Missirá e Finete, as múltiplas suspeitas de que o PAIGC não queria fazer grandes ondas na região porque tinha vias de abastecimento em direção a Mero e aos Nhabijões, e assim evitava conflitos, a partir do momento em que havia vigilância em Mato de Cão qualquer possível ataque ficava reservado a quem se posicionasse em Ponta Varela.

E saindo de um contexto geral, deixava-me de boca aberta com as horas a que saíamos para os patrulhamentos, sempre com a sua linguagem pausada ia ataviando os locais por onde passávamos, a descoberta dos trilhos usados pelas gentes de Madina e Belel, reproduzia emboscadas elencando o nome de quem lá tinha estado. Tentei pô-lo à prova e perguntei-lhe se se lembrava de uma emboscada lá para os lados de Chicri onde alguém perdera uma peça de roupa e exigia recuperá-la, não me deixou continuar, era a boina verde do Cabo Barbosa, sim, tínhamos saído dali a correr pela noite calada, no dia seguinte lá se descansou quem tinha perdido o fetiche da boina, e o Queta sentenciou: “Manga de canseira, mas que gente tão porreira, nosso alfero!”

Dei-lhe a alegria de ir visitar a Amedalai o seu filho mais velho, o Queta recusou-se a voltar à Guiné, a vida familiar também o deixou causticado, nos últimos anos vivia sozinho para os lados da Amadora, guardo dele um belo sorriso, um olhar translúcido, as suas mãos a afagar os livros que lhe oferecia, particularmente o segundo volume do Diário da Guiné em que ele aparece ao alto na fotografia tirada no dia de Natal de 1969 na ponte de Undunduma. Durante anos fez sala na Praça do Rossio, no último banco já perto do Largo de São Domingos, ali conversávamos, perguntando por este e aquele, não faltou às cerimónias fúnebres dos meus entes queridos. Foi adoecendo, mesmo antes da pandemia, arrastava-se, os telefonemas passaram a ser taciturnos, não tinha forças para vir comer o bacalhau, deixei de o ver no banco onde fazia sala, perguntava por ele, estava no hospital, o telefone deixou de atender.

E assim chegamos a mais uma perda irremediável, alguém que me deu o privilégio de uma estima recíproca, que funcionou como agente de informação e de vigilância na urdidura daqueles diários, estou a vê-lo a acariciar os livros, a ver os mapas do Cuor, de Bambadinca e do Xime, a recordar-me que começara a vida como tocador de batuque e assim percorrera a pé toda aquela região do Corubal até ao Xitole. Apaga-se mais uma luz daquele memorável palco onde construí a minha consciência de homem, e nada mais posso fazer de que vergar-me respeitosamente não só pela sua memória mas pelo seu contributo indefetível, como bravo soldado que foi, o 126, o companheiro que exigiu a minha presença em Lisboa em horas tão difíceis da sua vida, que me ofereceu a sua disponibilidade para que não faltasse a que dar a certidão da verdade naquele tempo de guerra que vivemos irmanados. Seguro que lá estás a sorrir à direita de Deus, aqui deixo esta nótula de quem fica profundamente desconfortado com a tua partida, abraço-te calorosamente, nha ermon, Mário


2008, o Henrique Matos Francisco e o Queta Baldé no lançamento do Tigre Vadio
A Missirá dos tempos em que o Pel Caç Nat 52 aqui chegou (1967)
25 de dezembro de 1969, ponte do rio Undunduma, o Queta Baldé está ao alto, primeiro Mamadu Djao com uma cana na mão, segue-se Jogo Baldé de não na anca, Queta Baldé imaculadamente fardado
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A tertúlia e os editores deste Blogue não podem deixar de associar à dor dos seus familiares e amigos na Guiné-Bissau e em Portugal pela perda deste seu ente querido, também nosso amigo e camarada de armas.

Mais um dos bravos irmãos naturais da Guiné que lutaram ao nosso lado e que nos deixa.

Um especial abraço ao Mário Beja Santos, seu comandante no Pel Caç Nat 52 e amigo pela vida fora, já que o Queta morou, desde a independência da Guiné-Bissau, sempre em Portugal, onde acaba de falecer.

A partir de hoje, o nosso camarada Queta Baldé, ficará, a título póstomo, a figurar na lista dos nossos amigos que da lei da morte já se libertaram. Tem o lugra nº 854.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22660: In Memoriam (416): Victor Barata (1951-2021), ex-1.º Cabo da FAP, Especialista de Instrumentos de Bordo, BA 12, Bissalanca, 1971/73; membro da Tabanca da Grande desde maio de 2006 e fundador, em junho de 2007, do blogue Especialistas da BA 12... Era um "Zé Especial", tratado com muito carinho por "Vitinho"... Velório: hoje, a partir das 16h00 em Campia; Vouzela; missa de corpo presente às 15h00 de amanhã, seguindo depois o féretro para a Casa Crematória de Viseu

Guiné 61/74 - P22677: Efemérides (354): No Dia de Finados, lembremos os nossos queridos mortos: nos últimos dois anos, em 2020 e 2021, em plena pandemia de Covid-19, a morte levou 36 de nós (31,3%) num total de 115 mortes registadas (13,8% dos 854 membros da Tabanca Grande)


Vouzels > Campia > Junho de 2021 >  Um das últimas fotos de grupo (*)  com o Victor Barata (1953-2021) (**), aqui sentado à mesa,  ao centro. Era carinhosamente tratado por "Vitinho". Foi o fundador e o grande animador do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74.

Um grupo de  camaradas e amigos de Coimbra foi visitá-lo (e homenageá-lo) na sua casa, em Campia, Vouzela,  no no distrito de Viseu, nos princípios de junho de 2021, já ele já estava bastante debilitado pela doença crónica degenerativa que virá a   causar  a sua morte, em 25 de outubro último. A foto é de Augusto Ferreira, 2º Srgt Mil Melec/Inst/Av (*). Reproduzida aqui com a devida vénia.


1. Entre vivos e mortos, a lista dos amigos/as e camaradas  da Guiné, pertencentes à Tabanca Grande, soma já 854... Ao fim de 17 anos e meio de existência (, vamos fazer 18, em 23 de abril de 2022, se lá chegarmos).

No entanto, aqueles e aquelas que "da lei da morte já se foram libertando" (n=115), representam já 13,8% do total.  Os seus nomes constam da coluna estática do blogue, no lado esquerdo. Os dois últimos, e mais recentes, foram o Victor Barata (1953-2021) e o Queta Baldé (1943-2021).

Dos nossos queridos mortos, mais recentes, nos últimos dois anos, registamos, com grande pesar, que ultrapassaram as 3 dezenas, mais exatamemte 36: 11 em 2020 e 25 em 2021... (Estes últimos estão destacados a vernelha, na lista alfabétoca dos membros da Tabanca Grande, na coluna do lado esquerdo.)

Não sabemos com rigor quantos deles morreram na sequência directa ou indireta da pandemia de Convid-19, mas este número (36) representa  quase um terço )31,3%) do total das mortes ocorridas nestes anos todos... 

Será uma sobremortalidade, a deste ano, ou o resultado inevitável do nosso progressivo e irreversível envelhecimento, com tendência, portanto, a aumentar nos próximos anos ?

Por outro lado, estes números das nossas "baixas mortais" devem pecar por defeito: há membros da Tabanca Grande de que não temos notícias há anos, ou seja, são camaradas que não fazem "prova de vida", por email, telefone ou colaboração no blogue... (Razão pela qual, também, deixámos de celebrar o seu aniversário, nos casos em que estávamos autorizados a fazê-lo). Alguns, como o António Paiva, por exemplo, já terão morrido... Mas não temos confirmação (ofcial ou oficiosa) do seu falecimento.

Recordemos hoje, isso sim, no Dia de Finados (, habitualmente comemorado no feriado de 1 de Novembro), e mais uma vez, os nomes dos nossos amigos e camaradas que nos deixaram nestes últimos 22 meses (e que vão destacados a negrito), mas também, todos os demais que estão no nosso mural (n=115).

Saibamos honrar a sua memória, deposi de os ter resgatado da "vala comum do esquecimento" (***).

A

Agostinho Jesus (1950-2016) 
Alcídio Marinho (1940-2021)
Alfredo Dinis Tapado (1949-2010)
Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017)
Amadu Bailo Jaló (1940-2015)
Américo Marques (1951-2019)
Aniceto Rodrigues da Silva (1947-2021)
António da Silva Batista (1950-2016)
António Dias das Neves (1947-2001)
António Domingos Rodrigues (1947-2010)
António Manuel Carlão (1947-2018)
António Manuel Martins Branquinho (1947-2013)
António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018)
António Rebelo (1950-2014)
António Teixeira (1948-2013)
António Vaz (1936-2015)
Armandino Alves (1944-2014)
Armando Teixeira da Silva (1944-2018)
Augusto Lenine Gonçalves Abreu (1933-2012)
Aurélio Duarte (1947-2017)

C/H

Carlos Azeredo (1930-2021)
Carlos Cordeiro (1946-2018)
Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (1929-2021)
Carlos Filipe Coelho (1950-2017)
Carlos Geraldes (1941-2012)
Carlos Marques dos Santos (1943-2019)
Carlos Rebelo (1948-2009)
Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014)
Celestino Bandeira (1946-2021)
Clara Schwarz da Silva (1915-2016)
Cláudio Ferreira (1950-2021)
Cristina Allen (1943-2021)

Cristóvão de Aguiar (1940-2021)

Daniel Matos (1949-2011)
Domingos Fernandes (1946-2020)

Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)

Fernando Brito (1932-2014)
Fernando [de Sousa] Henriques (1949-2011)
Fernando Franco (1951-2020)
Fernando Rodrigues (1933-2013)
Francisco Parreira (1948-2012)
França Soares (1949-2009)

Gertrudes da Silva (1943-2018)

Humberto Duarte (1951-2010)

I/J

Inácio J. Carola Figueira (1950-2017)
Isabel Levezinho (1953-2020)
Ivo da Silva Correia (.c 1974-2017)

João Barge (1945-2010)
João Cupido (1936-2021)
João Caramba (1950-2013)
João Diniz (1941-2021)
João Henrique Pinho dos Santos (1941-2014)
João Rebola (1945-2018)
João Rocha (1944-2018)
Joaquim Cardoso Veríssimo (1949-2010)
Joaquim da Silva Correia (1946-2021)
Joaquim Peixoto (1949-2018)
Joaquim Vicente Silva (1951-2011)
Joaquim Vidal Saraiva (1936-2015)
Jorge Rosales (1939-2019)
Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017)
José António Almeida Rodrigues (1950-2016)
José Augusto Ribeiro (1939-2020)
José Barreto Pires (1945-2020)
José Ceitil (1947-2020)
José Eduardo Alves (1950-2016)
José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2021)
José Fernando de Andrade Rodrigues (1947-2014)
José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017)
José Manuel Dinis (1948-2021)
José Manuel P. Quadrado (1947-2016)
José Martins Rosado Piça (1933-2021)
José Maria da Silva Valente (1946-2020)
José Marques Alves (1947-2013)
José Moreira (1943-2016)
José (ou Zé) Neto (1929-2007)
José Pardete Ferreira (1941-2021)

L/N

Leopoldo Amado (1960-2021)
Libório Tavares (Padre) (1933-2020)
Lúcio Vieira (1943-2020)

Luís Borrega (1948-2013)
Luís Encarnação (1948-2018)
Luís Faria (1948-2013)
Luís F. Moreira (1948-2013)
Luís Henriques (1920-2012)
Luís Rosa (1939-2020)

Mamadu Camará (c. 1940-2021)
Manuel Amaral Campos (1945-2021)

Manuel Carneiro (1952-2018)
Manuel Castro Sampaio (1949-2006)
Manuel Dias Sequeira (1944-2008)
Manuel Martins (1950-2013)
Manuel Moreira (1945-2014)
Manuel Moreira de Castro (1946-2015)
Manuel Varanda Lucas (1942-2010)
Marcelino da Mata (1940-2021)
Maria da Piedade Gouveia (1939-2011)
Maria Manuela Pinheiro (1950-2014)
Mário Gualter Pinto (1945-2019)
Mário Vasconcelos (1945-2017)

Nelson Batalha (1948-2017)

O/V

Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021)

Paulo Fragoso (c.1947-2021)

Queta Baldé (1943-2021)

Raul Albino (1945-2020)
Renato Monteiro (1946-2021)

Rogério da Silva Leitão (1935-2010)

Teresa Reis (1947-2011)
Torcato Mendonça (1944-2021)

Umaru Baldé (1953-2004)

Vasco Pires (1948-2016)
Victor Alves (1949-2016)
Victor Barata (1951-2021)
Victor Condeço (1943-2010)
Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014)

Total=115
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Notas do editor:

(*) Vd. Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > terça-feira, 8 de junho de 2021 > Voo 3599 – Visista ao nosso ComandanteI

(**) Vd. poste de 25 de outiubro de  2021 > Guiné 61/74 - P22660: In Memoriam (416): Victor Barata (1951-2021), ex-1.º Cabo da FAP, Especialista de Instrumentos de Bordo, BA 12, Bissalanca, 1971/73; membro da Tabanca da Grande desde maio de 2006 e fundador, em junho de 2007, do blogue Especialistas da BA 12... Era um "Zé Especial", tratado com muito carinho por "Vitinho"... Velório: hoje, a partir das 16h00 em Campia; Vouzela; missa de corpo presente às 15h00 de amanhã, seguindo depois o féretro para a Casa Crematória de Viseu

Guiné 61/74 - P22676: Parabéns a você (1998): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

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Nota do editor

Úlltimo poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22665: Parabéns a você (1997): Coronel Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)

domingo, 31 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22675: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VIII: O meu percurso militar (II): Depois da RMA, o CTIG: ao todo, 3 anos e 4 meses ao serviço da tropa


Doc 7 > Região Militar de Angola > Batalhão de Intendência de Angola >Quartel em Grafanil > Batalhão de Intendência > Companhia de Intendência > 11 de fevereiro de 1971 > #O documento mais valioso": a declaração da passagem à disponibilidade (ou à "peluda")



Doc 6 > Região Militar de Angola > Quartel General > Companhia de Comando e Serviços > Quartel em Luanda > 12 de agosto de 1968 > Recibo da Arrecadação do Material de Guerra, comprovativo da entrega pelo alf mil João Rodrigues Lobos de uma  G3, cimco carregadores, duas cartucheiras, um cinturão e... 100 cartuchos  7,62 mm m/962... 


Doc 8> Ministério do Exército > Direcção do Serviçpo de Pessoal > Repartição dos Oficiais > 2ª Secção > Lisboa, 28 de janeiro de 1978 > Declaração para efeitos de contagem do tempo de serviço.


Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda (e última) parte da mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]


Data - sexta, 29/10, 10:11 (há 1 dia)



Assunto - O meu percurso militar


(Continuação)

Quando me mobilizaram para a Guiné fui para o Depósito  de Adidos, em Luanda, onde esperei por um transporte para a Guiné, que nunca mais me arranjavam, ( dizendo até que provavelments tinha de ir primeiro para a Metrópole e dali para a Guiné) sendo que o tempo passava e a Comissão não começava. 

Consegui pessoalmente junto da Força Aérea que me arranjassem transporte num avião militar que vinha para Lisboa com escala em Cabo Verde. Chegado a Cabo Verde esperei por outro avião militar, de carga, que me levou até Bissalanca. Ali chegado, sem nunca antes ter sabido qual a Unidade em que estaria colocado, apanhei boleia num jipe que por acaso tinha ido levar alguém a Bissalanca e que por camaradagem, (não estando autorizado e não constar do boletim da viatura) me levou ao Quartel General em Bissau. Ali chegado, e com as malas á porta, lá entrei e só aí soube que estava colocado no BENG 447. Por gentileza lá me mandaram levar a Brá.

Conhecendo eu bem Angola, e, só havendo 5 Aspirantes Milicianos da Especialidade formados no 1º COM em Angola, sendo este número manifestamente insuficiente para as colunas de MVL, e estando eu no Quartel General a prestar o que julgo bom serviço, porque cargas de água fui mobilizado para a Guiné? 

A explicação dada na época foi “intercâmbio entre Provincias” sem direito a mais perguntas!  Seria só isso ? Por vezes especulo sobre várias hipóteses, mas sem conclusões. Talvez fale delas noutra altura pois são só especulações.

E, quando acabei a comissão na Guiné, para voltar para Luanda, onde fui mobilizado, queriam que viesse de navio fretado para Lisboa (quando houvesse) e de Lisboa para Luanda (quando houvesse). 

Lá se foi o resto do que tinha poupado e paguei as 2 viagens aéreas de Bissalanca para Lisboa e de Lisboa para Luanda, na TAP totalmente do meu bolso! Em 1968 e 1969 também tinha pago as 8 viagens aérias na TAP nos dois meses de férias que tive, para as passar em Luanda onde residia a minha namorada.

Quando em 1977 fiz concurso público para Chefe dos Serviços de Aprovisionamento do Hospital Distrital de Torres Vedras, precisava de documento onde constasse o Serviço Militar cumprido. 

Não sabendo onde o podia obter, fui ao Ministério do Exército, no Terreiro do Paço, em Lisboa, onde estava “estacionado” o meu processo, por não ter a data da passagem á disponibilidade!!! 

Por sorte, (mais uma vez) tinha guardado o papelinho da “peluda”, que apresentei, e lá me passaram uma declaração simples (, com um erro na data do inicio da Comissão no qual só mais tarde reparámos, ) mas que serviu o objectivo. 

Em 1978 recebi um oficio onde, na disponibilidade, tinha sido colocado no Regimento de Engenharia nº 1 em Lisboa. E em 1983 recebi outro oficio,  dizendo que o meu processo estava no DRM  de Santarém. 

Em 2007 aquando da passagem á reforma, para obter a contagem do tempo, fui a Santarém e já não estava lá nada. Fui então ao Arquivo Geral do Exército, em Lisboa onde estava o meu processo, obtive a contagem do tempo e lá me deram 5 anos e 337 dias para a reforma ( tiraram alguns mesitos, talvez a recruta ou as férias). 

Esta “história” terá interesse?  Para mim tem,  dadas as bolandas em que andei, e, o tempo que perdi (ou ganhei) no Exécito Português.

Por onde passei tive e assisti a vários “episódios” alguns idênticos aos que outros camaradas descrevem , outros talvez um pouco diferentes. Tenho algumas situações,vividas pelos locais por onde estive, na memória, e tento recordar-me de outras para talvez as passar ao papel e vos enviar para o blog.

Resumindo, acabei por ter tanta sorte que passei quase ao lado da Guerra, estando bem perto da dureza e sofrimento que tantos camaradas, nas mesmas datas, passaram.

Até tive a sorte de , quase imberbe, deixar crescer o bigode, desde que aterrei na Guiné, bigode esse que foi crescendo sem nunca mo mandarem rapar, apesar de algumas bocas “superiores” e de alguns PM . O bigode, que aí começou, só o raparei quando a sorte que me acompanhou em Angola e na Guiné,  me fizer ganhar o Euromilhões!

Anexo vários “papéis” que guardei como recordação, em complemento do que já foi publicado no poste anterior (*)

Doc 6 – Documento de MVL – 1968

Doc 7 – O Documento mais valioso: a passagem à disponibilidade, em  1971

Doc 8 – A descoberta do meu processo – 1977 (1978)

Até breve.

João Rodrigues Lobo
_______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22671: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VII: O meu percurso militar (I): Região Militar de Angola: EAMA, CICA, Companhia de Transportes nº 2560, QG-4ª Rep, Depósito de Adidos (1967/68)

Guiné 61/74 - P22674: Blogues da nossa blogosfera (164): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (72): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


HOMENS ENTULHO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

Para além de nós há o mundo
e sempre ignoramos o mundo
esquecemos as valas comuns que toquei ao de leve
muito ao de leve
não fosse os mortos magoar
nas margens verdes do Dniepre
regadas de lágrimas
onde cresceram flores sobre o chão de Babi-yar
umas de sal e água no mar quente de Bissau
bordando a lodo o cais de Pidjiguiti
outras de sangue esguichado
das cabeças à tona de água
em último respiro
outras de terra ensopada em rios de morte
no ventre de um Wiriyamu fuzilado
na penugem de Chinteya
nas balas de Vaina
no esventrar de Zostina
nos braços de um vulcão de raiva
em cada taça de vingança clandestina
que nem a morte amansa
nos túmulos da Palestina.
Sangue de Cristo
In Nomine Patris.
Mártires sem martirológio
corpos fecundos
erguei bem alto os ossos descarnados
que a morte é de acordar
e semear flores na aposta de outros mundos
erguei os rostos mirrados dos famintos da Terra
dos homens-entulho da grande vala comum
cavada no peito dos Humilhados e Ofendidos
pelos homens sem rosto
aberta no ventre dos Condenados da Terra
pelos homens sem alma.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22656: Blogues da nossa blogosfera (163): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (71): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22673: Blogpoesia (752): "A força da rotina"; "Piano dos sabores"; "De novo nos motocas" e "Janela da alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


A força da rotina

Nossa vida assenta nas rotinas.
Umas boas. Outras menos.
Dão firmeza à vida.
Tornam difíceis as surpresas maléficas.
Alisam o caminhar na vida.
Quando se quebram, abre-se um fosso donde convém sair depressa.
Outras terão de surgir para que o barco da vida navegue certo e chegue a bom porto.


Berlim, 29 de Outubro de 2021
15h18m
Jlmg


********************

Piano dos sabores

Na bancada breve da cozinha, toco alegre e consolado a sinfonia dos sabores.
Nela escrevo lindas letras com sabor a satisfação.
Me banho no mar de sonho das boas ementas.
Me deito consolado, à noite, em cada dia.
Me levanto cada manhã, desperto, pelo cheirinho do café.
Quem me dera ter meus pais e irmãos de sangue como os tive por pouco tempo.
Os recordo agora com saudade no meio dos netos e filhos que a Ana me deu...


Berlim, 24 de Outubro de 2021
14h23m
Jlmg


********************

De novo, no "motocas"

Com sol ou com chuva, o encanto é sempre certo.
As mesmas caras sorridentes descansando dos rigores da vida.
Se espraiam pelas mesas descansados.
O balcão está recheados de petiscos e guloseimas.
É vê-los a devorá-los com satisfação.
Tornou-se obrigatório vir aqui ao menos uma vez por semana.
Fica-se recobrado das forças e com força de viver.
Hoje, está chuvoso.
Havia "bichas" no trânsito mas valeu.


Berlim, arredores de Berlim,
10h48m
Jlmg


********************

Com curvas e letras

Com curvas e letras soletro palavras,
Pinto ideias. Mando mensagens.
Espero sorrisos.
Alimento esperanças e sonhos.
Incendeio quimeras.
Descrevo caminhos.
Avanço promessas.
Planto afagos.
Afogo maleitas.
Quem dera encontre amigos
Desfaça intrigas.
Aguardo a paz.


Berlim, 10 de Outubro,
17h49m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22616: Blogpoesia (751): "Bons hábitos"; "Louvor a Deus"; "Vá e desapareça..." e "Janela da alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 30 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22672: Os nossos seres, saberes e lazeres (474): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22): Num cemitério de pestíferos há hoje arte sacra de valor universal (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Tinha posto na agenda uma visita ao Museu de Arte Sacra de São Roque depois da última remodelação. Fiquei muito surpreendido e agradado com a nova concepção museológica e museográfica, podemos contemplar as peças com boa iluminação, estão bem identificadas, há uma boa sequência dos núcleos. O acervo é de uma enorme riqueza, possui diversidade de alfaias religiosas, o Núcleo de Arte Oriental é de grande valor e a exibição do tesouro da Capela de São João Baptista ganha em eloquência, é mostrado em todo o seu esplendor. Recomenda-se que se complemente a visita indo à Igreja, um templo sumptuoso por dentro e de uma grande austeridade por fora. Ali bem perto, no Palácio Tomar, funcionava a Hemeroteca, por ali andava em consultas, atravessava a rua para um passeio estreitíssimo, uma das faces da Igreja de São Roque e perguntava-me muitas vezes se quem por ali passa sabe a magnificência que está dentro daquela parede. Igualmente se recomenda a quem visita que se documente previamente, a fruição será maior designadamente para contemplar os tesouros que estão nas capelas e no altar-mor, isto quanto à igreja. Estou absolutamente seguro de que ninguém sairá dececionado desta visita a um local que começou por ser um cemitério de pestíferos, acolheu a Companhia de Jesus e guarda tesouros suficientes que não nos envergonhariam de uma candidatura a Património da Humanidade.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22):
Num cemitério de pestíferos há hoje arte sacra de valor universal


Mário Beja Santos

Quando se lê o roteiro da Igreja de São Roque, e mesmo o do museu, os autores recordam que este espaço era um arrabalde da cidade, um descampado povoado de oliveiras junto à muralha fernandina, aqui se pôs o cemitério onde jaziam os pestíferos, isto no início do século XVI. D. Manuel I pediu à Senhoria de Veneza uma relíquia de São Roque, ela veio, decidiu-se edificar uma ermida, no postigo de São Roque, estávamos em 1506. E terminada a ermida, instituiu-se a Irmandade. Depois, D. João III quis trazer para o Reino os primeiros padres da Companhia de Jesus, da ermida passou-se à construção da Casa Professa e Igreja de São Roque no local da ermida. Atenda-se ao que se escreve nos roteiros: “A igreja de São Roque vem definir-se como resultante dos desígnios da Companhia de Jesus e da vontade real, caraterizada por um maneirismo nacional de linhas austeras que contrasta com o espaço interior de grande peso decorativo, em que o azulejo, a talha dourada e os quadros a óleo perfazem um ambiente magnífico e requintado. A planta da igreja é de grande simplicidade e largueza de conceção – uma nave, ampla e extensa, capela-mor pouco profunda, tribunas e galerias sobre as capelas”. Só que a visita começa pelo museu, criado em 1905 e alvo de remodelações sucessivas, está ali um acervo extraordinário de relicários, cofres, pense-se no tesouro da capela de São João Baptista, uma ourivesaria única, quadros magníficos, esculturas, alfaias religiosas de grande valor artístico, peças de paramentaria, e muito mais.

Apreciei muito ler uma obra sobre os cem anos do Museu de São Roque, ele foi inaugurado em 1905, como se disse acima, as suas coleções acompanham a evolução da História de Arte entre os séculos XVI e XX. Como é que todo este património é tutelado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa? Em 1759, após a expulsão dos jesuítas de Portugal, a Santa Casa, cuja sede original era a igreja manuelina da Conceição Velha, recebe por doação régia a Igreja e Casa Professa de São Roque, tornando-se proprietária de todo o seu acervo, a que se juntaram espécimes de extrema raridade da Santa Casa.

Na Monarquia Constitucional entendeu-se que este património devia ser posto à exibição pública e em 1898, por ocasião das comemorações do IV Centenário da Fundação da Santa Casa apresentou-se na Sacristia da Igreja de São Roque o tesouro da Capela de São João Baptista; mas anos antes já havia a ideia de encontrar um espaço, ele foi dado pela saída do que é hoje o museu na antiga Sala de Extrações da Misericórdia de Lisboa. É interessante ver imagens da evolução museológica e museográfica, começou-se por mobiliário com luxuosas vitrinas, uma imensidade de quadros uns ao lado dos outros, as coisas começaram a mudar na década de 1960 com novas conceções de museologia e museografia, despojaram-se as salas, ganhou-se mais espaço com a incorporação da antiga Casa do Despacho, a conservação e o restauro evoluíram enormemente e o museu dispõe hoje de um serviço educativo modelar. Recorda-se que todos os visitantes com idade de 65 anos e mais têm entrada gratuita.

E o que se pasma depois da última remodelação é ver o desafogo que permite uma contemplação mais atenta, as obras estão bem identificadas, é um regalo andar neste museu carregado de preciosidades de arte sacra, e depois de uma visita detalhada à própria Igreja de São Roque percebe-se que não é bravata nenhuma dizer-se que todo estes tesouros por elementar justiça deviam ser candidatos a Património da Humanidade. Aqui se deixam algumas imagens que poderão ter o condão de sensibilizar o leitor para a visita de arte sacra da mais esplendorosa e das sete partidas do mundo.


Igreja e Museu de São Roque
Tesouros da Capela São João Baptista, Património da Humanidade
Santo António, mãos grandes e pés grandes, um Deus menino, pequenino e bem sentado
São Francisco Xavier que por aqui andou e daqui partiu para conquistar almas no Oriente
Um dos quadros icónicos do Museu de Arte Sacra

Todo o interior da Igreja de São Roque está marcado pelo maneirismo italiano, já se sublinhou a sobriedade, simplicidade e densidade volumétrica, se são pontos que chamam a atenção do visitante logo a decoração da igreja, com azulejos “ponta de diamante” fazem estontear a vista, é a talha dourada, os mármores embrechados, a pintura que preenche grande parte do espaço interior, a escultura; enfim, apercebemo-nos prontamente que se tudo por fora é austero lá dentro utilizam-se as maiores riquezas para adorar Deus e venerar os Santos.

Se o exterior é a imagem consumada da austeridade, o interior é sumptuoso, das capelas ao altar-mor
Uma visão de duas capelas, atenda-se à harmonia das formas e ao modo de ocupação dos espaços

Recomenda-se ao leitor que vá munido de um roteiro das capelas, só tem a ganhar para usufruir de tudo quanto se vê e melhor se pode compreender: capelas da Senhora da Doutrina, de São Francisco Xavier, São Roque, do Santíssimo, Capela-mor, de S. Baptista, da Senhora da Piedade, de Santo António, da Sagrada Família. Há depois o que está nos altares e a sacristia tem o maior valor artístico.

Naturalmente que a capela mais importante, em termos artísticos, entenda-se, é a de São João Baptista, obra única no contexto da arte europeia, uma encomenda de D. João V a Roma, teve data da inauguração oficial em 1750. Possui linhas inovadoras no esquema estilístico, anuncia o neoclassicismo. Os seus elementos decorativos são de inspiração rococó. Os quadros laterais e o central, bem como o soalho da capela, são em mosaico, trabalho artístico de grande mérito. Utilizaram-se materiais preciosos, diversos mármores – lápis lazúli, ágata, verde antigo, alabastro, mármore de Carrara, ametista, pórfido roxo, branco-negro de França, brecha antiga, diásporo, jalde e outros. No Museu de Arte Sacra de São Roque estão patentes o modelo da capela bem como exemplares de tecidos e metais pertencentes às coleções da Capela de São João Baptista. É indiscutivelmente um templo religioso soberbo, é bom que a visita se complemente do museu para a igreja. Ninguém sairá desiludido.


A presença do Oriente, o marfim, os materiais delicados, a madeira exótica
A fundadora das Misericórdias, óleo de José Malhoa
A mais icónica das telas do Museu de Arte Sacra

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de Outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22654: Os nossos seres, saberes e lazeres (473): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (14) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22671: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VII: O meu percurso militar (I): Região Militar de Angola: EAMA, CICA, Companhia de Transportes nº 2560, QG-4ª Rep, Depósito de Adidos (1967/68)

as

Doc nº 3 > Escola de Aplicação  Militar de Angola (EAMA) > Quartel de Nova Lisboa > 3ª Companhia >21 de dezembro de 1967 > Licença para gozo de 11 dias de férias, a passar em Luanda,  passada ao  soldado cadete João Rodrigues Lobo.


Doc 2 > Ministério do Exército > Região Militar de Angola > Boletim de vencimentos > Folha mecanográfica com o vencimento do aspirante miliciano João Rodrigues Lobo, relativo ao mês de novembro de 1967. Montante: Esc 1590$00, o que corresponderia, em valores de hoje, em Portygal, 
a 561,11 € (segundo o conversor da Pordata)


Doc 1 > Escola de Aplicação  Militar de Angola (EAMA) > Quartel de Nova Lisboa > 1967 > Cartão de Controlo da Incorporação


Doc nº 4 > Região Militar de Angola >Quartel General > 3º Repartição > 1968 > Pedido de  protecão de coluna auto de reabastecimentos, a partir de Luanda, comndanda peloasp mil Rodrigues Lobo- Data: 12 de agosto de 1968. Assinatura: cor A. da Silva Banazol.


Doc nº 5 > Região Militar de Angola >Quartel General > 4º Repartição > Secção TPTS > 1968 > Relação do pessoal que segue no ML
V ( Movimento de Viaturas Logísticas), de Ambriete, de 13/8/1968.

Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]

Devido à extensão do texto mais os documentos anexos, vamos publicá-lo em duas partes.  


Data - sexta, 29/10, 10:11 (há 1 dia)



Assunto - Meu percurso militar

Bom dia,

Caro Luis e caros editores do blog.

Desde que me juntei á Tabanca Grande todos os dias o Blog é minha leitura obrigatória.

Recordar também é viver, e textos muito interessantes lá tenho encontrado.

É com interesse e alguma emoção que os diversos posts me têm recordado situações de que tive conhecimento mas não vivi directamente, nos anos de Guiné 1969 e 1970 (e uns dias de 1968 e 1971) e, onde tenho tido conhecimento de outras situações, algumas terriveis, das quais, embora contemporâneo delas, não tive conhecimento quando lá estive.

Dos relatos de camaradas que passaram tempos muito dificeis naqueles anos, ( aliás durante toda a guerra), só posso tirar uma conclusão: fui um felizardo, sortudo, afortunado, ou que lhe quisermos chamar, em ser mobilizado para a Guiné! e protegido pelos deuses ( talvez mais por camaradas de armas na mão).

Já em 1968, pela sorte de já de usar óculos, não fiquei nos Comandos.

Por ser experiência pessoal, se acharem que o que digo interessa alguma coisa, publiquem, se não tudo bem. Os comentários, desde que não sejam tendenciosos ou preconceituosos, serão bem vindos.

Em Angola, onde fui incorporado em 1967 (Doc nº 1), e onde prestei serviço militar antes de ter “inexplicávelmente?” sido mobilizado para a Guiné, e onde passei por zonas bem complicadas , em MVL desde Luanda a Ambriz e Ambrizete, teria corrido mais riscos, dos quais felizmente também escapei quando por lá andei, o que não se poderá dizer de outros camaradas que passaram pelas mesmas estradas, pois a maioria das colunas era emboscada e atacada nesses trajectos (Doc. nº 4).

Julgo que devo ter sido dos milicianos que em mais quartéis esteve colocado:

(i) Escola de Aplicação Militar de Angola – Nova Lisboa. Incorporação e recruta, - cadete, 1967 – 3 meses (Doc. nº 1)

(ii) CICA – Grupo de Artilharia e Campanha 1 – Luanda, Especilidade de Transportes Rodoviários - cadete. 1968 – 3 meses

(iii) CICA – Nova Lisboa , instrutor auto - Aspirante. 1968 -3 meses

(iv) Companhia de Transportes 2560 – Grafanil/Luanda – Aspirante. 1968 – 1 mês

(v) Quartel General 4ª Rep., Luanda - Aspirante 1968 – 4 meses

(vi) Depósito de Adidos , Luanda - Aspirante, 1968 – 1 mês

(vii) Não me lembro da Unidade – Cabo Verde, ilha do Sal - Alferes Mil.1968 – 2 semanas

(viii) Batalhão de Engenharia 447 , Pelotão de Transportes Especias., Guiné - Alferes Mil, 1968/1969/1970/1971

(ix) Batalhão de Intendência de Angola, Grafanil/Luanda, 1 mês (férias) ,disponibilidade -Alferes Mil, 1971.

Resumindo – Mais dia menos dia, mais semana menos semana, em cada unidade, pois a memória já falha, no Total 40 Meses : Um ano e quatro meses em Angola e dois anos e 24 dias na Guiné (3 Natais).

Anexo vários “papéis” que guardei como recordação:

1 – Incorporação na EAMA, 1967 (Doc 1)

2 – Boletim de vencimento como cadete - 1967 (Doc 2)

3 – Licença de férias EAMA, 1968 (Doc 3)

4-5-6 – Documentos de MVL – 1968 (...)

Até breve. João Rodrigues Lobo

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22670: Manuscrito(s) (Luís Graça) (205): E na hora da tua morte, ámen!... (Ninguém, por certo, te perguntará p'los teus sonhos... de menino)






Lourinhã > Praia da Areia Branca > 26 e 27 de outubro de 2021 > O põr do sol, um espetáculo, por enquanto gratuito, para quem tem o privilégio de viver à beira-mar ou perto do mar...Um espetáculo que eu não dispenso, sempre que posso, desde há muitos anos... Afinal, nasci a ouvir o mar...mas raramente me podia permitir, quando criança, o luxo de dizer "até amanhã, meu irmão sol"... Entre mim e o sol, a pôr-se  no mar do Cerro dos meus antepassados, havia os cabeços e os monhos de vento...

(...) Nasceste a ouvir o mar, o barulho do mar e dos moinhos de vento que te deixaram os árabes, dizem uns, ou os flamengos, dizem outros. Sabes lá tu o que está inscrito no teu ADN. Batizaram-te cristão, na pia da igreja, gótica, do castelo, que foi românica. E como antes terá sido mesquita mourisca ou capela visigótica, e, muito antes ainda, templo romano ou anta, dólmen, menir. Perdeste-te, por amores e guerras, no caminho sul de Santiago e chamaram Grande ao rio da tua infância. (...).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na véspera do Dia dos Mortos (que a nossa tradição cristã celebra, afinal, no dia 1 de novembro, dia que se quer luminoso, o dia de todos os santos), e do início incerto de mais uma Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a de 2021, também conhecida como COP26,  a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Gasgow, 31 de outubro-12 de novembro de 2021), fui revisitar e rever um poema que me é caro, e que me ajuda a mitugar a angústia existencial... Gostava um dia de o ler em voz alta, ao pôr do sol,  para a minha neta, que vai fazer dois anos em 12 de novembro,  no Funchal, e  a quem não sei dizer, se ela um dia mo perguntar,  que raio de planeta lhe vou deixar.


E na hora da tua morte, ámen!

por Luís Graça



De rio em rio se alcança a foz 
e se galga o mar,
vais na torrente, 
a espernear e a bracejar.

De mar em mar se vai ao longe,
p’ra naufragar, no oceano, largo e profundo,
… ou p’ra encalhar, 
ao cabo do mundo.

De estrela em estrela navegas por toda a parte,
à boleia dos sonhos que te venderam,
alguém por certo com engenho e arte,
mas a  preço de saldo.

Do planeta ao planetário vai um salto,
há apenas uma fina tela, a separar-te
do desastre humanitário.

Na deriva da vida segues em contramão,
como um cavalo com o freio nos dentes,
fora da estrada, 
em louco tropel.
e sem seguro de acidentes,

Daqui para a frente, 
e até ao planeta Babel,
vais pouco confiante e nada crente,
como no carrossel 
da feira de setembro,
quando eras menino e moço:
já não é caminhada, 
já não é jogging,
muito menos passeio ameno pelo areal,
é alucinação,
é salto mortal,
vais de camuflado 
e corda ao pescoço,
pela picada armadilhada, 

Preferes nada saber de astrofísica,
muito menos de metafísica,
seria bom saberes um pouco mais
de economia 
do risco.

Porque um dia, 
vão-te cobrar a portagem,
no fim da viagem 
ou numa qualquer paragem, técnica,
quando o teu planeta azul perder 
o contrato de concessão
ou a simples licença de habitação.

Um dia, faça chuva ou faça sol,
ou radiações ultravioletas,
vais ser despojado do teu corpo,
com todas as letras,
desalojado do teu frágil habitáculo,
como a lagosta ou o caracol.

Quem te prometeu um tabernáculo,
ergonomicamente correto, 
digno de um deus, mesmo  que menor,
nada sabia de ergonomia, 
nem de poesia,
e muito menos era arquiteto.

Afinal, não passas de um animal terráqueo,
numa casa que não é tua,
e, na melhor das hipóteses, 
és um erro de casting do criador…

Alguém te há de lembrar
que não passas de um simples hóspede,
e que o hóspede e o peixe ao fim de três dias… fedem,
como assegura o anexim popular.

Na tua aldeia global, 
na hora da tua morte,
tocará, a finados, o sino.
Com sorte,
e se ainda houver um resto de humanidade,
alguém teu conhecido fará questão de dizer, 
por piedade,
uma última oração 
à beira da tua cova,
e lembrará que também foste menino:

“Pode não ter sido um grande poeta,
nem um cidadão exemplar,
muito menos um herói,
mas foi, dizem,  
um bom filho,
um bom homem,
um bom amigo, 
um bom camarada, 
quiçá até um bom pai”…

Dobrará o sino
no campanário  da igreja da tua aldeia...
O padre encomendar-te-à  a alma
para que, mais leve dos pecados, 
chegues depressa à eternidade.
Mas ninguém, por certo, te perguntará
p'los teus sonhos... de menino.

Lisboa, março de 2015,
Lourinhã, revisto, 31 de outubro 2021.

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Nota do editor:

Últino poste da série > 22 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22476: Manuscrito(s) (Luís Graça) (204): Caminhando contigo pela picada da vida...

Guiné 61/74 - P22669: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (76): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Outubro de 2021

Queridos amigos,
Estamos no pico da época das chuvas, há muitas entradas e saídas no pelotão de Paulo, parte gente muito amiga, irá ficar uma saudade irreprimível, curiosamente algumas dessas relações terão futuro. Depois de uma vida nómada, é distribuída uma tarefa de responsabilidade mas num quadro de mais acalmia, há que garantir a segurança de quem anda a pôr macadame e tapetes de alcatrão numa estrada que ficará conhecida como a de Xime-Bambadinca. Primeiro desmatou-se, e muito, para dissuadir emboscadas em pontos que outrora deixaram recordações sinistras, como Ponta Coli. O único senão são as tremendas chuvadas, e é numa dessas situações que lembravam o dilúvio universal que Paulo vai conhecer uma dimensão do ódio da boca de um homem civilizado, ouvirá um discurso alucinante que descreveu a Annette com o pedido de o registar por inteiro, era um ódio que depois se soltou na vida da Guiné e em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Rua do Eclipse (76): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon adorable Annette, fiquei estonteado com o telefonema do dirigente da Confederação Europeia dos Sindicatos e do seu convite para vir dirigir o departamento dos consumidores. Ao que consta, o meu trabalho voluntário tem sido muito apreciado, a atual dirigente, a italiana Rossana Vittorini regressa a Itália para funções no seu sindicato nacional, devo ir a Bruxelas dentro de uma a duas semanas para conhecer a proposta da confederação, fiquei de orelha arrebitada quando me perguntaram se eu podia meter licença e fazer um contrato até cinco anos. Não embandeiremos em arco, mas, meu amor adorado, vislumbra-se a possibilidade de nos juntarmos. Quando ontem à noite te telefonei senti perfeitamente o eco da tua legítima alegria e comunguei com o choro que se seguiu. Vamos fazer figas e, entretanto, avancemos para o que ainda falta desta comissão. Imagina tu que a mexer nestes últimos papéis encontrei esboços dos preparativos da Operação Beringela Doce de que já falámos, caso tu consideres útil, poderás utilizar estas folhas.

Então, deixa-me ainda falar das saudades que eu sentia naquele tempo. Apareceu Cherno Suane, estava a recuperar do seu duplo traumatismo craniano, tudo tinha a ver com a minha anticarro de Canturé, de outubro de 1969. Foi uma alegria abraçá-lo, deram-no como capaz para o serviço, mas eu sinto que se instalou uma limitação na sua vida, fala mais lentamente e não tem a afoiteza que lhe conheci no andar. Vamos ver. Como recordarás, foi este querido amigo que te apresentei nas férias de verão, fomos visitá-lo no local onde trabalha, no Largo de São Paulo, veio depois jantar connosco. Fiquei com uma enorme gratidão com o Teixeira das transmissões, colaborador impecável, revelou-se incansável na reconstrução de Missirá, nunca recusou andar com aquele rádio monstruoso às costas nas operações. E partiu igualmente o Barbosa, era conhecido pelo Boina Verde, era o seu verdadeiro fetiche. E contei-te também que depois de termos feito uma operação de que resultou uma emboscada com sucesso, já teríamos retirado pelo menos uns dez quilómetros, caminhávamos em direção a Missirá e ele veio dizer-me que tinha que voltar nem que fosse sozinho àquele local, dera agora pela falta da boina, lembrava-se que a tinha posto no chão ao lado onde estava deitado, foi o cabo dos trabalhos convencê-lo que não nos podia obrigar a tal violência, comprometi-me a que voltaríamos no dia seguinte, foi nova operação, temíamos encontrar um grupo do PAIGC naquele local, felizmente nada aconteceu e ele recuperou a boina. E reapareceu também Albino Amadú Baldé, a quem eu ternamente chamava o Príncipe Samba, mantinha a pose de um aristocrata, olha bem para esta fotografia que te envio, a pose natural de alguém que tem linhagem nobre. Fiquei magoado com a decisão de o passar à disponibilidade, ele que teve fraturas e ficou diminuído pela mina anticarro, em Bambadinca entendeu-se que ele podia ficar em regime de colaboração mas sem vínculo nem direito a reforma ou a qualquer tipo de pensão, bem procurei dialogar com os novos senhores do mando em Bambadinca, o Albino está presentemente a dar aulas, mas acho uma tremenda injustiça esta marginalização, ele foi efetivamente o comandante da milícia de Missirá, valoroso e de uma fidelidade sem mágoa. Irei visitá-lo anos depois e sabe Deus o que me custou ouvi-lo dizer que vivia numa discreta miséria, estendia-me a mão a pedir ajuda.

E começou o meu mês de julho, a minha incumbência é a de montar segurança permanentemente não só à equipa da TECNIL como aos trabalhadores que acompanham o alcatroamento da estrada, estamos na fase de trabalhos já depois do Xime e em direção a Amedalai, qualquer coisa entre 8 a 9 quilómetros separam estes dois locais onde decorrem os trabalhos. Junto ao Xime já se alcatroou, desmatou-se tudo à volta até um local que no passado deixou sinistras lembranças, Ponta Coli. A maquinaria é pesada e por isso é obrigatório todos os dias recolher a um porto seguro, decidiu-se que fica toda instalada em Amedalai ao fim da tarde, e com o despontar do dia daqui se parte quer para aprontar o macadame quer para atapetar com alcatrão. Uma parte da equipa do TECNIL parte ao amanhecer do destacamento do Xime, o grosso dos trabalhadores permanece em Amedalai, é daqui que eu e cerca de 20 homens (não mais, estamos em plena época das chuvas, há muita gente a sofrer de malária) os acompanhamos, montamos segurança em áreas desmatadas, tudo com os primeiros alvores do dia, sempre da mesma maneira: na primeira linha um grupo de cinco picadores, depois dois Unimog pejados de trabalhadores, seguem-se as máquinas, das mais potentes às mais ligeiras, nós seguimos os flancos, aqui começa a nossa vigilância de águia.

Nunca te esqueças que a época das chuvas nos reserva a mais completa incerteza, o amanhecer tem sempre alguma neblina, às vezes há uma chuva intensa e depois o dia aquece sufocando-nos as gargantas e as narinas, é quase sempre um tempo de estufa, e por ali andamos como suor a empapar-nos a farda. Às vezes os imprevistos do tempo obrigam a paragens, os trabalhadores estão a lançar o cascalho, cai aquela água toda dos céus, e toda aquela pedra britada escorre para as bermas, dá o seu trabalho ir buscá-la para a fixar na futura estrada. Por ali andamos a patrulhar, só posso falar por estes primeiros dias, não há flagelações, não encontramos indícios da presença de guerrilheiros, na verdade desmatou-se em profundidade em ambos os lados, não nos interessa o que andam as máquinas a fazer nem nos apegamos à barulheira dos trabalhadores, o que nos interessa é detetar a presença guerrilheira e neutralizá-la, nada mais.

Cada um leva a comida no bornal, não há tempo para folgar à mesa, e quem vigia não deve perder-se em cavaqueiras com quem trabalha, mesmo no período da manja. A exceção que abro é quando aparece o responsável pelas obras, um engenheiro que deve ser cabo-verdiano, é de trato afável, um homem que deve estar próximo dos 35 anos, pelo que me é dado ver impõe-se pela sua competência, nada de gritarias nem de insultos, desloca-se entre os grupos que trabalham, dá ordens, presta esclarecimentos aos capatazes, para para retificar, vê-se a olho nu que é respeitado. E assim passam os dias, aproximadamente quando se aproxima o lusco-fusco já estamos todos em Amedalai, temos nessa altura a garantia de que a estrada está picada até à ponte de Undunduma, e assim se chega a Bambadinca e temos quase metade do dia por nossa conta. De vez em quando há exceções, havia uma semana de idas e vindas ao alcatroamento da estrada quando recebemos indicação para seguir para Mansambo dois dias, os de lá partiam para uma operação, competia-nos dar segurança a quem ali ficava. Tudo correu bem e voltámos à rotina de Amedalai. E veio um capricho dessa época das chuvas que me vai arrastar para um episódio que ainda hoje me faz pensar no ódio que vive dentro dos homens, bem camuflado até que chega a circunstância de um desabafo. É o que eu te vou contar a seguir, e permite-me, minha doce Annette, é suficientemente impressivo para constar do nosso romance.

Tive hoje um dia estranho em casa, imagina tu que olhei as coisas com uma certa distância, como se já tivesse a criar o sentimento de que vou viver para Bruxelas. Bom, há que controlar os sonhos para não haver os amargores da deceção. Tenho agora uns dias de muito trabalho com as aulas em Santarém e na Caparica, mas não deixarei de telefonar. Bisous, mas também besinhos para a mulher mais formosa da Bélgica e arredores, ton amoureux, Paulo.

(continua)


Uma vista da tabanca de Amedalai, fotografia de 1997, tirada pelo meu estimado amigo Humberto Reis, seguramente que aqui houve estabelecimento comercial, sabe-se lá se de mancarra ou de venda a retalho
Desculpa as cartas brutais que por vezes te mando (inclui excerto de aerograma de Mário Beja Santos), aguarela de Manuel Botelho
Quando visitei o meu inesquecível Albino Amadú Baldé, há uns bons anos
Cherno Suane, o guarda-costas e o irmão
Entre grandes amigos, Bissau, outubro de 1969, Barbosa, o da Boina Verde, é o primeiro à esquerda, o Teixeira está ao meu lado
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Nota do editor

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