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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > s/d > "Mulheres do mato. Ao centro está o alferes Oliveira." 

Fonte: Manuel Andrezo . "Panteras à Solta", edição de autor, s/l, 2010, pág. 398 (Com a devida vénia...).



O gen Arnaldo Schulz em visita à 4ª CCAÇ em Bedanfa, s/d (c. 1964/67). Foto do Arquivo Histórico Militar, reproduzida por CECA (2014), p. 257.


Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pág. 257
.


1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67] (*)

No livro "Panteras à solta" (que cobre o período que vai de julho de 1965 a julho de 1967, em que o cap inf Aurélio Manuel Trindade esteve à frente da 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6, em Bedanda),  há várias referências ao "comandante militar" e/ou "brigadeiro comandante militar" sem nunca o autor o nomear.  Também não há qualquer referência ao com-chefe e governador da Guiné, desse tempo, o brigadeiro e depois general Arnaldo Schulz...

Rcorde-se que desde o início da guerra,  era comandante-chefe o coronel tirocinado do CEM, Fernando Louro de Sousa (nomedo em 19mar63). Irá exercer as funções cumulativamente com as de comandante Militar, tendo substituído no cargo o coronel do CEM João Augusto da Silva Bessa. Promovido a brigadeiro (em 9jul63),  terminaria a comissão em 20mai64, altura em que  seria  substituído,no dia seguinte, pelo brigadeiro Arnaldo Schultz, que por sua vez acumularia as funções com as de governador da província. Promovido a general em 20abr65, Schulz cessaria funções em 23maio968. A partir de 7set66, há um novo comandante militar, o brigadeiro António M. Malheiro Reymão Nogueira.  Para os leigos, nem sempre é clara a distinção entre comandante militar e comandante-chefe...
 
Uma das preocupações iniciais do cap inf Cristo ("alter ego" do autor), quando chega a Bedanda,em rendição individual, em julho de 1965, para comandar a herogénea 4ª CCAÇ, é o reforço da coesão,  do espírito de corpo, da disciplina e da lealdade dos seus homens. 

Tanto Bissau como o comando de sector,  o S3, em Catió (onde estava sediado o BCAÇ 619, 1964/66, rendido depois pelo BCAÇ 1858) tinha  reservas em relação a esta companhia de guarnição normal, por alguns incidentes de natureza disciplinar. Era considerada uma boa companhia, do ponto de vista operacional, mas com altos e baixos, e a passar em meados de 1965 por um "mau momento"... 

Havia, ao que parece, por parte de Bissau (onde na época o governador geral e com-chefe já era o gen Arnaldo Schulz que nunca é mencionado no livro) um preconceito, fundamentalmente racista, em relação aos "caçadores nativos" (e em especial aos "cabo-verdianos"). A perceção de que os principais dirigentes do PAIGC eram cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana (a começar pelos irmãos Cabral) pode ter alimentado e agravado a desconfiança em relação os militares das NT, cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana.

Aiás, só tarde, e devido à persistência do cap Cristo, os "soldados nativos" passaram a ter a novíssima G3 em lugar da velhinha Mauser, da II Guerra Mundial... E combatiam um inimigo dotado de armamento superior (a começar pelas armas automáticas, como a Kalash). Diz o tenente-coronel que vem de Bissau, mandado pelo "brigadeiro omandante militar":

(...) "Você tem que compreender que comanda uma companhia de negros em quem não confiamos totalmente. Já houve aqui uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3. (...) (pág. 124).

A situação deveria ser semelhante nas outras duas companhias de "caçadores nativos", de guarnição normal: a 1ª CCAÇ, que estava em Farim (e que deu origem à CCAÇ 3); e a 3ª CCAÇ (que estava em Nova Lamego) e que deu origem à CCAÇ 5.  O nosso colaborador permanente José Martins, ex-fur mil trms dos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) recorda-se que que na sua secção, no seu tempo,  havia 6 mausers e 6 G3...
 
2. Por volta de finais de 1964 ou princípios de 1965, tinha havido, na 4ª CCAÇ, um incidente grave que poderia ter  tido consequências trágicas,  Recorremos a alguns excertos do livro que estamos a ler, "Panteras à Solta":

(...) "─ Eu também queria dizer algo meu capitão ─ disse o 1º Sargento. ─ Há alguns meses atrás, antes de eu vir para a companhia, houve qualquer coisa com alguns soldados negros, principalmente cabo-verdianos, que fez com fossem conduzidos ao Comando do Batalhão, em Catió, onde ficaram detidos. São soldados da companhia que ainda lá permanecem presos. Não sei o que se passou mas a companhia tem necessidade de resolver este assunto. (...) (pp- 31/32)

(..) ─ Obrigado ─ disse o capitão. ─ Algum dos senhores sabe alguma coisa mais que me queira dizer sobre os soldados da companhia presos em Catió?
─ Eu, meu capitão ─ disse o Alferes Ribeiro. ─ Eu já estava na companhia quando
isso aconteceu. Não falei antes porque julguei que em Bissau, quando por lá passou, o nosso capitão Xáxa ou alguém lhe tivesse falado nisso. 

O alferes Ribeiro descreveu, então, os antecedentes da situação.  Um dia, ao cair da noite, estavam para sair para uma operação e dispunham de um prisioneiro, capturado na operação anterior que ia servir de guia. Aconteceu que o alferes Cordeiro encontrou o prisioneiro, fora da prisão, a sair calmamente do quartel. Prendeu-o novamente e interrogou-o para saber como tinha conseguido sair da prisão, tanto mais que havia um soldado a guardá-lo à vista. 

Inicialmente o prisioneiro não queria falar mas com a habilidade do alferes Cordeiro ele acabou por confessar que tinha sido solto pelo soldado 25 e que se dirigia para o seu acampamento, em Cobumba

Chamado o soldado 25, outro cabo-verdiano, foi o mesmo posto perante os factos. Negou, a princípio, qualquer interferência, mas perante as evidências acabou por confessar. A declaração dos motivos foi bem mais difícil de obter. Mas o alferes Cordeiro, perito na arte do interrogatório, conseguiu que o soldado 25 confessasse os motivos da sua acção.

Tinha uma amante, mulher do mato da zona de Cobumba. Todos as semanas a mulher vinha à povoação comercial vender arroz e comprar cana e tabaco, e dormia uma noite com o soldado. Na cama, ela ia procurando saber coisas da companhia.

Tantas vezes dormiram juntos, tanto falaram da companhia, que a mulher lhe prometeu o comando de Bedanda se ele a ajudasse a tomar o quartel. As promessas eram tão aliciantes que ele aceitou ajudar desde que lhe dissessem o que tinha de fazer e lhe comunicassem o momento de agir. Fez ligações com outros soldados do seu pelotão, na maioria cabo-verdianos, e estabeleceram um plano de acção que, na sua essência, apontava para a tomada do quartel pelas força. 

Na noite aprazada para o ataque, os cabo-verdianos, ao tempo do pelotão do alferes Barata, facilitariam a entrada dos guerrilheiros, matando nos quartos todos os brancos, oficiais e sargentos e alguns cabos especialistas. Durante o ataque, o pelotão dos revoltosos e mais alguns soldados negros que aderissem ao movimento, liquidariam todos os soldados que não quisessem juntar-se aos guerrilheiros. 

Conquistado o quartel e feita a limpeza de militares e de civis que não aderissem, o 25 passaria a comandar toda a área de Bedanda. Como tudo se veio a saber por confissão do soldado 25, todos os militares implicados foram presos e enviados para Catió onde seu deu início aos autos. Nessa noite, ninguém saiu para o mato, refizeram-se os pelotões até que se recebessem novos efectivos em praças. 

A partir dessa data passou a exercer-se um controle apertado de entradas e saídas das mulheres do mato, para se averiguar as que dormiam em Bedanda, onde e com quem.

─Meu capitão, nós todos, oficiais e sargentos, ficámos convencidos de que estávamos sentados num barril de pólvora. Se dessa vez tivemos sorte ao descobrir a tempo a conspiração, na próxima poderemos não ter, pelo que todos temos  de ficar atentos e permanentemente vigilantes. " (...) (pp. 32/33).

Ficamos sem saber se os militares sediciosos da 4ª CCAÇ, tal como soldado 25, maioritariamente "cabo-verdianos" (sic), eram nascidos em Cabo Verde ou na Guiné. Sendo do recrutamento local, era mais provável que fossem guineenses, de origem cabo-verdiana...
 
3. Ficamos, todavia,  a saber que, ao tempo da 4ª CCAÇ (e mesmo depois, com a CCAÇ 6), havia um sistema de livre trânsito em Bedanda, para as "mulheres do mato", que iam à "povoação comercial" vender os seus produtos e comprar outros que lhes faziam falta. 

Em geral, eram mulheres, mães, filhas  ou parentes de guerrileiros.   Eram oriundas "de Cobumba, de Pericuto, de Chugué. (...) (pág. 116), ou seja, de povoações que ficavam a escassos   quilómetros,  em redor de Bedanda.

As mulheres vinham de zonas onde havias boas bolanhas, e que continuavam a ser cultivadas. O arroz (e outros produtos, como a mandioca) era suficiente para as necessidades dos guerrilheiros e da população sob o  seu controlo. Em contrapartida, havia falta de arroz (e produtos frescos) em Bedanda.

Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...)  são aliciados pelo PAIGC.  A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleo chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes.

(...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros.  

Fazia-se um intercâmbio grande entre a população comercial e as mulheres do mato. Traziam arroz, mancarra e óleo, e voltavam com tabaco, cana e panos para elas e para os homens. Se era difícil para os militares compreender a sua posição como um elo na cadeia logística dos guerrilheiros, mais difícil era verificar que os outros tinham mais comida do que a população que a tropa controlava. O capitão ia reagir a esta situação de uma forma pouco usual. (...) (pp. 76/77).

Em suma, a tropa facilitava a entradas das "mulheres do mato" em Bedanda por onde circulavam livremente (exceto nas intalações militares), havendo todavia sido criado, para o efeito, um mecanismo de controlo (que não vem descrito em detalhe no livro): 

(...) Dado estar autorizada a entrada das mulheres do mato na povoação comercial, existe um sistema de controlo que permite ao coma companhia saber quantas mulheres entraram e donde vieram. Muitas vezes as mulheres trazem galinhas e ovos para vender, e o próprio capitão tem comprado algumas, pondo-as numa capoeira no pelotão da cantina. Normalmente tem lá três ou quatro galinhas.

 O capitão, acompanhado do Lassen, desloca-se muitas vezes aos acessos a Bedanda, de manhã cedo, para falar com as mulheres do mato e aproveita para mandar a sua mensagem. Quando quer saber informações de determinadas áreas, o capitão utiliza várias pessoas que vão desde comerciantes a soldados ou aos homens grandes da tabanca, nomeadamente soldados da milícia. Quando isso acontece, o capitão autoriza que se façam despesas nas casas comerciais, em tabaco e em cana, para se criar um clima de confiança. Por vezes é um trabalho demorado mas permite ao capitão ficar a saber o que se passa na mata à sua volta. (...) (pág. 102)-

Chegaram a estar em Bedanda, num só dia,  uma centena de "mulheres do mato" que o cap Cristo também usava para fazer a sua "psico" e obter informações sobre o que se passava do lado de lá, ao mesmo tempo que aproveitava para  transmitir "recados" aos "homens do mato", e em última análise ao 'Nino' Vieira:

(...) "No dia seguinte, às onze e meia da manhã, mais de 100 mulheres estavam
concentradas no pelotão da cantina. O capitão tinha mandado recolher aos abrigos todos os soldados. Além disso, tinha avisado a tabanca, o administrador e todos os comandantes de pelotão de que a artilharia iria fazer fogo ao meio-dia". (...) (pág. 272).

Segundo o cap Cristo, o 'Nino' teria estatado inicualmente na tropa portuguesa, dizia-se. E tinha estado justamente em Bedanda. Razão por que Bedanda era um "espinho encracado" na sua garganta (pág. 269). Daí a tentativa, gorada, de um dia tentar conquistar, ocupar e ou destruir Bedanda. Falava-se num força de 800 homens. (Vd. capáitulos "Os 800 do Nino", pp. 269-273).

(...) Utilizando o cabo Francisco o capitão dirigiu-se às mulheres.
─ Soube que os vossos maridos e filhos se preparam para atacar Bedanda para matar o nosso capitão. Mas nosso capitão não tem medo nem que venham mil guerrilheiros. Nosso capitão sabe que Nino só ainda tem 800 para o vir atacar. Digam-lhe que é pouco. Para entrar em Bedanda e matarem nosso capitão precisa de muito mais gente. Nosso capitão não foge suma galinha. Quem foge suma galinha são os vossos maridos, são os guerrilheiro do Nino. Traduz para elas." (...) (pág. 272)

Mas, como vimos com a história do soldado 25, o sistema também funcionava a favor do PAIGC. Digamos que havia um "modus vivendi" que agradava a todos, por muito insólito que isso possa parecer hoje aos olhos dos nossos leitores que não conheceram o sector S3... Noutros sectores como o L1 (Bambadinca), que eu cnheci (em 1969/71) as coisas não funcionavam assim: as "mulheres do mato" arriscavam ser emboscadas, presas ou mortas, quando se dirigiam a Nhabijões e a Bambadinca, cambando o rio Geba,  para visitar os parentes e/ou fazer compras...

(Continua)
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Notas do editor:

sábado, 3 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23583: O Cancioneiro da Nossa Guerra (14): Os Hinos da 4ª CCAÇ (Bolama e Bedanda, 1961/67) e da CCAÇ 6 (Bedanda, 1967/74)



Hino da  4ª Companhia de Caçadores  

(Bolama e Bedanda, 1959/67)


A terrível companhia 4ª CC
Que luta de noite e dia
Não têm medo
Na luta não tem rival
E gritam sempre
Vamos lá malta para a frente
Aqui manda Portugal

Refrão

No tarrafo são panteras
E na mata são leões
Mais do que com as armas
Eles lutam como feras
Lutam com os corações

Lutam sem medo
Nas bolanhas da Guiné
Caçadores nativos
Aos turras batem o pé
Sabem actuar
Em qualquer situação
Avançando sem parar
Gritando sem cessar
Defendemos nosso chão

Refrão

No tarrafo são panteras
E na mata são leões
Mais do que com as armas
Eles lutam como feras
Lutam co
m os corações

Fonte: In "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, 2010, pág. 5. [ Disponível em formato pdf, na Biblioteca Digital do Exército (Panteras_a_Solta (PDF, 6 MB, link para descarregar o ficheiro em pdf, cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército. Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67].

Não sabemos a data nem o autor da letra. Mas já devia existir esta letra em 1965/67.  Diz o refrão: " No tarrafo são panteras / E na mata são leões / Mais do que com as armas / Eles lutam como feras / Lutam com os corações"...

Quem escreveu este refrão, não conhecia bem a fauna da Guiné, onde, em 1965, ainda existiam leões (pouquíssimos) mas não não propriamente panteras. "Onça" (termo crioulo para leopardo), sim (nome científico: Panthera pardus) ... O termo "pantera" tende a ser usado para designar três tipos de felinos: 

(i) a pantera africana ou leopardo; 

(ii) a pantera americana ou onça p.d.; 

e (iii) e a pantera negra, que, na verdade, é uma variante melânica do leopardo (Panthera pardus).





Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, adapt de "Guia de Identificação dos Animais da Guiné-Bissau". República da Guiné-Bissau, Direcção Geral dos Serviços Florestais e Caça, Departamento da Fauna e Protecção da Natureza, s/l, s/d, pág. 11 (Disponível em formato pdf, aqui, no sítio do IBAP ,
https://ibapgbissau.org/Documentos/Estudos/Animais%20da%20Guine-Bissau.pdf)


A onça-preta, ou onça-preta, também conhecida por jaguar-preto, é uma variação melânica da onça-pintada (ou jaguar), e só existe no continente americano...A pantera-negra é rara na natureza, sendo muito pouco comum na África e grande parte da Ásia.... A variante é mais comum, nas selvas do sudeste asiático, e até abundante na Malásia. 

È muito pouco provável, pois, que algum guineense alguma vez tivesse visto em Bedanda, u noutra parte da Guiné, uma pantera-negra...e muito menos ainda uma onça-negra...

Também não sabemos como seria cantada este hino (em geral, adaptava-se a letra a uma música conhecida).

A 4ª CCAÇ foi extinta, passando a designar-se, em 1abr67, por CCaç 6 (por sua vez extinta em 20ago74) (*).


Hino da 6ª CCAÇ 
(Bedanda, 1967/74)






O Hino dos Onças Negras da CCAÇ 6 (Bedanda, 196774)


Fonte: "O Seis do Cantanhês", nº 1, 1973 (?)... Jornal mensal (mas só saíram dois números),  "jornal de caserna",  foi criado e dirigido pelo Cap Gastão e Silva, da CCAÇ 6, tinha como redator-coordenador o alf mil Joaquim Pinto Carvalho e, entre outros membros da redação, o alf mil António Teixeira, o nosso saudos Tony (1948-2013)... Foi ele que nos facultou esta página. Não sabemos quem é o autor da letra do hino. nem o ano,  mas, pela  referência à "Guiné Melhor", deve ser do tempo do Spínola (1968/73).(**). 


Enfim, são mais duas peças para o Cancioneiro da Nossa Guerra (***). Esperemos que outras letras  (e músicas) não se percam.

Imagem: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23553: Notas de leitura (1478): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): as aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte I: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos."

(**) Vd. poste de 30 de Setembro de 2011 > Guine 63/74 - P8842: Cancioneiro de Bedanda (1): O hino da CCAÇ 6, Onças Negras (António Teixeira / Hugo Moura Ferreira)

(***) Útimo poste da série > 28 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23209: O Cancioneiro da Nossa Guerra (13): a "Spinolândia", com letra (parodiada) e música de "Os Bravos", de Zeca Afonso: uma preciosidade encontrada no sítio de "Os Leões de Madina Mandinga", a 1ª CART/BART 6523/73 (1973/74)

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23577: Notas de leitura (1486): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VI: "Cercados de guerrilheiros por todos os lados", diz o alf mil Ribeiro, no "briefing" da praxe...

 

Croquis, basedo na carta de Bedanda (escala 1/50 mil), abrangendo os subsectores de Bedanda e Cufar... O rio principal era o Cumbijã, de que o rio Ungarinol era afluente (aqui se situava  o porto interior de Bedanda). Em 1965/67, as "barracas" do PAIGC e outros pontos logísticos (com população) vão assinaldos a vermelho... A 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, com sede em Bedanda, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, "partiu mantenhas" com a gente do mato que vivia por aqui... Em Cufar, estava  a CCAÇ 763 (1965/66), do nosso amigo e camarada Mário Fitas, ex-fur mil oo esp. E mais abaixo, a sede de batalhão, em Catió, sector S3: primeiro o BCAÇ 619 (jan 1964 / jan 1966),e  depois o BCAÇ 1858 (jan 1966 / mai 1967).

Infografia: Aurélio Manuel Trindade / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)










Anúncios de casas comerciais que, em meados dos anos 50, operavam no sul da Guiné, na região de Tombali, na altura o celeiro da província... Fonte:Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (Recolha do nosso camarada Mário Vasconcelos, 1945-2017)



1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do Aurélio Trindade, datada de 13/12/2020] (*).


Mas a patir de agora, tomamos como referência a edição de autor, de 2010 , de 399 pp., il.,, disponível em formato pdf,  na Biblioteca Digital do Exército (Panteras_a_Solta (PDF, 6 MBlink para descarregar o ficheiro em pdf, cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército).

O cap Cristo ("alter ego do cmdt da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967)  não nos explica  por que razão Bedanda  estava em decadência, e isolada do resto do território, com a população dependente do exterior para se alimentar, quando uma dezena de anos antes fazia parte, com Catió e Cacine, do grande celeiro da província (**)...

A Guiné que exportava arroz, teve que começar a importá-lo. A explicação era, naturalmente, a guerra, com a consequente destruição do tecido económico e social do território. Na aregião de Tombali, no sul, a população balanta caiu sob o controlo do PAIGC e os fulas refugiaram-se em Bedanda, A admitraçao civil era totamente inoperante. Como dizia o seu responsável, Fernandes, cabo-verdiano, ao capitão Cristo, no dia em este o foi cumprimentar: (...) "Sou o administrador mas quem manda é a tropa, porque eu estou limitado a ir do posto para casa e de casa para o posto. É uma dura rotina." (... )pág. 19),

Leia-se o, entretanto,  o que o autor escreveu no início do capítulo intitulado "Reforma Agrária" (pp. 76-82):

(...) Em tempos, um outro capitão tentou levar os nativos da povoação a cultivar as ricas bolanhas de Bedanda. Era uma pena ver estas terras que antes da guerra roduziam muito arroz quando trabalhadas por balantas, agora cheias de mato. A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre, ao longo dos anos, chão balanta. O fula é fundamentalmente negociante e não gosta muito de lavrar a terra. No entanto, todos nós militares víamos que a actual situação não se podia manter. A população não produzia nem para comer. Vivia, por um lado, do trabalho de guia e da milícia, isto os homens, e por outro, de relações com os militares, as mulheres.(...) 

Veja-se também este diálogo entre o capitão e o régulo Samba Baldé (pág. 77/78)  

(...) "─ As pessoas não têm o que comer, passam muita fome e eu não quero que vivam pior que a gente do mato. Samba, tu és o homem grande e eu preciso de saber o que devemos fazer.
─ Nosso capitão, não há trabalho em Bedanda, apenas na milícia. Mulher é lavadeira da tropa e mais nada. O dinheiro é pouco, não dá para comprar arroz, peixe e óleo. Nosso capitão tem razão. A gente passa fome.
─ Samba, eu não compreendo a tua passividade. É preciso arranjar maneira de toda a população ter comida. Está na altura de preparar a bolanha para semear o arroz. emos muito boa bolanha em Bedanda. Toda a gente vai cultivar arroz. Tu divides a bolanha por todos e verás que ainda sobra bolanha.
─ Nosso capitão não pode ser, fula não cultiva arroz. Fula é comerciante e no seu chão faz arroz de sequeiro, não de bolanha. Fula da população não sabe cultivar arroz.
─ Samba, ouve bem o que eu te digo. Eu sou filho de pessoas que cultivam a terra lá no puto. Eu cultivei a terra. Já aprendi com o senhor Aniceto a cultivar arroz e já andei pela bolanha a ver as terras. Há terras livres para toda a gente. E vamos cultivar rroz porque eu não quero que as pessoas passem fome. Quero que cultivem arroz para comer e para vender. A bem ou a mal vamos cultivar arroz. (...)

O sucesso da sua  "reforma agrária" deve ter sido motivo de orgulho para o cap inf Aurélio Manuel Trindade. Naturalmente, não temos  acesso a outras fontes para comprovar a eficácia e a eficiência das medidas então tomadas pelo capitão. Confiamos no seu testemunho (Ou nas suas memórias passadas ao papel meio século depois).

Para o novo comandante da 4ª CCAÇ, Bedanda é uma ilha, fisica e metaforicamente falando

(...) "─ Ilha,  não digo, ─ diz o Dino [antigo tropa, agora pequeno conerciante]   ─ pois Bedanda é mais uma península cercada de água por todos os lados menos por um que é Guilleje.
─ Sabe Dino, ─ esclarece Cristo ─ eu falava de ilha em sentido figurado, eu não queria dizer cercada de água mas de guerrilheiros, que estão por todo o lado, e Bedanda é de facto uma ilha nesse sentido". (...)  (pág, 22).

E a verdade é que o croquis que publicamos acima, não enganava... Tirando Bedanda e Cufar, a guerrilha parecia estar por todo o lado... Era o "reino do ino" (pp. 354-365): Comumba, Bobedê/Melinde, Cabolol,Incala, Salancaur (já no corredor de Guile), Chugué, Cabedú, Nhai,Buchenon, etc., são topónimos de guerra... E sobre todos eles há histórias que ficaram para sempre gravadas na memória dos bravos de Bedanda e, naturalmente, do capitão Cristo que as viveu e escreveu, com paixão, coragem, inteligência e desassombro...

(...) "Em zonas mais afastadas como Salancaur, Nhai, Caboxanque e Cabolol, só duas companhias dão garantia de sucesso da operação. " (...) (pág. 101). Por sua vez, "Bobedê era considerada uma área onde só se ia com três pelotões" (pág. 107). E estamos a falar de uma companhia que era não de intervemnção mas de quadrícula, da guarnição normal, incialmente constitu+ida por "matrapilhas" (com a velha farda do caqui amarelo, esfarrapada, equipada com a velha Mauser, bebendo o café por latas de salsichas, sem roupa de cama, nem mosquiteiros)...Mas que, quando vai para o mato com o cap Critso,  não vai me "traje de passeio:

(...) "O Antunes prepara fogos de artilharia, a executar à ordem, sobre Samenhite. Levamos rações de combate para um dia, 200 cartuchos por homem, 2 granadas ofensivas por militar, 4 granadas de morteiro 60 por cada morteiro e 3 de lança-granadas por pelotão. Não se esqueçam de verificar se os homens levam água. A água que vamos encontrar é salgada" (...= (pp- 107/108)-

2. Quantos militares estavam aquarelados então em Bedanda, incluindo um pelotão de milícias (40 homens), e eçotão de artilharia, com duas bocas de 8.8  ? 

(...) A companhia tem cerca de duzentos e cinquenta homens na sua maioria negros. Quando na companhia houve uma tentativa de revolta, o Comando do Batalhão fez deslocar para Bedanda duas secções de brancos de outras duas companhias do batalhão. Essas secções ainda permanecem em Bedanda. Deve haver cerca de quarenta brancos, entre oficiais, sargentos e praças, para duzentos e dez negros. No sul da Guiné, em que a maior parte do território está controlado pelos guerrilheiros, existe uma companhia de nativos que soma êxitos sobre êxitos nas operações contra eles." (...)  (pág. 103). 


Embora extenso (pp. 26/27), vale a pena repoduzir a seguir o "briefing",  feito a sério e a brincar (também fazia parte da "praxe" aos "maçaricos", como então se dizia),  ao capitão Cristo, pelo  alf mil Ribeiro, o mais velho e o melhor operacional dos oficais milicianos da 4ª CCAÇ. (Vd. foto à esquerda, fonte: "Panetras à Solta", ed. autor, 2010, pág. 395; descobrimos que se trata de José Augusto Nogueira Ribeiro, natural de Fafe, 1940 - 2017, cor inf ref, condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné Moçambique, vd. aqui no portal UTW . Ultramar Terra Web, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

(...) "─ Meu capitão, estamos na cantina, no ponto mais alto da Companhia. À nossa frente temos um rio navegável que separa, a norte, a área controlada pelos guerrilheiros, é o rio Ungauriuol. Este rio nasce a leste e corre para oeste, indo desaguar no rio Cumbijã que contorna a área da Companhia a oeste. A norte do Ungarinol, começando junto à sua foz, temos uma mata muito densa, mais ou menos paralela ao rio e que serve de esconderijo a vários acampamentos de guerrilheiros de efectivos variáveis mas com capacidade para se apoiarem uns aos outros quando atacados. 

Aoeste e a norte do rio Ungarinol, na mata referida, temos primeiro Incala, um dos pontos fortes dos guerrilheiros donde controlam a navegação não só do rio Cumbijã mas também do Ungarinol. A sudoeste de Incala o rio faz uma curva muito acentuada que é conhecida como a curva da morte. A última vez que a tropa tentou trazer um barco até ao porto interior de Bedanda, o barco foi fortemente atacado nesse local tendo morrido ou ficado feridos vários militares.  partir desse dia a Marinha recusou se a navegar no rio Ungarinol por falta de segurança. 

Desviando a nossa vista mais para leste encontramos primeiro Contumbum e depois Samenhite. Sabe-se que há um acampamento de guerrilha entre estas duas localidades que nunca conseguimos referenciar ou localizar em patrulhas pela zona. A seguir temos Bobedê, um dos pontos fortes dos guerrilheiros para evitar a passagem do rio Ungauriuol pelas nossas tropas. Já ali demos e levámos muita porrada.

 Mais para norte e na outra extremidade da mata fica Nhai e depois Salancaur, esta já no conhecido corredor de Guileje por onde passam os reabastecimentos dos guerrilheiros provenientes da Guiné-Conacri. Salancaur é mais um dos pontos fortes e mais ainda por ser um ponto de passagem, de concentração e descanso antes das colunas aí se dividirem em duas, uma seguindo para sul, para a mata do Cantanhez, onde está o Nino, o comandante guerrilheiro de todo o sul da Guiné, e a outra, atravessando o rio Cumbijã, vai com destino à base de Cansalá que fica para os lados do nosso Comando do Batalhão sediado em Catió

De novo para leste encontramos uma densa mata, já dentro dos limites do Cantanhez, que
é atravessada pela estrada que, vinda de Salancaur, segue depois até Cabedú, a sul dos
limites do Cantanhez, onde está estacionada uma companhia do nosso Batalhão. Não
há ligação entre a nossa Companhia e a de Cabedú. É uma zona completamente dominada pelos guerrilheiros. 

Partindo daqui para leste para alcançar Bedanda, encontramos outra estrada que se embrenha na mata. Esta estrada conduz até à fronteira da Guiné-Conacri, encontra-se cheia de abatizes5, de minas e de armadilhas,  e a primeira tropa que se encontra nessa direcção é um pelotão estacionado no Mejo, já pertencente à companhia de Guileje. Houve em tempos uma ligação terrestre entre Bedanda e Mejo, mas actualmente não conseguimos sequer chegar ao cruzamento para Salancaur. Sempre que tentámos chegar ao cruzamento fomos emboscados e retirámos com mortos e feridos. É uma zona dos diabos que os guerrilheiros querem controlar a todo o custo para garantirem o reabastecimento do Cantanhez. 

Voltando-nos agora para sul, vemos outra mata que, começando nas imediações de Bedanda, termina no rio Cafunebom, afluente do Cumbijã. O Cafunebom pode ser atravessado a vau. Antes de alcançarmos esse o rio, encontramos duas povoações, Cura e Braia. Estão na orla da mata, uma na margem do Cumbijã, a outra voltada para as tabancas de Flanque Injã e Caboxanque. São zonas onde se pode ir com um grupo de combate com muito cuidado pois é possível ter encontros com patrulhas dos guerrilheiros. Cura e Braia estão destruídas e desabitadas. 

Ainda mais a sul, já para lá do rio Bixanque, fica o coração do Cantanhez onde está o Nino, ocupando fortemente vários pontos da mata em que os mais conhecidos são Cadique e Cafal. A sul do Bixanque é já zona de acção da companhia de Cabedú. Para oeste, a nossa zona de acção termina no Cumbijã, via fluvial que é preciso manter a todo o custo pois é por ela que, uma vez por mês, nos chegam os reabastecimentos. É neste rio que fica o porto exterior de Bedanda. 

Este porto, onde já estivemos no outro dia quando da primeira saída do meu capitão, fica a
4 kms de Bedanda, em frente a Cobumba que já pertence à zona da acção da companhia de Cufar. Ponto muito forte dos guerrilheiros que dele precisam para garantirem a passagem e o reabastecimento dos seus acampamentos de Cabolol.

Cobumba é atravessada pela estrada que a cerca de 8 kms cruza com a que vem de Catió. Esta estrada segue depois para Cufar onde está mais uma companhia do nosso
batalhão. Seguindo para norte, até Empada, aí fica ainda mais outra companhia do batalhão. 

Na mata a sul de Cobumba ficam as tabancas de Cabolol e Cantumane, onde é muito difícil entrar. A norte de Cobumba fica Chugué, dominado pelos guerrilheiros, onde em tempos esteve destacado um pelotão da companhia. Uma noite, o pelotão foi atacado, arrasaram tudo e nunca mais lá conseguimos ir. Os sobreviventes do ataque retiraram para o quartel destroçados tanto física como moralmente. Aconteceu o mesmo em Salancaur onde no início existia uma secção destacada. Uma noite a secção foi atacada e só dois soldados conseguiram chegar à companhia. Dos outros elementos ainda nada se sabe, se terão sido mortos ou raptados. 

Resumindo, eu diria que estamos cercados de guerrilheiros por todos os lados e que sempre que saímos do quartel e nos afastamos mais de 4 kms, acabamos a tomar banho nas bolanhas ou nos rios e tiroteio também não nos deve faltar. Terminei a minha exposição. Espero ter sido explícito e desejo que tenha sido útil para o meu capitão poder ficar com uma ideia da área onde veio cair. Nenhuma das companhias mais próximas de Bedanda pode vir em nosso auxílio, em tempo útil se formos atacados. " (...)

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23573: Notas de leitura (1485): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte V: Bedanda, em meados de 1965


Croquis de Bedanda, em meados de 1965, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (In "Panteras à Solta",  de Manuel Andrezo, ed. autor, c. 2020, pág. 3)


1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do Aurélio Trindade, datada de 13/12/2020] (*).

Há, porém uma edição, de autor, aparentemente  mais antiga. Ou então é a mesma, sendo que o autor mandou imprimir, com capa dura,  o seu livro na Alemanha, presumivelmente em 2020.  O livro não se encontra no mercado livreiro. Tem 445 pp.  

Ficha bibliográfica da edição autor de 2010:

Autor(es): Trindade, Aurélio Manuel, 1933-
Publicação: Lisboa : Edição de autor, 2010
Desc. Físicia: 399 p. : il. ; 26 cm
Contém: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal
Notas: Manuel Andrezo é pseudónimo do Tenente-General Aurélio Manuel Trindade
Assuntos: Campanhas de África, 1961-1974 / Guerra colonial, 1961-1974 / Guiné, Portugal, até 1974

Cont. Digital: Panteras_a_Solta (PDF, 6 MB) (link para descarregar o ficheiro em pdf, 407 pp) (Cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército)

Muitos "bedandenses" (e temos cerca de um vintena de camaradas, membros da Tabanca Grande, que estiveram em ou passaram por Bedanda, entre 1961 e 1974, mormente na 4ª CCAÇ e na CCAÇ 6) vão ler, de um fôlego, com saudade e sobretudo com muito prazer, este livro de memórias do capitão Cristo ("alter ego" do cap inf Aurélio Manuel Trindade, hoje ten gen ref, nascido em 1933).


Temos estado a selecionar uma ou outra história ou episódio dos cerca de 70 capítulos, não numerados, que o livro apresenta, uns sobre a atividade operacional da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6,  outros sobre o quotidano da tropa e da população (incluindo a população do mato). 

 Há ligeiras diferenças entre a edição de 2010 e a de 202o. É natural que no espaço de 10 anos o autor tenha revisto, acrescentado ou melhorado algumas páginas.  Mas, pelas páginas que cotejámos, não há diferenças de conteúdo. O índice é o mesmo, com pequenas diferenças de paginação.  A diferença de 4 dezenas de páginas terá a ver com a impressão em livro, com um um tipo de letra talvez maior e mais espaçamentos. 

Mas deixemos, por agora, aos nossos leitores, a título de "nota de leitura" (**),  mais um peqeuno excerto do livro, neste caso sobre a Bedanda de meados de 1965, quando o capitão Cristo a conheceu:


PARA QUE O LEITOR NÃO SE PERCA EM BEDANDA (pp.  1-2)

Bedanda, sul da Guiné e região do Tombali, quartel da 4ª companhia de caçadores nativos, 4ª CCAÇ  no texto, ano de 1965. Distribuída por uma área com cerca de 8 kms de perímetro, dispondo de abrigos e redes de arame farpado, a 4ª CCAÇ  compreende diversos aquartelamentos ou sectores. 

Um desses sectores, a sede da companhia também será referido no texto como Companhia ou quartel [vd. croquis acima]. Conta com 2 pelotões de caçadores de um total de 4. O capitão tem aí o seu quarto, que funciona também como gabinete de trabalho, sala de reuniões e casa de banho. 

Não confundir com companhia, com inicial minúscula no texto, que é a componente operacional da Companhia. O depósito de géneros será a cantina no texto  [vd. croquis acima].. Tem 1 pelotão de caçadores e 1 pelotão de artilharia com 2 obuses 8.8. 

A povoação comercial, ou simplesmente povoação, é o sector onde se concentra a actividade comercial de Bedanda. Este sector dispõe de 1 pelotão de caçadores com uma secção destacada na Casa Gouveia, uma das casas comerciais [vd. croquis acima].

O sector da população indígena será a tabanca, onde está instalado  1 pelotão de milícias. O posto administrativo, por vezes designado apenas por posto, inclui a residência do administrador [vd. croquis acima].

Para suporte da sua actividade comercial e reabastecimentos militares, Bedanda é servida por 2 portos fluviais, situando-se um deles no rio Ungarinol, chamado porto interior, situado a cerca de 200 metros do quartel, e um outro mais distante, a cerca de 4 kms, no rio Cumbijã. É o porto exterior [vd. croquis acima].

À volta de Bedanda encontram-se muitos outros rios, matas cerradas como o célebre Cantanhêz, o corredor de Guileje e acampamentos de guerrilheiros armados de kalashnikov. À data da chegada do capitão Cristo a Bedanda, os soldados da 4ª CCAÇ dispunham da velha Mauser, do tempo da segunda Grande Guerra Mundial.

Local perdido nos confins da Guiné, como uma ilha cercada por todos os perigos, votada ao abandono pelo Comando Militar em Bissau, vejam como o capitão Cristo, ao ser ali colocado em rendição individual, assumiu a desdita que o destino lhe tinha reservado e a transformou numa caminhada de vitórias, num exemplo único de coragem, empenho, lucidez e de afirmação das nobilíssimas virtudes militares dos “capitães do  mato”, que fizeram do capitão de Bedanda uma lenda viva, que permaneceu e se espalhou, mesmo depois do capitão Cristo ter terminado a sua comissão, não só pelas unidades militares portuguesas como também por toda a guerrilha do PAIGC. 

[Seleção, revisão e fixação de texto, negritos e itálicos: L.G.] (Com a devida vénia...)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23568: Notas de leitura (1482): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IV: as circunstâncias da morte do 2º sargento mecânico auto Rodolfo Valentim Oliveira, em 11/8/1965...

(**) Último poste da série > 31 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23572: Notas de leitura (1483): "Aprendiz de Mágico", de António Mário Leitão: "Um romance autobiográfico surpreendente (...) Ao longo da narrativa aparecem as diferentes facetas profissionais vividas por um farmacêutico que também foi professor, analista clínico, director de um serviço hospitalar, animador cultural, aviador, patrão de alto-mar, instrutor de mergulho e chefe de expedições de aventura, até se converter em escritor compulsivo" (António Trovela)

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23565: Notas de leitura (1481): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte III: O Tala Djaló, cmdt do Pel Mil 143 e depois fur grad 'comando' da 1ª CCmds Africana, que virá a ser fuziladdo em Conacri, na sequência da Op Mar Verde


Cópia (frente) do aerograma  enviado pelo comando africano Tala Djaló, com data de 21 de Outubro de 1970, do SPM  de Fá Mandinga (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca) , onde estava colocada a sua Companhia de Comandos Africanos, à ordem do Com-Chefe, a um mês da sua trágica partida para Conacri (Op Mar Verde)

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

    

Imagem da  contracapa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c.2010/ 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, CCAÇ 6, Bedanda, 1965/67. ]


1. Em tempos, há muito tempo, há 16 anos (!), o Hugo Moura Ferreira (ex-alf mil inf, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, 1966/1968)  mandou-cópia de um aerograma de um seu antigo soldado da CCAÇ 6. (*)

O seu autor era o Tala Djaló, furriel graduado 'comando', da 1ª Companhia de Comandos Africanos, oriundo da CCAÇ 6, sediada em Bedanda. Também era conhecido por 
Tala Biú Djaló ou Manuel Talabiu Djaló.  

A missiva foi escrita um mês antes da Op Mar Verde (invasão de Conacri, em 22 de novembro de 1970), onde o Tala Djaló foi dado como "desaparecido em combate") (**). Fazia parte do grupo de combate do tenente graduado 'comando' João Januário Lopes que, com os seus vinte homens, tinha por objectivo a destruição dos MiG, no aeroporo de  Conacri, mas que acabou por não cumprir a missão, tendo sido preso, interrogado e, mais tarde, fuzilado, juntamente com os restantes comandos.

Infelizmente, não temos nenhuma foto do Tala Djaló, mas temos do nosso camarada Hugo Moura Ferreira, um dos históricos do nosso blogue  (foto à direita ) (***)

O Hugo Moura Ferreira escreveu aqui no blogue:

(...) Embora sabendo, de forma oficiosa, da morte do Tala, em combate, na Operação Mar Verde, em Conakry, nunca consegui encontrar o nome dele referênciado nas listagens até hoje publicadas, nem no Monumento do Bom Sucesso.

Perante tal, resolvi pesquisar e desloquei-me ao Arquivo Geral do Exército onde localizei a ficha dele como Alferes do Pelotão de Milícia 143, junto da minha CCAÇç 6, que terminava com a indicação de um ferimento em combate em 1967 e a transferência para a 1ª Companhia de Comandos Africanos. (...)

Na altura, chamámos a atenção para a importância que se revestia, para o nosso blogue e para a memória da guerra da Guiné (1971/74), a publicação deste tipo de documentos (caso das cartas e dos aerogramas), para se poder  conhecer e perceber melhor a mentalidade dos nossos camaradas guineenses que combateram o PAIGC sob a bandeira portuguesa, e que,  depois da independência pagaram caro (muitos deles, com a discriminação, a 
perseguição, a prisão, a tortura e a morte) a sua condição de "cães dos colonialistas"... 

Reportando-nos ao teor do aerograma, repare-se como o Tala Djaló (presumivelmente fula ou futa-fula), descreve a entrada da CCAÇ 6 na base de Lanchandé, a sul de Bedanda, em perseguição a um grupo que havia atacado o aquartelamento das NT. Para ele, "turra" era sinónimo de "balanta" e a guerra que então se travou tinha também muitos contornos de guerra tribal ou interétnica... 

Em termos secos e simples, diz ele que o pessoal do PAIGC  de Lanchandé (e não havia distinção entre combatentes e população,  armada ou desarmada)  fora apanhado a dormir: 11 foram mortos, à queima-roupa, e 4 foram capturados... Esta era  a "cultura do ronco", em pleno consulado spinolista: apesar da "psico", a guerra continuou implacável...

Na devida altura também agradecemos,  ao Hugo Moura Ferreira, esta prciosidade, que foi o último aerograma do Tala Djaló,  destacando a sua sensibilidade e e sua cultura, ao ter sabido conservar em arquivo "este singelo aerograma que o teu amigo Dajló te enviou para Portugal" em 1970.

O Tala Djaló era, em 1965/67, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, o comandante da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, o chefe do pelotão de mílicias de Bedanda, o Pel Mil 143.  Não sabíamos era que, em 1967, tinha sido ferido em combate,  e ingressado depois na 1ª CCmds Africanos, cuja instrução e formação se realizou em Fá Mandinga, a escassos quilómetros de Bambadinca, sector L1, ou seja no meu tempo (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), na altura em que o nosso saudoso Jorge Cabral era o cmdt do Pel Caç Nat 63, aquartelada em Fá Mandinga.

2. Transcrição, revisão  e fixação do texto por L.G., com respeito pelo original (que, além de erros ortográficos, não trazia praticamente nenhuma pontuação).

Fá Mandinga [.] 22/10/70

Caro amigo Moura F[er]reira

Recebi a sua carta na qual fiquei muito contente contigo.

Amigo Moura [:] Eu ainda não esqueço de ti [.] Aquela revista que tu me mandou eu já mostrei aos meus colegas [.] Todo ficamos muito contente e toda a companhia por saber da sua [?][.]

Eu já lhe mostrou a revista [.] Eu quero que tu me manda uma fotografia sua que [é] para eu a mostrar meus colegas todo [.] Já te conheço pela carta e falta pela cara [.] Eu agradeço-te me mandar uma fotografia sua bem tirada [.]
Olha [,] a nossa antiga companhia CC[AÇ] 6 fizeram ronco no [?] tempo os turras venha atacar Bedanda.

Depois quando [a]tacaram[,] retiraram no Lanxandé e depois do ataque o capitão mandou logo sair a companhia atrás dos turras [.] Quando chegaram a companhia no Lanxandé [,] alguns dos turras estavam a dormir e logo chegou a companhia e cercaram a tabanca em toda a volta[.] Depois [entraram] nas casas dos Balanta [.] Na dentros das casa encontra[vam]-se lá alguns a dormir e logo é só chegar[.] 1ª coisa é [a]panhar ainda armas e, logo a seguir [,] é que se cerca os turras nas cama [.] 

Resultado [:] foi assim 11 mortos, 4 capturados, 14 armas [a]panhadas e muitas coisas [a]panhadas [.] Os comandantes daquele grupo foi [a]pnhado e 2º chefe dele também foi [a]apanhado[.] Mais 2 soldados dos turra também foi [a]panhado [.] 

Amigo Moura Ferreira [,] a companhia de Bedanda continou [a] ser valente no mato [.]

Toda a sua família cumprimento e teu irmão [.] E eu quero que tu me [ar]ranja um boné de sargento mas não é [a]quele branco, é[a]quele da farda nº 2 [.] É que eu quero que [ar]ranja nada mais [,] amigo.

Remetente: Manuel Talabiu Djaló, Furriel , SPM 0798.

Destinatário: Hugo Fernando de Moura Ferreira, Stº António, Costa da Caparica


3. O que é o cap inf Aurélio Manuel Trindade, comandante em 1965/67 da 4ª CCAÇ  / CCAÇ 6 (e hoje ten gen ref)  escreveu sobre o Tala, no livro "Panteras à Solta" (ed. de autoor, s/l, s/d, c, 2010/2020) (***) ? Aqui fica mais uma nota de leitura (****):

 O então alferes de 2ª linha, comandante do Pelotão de Milicias (nº 143, acrescenta o Hugo Moura Ferreira) é sempre referido simplesmente por"Tala", sem apelido (Djaló ou Jaló). Mas não temos dúvida de que se trata do mesmo indivíduo. 

Mas em julho de 1965, quando o cap Cristo  ("alter ego" do autor) chega a Bedanda, em julho de 1965,  o comandante do pelotão de milícias era um tal Amadeu, "um fula sabido (...) e com fama de ser grande vigarista, usando e abusando da sua posição  para conseguir vantagens materiais e não só. Não é um elemento muito querido dos militares,  nem da população da tabanca, nem sequer dos próprios milícias que comanda" (pág. 21).  

O capitão Cristo  não tinha consideração pela milícia de Bedanda: na frente do régulo, Samba Baldé, chamava-lhes "militares de meia tigela" (pág. 86). E quando decide fazer a sua "reforma agrária" em Bedanda, chama o Amadeu e o Tala e os demais milícias. Quer pôr toda a gente a trabalhar a bolanha: 

"O Tala, o Amadeu e os sargentos vão dar o exemplo. Dispenso o pelotão de milícias de ir para o mato desde   que todos estejam a trabalhar na bolanha. (...) Daqui a quatro meses, os que não tiverem bolanha deixam de ser milícias, eu não pago a malandros" (pp. 87/88)... 

E a verdade é que o cap Cristo conseguiu pôr os "malandros" a lavrar arroz na bolanha e cultivar a mancarra junto ao arame farpado, no exterior da tabanca,,,  E a reconstruir as moranças da tabanca bem como a estrada para o porto exterior (que ficava a 4 km de Bedanda). 

Não sabemos exatamente quando é que o Tala passou a comandar o pelotão de milícias nº 143, talvez por volta de finais de 1965.  Mas na verdade é sempre ele que vai para o mato, em reforço da companhia, quando há operações como, por exemplo, a fracassada tentativa de reabertura do itinerário Catió-Bedanda (pp. 148-165). Ou a ida a Salancaur, já no corredor de Guileje (pp.229-247). Ou ainda a "batalha de Nhai" (pp. 248-265). 

Portanto, Tala é o seu homem de confiança no pelotão de milicias. Quando sai para o mato, leva duas secções, vinte homens. Nunca mais se ouve falar do Amadeu, a não ser na pág. 369, a propósito dos roubos às "mulheres do mato" que vinham a  Bendanda vender os seus produtos e reabastecer-se de outros (em geral, cana e tabaco).  Já o cap Cristo tinha gozado a sua segunda licença de férias (portanto isto deve-se ter passado já em 1967), qundo um dos seus  alferes milicianos, feito com um comerciante local, roubou arroz às mulheres do mato. Foi exemplarmente punido com 3 dias de prisão simples, expulso da companhia e transferido para Catió. 

(...) "Foi a segunda vez que o capitão teve conhecimento de roubos às mulheres do mato. A primeira vez, foi o Amadeu, alferes de segunda linha, ao tempo comandante do pelotão de milícias. Esse nativo, distinguido com o posto de alferes, teve a ousadia de assaltar várias vezes as mulheres do mato quando regressavam depois de venderem o arroz. Roubava-lhes a cana, o tabaco e o dinheiro, e ainda as violava. Depois mandava-as seguir para o mato. Logo que o captão soube disto, tirou-lhe o comando e entregou-o ao Tala, que estava graduado em aspirante. O capitão exigia que as mulheres do mato fossem resepitadas quando vinham à povoação e não admitia nenhum abuso por parte dos militares ou dos milícias, pois têm todos e em todos os momentos de servir de exemplo para a população civil" (pág. 369).

A confiança no Tala não impede o capitão de ser duro com ele, qundo o comportamento dos seus milícias o põe furioso (vd. "O reino do Nino", uma ida a Cobolol, pp. 396-409). A operação correu bem mas os milícias do Tala ter-se-ão "acorbardado" quando, de surpresa, são confronados com um grupo de guerrilheiros, alguns dos quais poderiam ter sido "apanhados à mão"...  Eles pensavam que os milícias eram  o grupo de "reforço  que esperavam"... A milícia, em vez de responder  que sim e avnçançr   sem medo,  soube o que dizer e fazer, instalando-se o tiroteio... 

Reproduz-se aqui a "piçada" que o cap Cristo deu ao Tala, no regresso ao quartel:

(...) "Repara, Tala, como eu tenho razão. Se em vez de um pelotão de milícia eu levasse um pelotão de soldados à frente,. tínhamos agrardo os gajos à mão. Bastava que dissesem que sim, somos o reforço. Quando eles dessem conta, já tinham levado a maior surra da vida deles. Continuo a pensar que as milícias nunca mais vão à frente da coluna. Podes ir, até logo" (pág. 409)...

Entrento, algun tempo depois, finda comissão em julho de 1967, o capitão Cristo diz adeus a Bedanda e despede-se, emocionado,  com um almoço na casa do Zé Saldanha, o comerciante mais antigo da localidade, e com um discurso do anfitrião que merece ser reproduzido aqui, noutra oportunidade (pp. 413-419).

(Continua)
__________

Notas de L.G.


(...) Naturalmente que, como todos aqueles que por ali passaram (pelo menos grande parte deles), fiquei "apanhado" e tenho uma certa "paranóia" por aquelas terras e aquelas gentes. Digo mesmo que, se é que existe vida para além da morte, certamente em outra encarnação terei sido africano e guineense, pois que, tendo vivido também alguns anos em Angola, as saudades daquele pequeno país são muito maiores.(...) 

(****) Vd. postes de:


25 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23553: Notas de leitura (1478): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte I: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos."

26 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23559: Notas de leitura (1480): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte II: "Homem gosta de ter mulher na cama, quando vem da guerra", lembra a "Tia", a mulher grande...

domingo, 28 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23563: Camaradas, referidos no blogue, que estiveram em (ou passaram por) Bedanda, na 4ª CCAÇ (1961/66) e CCAÇ 6 (1967/74)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > Reabastecimento do aquartelamento e povoação através do Nordatlas e do lançamento de géneros por paraquedas, durante a época das chuvas. Fotos do Álbum de Amaral Bernardo, ex-alf mil médicoCCS / BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72)... Esteve em 1971 em Bedanda, onde foi rendido em Dezembro de 1971 pelo Mário Bravo.

(...) "Estive em Bedanda, durante 13 meses, sob o comando do capitão de cavalaria Ayala Botto [, CCAÇ 6]. Um grande comandante, um verdadeiro oficial de cavalaria... que nos derretia com mimos: ovos liofilizados e outras delícias, que vinham de Lisboa, de uma fábrica da família...

"Estive primeiro em Cacine, que era deslumbrante... Percorri todo o sul, acabando em Bolama, depois de passar por Bedanda, Gadamael, Guileje, Tite... A CÇAÇ 6 tinha fulas e um pelotão de balantas... Em Bedanda, os tipos do PAIGC apareciam nas minhas consultas, nas calmas, disfarçados com a população...

"Bedanda, no tempo das chuvas, era inacessível por terra, transformava-se numa ilha. Ficava entre dois rios, o Cumbijã, a oeste e o seu afluente, o Ungariol, a leste e a norte... Era abasteciada pelos fuzileiros e pela força aérea...

"Em 2005 falei com o Nino sobre os ataques a Bedanda, quando ele era o comandante da região sul... Havia malta na tabanca que lhe fazia sinais de luz (com uma lanterna) para orientação do tiro... À terceira, eles acertavam todas...

"Os melhores abrigos, à prova do 120, eram os de Guileje... Mas o Spínola proibiu a construção de mais bunkers, queria que o pessoal fosse todo para as valas... Foram tempos muitos duros, tive uma [grande] actividade como médico... e eu próprio cheguei a desejar secretamente ser ferido para poder ser evacuado dali" (...) (Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande, desde Fevereiro de 2007; 
poste P7802).

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art, que dependia da BAC 1 (Bissau).


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 127/199 > Invólucros de munições deixadas em anteriores ataques do IN ao aquartelamento.

Escreveu o João Martins  no poste P9947: (...) Terminada a instrução que fui dar ao BAC  [Bateria de Artilharia de Campanha, nº 1], em Bissau, fui colocado em Bedanda onde já se encontrava um pelotão com três obuses 14 cm. 

Tive que fazer novamente as malas e apanhar uma aviioneta Dornier [DO 27] que, passando por Catió onde tirei algumas fotografias que já não sei identificar, acabou por aterrar em Bedanda. Sem dúvida um dos locais da Guiné que me deixou mais saudades.

Fazia a sua defesa a Companhia de Caçadores 6, do recrutamento da Província, um pelotão de milícia, e o pelotão de artilharia. A população era particularmente simpática e notava-se que tinha tido muito contacto com portugueses da metrópole. Aliás, a casa colonial existente, a do chefe de posto, era imponente.

Bedanda fica numa colina bastante elevada, atendendo aos padrões de altitude que normalmente se encontram na Guiné. Não sendo uma fortificação inexpugnável, não oferecia quaisquer vantagens ao inimigo que se colocaría sempre numa cota inferior. Por isso, os ataques eram pouco frequentes o que nos permitia respirar…

Atendendo ao “clima” relativamente ameno que se fazia, visitava com muita frequência a tabanca e cheguei mesmo a ir à pesca e a tomar banho no rio Ungariol, afluente do rio Cumbijã, na esperança de não me tornar um isco para os jacarés. (...)

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto B113


Foto B117

Guiné > Região de Tombali > Bedanda >  CCAÇ 6 >  Fotos do álbum do António Teixeira, "Tony",  ex-alf mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863,  Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda (1971/73) , 

Fotos (e legendas): © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Lista, por ordem alfabética (e não exaustiva),  dos "bedandenses", referidos no nosso blogue (e em geral, membros da Tabanca Grande), ex-combatentes que estiveram em (ou passaram por) Bedanda, na maior parte dos casos integrando a 4ª CCAÇ (1961/66) ou a CCAÇ 6 (1967/74). É pena que não haja nenhum dos camaradas do recrutamento local. 
  • Amaral Bernardo, ex-alf mil médico, CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), esteve na CCAÇ 2726, uma companhia independente, açoriana, que guarneceu Cacine (1970/72); passou também cerca de um ano (1971) em Bedanda (CCAÇ 6); tem cerca de meia centena de referências no blogue;                                                                                                           
  • António Teixeira, "Tony" (1948-2013), ex-alf mil, CCAÇ 3459/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda (1971/73);António Henriques Campos Teixeira, nascido em 21/6/1948, falecido em 25/11/2013); era professor de educação física, reformado; vivi ame Espinho; tem mais de meia centenas de referências no blogue.                                                     
  • Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, cmdt,  4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, julho 1965/julho 1967), hoje ten gen ref, autor de (sob o pseudónimo Manduel Andrezo) " Panteras à Solta! (ed. autor, c. 2020, 447 pp.;                                                                                 
  • Artur José (Miranda) Ferreira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 6, Bedanda, 1968/70;                   
  • Belmiro da Silva Pereira (1946-2022) ex-alf mil, CCAÇ 6, Bedanda (1969/71); , natural de Peniche, era médico reformado;    tem 4 referências no blogue;                                                                                                         
  • Carlos (Pinto) Azevedo, ex-1º cabo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72); contemporâneo do Fernando Sousa e do Dr. Amaral Bernardo; "tive dois Capitães na Companhia em Bedanda, o Sr. Capitão Carlos Ayala Botto e o Sr. Capitão Gastão Silva, dois Homens com um H Grande";                                                                                                                                                              
  • Carlos Ayala Botto, ex-cap cav, cmdt, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72), ajudante de campo do General Spínola, hoje cor cav ref;   "Soube do seu blogue e aqui estou a apresentar-me: Carlos Ayala Botto, estive na Guiné entre 1970 e 1973 e actualmente sou Coronel na Reforma. Na altura era capitão de Cavalaria mas mesmo assim fui nomeado Cmdt da CCAÇ 6 em Bedanda onde estive cerca de 20 meses." (Poste P1407);                                                                                             
  • Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º cabo, CCAÇ 6, Bedanda (1970/71); DFA, autor
    autor de "Quatro Rios e um Destino” (Chiado Editora, 2014); tem 30 referências no blogue;                                                                                                                                                             
  • Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1621 (Cufar) e CCAÇ 6 (Bedanda) (Novembro de 1966 / novembro de 1968); tem 60 referências no blogue;                                                     
  • João Martins, ex-alf mil art, Pel Art / BAC1 (Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69);  tem mais de 60 referências no blogue:                                                                                                                                                      
  • Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, CCAÇ 3398 (Buba, 1971/72) e CCAÇ 6, Onças Negras (Bedanda, 1972/73); foi redator-coordenador do  jornal de caserna "O Seis do Cantanhez", criado e dirigido pelo Cap Gastão e Silva, cmdt da CCAÇ 6, tendo entre outros membros da redação, o saudoso alf mil António Teixeira , "Tony"(1948-2013); natiual do Cadaval, é advogado, e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã; tem 60 referências no blogue:                                                                    
  • Jorge Freire, ex-cap inf, CCaç 153, e 4ª CCaç, Bissau, Gabu, Bedanda, 1961/63); vive nos EUA, tem cerca de 20 referências no blogue, onde é conhecido como George Freire; nome completo, Renato Jorge Cardoso Matias Freire;                                                          
  • Jorge Zacarias Rodrigues da Rocha, 2ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Jugudul (1972/74);  engenheiro técnico civil na REFER-EP, esteve em Bedanda entre junho e setembro de 1974;    presumimos que foisse alf ou fur mil:                                                                                                                                       
  • José (Conde) Figueiral, ex-alf mil, CCÇ 6, Bedanda (1970/72);tem 10 referências no blogue;                                                                                                                                                          
  • José Vermelho, ex-fur mil, CCAÇ 3520, Cacine, CCAÇ 6, Bedanda, e CIM Bolama (1971/73);   tem 8 referências no blogue;                                                                                                                                                       
  • Manuel Mendes, ex-sold.  CCAÇ 728 (Catió, Cachil, Bedanda e Bissau, 1964/66); conhecido como o  "Lisboa", era o "soldado 29", do 3º pelotão;                                                 
  • Mário Silva Bravo, ex-alf mil médico, CCAÇ 6, Bedanda, e HM 241, Bissau (1971/72); O Mário Bravo, ortopedista reformado, tem 55 referências no blogue;                                             
  • Mário (José Lopes) de Azevedo, ex-fur mil art, Pel Art, CCAÇ 6, Bedanda (1970/72); tem um dezena de referências no blogue;                                                                                                            
  • Rui Santos, ex-alf mil, 4.ª CCAÇ, Bedanda e Bolama (1963/65); tem mais de 3 dezenas de referências no blogue;                                                                                                                         
  • Tibério Borges, ex-alf mil inf MA, CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda (1970/72); tem 10 referências no blogue; sobre Bedanda escreveu: "Em Bedanda a companhia era de africanos com excepção da maioria dos graduados. Fui encontrar, imaginem, o Zé Cavaco, que é meu conterrâneo. O mundo é pequeno. Apenas fui tapar um buraco durante um mês. Alguém que foi de férias ou que chegou ao fim da comissão. Quem sabe se doente! Pode ser que um dia saiba mais coisas através do Zeca. Sei que o Comandante era o Capitão Ayala Boto. Nesta unidade havia um padre."(Poste P15059);                                                                                                                                                           
  • Vasco Santos, ex-1º cabo op cripto, CCAÇ 6, Bedanda (1972/73); tem 38 referências no blogue; foi, com o Hugo Moura Ferreira, o organizador do 4º encontr0 dos bedandenses (Mealhada, 2014); nome completo:    Vasco David de Sousa Santos.                                                                                                                                                                                                        
Há mais "bedandenses" da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6... Aparecem em fotos do blogue, em postes relativos a encontros da malta mas não têm postes específicos a eles dedicados. Nem são ainda membros da Tabanca Grande.  Caso, por exemplo, de: 
  • Lassana Jaló (ferido em combate e a viver em Portugal); 
  • Gualdino José da Silva (ex-fur mil, de 1967/69);
  •  João António Carapau (que foi alf mil médico em 1967/68,  hoje conceituado pediatra, reformado do Hospital da Estefânia, vivendo na Portela); 
  • Renato Vieira de Sousa (ex-cap inf, cmdt, 1967/68, hoje cor inf ref, vivendo em Lisboa); 
  • Victor Luz (fur mil, 1967/68); 
  • Eduardo Cesário Rodrigues (de alcunha, "Salazar") (ex-alf mil, 1967/68); 
  •  Aníbal Magalhães Marques (1972/74); 
  • Amadeu M. Rodrigues Pinho (ex-alf mil, 1967/68); 
  • António Rodrigues (O Capitão do Estandarte: o último Alferes / Capitão, fiel depositário do estandarte e da Cruz de Guerra da CCÇ 6); 
  • Carlos Nuno Carronda Rodrigues (ex-alf mil, hoje cor 'comandpo' ref; membro da Magnífica Tabanca da Linha) 
  • e    outros... Ver lista dos inscritos e dos participantes no encontro de Peniche em 2013 (Poste P12109).