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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23665: Notas de leitura (1502): "De África a Timor", uma bibliografia internacional crítica (1995-2011), por René Pélissier; Centro de Estudos Africanos da Universidade de Porto e Edições Húmus, 2014 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos,
Pode-se criticar mas não se pode ignorar este maratonista que lê tudo quanto lhe cai às mãos sobre a história do Império Português. Ele lança, a torto e a direito, questões pertinentes. Uma delas: "Quantos livros sobre os PALOP, Timor, a Índia, Macau, aparecem anualmente em todo o mundo? Não existe um recenseamento rigoroso, mas recentemente avaliámo-los em 70 a 120 no que respeita a outras línguas sem ser o português. Quanto mais avançamos, mais nos apercebemos de quanto estamos muito aquém da realidade. Se se incluir o português, os livros novos são, todos os anos, bastante mais de 250, alguns dos quais não chegam ao conhecimento dos bibliógrafos centralizadores, senão depois das edições esgotadas".
Por vezes é pouco ou nada amável com historiadores estrangeiros que falam do nosso Império. Houve um senhor holandês que resolveu estudar os Balanta Brassa, e ele logo comenta, vitriólico: "É uma tese que ignora alegremente os melhores trabalhos de António Carreira sobre a História da Guiné".
Prometo ao leitor grandes surpresas na leitura destas recensões que foram publicadas em diversos periódicos portugueses, este octogenário historiador francês continua sem concorrência à vista, é um maratonista infatigável.

Um abraço do
Mário



René Pélissier, um globetrotter sem rival na historiografia do nosso Império

Mário Beja Santos

É um calhamaço de mais de 650 páginas, intitula-se "De África a Timor", uma bibliografia internacional crítica (1995-2011), por René Pélissier, Centro de Estudos Africanos da Universidade de Porto e Edições Húmus, 2014. Porventura o historiador francês mais dedicado aos estudos do Império Português, René Pélissier publica as suas recensões em periódicos portugueses, coligiu tudo quanto foi dado à estampa ao longo de dezasseis anos, e o resultado é impressionante, assumo que não é possível estudar qualquer parcela do Império sem ler o que ele comenta sobre as obras mais recentes, desde a ficção à historiografia. Obviamente que não há aqui condições para analisar minuciosamente esses comentários, limitamo-nos a relevar um ou outro, para despertar a atenção do leitor, seja na posição de meramente curioso ou de estudioso.

Louvo-me no que ele escreve sobre o trabalho hercúleo e dadivoso de João Loureiro. Como observa Pélissier, este colecionador de postais antigos deixa-nos documentos extraordinários, é mesmo uma coleção iconográfica que não tem concorrentes em qualquer ponto do mundo. A sua coleção de postais ultramarinos (desde os fins do século XIX até 1974-1975) aproximava-se, no dobrar do século, de dez mil exemplares.
Pélissier observa:
“Tudo é fascinante para se poder conhecer a evolução das mentalidades em mundos fechados como eram, por exemplo, as feitorias guineenses, as plantações de São Tomé, as cidades angolanas ou Díli, mesmo nos anos 1920. Que encontrará o leitor nos cinco volumes consagrados às antigas colónias africanas? Quanto a Moçambique: Lourenço Marques, o Sul do Save, a Beira, Vila Pery e Gorongoza, a Zambézia e os distritos do Norte, com tratamento temático: panoramas, edifícios públicos dos princípios do século, as ruas, os portos e os transportes, a vida religiosa e cultural, os hotéis e os entretenimentos (…). Quanto à Guiné, o historiador pode deliciar-se com as imagens de Bissau no início do século, nomeadamente as da guerra de 1908 e as da demolição da velha muralha urbana. Pode encontrar-se a estátua de Teixeira Pinto. As vistas de Bafatá cerca de 1920 permitem avaliar o crescimento da cidade desde os primórdios. Em todos estes volumes o autor dá-nos uma introdução sobre a origem dos postais. É no quinto volume, o respeitante a Angola, que expõe claramente a sua saudada época de 1970-1975, inquestionavelmente o período culminante da colonização europeia e do crescimento do país, apesar ou até por causa da guerra colonial. Refere-nos que, por comparação com o estado dramático no qual o país caiu após 1974, a Angola do fim da era colonial parecia-lhe ter sido um paraíso (…) O trabalho colossal de João Loureiro marca uma viragem capital na recolha da iconografia colonial, não só no antigo império português, mas em todas as restantes colonizações”.

Não deixa de ser perscrutante o seu olhar sobre uma obra muito apreciada nos estudos da guerra colonial, "Contra-subversão em África. Como os portugueses fizeram a guerra em África", por John P. Cann:
“Enquanto oficial superior, a sua aptidão para analisar, do exterior, a organização, a instrução e as técnicas portuguesas da luta contra a subversão (serviços de informação, operações e tropas especiais, logística, emprego das tropas locais, etc.) é incontestável. Ele retira das estatísticas portuguesas e das numerosas entrevistas com oficiais superiores, tanto na reforma como no ativo, uma certeza: tendo em conta as limitações orçamentais e demográficas com as quais se defrontaram, os seus homólogos fizeram tão bem ou melhor do que os americanos no Vietname.

Estou convencido de que este livro é e será o livro de cabeceira dos oficiais de carreira portugueses que conduziram esta guerra e dos que vieram e virão depois desta geração. Do ponto de vista técnico, trata-se de uma reabilitação positiva. O único problema é que Portugal perdeu a sua guerra exótica, tal como os americanos, os franceses e os holandeses perderam as deles, cada um deles encontrando para tal, naturalmente, uma desculpa política ou de outra natureza. Mas o que este livro, noutros domínios muito estimável, não aborda, é o essencial: estas guerras foram largamente impopulares entre os que, na metrópole ou nos Estados Unidos, eram levados, enviados, constrangidos e à força para o terreno. É sintomático que no seu texto Cann não tenha praticamente utilizado um só testemunho de um simples soldado, de suboficiais ou de oficiais subalternos para conhecer, por dentro, o moral das tropas em contato direto com a guerrilha. Ele dá-nos, por isso, uma visão que seria a que podíamos encontrar em todas as escolas dos Estados-maiores do mundo inteiro: uma visão de cima para baixo, que esquece que era em baixo que as coisas importantes se passavam. Existem centenas de artigos e de livros publicados pelos atores, tanto portugueses como africanos, que descrevem o que não encontramos nas instruções dos comandantes superiores. Em todos os exércitos em guerra, podemos constatar o mesmo fenómeno: uma dicotomia entre profissionais, mais ou menos operacionais, e aqueles que matam o tempo a tentar não morrer”
.

Devo a esta leitura de lés a lés vários benefícios, um deles ter descoberto uma comunicação da investigadora Suzanne Daveau sobre os primeiros relatos dos viajantes da África Ocidental, mais tarde falaremos deste belíssimo texto.

Guardo uma observação sobre o trabalho da crítica literária ou científica de Pélissier: “A pior crítica que se pode fazer a um historiador ou a um bibliógrafo não é estar mal informado ou ser incompetente; é ser sectário ou – o que é disso corolário – ser complacente para quem pensa como ele”.

E é bem agradável ver o historiador António Duarte Silva elogiado pelo seu incontornável trabalho "Invenção e Construção da Guiné-Bissau", Edições Almedina, 2010.
A propósito do chamado Massacre do Pidjiquiti, e sobre o que escreve Duarte Silva, destaca Pélissier:
“Parece provável, segundo o autor, que o administrador cabo-verdiano, dirigente do partido único local, a União Nacional, gerente da Casa Gouveia em Bissau, é diretamente responsável, dada a sua intransigência, pelo que se iria tornar o acontecimento fundador do nacionalismo guineense. Enquanto historiador, este administrador redimiu-se mais tarde com a publicação de vários estudos que denunciavam a inanidade da propaganda do Estado Novo; a sua especialidade tornou-se o tráfico negreiro e a resistência anticolonial à implantação portuguesa. Chamava-se António Carreira e terá sido um dos mais fecundos primeiros historiadores cabo-verdianos. Os panteões dos grandes homens locais doravante divergem conforme as origens: pode-se ser um ‘negreiro’, agente do subcolonialismo ou apenas originário do que foi, durante séculos, o terreno de caça destes auxiliares da administração portuguesa no continente. Como é que Amílcar Cabral poderia prever serenamente o futuro de um binómio Cabo Verde – Guiné em que os pastores iriam continuar a comer o seu rebanho continental? A explosão era inevitável, devido ao capital de rancores acumulado”.

Um documento magnífico, não se pode estudar o nosso Império sem conhecer estas notas, por vezes tão assanhadas, de René Pélissier.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23656: Notas de leitura (1501): "Ussu de Bissau", por Amadú Dafé; Manufactura, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23566: Notas de leitura (1482): Alguns elementos sobre a última literatura na Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
É evidente que me senti atraído por este número da revista dirigida por Adriano Nogueira, o que João Tendeiro escreveu sobre a Guiné é relevante, ele procede a um esforço Hercúlio para sinalizar uma literatura escrita por colonos brancos e cabo-verdianos. O livro que maior circulação tinha, durante gerações, era a "Mariasinha em África", de Fernanda de Castro, recomposto de edição em edição, até se tornar politicamente correto, deixando o autóctone ser tratado como um bom selvagem. A figura principal deste período terá sido Fausto Duarte. Mas o que fundamentalmente me atraiu nesta revista, e não escondo a minha grande surpresa, foi encontrar uma referência minuciosa ao I Congresso Internacional dos Escritores e Artistas Negros, que se realizou na Sorbonne entre 19 e 22 de setembro de 1956, onde esteve seguramente Mário Pinto de Andrade e ainda maior surpresa encontrar na íntegra a mensagem de Sékou Touré ao congresso seguinte que se realizou em Roma, uma arma assentada ao colonialismo português. Como foi possível publicar este libelo acusatório numa revista do regime, não deixa de nos assombrar. Por tal razão, em próxima oportunidade, iremos referir o que Sékou Touré mandou na sua mensagem, certamente saída do punho de um intelectual do seu círculo privado.

Um abraço do
Mário



Alguns elementos sobre a última literatura na Guiné Portuguesa

Mário Beja Santos

Estudos Ultramarinos era a publicação do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, tinha como diretor Adriano Moreira. No seu n.º 3, de 1959, publica-se um artigo de João Tendeiro intitulado “Aspetos Marginais da Literatura na Guiné Portuguesa”. Recorde-se que Leopoldo Amado é autor de um excelente trabalho sobre a literatura do período colonial na Guiné (https://vdocuments.site/literatura-colonial-guineense.html).

O quem nos sugere João Tendeiro? Maior clareza não pode haver: “A Guiné não nos deu até agora um escritor nativo. No campo da ficção, as poucas obras de fundo têm sido escritas por europeus ou cabo-verdianos. É o caso dos romances e contos de Fausto Duarte e de vários contos esporádicos de Alexandre Barbosa, F. Rodrigues Barragão e outros, publicados no "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa". Mário Pinto de Andrade, se quis inserir, na sua "Antologia da Poesia Negra", uma produção poética representativa da Guiné, teve de recorrer a um poema de um jovem cabo-verdiano, Terêncio Casimiro Anahory Silva”. Segundo o censo de 1950, frente à Guiné Portuguesa, o português era falado por 1157 indígenas analfabetos e escrito por 1153. João Tendeiro procura explicações edulcoradas para justificar este buraco negro, como numa colónia portuguesa não havia literatura portuguesa escrita por autóctones: “Um dos fatores primordiais da ausência de uma expressão escrita nos meios nativos consiste nas possibilidades reduzidas de que estes dispõem para alcançar um nível intelectual compatível com a sua realização, segundo os padrões universais da arte literária. António Carreira procede a uma outra apreciação, dizendo que as comunidades africanas possuem na vertente da educação uma estrutura muito sua, todo o fio da educação utiliza a transmissão por via oral”. Os europeus, escreve ele, ao contatar intensamente com estas comunidades com o objetivo de as orientar, educar e instruir, têm de enfrentar os inevitáveis problemas inerentes ao choque de culturas diferentes. "A grande massa nativa continua ainda a reger-se pelo regime jurídico aplicável à situação legal de indígena”. Também se faz o reconhecimento de que o islamismo se fazia acompanhar da difusão da escrita árabe. Viriato Tadeu, no volume "Contos do Caramô", bem como os contos publicados por António Carreira, Amadeu Nogueira, A. Cunha Taborda e A. Gomes Pereira no "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa" fazem-se ressaltar a literatura oral, os provérbios e as poesias declamadas de diferentes etnias guineenses.

Vê-se que João Tendeiro leu atentamente todos os números publicados do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. E dá o crioulo como língua veicular pouco suscetível de atrair os guineenses para usá-la literariamente, fazendo o seguinte comentário: “O crioulo enferma de todas as caraterísticas das linguagens faladas e sem grafia independente. Quer dizer: quando transposto para a escrita fica subordinado ao idioma escrito da região. Não existe uma correspondência entre o crioulo e a ortografia portuguesa”. E vai mais longe: “Os crioulos portugueses escritos – seja o da Guiné, sejam os das diversas ilhas de Cabo Verde – não constituem entidades filológicas independentes mas sim transcrições dialetais fonéticas, em termos de português”. E contextualiza o uso do crioulo pelas camadas civilizadas e assimiladas: “Na Guiné, com exceção de alguns núcleos de origem, ascendência ou influência cabo-verdiana, localizados particularmente em Cacheu, Bolama, Bissau e Geba, o crioulo desempenha apenas o papel de linguagem auxiliar nas relações recíprocas entre as diferentes tribos”. E procede a uma sentença quanto aos limites do crioulo: “Do ponto de vista da escrita, é tão estéril como o são as línguas nativas sem representação figurativa dos fonemas”.

E traça comparações com Cabo Verde:
“Enquanto em Cabo Verde o crioulo assumiu o caráter de uma linguagem substituta dos idiomas nativos primitivos, enfeudada à língua portuguesa oficial, na Guiné reveste apenas o aspeto secundário de língua aprendida, desempenhando entre as populações locais um papel semelhante ao dos idiomas utilizados nas relações internacionais entre os povos civilizados”. E o seu acervo de considerações dirige-se a questões relacionadas com a pacificação de Teixeira Pinto: “De todos os povos nativos, a tribo Papel foi a que durante mais tempo se opôs à preponderância dos brancos na Guiné. Os Papéis conseguiram durante anos e anos manter em cheque as forças empenhadas em subjugá-los. Porém, em 1915, as colunas comandadas por Teixeira Pinto irromperam pelas regiões de Safim e do Biombo e impuseram-lhes uma derrota decisiva. A queda, após esta derrota, pode dizer-se que foi vertical. A tribo altiva de outrora deu lugar a uma gente fraca e sem vontade”.

Mudando de agulha, João Tendeiro volta-se para a educação. “Nos termos do Acordo Missionário e do Estatuto Missionário, o ensino dos indígenas é feito na Guiné pelas missões católicas, em escolas de ensino primário rudimentar, cabendo ao Estado a educação dos elementos civilizados. Com a criação, em 1949, do Colégio-Liceu de Bissau, aumentaram as possibilidades de educação dos portugueses residentes na Guiné. Trata-se, no entanto, de uma iniciativa recente e cujos frutos, pelo menos no campo da literatura, ainda não surgiram, se bem que vários estudantes guineenses frequentem universidades na metrópole. Simultaneamente, deu-se mais um passo para a ascensão dos indígenas à cidadania, uma vez que nos termos de legislação de 1946 se consideram como cidadãos portugueses, para todos os efeitos, os indivíduos de raça negra, ou dela descendentes, que possuam, como habilitações literárias mínimas, o 1º ciclo dos liceus ou estudos equivalentes”.

Para além deste trabalho missionário, o autor não deixa de evidenciar a importância do ensino corânico. E cita Teixeira da Mota que refere que em 1951-1952 havia na Guiné 436 escolas corânicas para cerca de 45 escolas das missões católicas, estas com 1044 alunos. Obviamente que o ensino era feito em árabe, com as contingências do uso das línguas locais. Fosse como fosse, os islamizados da Guiné nutriam grande respeito pelos missionários:
“Não têm qualquer hesitação em mandar os filhos às escolas onde eles lecionam. Mas, ao menor intento de catequese, ao mais pequeno sinal de que o espírito da criança se está interessando pela religião dos brancos – logo se ergue uma barreira a isolá-lo e a afastá-lo de tal influência”.

E tudo vai culminar com uma nota picante, a aflorar o mito imperial:
“O problema do ensino dos nativos apresenta-se na Guiné Portuguesa revestido de duas tendências antagónicas. Numa, que representa o ponto de vista tradicionalista fundamentado na noção de superioridade europeia, as populações nativas devem ser educadas num regime de segregação completa dos civilizados; se se trata de mestiços, instáveis por complexo constitucional, na sua recente interfusão de sangues díspares – em que um transmite as hereditárias aquisições multiseculares dos brancos e o outro o primitivo intonso e rude dos negros; se se trata desses mesmos negros, de índole comunitária, estrutura mental pré-lógica, vida imemorial estagnada ou em regresso, marcada por signos e estigmas de diversas estirpes, divergentes da do civilizado branco. A segunda, encaradas pelos defensores do primeiro ponto de vista como própria de idealistas sem o sentido das diferenças psicofisiológicas e sociais entre pretos, mestiços e brancos, proclama um programa em bases semelhantes para o europeu e para o nativo, a quem o ensino rudimentar e elementar colocou em condições de frequentar as mesmas escolas que os brancos”.

Seriam estas as duas tendências. Mas Sarmento Rodrigues impôs a língua portuguesa para todos, sem discriminação.

Ficamos a saber que não havia literatura portuguesa escrita por guineenses e que o ensino dera um verdadeiro salto na segunda metade da década de 1940, irá gradualmente crescer o número daquele que irão falar fluentemente português. E como se vê hoje, os escritores da Guiné-Bissau exprimem-se sem rebuço na língua portuguesa e no seu crioulo.


Mariasinha em África, ilustração de Sarah Affonso
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23565: Notas de leitura (1481): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte III: O Tala Djaló, cmdt do Pel Mil 143 e depois fur grad 'comando' da 1ª CCmds Africana, que virá a ser fuziladdo em Conacri, na sequência da Op Mar Verde

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23470: Nota de leitura (1469): Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Há algo de assombroso no percurso curricular de Graça Falcão, um condecorado com a Torre e Espada que irá ver o seu nome bem maltratado, no campo dos negócios, das relações políticas e sociais, pouca gente merecerá tanta hostilidade na Guiné como ele. Está ligado a um grande desastre no Morés, de onde escapou por uma unha negra. Como responsável pelo presídio de Farim, elaborou duas cartas topográficas que, assegura António Carreira no estudo que aqui é referenciado, é um documento memorável e indispensável para estudar aprofundadamente as rotas da expansão da islamização na Guiné.

Um abraço do
Mário



Graça Falcão, uma das figuras mais espantosas que passaram pela Guiné

Beja Santos

Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016. Tivesse eu condições e metia-me a estudar algumas figuras de traços mirabolantes ou com elevada carga enigmática: Graça Falcão, Marques Geraldes, Rafael Barbosa ou Osvaldo Vieira. Graça Falcão, alferes, é transferido de Angola para a Guiné em abril de 1892, em cumprimento de uma medida disciplinar determinada pelo Governador-geral de Angola. Alferes da Bateria de Artilharia de Montanha, é graduado em tenente a 1 de maio de 1894 e em 23 de maio é nomeado Comandante do Presídio de Farim. Será nessas funções que elaborará duas cartas topográficas (1894-1897), com alto significado, pois dão alguma compreensão à expansão do islamismo no rio Farim, António Carreira publicará um estudo alusivo, aqui se fará referência. Em abril de 1895, a pedido dos Balantas de Barro, Graça Falcão vai a esta localidade, solo que nunca tinha sido pisado por autoridade alguma portuguesa, deixa a bandeira e lavra o competente auto de vassalagem. Em 22 de setembro de 1896 é Cavaleiro da Torre e Espada pelos serviços prestados ao reaver três embarcações em poder dos gentios do Biombo e da ilha de Jata. Será louvado por Portaria Régia pelo bom resultado de uma expedição ao Oio. Em 1897, dá-se uma desastrada incursão de Graça Falcão no Oio, ele andara por aqui no ano anterior. O Tenente Herculano da Cunha relatará as peripécias como Graça Falcão conseguiu escapar vivo, andou sozinho fugitivo, embora Herculano da Cunha, nos seus relatórios, o desse por morto. Irá ressuscitar, abandona a vida militar, entrega-se a negócios, suscita ódios, são histórias dignas do mais vibrante romance de aventuras. Encontrei correspondência do responsável do BNU na Guiné considerando-o homem de mau caráter e mau pagador. Postos estes episódios de uma carreira mirabolante, vamos ao documento de António Carreira.

Ele começa por afirmar que a Guiné esteve sempre sujeita à influência dos movimentos desencadeados pelos dirigentes islâmicos, tanto do Futa-Toro como do Firdu e do Futa-Djaló. E faz uma resenha histórica:
“A luta travada em África pelos povos islamizados com vista à submissão dos animistas à doutrina do Alcorão data de há cerca de nove séculos. Nesse decurso de tempo, conheceu fases de progresso, de estagnação ou mesmo de retrocesso, e fases de grande e espetacular progresso.
Sabe-se com segurança que os povos de Sonin e de Mandé atingiram a área da nossa Guiné nos séculos XIII ou XIV. Admite-se como certo que estes dois grandes grupos, ao fixarem-se no Alto Geba (no Cabo, N’Gabu ou N’Gabu-El, como era então conhecido) e no Brasso (ou Berassu), eram, ainda, na sua totalidade, animistas.

No início do século XVIII, nesta área, só existia um culto: o animista. Os povos que o seguiam estavam distribuídos da seguinte forma:
1.º Nas duas margens do Casamansa: Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas e Balantas (os atuais Diolás dos Franceses), Soninqués, Mandés e Fulacundas (os nossos Fulas-Forros);
2.º No Futa-Djaló: a) Os denominados Djaló-Nkas, os mestiços de Mandés, sobretudo Sossos; b) Os descendentes de camadas de origem peul ou pulô, que em data imprecisa, mas por volta de 1500-1511, invadiram o Futa. Os parentes mais próximos destes Pulis existiam em estado de relativa pureza étnica na primeira vintena deste século no Ferlo e no Futa-Toro, mas, tal como os de Futa-Djaló, muitos ainda inteiramente animistas”
.

A islamização acentuou-se no Futa-Toro, e encontrou sérias resistências no Futa-Djaló. Houve lutas terríveis que duraram até ao final do século XVIII ou mesmo no início do XIX. Foram dados como submetidos e dominados os animistas do Futa-Djaló e então os Fulas dividiram o território numa espécie de províncias religiosas. António Carreira disserta sobre esta organização religiosa e o seu controlo. E diz mais adiante que em cerca de 1900 se deu a penetração do Casamansa, na Guiné Portuguesa e no Futa-Djaló de Marabus procedentes da Mauritânia. A expansão islâmica espalhou-se por uma boa parte da colónia. “O Boé, designadamente a povoação de Dandum, passou a ser um dos principais refúgios dos familiares e partidários de Alfá Iaia. Muitos deles encaminharam-se, através da nossa Guiné, para o Casamansa e Gâmbia”. Estava consumada a islamização da região Leste e também de Farim.

Carreira, que publica este trabalho em 1963, recorda que percorrera as duas margens do rio Farim a pé há mais de quarenta anos, fizera ali vários recenseamentos fiscais. Nessa época, os Balantas só em mínima parte se tinham deixado mandinguizar, ou seja, islamizar. E é muito interessante o que escreve a seguir:
“Em outro trabalho já publicado tive a oportunidade de esclarecer que a designação Balanta-Mané deriva da junção do etnónimo Balanta do apelido, de origem mandinga, Mané. Parece que foram os cristãos que o difundiram com o intuito de individualizar os Balantas integrados na cultura Mandinga e para não se confundirem com os que se conservavam apegados às tradições próprias do grupo. Como o apelido Mané era o mais generalizado no setor Mandinga confinante com os Balantas, estes, quase em massa, mal se mandinguizavam, adotavam-no espontaneamente como segundo nome. Portanto, o sinal mais concludente da integração do Balanta na cultura Mandinga era o uso deste apelido”.

Depois de ter feito referência às confrarias islâmicas do Senegal e do Futa-Djaló e a sua influência no território da colónia, alude ao estudo da difusão do islamismo entre os povos da Guiné. Diz que falta documentação adequada. E é então que informa que Teixeira da Mota lhe facultara duas cartas topográficas da região de Farim elaboradas pelo oficial do Exército Jaime Augusto da Graça Falcão. Diz que o conheceu e o apreciou e que estes documentos revelam esboços topográficos que dão uma imagem bastante exata do que era, então, a distribuição da população pelas duas margens do rio Farim. Segue-se uma enumeração exaustiva e interpretativa dos dois mapas e conclui vaticinando que este modesto subsídio sirva para despertar a ideia da elaboração de um estudo sistemático do processo da islamização das gentes da Guiné.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23460: Nota de leitura (1468): “A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas da Guerra Colonial”, por Fátima da Cruz Rodrigues, na revista Ler História, n.º 65 de 2013 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23413: Historiografia da presença portuguesa em África (324): A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Estamos sempre a aprender, veja-se este relatório de 1914 do Administrador da Circunscrição de Geba, um território com as dimensões aproximadas de um terço da Guiné atual. Fazia parte das obrigações dos administradores enviarem relatórios ao Governador em Bolama, este por sua vez coligia todas as informações recebidas e enviava um relatório ao Ministro da Marinha e do Ultramar. Vê-se com alguma perplexidade como é que o administrador dá ampla publicidade através de uma edição da sua iniciativa, ou recebera autorização superior ou reformara-se. É patente o orgulho pela obra feita, tece críticas demolidoras não só para a administração como para os administrados, não deixa de falar na indolência do indígena e em simultâneo faz propostas concretas para o desenvolvimento agrícola, para a criação de ensino técnico-profissional, para grandes mudanças de tributação e sobretudo faz um apelo a uma organização efetiva da administração colonial. Leitura indispensável para entender a presença portuguesa numa região onde não havia tradição da nossa colonização, e onde o poder colonial contava inegavelmente com o suporte das etnias islamizadas.

Um abraço do
Mário



A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (1)

Mário Beja Santos

Com impressão na tipografia Progresso, Porto, 1916, o Administrador da Circunscrição de Geba fazia o seu relatório, seguramente encaminhado para Bolama, terá recebido autorização para edição própria. É um documento de grande importância, como o leitor ajuizará. Permite, em primeiro lugar, apercebermo-nos como mudam os critérios de organização do território, e neste caso é surpreendente a circunscrição civil de Geba, tinha uma área aproximada de 13 mil quilómetros quadrados, cerca de um terço do território da colónia, limitada a Norte e a Oeste pela linha de fronteira do marco 58º ao 95º, pelos limites Sul e Leste das regiões de Pateá, Colá e Oio, e limite a Oeste a região do Cuor; ao Sul e Leste o rio Corubal desde a sua confluência com o Geba até ao território do Corubal e a linha de separação deste território do de Badora e Cossé e linha de fronteira do marco 24º ao 58º, e o rio que a separa da região Norte do Forreá. Cerca de 19 regulados, desde Cabu até Mansomine. Impossível não ficarmos impressionados com a extensão desta circunscrição. Queixa-se de muita coisa, logo dos vencimentos e dos efetivos, dizendo que o corpo de guardas é insuficiente, nem chega para policiar a povoação de Bafatá, vê-se constrangido a encarregar indígenas para desempenhar serviços inerentes aos guardas, sem remuneração. E dá conta do crescimento de Bafatá, a vila tem conhecido um grande e rápido desenvolvimento, teria uma população superior à de Bissau, não contando com a população flutuante, daí ser imperativo ter um maior número de agentes de segurança.

É verdadeiramente demolidor quando fala da instrução: “Consiste apenas em ensinar os indígenas a ler e escrever, como se estes predicados bastem para fazer deles indivíduos úteis à terra de onde são nativos! Estes indivíduos recebem apenas uma instrução superficial e quando já sabem soletrar e fazer duas letras dão por finda a sua instrução. As escolas primárias do interior são úteis, mas quando nelas se criem conjuntamente escolas de ensino de trabalho manual, como oficinas de carpinteiro, marceneiro, serralheiro, alfaiate, sapateiro, etc.”. Dá-nos conta que há 62 estabelecimentos comerciais, é um número excessivo, apareceram muitos comerciantes sírio-libaneses a partir de 1911, faz deles uma apreciação pejorativa: “Vivem, em geral, miseravelmente, restringindo as suas necessidades ao número possível e juntando umas centenas de escudos lá vão para Beirute! O indígena, que parece destinado a ser explorado, é uma vítima nas mãos destes indivíduos, que sem consciência nem escrúpulos os exploram. Põe acima de tudo as suas ambições, e por isso enganam no peso, na medida, nos preços gerais do mercado, o indígena, e não levam mais longe a ganância dos seus lucros porque se começou a exercer fiscalização rigorosa”.

Muda de tema, direciona-se para a agricultura, dizendo que em geral são os cabo-verdianos os únicos indivíduos que exploram a agricultura na região, o indígena tem repugnância ao trabalho assalariado, e vaticina mesmo: “Poderão vir as maiores e mais poderosas companhias que encontrarão nesta região sempre este grande obstáculo”. Novamente desassombrado a falar das questões da Fazenda: “Por decreto de agosto de 1912 foi criada uma repartição da Fazenda nesta localidade, mas até hoje ainda nenhum empregado da Fazenda para aqui veio destacado”. E mais desassombrado se revela a apreciar o serviço de fiscalização aduaneira: “Em 1909, quando aqui tomei posse, havia apenas em toda a circunscrição um posto fiscal, chamado do Boé, mas verdadeiramente o que havia estava em Pai-Ai, muito aquém do Boé. O aspirante ali destinado fazia o que queria. Apreendia borracha, mercadorias e dinheiro aos indígenas do nosso território, um verdadeiro salteador de estrada”. Deplora os fiscais, verdadeiros ladrões e o corpo de guarda-fiscais, gente viciosa e indisciplinada. Tal como hoje, critica o funcionamento da justiça, houvera um aspirante que praticara mão-baixa, fora o cabo dos trabalhos demiti-lo, o processo arrastava-se há anos, o ladrão bandeara-se com uma bela soma.

Agora o assunto é o imposto de palhota, e ficamos a saber que os indígenas pagavam imposto com muita facilidade e na época em que se lhes determinava. Há razões que parecem bastante plausíveis para que o imposto deva ser individual e não por palhota, descobrira, sobretudo em gente da etnia Mandinga, que para pagar menos imposto chegava a haver palhotas com 23 pessoas, inconcebível. E dá sugestões: “Deveria ser estabelecido uma percentagem X sobre o imposto total recebido pela administração, para ser aplicado o seu produto em melhoramento de obras locais, a exemplo do que se faz em Moçambique e nas vizinhas colónias francesas. Era a forma de poder fomentar mais rapidamente esta região tão rica, valorizando-a ainda mais, construindo estradas que tão necessárias são, pontes, viadutos”.

A edição do relatório faz-se acompanhar de imagens que são uma verdadeira preciosidade, estão focadas no crescimento e desenvolvimento de Bafatá, mas mostram também os empreendimentos em que Vasco Calvet de Magalhães se envolveu, de fontanários a estradas. Não é despiciendo referir que se deve a este administrador de circunscrição a primeira estrada guineense de algum porte, entre Bafatá e Bambadinca, aliás, ele teve a preocupação de mostrar Bambadinca pela importância que tinha na região. Para além de imagens, dá números, sempre com prudência, irá falar do arrolamento com devidas cautelas, desconfia dos números. É um documento de inegável valor histórico, percebe-se que a povoação de Geba já tinha uma importância mitigada, a expansão era de Bafatá para os pontos remotos do Leste.

Há outras duas apreciações sobre este administrador: como as suas responsabilidades vão até ao Oio, colaborará com Teixeira Pinto; e terá um papel determinante na montagem de uma política colonial de fracionamento de poderes, será ele a dividir o imenso regulado onde pontificava o régulo Monjur, um importante colaborador dos portugueses nas guerras de pacificação, um régulo Fula altamente prestigiado que depois de destituído do seu poder viveu os últimos anos em obscuridade e foi alvo de pompas fúnebres emocionantes.

(continua)

Fotografias assinadas por Domingos Alvão, um grande fotógrafo que esteve presente na I Exposição Colonial, que se realizou no Porto em 1934, retirámos estas duas imagens no site Memória de África e do Oriente, seguramente que fizeram parte do repositório da investigadora Jill Rosemary Dias
Quatro imagens extraídas do site Memória de África e do Oriente, muito provavelmente também da coleção de Jill Rosemary Dias
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23396: Historiografia da presença portuguesa em África (323): Dados sobre a Guiné no início da década de 1920, trabalho de um aluno da Escola Colonial (1850-1925) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23146: Historiografia da presença portuguesa em África (311): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
António Carreira é um investigador incontornável, esta obra sobre as Companhias Pombalinas é absolutamente indispensável para o estudo de uma época. Enquanto lia quer o conteúdo da investigação quer o precioso acervo documental em anexo, a mente voava para um dos mantras do PAIGC referente à unidade Guiné - Cabo Verde, quase um dogma de fé, seriam povos afins, com a mesma proveniência. Hoje sabe-se (e na época igualmente já se suspeitava) que esta argumentação era por demais duvidosa. Como se lê no livro de Carreira, o tráfico de escravos proveniente da costa africana abarcava uma enorme região, e ponho já de parte o tráfico negreiro angolano que usava Cabo Verde como ponto de passagem. Fica igualmente claro que a vida nestas praças (Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bissau, sobretudo) era um tumulto permanente e daí a citação que Carreira faz de pareceres do Conselho Ultramarino em que se diz claramente que sem o tráfico de escravos da Guiné não se podia manter Cabo Verde e que quanto ao título usado por Sua Alteza de Senhor da Guiné, ele fazia-se à custa da reputação do monarca, havia que pagar um tributo ao rei negro de Cacheu. Se subsistissem ainda dúvidas sobre a precariedade da presença portuguesa nesta costa de África, no século XVIII, tome-se em conta o que dizem os documentos.

Um abraço do
Mário



Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (2)

Mário Beja Santos

Numa fase de últimas pesquisas para dar por concluído o trabalho de investigação de um próximo livro que terá o título de Guiné, bilhete de identidade, senti curiosidade em folhear publicações sobre temas que à partida me pareceram pertinentes. É dessa relação de leituras espúrias que aqui procedo a alguns comentários. Chegou a oportunidade de ler uma boa investigação de António Carreira intitulada As Campanhas Pombalinas de Navegação, Comércio e Tráfico de Escravos entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro, a edição é do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1969. Dá-nos generalidades sobre as companhias portuguesas de comércio e tráfico de escravos.

Na continuação da leitura do livro de António Carreira, e depois de já termos a génese e o enquadramento socioeconómico em que decorrer a criação de tais companhias, o autor avança um conjunto de informações sobre a Companhia de Grão-Pará e Maranhão, por exemplo o número de escravos saídos da Costa Africana, a frota utilizada, como se processava o transporte de escravos e quais as mercadorias e géneros na viagem de retorno. Faz também uma análise da escravidão como instituição natural nas sociedades africanas e os diferentes modos como se obtinham os escravos nestas micro-sociedades. A Companhia do Grão-Pará e Maranhão foi construtora da fortaleza de S. José em Bissau, tinha ali enormes armazéns para escravos, e Carreira diz que ainda ali viu grossas argolas de ferro embutidas na parede e nas quais acorrentavam os escravos, enquanto aguardavam embarque. E diz que noutras casas de Bissau, nos primeiros anos do século XX, ainda se viam argolas desse tipo colocadas nas paredes dos armazéns.

As suas notas sobre a concorrência estrangeira no tráfico de escravos são relevantes, ficamos a saber as suas proveniências e os seus destinos. Lembra-nos que a partir de 1641-1642 quase todas as informações, pareceres e comunicações do Conselho Ultramarino aludem a uma decadência das Praças de Cacheu e Ziguinchor, Farim e Bissau, sobretudo. Reconhecia-se a gravidade da situação e as possíveis consequências, como lembra num parecer o Conselho Ultramarino em 1 de junho de 1647: “Faltando Guiné, não há que fazer conta de Cabo Verde nem de todas aquelas ilhas, por Cabo Verde se não pode sustentar sem Guiné”.

A vida nestas Praças era atribulada, persistiam as tentativas de assalto. Por exemplo, Cacheu resistia com 420 vizinhos, era defendida por uma fraca tabanca de estacaria de mangue, constantemente atacada pelo gentio. O Conselho Ultramarino dirige-se ao monarca em termos duros e concretos: “E ultimamente Vossa Alteza intitula-se Senhor da Guiné, não tendo em toda aquela costa mais que uma pequena parte de terra e o pior é que a conserva Vossa Alteza à custa da sua reputação, porque pagam tributo ao feudo ao rei negro por mão do Capitão de Cacheu”. Carreira procura fazer a contabilidade do tráfico de escravos e diz que dos comprados 19.935 saíram da área compreendida entre o rio Casamansa (talvez alguns mesmo da Gâmbia) e a Serra Leoa. Guiné – Cabo Verde – Serra Leoa (71%) e 8.143 dos reinos de Angola – Luanda – Benguela (29%).

Em 1759 foi criada uma outra companhia, a de Pernambuco e Paraíba, associada à de Grão-Pará e Maranhão, aglutinando estas duas empresas todo o comércio geral e de escravos para o Nordeste brasileiro. Os escravos das ilhas de Cabo Verde, escreve Lucas de Senna em Dissertação sobre as Ilhas de Cabo Verde, Manuscrito azul nº 248, da Academia das Ciências de Lisboa, vêm todos da costa da Guiné, Bissau, Cacheu, Serra Leoa e outros. A compra deles faz-se com pólvora, espingardas, espadas, aguardente, panos, missanga e outros géneros. É avaliado cada escravo ou escrava por certo número de vacas. Estas ou são gordas ou são magras. Cada vaca gorda computa-se por certo número de pólvora, espingardas, etc.

Carreira procede a uma descrição da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba e dá-nos um curiosíssimo quadro das etnias de escravos levadas para o Brasil. Diz que entre o rio Gâmbia e o rio Casamansa existiam as seguintes etnias: Felupes, Mandingas e Soninqués, Jalofos e Fulas. A partir da Gâmbia para sul, era a zona ótima para a compra de escravos. Esta abundava e o negócio tinha tradições muito antigas. Entre o Casamansa e o Cacheu deveriam ter embarcado para o Brasil Banhuns, Cassangas, Felupes, Baiotes, Balantas, Brames, Papéis e Caboianas. Pelo porto de Bissau devem ter embarcado Papéis da própria ilha, Balantas, Manjacos de Pecixe e da zona continental, também Bijagós, Beafadas, Nalus e presumivelmente Mandingas, Soninqués e Pajadincas, trazidos do interior. Diz Carreira que para termos um melhor entendimento da organização socioeconómica, política e cultural destas etnias, as devemos classificar em dois grupos. No primeiro, há que situar Felupes, Baiotes, Papéis, Brames, Manjacos, Caboianas ou Cobianas, Balantas, Banhuns, Cassangas e Bijagós, dotados de economia de subsistência, aproveitando frutos da palmeira, criadores de gado bovino, alguns deles ligados à tecelagem de panos de algodão, todos eles habitando num território em chãos, uns dependentes do poder do régulo, outros não, algumas dessas etnias têm na direção uma sacerdotisa, os Balantas dependem do Conselho dos Grandes, são praticamente todos animistas, posteriormente ao século XVIII os Banhuns e os Cassangas iniciaram um processo de islamização. Num segundo grupo Carreira coloca Jalofos, Mandingas, e os subgrupos Soninqués e Pajadincas, Fulas, Beafadas e Nalus, têm em comum a economia do milho, arroz e palmeira do azeite, criação de gado bovino, praticam artesanato e dedicam-se ao negócio ambulante.

Diz Carreira que a influência decisiva da cultura e da religião muçulmanas só se veio a concretizar em meados do século XVIII e daí por diante de forma avassaladora. Quanto ao problema linguístico, há etnias como os Jalofos, Mandingas e Fulas que se enquadram nas línguas sudanesas e os outros nas línguas aglutinantes definidas pelo uso de prefixos. Carreira também refere o tráfico de escravos nas rias do Sul, do rio Nuno à Serra Leoa, refere as etnias, perspetivas.

Chama-se a atenção do leitor que existe no Boletim do Arquivo Histórico Colonial, volume I, 1950, um importante artigo intitulado Companhia de Cacheu, Rios e Comércios da Guiné, documentos para a sua história, por Cândido da Silva Teixeira, António Carreira refere-o na sua bibliografia. E de seguida vamos ver o que é que o Arquivo das Colónias nos oferece sobre a Guiné, e assim termina esta expedição a fundos de gaveta.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23126: Historiografia da presença portuguesa em África (310): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23126: Historiografia da presença portuguesa em África (310): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Ao longo de um processo de qualquer pesquisa somos confrontados, por vezes repentinamente, com títulos desconhecidos que aparentam interesse, alguns deles nem são constantes das bibliografias mais utilizadas. Foi o que aconteceu um livro do capitão Gerardo Pery, que encerra não passa de generalidades, para seu bem curioso o que se vendeu na feira da Exposição Universal de Sevilha proveniente da Guiné, folheou-se o livro de um médico inglês, George Tams, que ainda na primeira metade do século XIX veio apurar se ainda se praticava a escravatura e, coisa surpreendente, andou por Cabo Verde mas não viu utilidade em pôr os pés na Senegâmbia Portuguesa. E assim se chegou a um dos mais relevantes trabalhos de António Carreira sobre as companhias pombalinas de navegação, aqui se dá notícia de uma importante resenha oriunda da Universidade de São Paulo e espera-se continuar com o propósito de oferecer bibliografia pertinente ao leitor mais interessado.

Um abraço do
Mário



Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (1)

Mário Beja Santos

Numa fase de últimas pesquisas para dar por concluído o trabalho de investigação de um próximo livro que terá o título de Guiné, bilhete de identidade, senti curiosidade em folhear publicações sobre temas que à partida me pareceram pertinentes. É dessa relação de leituras espúrias que aqui procedo a alguns comentários. Primeiro, a Geografia e Estatística Geral de Portugal e Colónias, obra de um Capitão do Exército, Gerardo A. Pery, edição da Imprensa Nacional, 1875. Registo um parágrafo que me parece a todos os títulos elucidativo:
“O senhorio português na região impropriamente denominada Guiné, isto é, na Senegâmbia, estendia-se, ainda nos fins do século XVI, desde o Cabo Verde até à Serra Leoa. Descoberto o rio Casamansa e a costa entre o Cabo Roxo, ao sul deste rio, e o Cabo de Sagres, ao norte da Serra Leoa, foram estas regiões a princípio avidamente exploradas. Mas a descoberta da denominada Costa do Ouro, a verdadeira Guiné, e, mais tarde, os descobrimentos da Índia e do Brasil, fizeram esquecer esta parte dos vastos domínios portugueses, deixando-se que outras nações ali se estabelecessem e se apoderassem dos principais ramos de comércio daquelas feracíssimas regiões”.
Daí se reduziu a extensão do domínio na Senegâmbia, referindo que a superfície aproximada é de 8400 quilómetros quadrados. O Capitão Pery refere os rios (Casamansa, São Domingos, Geba, Bolola, Quinala ou de Nalu, até ao rio Nuno). Comenta que as margens destes rios são muito férteis, orladas de densas florestas de mangues, pau-carvão e árvore da borracha; as principais produções eram arroz, milho e mancarra. A Guiné deste tempo estava dividida em três concelhos com cinco freguesias.

Assim que vi a referência da Guiné no Catálogo Português da Exposição Mundial de Sevilha, 1929, fui à procura de algo original. Para quem redigiu o texto, a população ao tempo seria de 400 mil habitantes, refere que existem duas estações e que as principais culturas seriam: mancarra e arroz, milho e café, cana-sacarina e tabaco, cola e mandioca, dizendo adiante que a colónia possuía muita fruta: bananeira, laranjeira, mangueira, mamoeiro, cajueiro e goiabeira. Aspeto muito curioso era o mostruário de cereais e legumes, frutas e sementes oleaginosas, madeira e cortiça (?) e apresentava um extenso elenco de produtos de artesanato. No descritor da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamou-me a atenção o seguinte título: Visita às Possessões Portuguesas da Costa Ocidental de África, por George Tams, doutor em Medicina, dois volumes, Edição Portuguesa do Porto, 1850. O Dr. Tams é bem explicito sobre o que o move nesta viagem: vem fiscalizar se ainda há mão-de-obra escrava nas colónias portuguesas. Visita as ilhas adjacentes, percorre Cabo Verde e segue diretamente para S. Tomé em Angola, nem uma palavra sobre a Guiné. Mas recomenda-se a sua leitura para quem investiga a análise da escravidão após a abolição decretada pela Grã-Bretanha, reputo de muito interesse o que ele escreve sobre Cabo Verde, Angola e São Tomé.

Chegou a oportunidade de ler uma boa investigação de António Carreira intitulada As Campanhas Pombalinas de Navegação, Comércio e Tráfico de Escravos entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro, a edição é do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1969. Dá-nos generalidades sobre as companhias portuguesas de comércio e tráfico de escravos, narrando que tudo começara quando os descobridores andavam a filhar gente ao acaso com o objetivo de obter informações sobre as terras e as gentes, mercadorias, tais como o ouro. A esse período seguiu-se a chamada Companhia de Lagos, dirigida por Lançarote, destinava-se à captura de escravos. A etapa seguinte foi o arrendamento da Coroa a Fernão Gomes (1469) por cinco anos. Está documentado que Fernão Gomes navegou costa abaixo, cumprindo o contrato. Noutro período, houve tratos e resgates efetivados diretamente por decisão régia através de arrendatários ou possuidores de licenças temporárias. É o tempo dos assientos, correspondia a um contrato ou a um conjunto de contratos pelos quais um particular se substituía ao rei.

No século XVII a política passou a ser diferente pois constituíram-se companhias de navegação e comércio protegidas pelo monopólio do escambo (comércio de escravos). A primeira companhia constituída foi a Companhia da Costa da Guiné, organizada pelos irmãos Lourenço Pestana Martins e Manuel da Costa Martins a quem foi concedido o exclusivo do comércio de Arguim por oito anos. Anos depois, surgiu a Companhia de Cacheu, Rios e Comércios da Guiné (1666). Tinha obrigações assumidas, caso da reedificação da Praça de Cacheu, o fornecimento de armas e munições, o pagamento de vencimentos ao clero e a militares. Durante seis anos tiveram o exclusivo da navegação de Cabo Verde para a Guiné. Findo o prazo da concessão, os sócios deste empreendimento transferiram os seus direitos para a Companhia do Estanco do Maranhão e Pará (1682), o exclusivo de escravos abrangia também a costa de Angola. A contestação foi enorme e a Coroa viu-se obrigada a cancelar o contrato. A Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné veio a ser substituída pela Companhia de Cacheu e Cabo Verde. É nesta fase, no final do século XVII, que a Coroa pretende incentivar o desenvolvimento agropecuário do Pará e Maranhão, o recurso ao índio era manifestamente insuficiente. As doenças grassavam no Brasil, as crises de mão-de-obra eram consecutivas, foi nesse contexto, e após muitas vicissitudes, que se fundou (1755) a Companhia Geral do Grã Pará e Maranhão, que não teve uma vida pacífica nem gloriosa, não faltaram acusações de desmandos e mais tarde virá a rutura financeira.

Aqui se interrompe para juntar um comentário do historiador e antropólogo brasileiro Luiz Mott na Revista de História da Universidade de São Paulo (1972), acerca da importância do trabalho de António Carreira:
“Dentre os inúmeros Arquivos Históricos existentes em Lisboa, um deles é particularmente rico em material relativo ao comércio exterior do Brasil durante o século XVIII: o Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. Mais do que em qualquer outra instituição do Brasil ou de Portugal, é aí neste Arquivo que estão reunidos o maior número e os principais documentos referentes às célebres Companhias de Comércio do período Pombalino: dezenas de enormes livros manuscritos onde foram registrados todos os decretos e avisos régios relativos às Companhias, outro tanto de livros onde estão copiadas todas as cartas que a administração das Companhias mandava e recebia, diários de contabilidade, sem falar nos milhares de papéis avulsos dos muitos maços de correspondência. Material abundantíssimo e muito rico, apenas parcialmente explorado, que espera pesquisadores que o sistematize".

António Carreira, do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, professor do Centro de Estudos de Antropologia Cultural, do Instituto de Alta Cultura (Lisboa), pesquisador arguto e sério, com uma paciência verdadeiramente beneditina, frequentou assiduamente e por um longo período os manuscritos deste Arquivo: o resultado de suas pesquisas (o presente livro), é altamente satisfatório, e digno dos maiores elogios. Além da referida instituição, o Autor fez pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), e no Arquivo Público da Baía.

Profundo conhecedor da história das tecelagens de Cabo Verde e da Guiné, as implicações resultantes da utilização destes panos de algodão no tráfico de escravos, (Cf. o livro de sua autoria, A Panaria Cabo-Verdiana-Guineense - Aspetos Históricos e socioeconómicos, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa), António Carreira oferece-nos com o presente livro um estudo bastante original a respeito das duas Companhias Pombalinas de Navegação, comércio e tráfico de escravos: a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba.

O 1.º Capítulo serve como introdução: o Autor apresenta informações gerais, ou generalidades, sobre as Companhias portuguesas de comércio e tráfico de escravos anteriores à época Pombalina. O 2.º Capítulo é dedicado à Companhia do Grão-Pará e Maranhão: a sua formação, a frota utilizada, os agentes, o seu comportamento, a concorrência estrangeira, o contrabando. Uma das partes mais interessantes é a análise estatística dos escravos transportados pelos navios desta Companhia, tomando como base os registos efetuados entre 1755 e 1788. Nesta parte são apresentados os seguintes elementos:
- Número de escravos embarcados e chegados vivos aos destinos
a). - Especificação por sexos e grau de desenvolvimento físico;
b). - Número de escravos segundo as regiões de procedência e de destino;
c). - Etnias levadas para o Brasil;
d). - Tratamento e mortalidade no trajeto;
e). - Marcas de propriedades nos escravos;
f). - Preços médios de custo na origem, por anos e regiões.

Completam tal capítulo a descrição de 2 temas: - algumas das mercadorias utilizadas nos "tratos e resgates dos escravos"; - géneros e manufaturas africanas compradas e exportadas.

O estudo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba é feito no 3.º Capítulo. Aí o autor aborda os seguintes assuntos: a frota utilizada, alguns problemas do tráfico, proveniência dos escravos levados para Pernambuco, mortalidade dos escravos durante a viagem, preços médios de compra de escravos por anos e áreas.

Acompanham tais reflexões a transcrição de 27 documentos (entre alvarás, representações, cartas, pareceres, petições, etc.), relacionados com as Companhias e o tráfico de escravos. Muitos destes documentos são inéditos. O último deles, embora tendo sido anteriormente publicado, dada a raridade e dificuldade de ser encontrado, é com júbilo que o encontramos aí divulgado. Trata-se do Discurso Académico ao Programa, de autoria de Luís António de Oliveira Mendes, proferido em 12 de maio de 1793, somente publicado em 1812 nas Memórias económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, no tomo IV. Tal Memória teve como objetivo "determinar com todos os seus sintomas as doenças agudas e crónicas, que mais frequentemente acometem os pretos recém tirados da África: examinando as causas da mortandade depois da sua chegada ao Brasil: se talvez a mudança do clima, se a vida mais laboriosa, ou se alguns outros motivos concorrem para tanto estrago: e finalmente indicar os métodos apropriados para evitá-lo, prevenindo-o e curando-o: tudo isto deduzido da experiência mais sisuda e fiel" (p. 495). Tal Discurso constitui documento muito rico de informações para a história da escravidão no Brasil. Embora o seu escopo tenha sido, conforme foi dito, primordialmente em termos de sugerir uma nova política sanitária a fim de se evitar a mortandade dos escravos transportados para a América Portuguesa, o certo é que o autor, improvisando-se em etnógrafo, descreveu com muita riqueza e detalhes, os costumes, ocupações e demais aspetos da cultura material dos africanos, "esta porção mais desgraçada da espécie humana" ... (p. 494).

Tal académico não contente em apresentar de maneira "mais sisuda e fiel" a situação destes escravos, transforma as suas linhas em discurso engagé, dizendo que "as diversas crueldades experimentadas pelos pretos escravos em todas as idades, fazem gelar o sangue nas veias do fiel e experimentado escritor", daí sugerir a criação de uma Lei Municipal (6 artigos), que inibisse a desumanidade dos Senhores em favor de uma existência menos desgraçada para os escravos, lei esta que levaria à extinção do tráfico, e à abolição final do trabalho servil:
... "Que na África por hora venha a menor porção dela, que puder vir (escravos), e que para o futuro dilatando-se pela observação o mesmo sistema, se levantem as mãos aos céus, louvando a omnipotência de Deus, que por um destino feliz fez desterrar, e desaparecer par sempre a escravidão dos pretos a todos odiosa." (p. 55).

Lastimamos informar que tal obra, edição do. Autor, dado o pequeno número de exemplares publicados, é dificilmente encontrada nas bibliotecas e livrarias do Brasil.
Todos os exemplares foram enviados de Lisboa ao Rio de Janeiro, onde foram rapidamente distribuídos. Há, entretanto, uma outra possibilidade para quantos não tenham tido a felicidade de obter um exemplar deste importante trabalho: tal estudo foi igualmente publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nos 89-90 e 91-92 de 1968, n.ºs 93-94 de 1969. Em tal publicação, de acesso relativamente fácil, poderá o leitor comprovar o grande valor e interesse desta pesquisa, e como eu, agradecer a António Carreira a trabalheira que nos poupou, sistematizando tão bem esta importante parte dos manuscritos do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças de Lisboa.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23102: Historiografia da presença portuguesa em África (309): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (13) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22604: Historiografia da presença portuguesa em África (284): História breve da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
O seu a seu dono, era uma tremenda injustiça não referir este ensaio inserido num número da revista "Ultramar" onde há outros trabalhos que merecem destaque, como é o caso do artigo de António Carreira dedicado à Guiné e às ilhas de Cabo Verde, o estudioso refere a sua unidade histórica e populacional, bem como o artigo de Rogado Quintino, sobre os temores ao Deus-Irã, entre outros. Em dezenas de páginas, o historiador Banha de Andrade circunscreveu-se à problemática do descobrimento da Guiné, ao histórico da presença portuguesa até à I Guerra Mundial e dados civilizacionais como as missões. Discreto e sóbrio, nada propagandístico, não há para ali nenhuma mentirola sobre os nossos cinco séculos na Senegâmbia.

Um abraço do
Mário



História breve da Guiné Portuguesa

Beja Santos

É do conhecimento geral que a Guiné Portuguesa não dispõe de um livro histórico minimamente atualizado. Houve tentativas, no todo ou na parte, deixaram o seu rasto, e a sua leitura é recomendada. Logo João Barreto com a sua “História da Guiné (1418-1918) ”, de 1938; a “Guiné Portuguesa” de Avelino Teixeira da Mota, 1954; Mário Matos e Lemos publicou “Os portugueses na Guiné – apontamentos para uma síntese”, em 1917; e possuímos uma vasta bibliografia parcelar com autores como António Carreira, José da Silva Horta e Eduardo Costa Dias, Carlos Lopes, Peter Karibe Mendy, René Pélissier, Armando Tavares da Silva, Julião Soares Sousa, Francisco Travassos Valdez, Philip Havik, António Duarte Silva, Francisco Henriques da Silva e este autor. Mas havia um esquecimento imerecido, na revista “Ultramar” N.º 32, 1968, dedicado à Guiné tem destaque a história breve da Guiné Portuguesa, de António Alberto Banha de Andrade, historiador e professor universitário.

O seu ensaio é organizado em torno dos problemas da descoberta da Guiné, da soberania portuguesa e da civilização, com destaque para os problemas de missionação. Pode trazer muitos dados consabidos, outros entretanto aclarados, mas o historiador consulta fontes probas, fez uma súmula de acontecimentos que ajudarão o investigador e o curioso. E como? Falando da origem do termo ‘Guiné’, das viagens em torno da Costa de África e quando se dobrou o Cabo Bojador, a ignorância dos nautas portugueses e dos árabes era profunda quanto a geografia e as populações residentes. Recorda o autor as viagens feitas no interior do continente para contatar o chefe dos Mandingas no alto Níger, Diogo Gomes subiu pelo Gâmbia até Cantor. “Duarte Pacheco Pereira, em 1505, informa que os portugueses denominam Guiné a Etiópia que se estende do rio Senegal até ao cabo da África”. Sonhava-se em chegar a Tombuctu, era a miragem das relações comerciais. E mais adiante, já precisando a descoberta da Guiné: “Atribui-se essa glória a Nuno Tristão, morto pelos nativos do rio Grande, o atual Geba. Duarte Leite, porém, secundado por Damião Peres, acreditam nas narrativas de Diogo Gomes e Cadamosto e optam pelo descobrimento por um destes, em 1456. Avelino Teixeira da Mota ainda deixa a Nuno Tristão a glória de haver sido o primeiro português a entrar em contato com os Mandingas. Nuno Tristão não teria chegado ao atual território da Guiné Portuguesa, porque fora trucidado na região do Niumi, entre o Gâmbia e o Jumbas, a região dos Barbacins dos nossos cronistas”. Pondo ainda outros nomes em cima da mesa, conclui o autor: “Assentamos que, sendo natural ter-se efetuado o descobrimento da Guiné Portuguesa em 1446 ou perto deste ano, e nunca em 1456, as honras dessa proeza se devem continuar a atribuir a Nuno Tristão, à falta do nome do navegador que se seguiu à sua viagem e à de Álvaro Fernandes”.

Quanto ao problema da soberania, o historiador recorda a gestão do comércio cedida pela Coroa aos habitantes de Cabo Verde, o arrendamento a Fernão Gomes, a concorrência de espanhóis, ingleses e holandeses no então vasto litoral da Senegâmbia. O período filipino foi nefasto para os interesses portugueses na região, o comércio transitara para as mãos dos espanhóis, franceses, ingleses e holandeses, recuou a presença portuguesa para limites geográficos bastante próximos àqueles que irão ser definidos na Convenção Luso-Francesa de 1886. O autor refere que após a Restauração, se fundou capitanias, companhias de comércio, se mantém o tráfico de escravos, predominantemente na região de Cacheu, surge a primeira fortificação de Bissau, a ameaça da presença inglesa e o progressivo alargamento de feitorias francesas no Casamansa. Na primeira metade do século XIX, distingue-se Honório Pereira Barreto que redigiu a cáustica e exemplar “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa, causas da sua decadência, e meios de a fazer prosperar”, com data de 1843. Em 1879, a Guiné passa a ser província independente de Cabo Verde, reorganizam-se os serviços e a pressão francesa é sufocante. “A França exigiu que, em troca do apoio ao plano de ligar Angola e Moçambique, o governo português lhe reconhecesse a posse da rica bacia do rio Casamansa. Barbosa du Bocage, ministro dos Negócios Estrangeiros, aceitou a condição. Entretanto, novo Governo subiu ao poder, e o progressista Henrique de Barros Gomes, que sobraçou aquela pasta, não aprovou, de entrada, a renúncia do seu antecessor. Porém, era tarde de mais e as negociações foram fechadas”. O autor explana sobre a organização administrativa da colónia e releva a Carta Orgânica de 31 de maio de 1917.

A última parte do trabalho de Banha de Andrade prende-se com a questão da civilização, é uma presença praticamente reduzida ao litoral durante séculos, o contributo cabo-verdiano é determinante, a presença tem destaque no Casamansa, em Cacheu, em Bolola, na região de Buba, em Bolama e outros locais dos Bijagós. O autor socorre-se de documentos como o de Francisco Lemos Coelho, do século XVII, que dá um retrato da presença portuguesa na região. A história missionária que Banha de Andrade aqui descreve tem afinidades com o trabalho incontornável do padre Henrique Pinto Rema sobre as missões católicas na Guiné, digamos que as missões foram mal sucedidas menos por encontrar populações evangelizadas, mais pelos problemas do clima e a hostilidade dos comerciantes e traficantes. Tal como estudou Teixeira da Mota, Banha de Andrade faz menção a uma visita pastoral do Bispo de Cabo Verde à Guiné, ilha de Bissau, onde chegou D. Vitoriano do Porto, em 27 de março de 1694. O régulo recebeu-o ao som de música. Depois D. Vitoriano seguiu para Farim e Cacheu e daqui regressou a Santiago, Cabo Verde.

É um estudo onde está ausente o espalhafato ou a exaltação propagandística de que os portugueses estavam presentes por toda a Guiné, o que não tem ponta de verdade. Diz o que efetivamente aconteceu nas missões e recorda aquela figura invulgar do Padre Marcelino Marques de Barros, autor do livrinho “Literatura dos Negros” e o primeiro arremedo de dicionário português-crioulo. É de elementar justiça pôr o trabalho de Banha de Andrade na bibliografia geral sobre a Guiné Portuguesa.


António Alberto Banha de Andrade
Almirante Teixeira da Mota
Obra de 1973 em que Teixeira da Mota republicou o seu incontornável trabalho sobre o descobrimento da Guiné.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22587: Historiografia da presença portuguesa em África (283): Texto dos acordos de Argel, Lusaka e Alvor e seus anexos

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20270: Antropologia (34): Cultura e tradição na Guiné-Bissau, por António Carreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Ao lermos este texto, com mais de trinta anos de idade, podemos dar conta da solidez cultural deste historiador maior das coisas de Cabo Verde e da Guiné, incontornável quando escreve sobre o sistema esclavagista ou grupos étnicos e até panaria, possuía uma curiosidade que não se apagava, tinha a coragem de corrigir opiniões e a dívida cultural com que lhe ficamos é desmesurada. Basta ler este singelo texto que apresentava na Cooperativa Árvore do Porto uma exposição de artes plásticas que exibe escultura da melhor que há em África.

Um abraço do
Mário


Cultura e tradição na Guiné-Bissau, por António Carreira

Beja Santos

António Carreira
Em junho de 1984, a Cooperativa Árvore promoveu uma exposição sobre cultura e tradição na Guiné-Bissau, António Carreira foi convidado a apresentar o país, os dados culturais e o valor da tradição nas manifestações artísticas.

Depois da localização geográfica e de uma síntese histórica, desvelou a estrutura económica, que resumiu deste modo:
“A base fundamental da sua economia assenta na orizicultura e no cultivo dos milhos, como cereais de sustentação; e da mancarra, como produto de exportação. A cultura desta última teve início entre 1942 e 1945. Ao mesmo tempo há o aproveitamento dos frutos da palmeira-do-azeite, nos quais se extrai o coconote e o chamado azeite vermelho.
A orizicultura e o aproveitamento da palmeira-do-azeite constituem a actividade principal dos povos do litoral desde tempos imemoriais; processa-se através de uma técnica bastante aperfeiçoada pela requintada preparação das lalas (planícies alagadas ou alagáveis) e que prontas para o cultivo do arroz tomam a designação de bolanha. A preparação consiste na feitura de camalhões e diques de defesa que permitem a entrada da água do mar e dos rios em quantidades adequadas e, ao mesmo tempo, a descarga dos excedentes quando atingem determinados níveis. O cultivo do arroz nas terras do Quinara e do Tombali, foi introduzido no segundo quartel do século XIX pelos Balantas emigrados na região de Mansoa. À parte este tipo de culturas de arroz, processa-se um outro chamado Pampã, nas terras de sequeiro, sobretudo como cultura intercalar nos palmeirais. Trata-se de uma variedade de arroz especial, temporão, que permite acudir às necessidades alimentares nos períodos entressafras”.

E apresenta o mosaico étnico e a dinâmica cultural nos seguintes termos:
“No concernente à organização social, as comunidades étnicas e étnico-linguísticas mostram-se no geral bem organizadas, coesas, respeitando as suas tradições, os seus hábitos, comportamentos e costumes, tanto quanto o consentem as transformações sofridas nas últimas cinco décadas.
Em matérias de organização política tradicional, necessariamente em decadência, o factor mais saliente é o impacto produzido pelo contacto com outras culturas mais dinâmicas, podemos (ou poderíamos) compartimentar as etnias em dois grandes grupos, sobretudo às crenças ou cultos professados:

1) – o dos que possuem estruturas políticas fortes e eficientes dominando a área do Centro-Leste – Mandingas, Fulas, Beafadas, etc., uns ainda animistas, a grande maioria islamizados; e, no Litoral, os Papéis-Brames, localizados na área compreendida entre a margem esquerda do rio Cacheu até à ilha de Bissau (todos eles animistas). Em todos estes grupos, as autoridades dispunham de poder efectivo sobre as populações das respectivas áreas de jurisdição. Esse poder foi cedido indolentemente, quer devido à presença europeia quer pela mentalização da juventude.

2) – outro, dos que nunca possuíram o tipo de organização acima referido – Balantas, Felupes, Baiotes, Bijagós e outros – agrupando-se em comunidades de povoados, mais ou menos numerosos e submetendo os seus pleitos e conflitos à decisão do Conselho dos Grandes.
Os islamizados não ultrapassam os 40% da população total. A influência do Islão foi, quanto a nós, decisiva em muitos e amplos aspectos da vida deste mosaico. O Djila (negociante ambulante, em regra do grupo Mandinga) ao percorrer as regiões de animistas aproveitava-se da oportunidade para difundir o credo islâmico, isto começou pelos alvores do século XV-XVI e perdurou.

A título de exemplo, aponta-se a mandiguização do Balanta localizado na margem direita do rio Farim, conhecido por Balanta-Mané (Mané, apelido Mandinga), que de Balanta nada possui já; ao passo que do Mandinga assimilou o tipo de habitação, a técnica agrícola, o vestuário, os sistemas matrimoniais, a sucessão pela linha matrilinear, etc. Mas, para além destes aspectos, apontam-se a influência de grupos de cultura arabizada junto dos Nalus e dos Sossos (das áreas localizadas entre os rios Cacine e Cumbijã) que não só adoptaram o islamismo como religião (islamismo do tipo africano, entenda-se), como as regras de matrimónio (até aos anos 1930, os Sossos e os Nalus só faziam o casamento por troca, por ignorarem o sistema do dote ou compensação). E consoante a progressão do islamismo, assim puseram de lado a escultura em madeira de máscaras rituais em que ambos foram exímios. É ver as fabulosas máscaras Bandá, Ninte-Camatchol, etc., tão procuradas pelos coleccionadores europeus e norte-americanos. Não foram todavia só os Nalus que empobreceram os seus valores culturais. Os Manjacos, bons escultores de postes com figuras zoomórficas e antropomórficas, destinados a certos rituais e a assinalar as campas de indivíduos de alta posição social, decaíram ou desapareceram dos seus costumes.

O Corão proíbe toda esta simbologia esculpida. O islamismo, por muito que tenha oferecido aos animistas, foi o principal responsável pela decadência (e desaparecimento) da arte escultural dos Nalus, dos Sossos, dos Manjacos e dos próprios Bijagós. Isto contudo não impede que as apresentemos sob um outro esquema, embora simplificado. 
Assim, temos:

- Grupos étnicos nitidamente diferenciados, usando línguas aglutinantes do tipo das semi-bantas, definidas pelo uso de prefixos de classe e prefixos de concordância: Balantas e Bijagós, ambos com formas dialetais; Felupes-Baiotes; Banhuns-Cassangas.

- Grupos étnico-linguísticos nitidamente determinados: Papel-Brame (ou Mancanha)-Manjaco. A par deles a minoria Caboiana ou Cobiana (da região de Caboi) com um linguajar típico misto do Banhum-Cassanga e do Manjaco. Todos eles animistas. Os grupos de fundo linguístico semi-banta, incluindo minorias, abrangem 59,1% da população global (censo de 1950).

- Grupos étnicos falando línguas do tipo sudanês, definidas pelo emprego de sufixos plurativos, todos eles islamizados:

Mandingas e etnias mandinguizadas: Beafadas, Nalus, Sossos, Bambarãs, Saracolés, Landumás, Jalofos, Jacancas, Pajadincas. A par destes, apontam-se também os Balanta-Mané e os Cunantes ou Mansoancas, que usam um linguajar fortemente influenciado pela língua Mandinga; Fulas e os seus diferentes ramos: Fula-Preto, etnia constituída pelos antigos escravos das mais diversas origens, conhecidos também por Fula-djom, Fula cativo, em Mandinga e Fula Matchudô, em Fula; Fula-Forro, o havido por nobre ou filho de pais de longa data alforriados no ato de rapar a cabeça; Futa-Fula ou Fula do Futa – do Futa Djaló ou do Futa Toro, este também conhecido por Toranca e Tôrôdô; Fula do Boé ou Boenca, o oriundo da área do Boé-Kadé.”

No termo do seu trabalho da apresentação da exposição de artes plásticas da Guiné-Bissau no Porto, o historiador refere a importância do crioulo, considerando que todos estes dados somados são definidores de uma extraordinária diversidade, caso ímpar na diminuta dimensão de um território.



Imagens da arte Bijagó, reproduzidas do site Bestnet Leilões, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19840: Antropologia (33): "Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola", por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-China, 2015 (3) (Mário Beja Santos)