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domingo, 6 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21614: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (13): O Elias Parafuso e o bolo de chantili


Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos "Duros de Nova Sintra", a CART 2711 (1970/72). 

A CART 2771 foi para Nova Sintra em 8 de dezembro de 1970, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCAV 2765, assumindo logo a seguir a responsabilidade do respectivo subsector (Nova Sintra). Era comandada pelo cap art Vasco Prego Rosado Durão, daí talvez ter passado a chamar-se os "Duros de Nova Sintra. Pertencia ao BART 2924, sediado em Tite, Sector S1. Em 20 de agosto 72, foi rendida pela 2ª C/BArt 6520/72,


Foto: © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais uma pequena história do 

(i) ex-fur mil, defurriel mil, 2ª  C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 16 referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.



O Elias Parafuso e o bolo de chantili

por Carlos Barros


Estavam os graduados a jantar na Messe, um arroz com salsichas, para variar (era quase sempre este prato…). Na mesa estavam vários furriéis: Barros, Elias, Mendonça, Ferreira, Sousa,  Gonçalves e no final do jantar havia um bolo de aniversário, já que um  desses  militares fazia anos e o Cozinheiro Bichas, com apoio do  Cunha,  fizeram um bolo cremoso e muito chantilizado….

Olhámos para esse “delicioso” bolo e ninguém teve apetite em comê-lo. O Barros fez então uma proposta:

 Quem me der 50 pesos,  atiro o bolo à cara do Parafuso [, furriel Elias, mecânico]!

Mal recolhidos 30 pesos e, quando menos se esperava, o Barros pega no bolo e atira-o contra a cara do infeliz Elias que ficou sem ver…

Passados segundos, todo besuntado, o Elias lá se recompôs, com um guardanapo limpou a cara e todos se riram pela ousadia do Barros. O  Ferreira não tinha dado o dinheiro que prometera  e só o daria  afiançava ele − caso o Barros  mandasse o resto do bolo que tinha sobrado, outra vez à cara do Elias…

Claro que este camarada não contava com o segundo ataque  e o Barros, quando ninguém esperava, mandou novamente o bolo ao nariz do Elias que ficou furioso e, com o rosto cheio de chantili, levantou-se para atacar o Barros…

Este,  ágil como uma pantera, com muita experiência no mato e bem preparado fisicamente,  fugiu do Elias, e, em plena escuridão, o Parafuso  correu  atrás dele e, com tanto azar, que  enfiou uma perna  num buraco do saneamento que estava destapado…

O azarento do Elias ficou K.-O. e aleijou-se no joelho esquerdo, ficando a mancar e,  deste modo,  estava acabada a perseguição ao Barros!

O Barros desapareceu na escuridão e não regressou à Messe porque o Elias Parafuso “vomitava fogo” mas já estava “entornado”,  como sempre…

No dia seguinte, os dois “beligerantes “ encontraram-se  na messe, ao pequeno almoço, com os ânimos serenados, nada aconteceu , foi um abraço fraterno em mais um dia passado, num ambiente de guerra, muito  “engraçado,”  sempre desgastante... 

Afinal, estas  peripécias mudavam um pouco a terrível rotina em que vivíamos.

Neste campeonato das festas de S. João que decorria na Metrópole, o resultado foi: Barros, 1;  Elias, 0… Enfim, pequenas histórias da Guiné...

Nova Sintra, 26 de junho  de 1973


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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21517: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (10): Relembrando a morte, por acidente com um dilagrama, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Bolama >  c. jun/jul 1973 > O jardim colonial,  com a estátua em bronze de Ulysses S. Grant (1822-1885), o presidente norte-americano que em 21 de abril de 1870 resolveu, por sentença arbitral, a questão da soberania de Bolama, disputada entre Portugal e a Grã-Bretanha... 

A estátua em bronze desapareceu em 2007, sendo mais recentemente substituída por uma em cimento, A foto é do nosso camarada Luís Mourato Oliveira, que em meados de 1973 fez um estágio,  de preparação para o comando de subunidades africanas, no Centro de Instrução Militar (CIM)  de Bolama. Um ano antes, estiveram  aqui o Carlos Barros e a sua 2ª CART / BART 6520/72 a fazer a IAO.

 Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Carlos Barros, Esposende


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros [, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; membro da Tabanca Grande nº 815; vive em Esposende, é professor reformado]

Recorde-se que o BART 6520/72 foi mobilizado pelo RAL 5 (Penafiel), tendo embarcado em 23 de junho de 1972 (Cmd, CCS e 2ª Companhia )... Após a realização da IAO, com as suas companhias, de 30 de junho de 1972 a 26 de julho de 19l72, no CIM, em Bolama, seguiu, em 28 de julho de 1972 ara o sector de Tite, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com o BArt 2924.

Em 20 de agosto de 1972, assumiu a responsabilidade do Sector SI, com sede em Tite e englobando os subsectores de Tite, Jabadá, Nova Sintra e Fulacunda, este até 4 de janeiro de 1973, por transferência para a zona de acção do COP 7. Em 19 de junho de 1973, por extinção do COP 7, a zona de acção do batalhão foi alargada com os subsectores de Fulacunda e Ganjauará.

Desenvolveu intensa actividade operacional, orientada para a realização de patrulhamentos, emboscadas, reconhecimentos ofensivos e acções sobre os grupos inimigos instalados na área, além de garantir a segurança e protecção das populações e a reacção contra flagelações efectuadas sobre os aquartelamentos e aldeamentos.

Dentre o material capturado mais significativo destacam-se: 1 metralhadora ligeira, 2 pistolas-metralhadoras, 8 espingardas, 1 lança-granadas foguete e a detecção e levantamento de 38 minas.

Após ter coordenado a desactivação e entrega do subsector de Nova Sintra ao PAIGC, em 17 de julho de 1974, recolheu em 20 de agisto de 1074 a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, tendo as subunidades dos restantes subsectores assumido a responsabilidade das medidas de desactivação e entrega dos aquartelamentos respectivos: Jabadá (1º Companhia), Nova Sintra (2ª Companhia) e Fulacunda (3ª) Companhia.
 

Relembrando a morte, por acidente com  um dilagrama, no CIM de Bolama, em  10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo  (CCS/BART 652o/72)

 por Carlos Barros (**)


Em Bolama, quando os militares da 2ª CART/BART 6520/72 estavam a fazer a IAO, uma pré –preparação militar para nos ambientar à guerra, a carreira de tiro era o local onde treinávamos com o material de guerra: G3, bazucas, dilagramas, morteiros 60...

Foi um mês [. junho / julho de 1972,] de intenso treino com “fogo real”…

O furriel Barros tinha estado, no quartel,
perto do rio Geba, não longe do destacamento dos dos fuzileiros, com o seu amigo, alferes Carlos [Manuel Moreira de Almeida]  Figueiredo, da CCS [, natural de São Pedro do Sul,] e, numa conversa amena, este tinha-lhe confessado que estava farto da carreira de tiro e que ia pedir ao comandante para o deixar descansar.

O Barros ouviu o seu desabafo do seu amigo e concordou com a ideia do Alferes, seu amigo, porque não era fácil ouvir tanto tiro, tanto rebentamento, durante semanas “a fio”!

No dia seguinte, o pelotão do Barros estava no mato em exercícios militares e vê uma urna a ser transportada numa viatura militar. Perguntou a si mesmo, o que teria acontecido? ...

Naquele momento, uma grande e mortífera cobra passou por ele... O Barros não fez qualquer movimento e ela seguiu o seu caminho…

Em pleno treino, na carreira de tiro, no lançamento de um dilagrama, com defeito de fabrico, uma granada deflagrou-se inesperadamente, e atingiu mortalmente um cabo de outra companhia (talvez de Empada) e o Alferes Figueiredo, ficando os dois irreconhecíveis.

À noite, o Barros e outros camaradas foram jantar num designado Hotel, mas não conseguiram jantar, e os pratos encheram-se de lágrimas de dor!

Perdeu-se um amigo num insólito acidente e  o Barros pensava:

Ao fim de quinze dias de  Guiné, já temos dois mortos!...

Foram noites sem dormir, e foi este o primeiro “banho de tragédia e sofrimento” que ele sentiu.

Meus Deus, dizia ele para os botões do seu camuflado:

 Irei resistir a isto?

Com muita sorte, o pessoal da companhia resistiu em 24 meses e 48 dias de guerra, tendo regressado à Metrópole, no dia 10 de agosto,

 Talvez o dia mais feliz da minha vida!...− exclamou ele.

Carlos Barros

Furriel Miliciano

Guiné 1972/74

Nova Sintra, 26 de junho de 1973 
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28 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21398: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (8): os meus livros de bolso, da RTP, oferecidos pelo MNF, em 25/1/1973, deixei-os a alguns guerrilheiros do PAIGC, em 17/7/1974... E comigo trouxe "farrapos" da nossa bandeira, e ainda os guardo, como símbolo do nosso sofrimento e coragem

19 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21371: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (7): os craques da bola...

14 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21358: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (6): a evaporação das cervejas

12 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21349: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (5): A visita da Cilinha ao destacamento de Nova Sintra, em 1973...

7 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21332: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (4): A cabrinha Inha...

4 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21325: Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (3): As ratazanas (e o PAIGC) ao ataque em Gampará

3 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (2): A fuga da 'beijuda

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21408: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (9): Doidas, doidas, doidas... andavam as galinhas!



Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > Jovens balantas en traje de festa

Foto do álbum do Rui Esteves, ex-furriel miliciano enfermeiro (CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73), e que vive em Vila Nova de Gaia; é um dos primeiros membros da nossa Tabanca Grande.  (*)

Foto (e legenda): © Rui Esteves (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, enviada por mensagem de 26 de junho passado:


Doidas, doidas, doidas... andavam as galinhas!



por Carlos Barros (**)



Eu, ex-furriel miliciano, 2ª CART / BART 6520/72, fui escalado para manter a segurança, na estrada Tite-Bissássema e levei o meu grupo (3º) para colocar os soldados, nos diversos postos, estrategicamente situados ao longo dessa estrada. 

Por volta das 11h40,  andavam umas galinhas, bem gordinhas, a “pastar”. Os nativos Balantas e Biafadas, tinham as galinhas contadas e matar uma era um risco porque o Comandante teria de atuar disciplinarmente, pois nessa altura vigorava a política de Spínola, por uma “Guiné melhor",  e não se podia molestar ou maltratar um africano guineense, o que se compreendia, no contexto dessa política “ultramarina”…

Disse ao soldado Lurdes, natural do Vitorino de Peães, concelho de Ponte de Lima: 

− Ó Lurdes, atire aquele pau para enxotar aquelas galinhas!

Ele pegou num tronco seco e atirou às galinhas, mas à sorte!... O milagre aconteceu…  Não é que o pau, às cambalhotas, caiu na cabeça da galinha e matou-a fulminantemente! Nem queria acreditar!...

 −  Lurdes, vá a correr, pegue na galinha e ponha-a no bolso grande do camuflado e vamos mas é já embora− disse-lhe eu, perante o ar estupefacto dos outros soldados que estavam perto de mim, coçando-se do exército de formigas que os atormentavam…

Metemo-nos na Berliet Tramagal e só paramos no quartel de Tite. Pedi aos soldados para isto ficar em segredo.

Tenho uma foto (que ainda  não consegui enviar), em que estão o Araújo, o Guimarães e outros dois soldados  a depenar o galináceo e, como uma galinha era pouco, arranjámos mais uma, mas esta teve de ser comprada por 10 ou 20 pesos (moeda da Guiné).

Quando o Capitão, soube do nosso manjar, disse-nos:

− Vocês...estão a viver bem!

Comemos um bom arroz de cabidela, com a ajuda dos cozinheiros que participaram no repasto…

Foi das melhores refeições que tomei na Guiné… Obrigado, galinhas!...

A Guiné,  que poucas alegrias me deu, assim como aos demais militares, sempre tinha destas histórias que atenuavam o sofrimento das situações trágicas e dramáticas que vivemos.

Hoje, estou numa de escrever, e envio esta história real, passada na Guiné em 1973,  apenas como mera curiosidade no seio de um ambiente hostil em que a guerra, com todos os seus impactos trágico-dramáticos, infelizmente, “ditava lei “!

Como homem de paz vivi quase 27 meses,  num desses ambientes. 

Um abraço grande de profunda amizade mas, com confinamento…

Esposende 9 de Junho de 2020,

Carlos Manuel de Lima Barros
__________

Notasdo editor:

(*) Vd. poste de 30 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P305: A escola de Bissássema (CCAÇ 3327, 1971/73) (Rui Esteves)

(...) Em Novembro de 1971 fomos transferidos da região de Teixeira Pinto para a região de Tite, ficando a quase totalidade da CCAÇ 3327 instalada em Bissássema. Ficámos aqui até ao fim da nossa comissão de serviço.
 
(...) Instalados em Bissássema, começámos vida nova: em Teixeira Pinto, terra do povo manjaco, tínhamos servido de seguranças ao pessoal que abria a nova estrada; aqui, na terra dos balantas, íamos continuar a construção do novo aldeamento.

Passado poucos dias, chama-me o Capitão Alves (Rogério Rebocho Alves, Capitão Miliciano, comandante da CCaç. 3327, tão periquito quanto nós todos!) e comunica-me que vou ser professor dos soldados que pretendessem completar o Ensino Primário. (...)

(...) Um dia, pela manhã, descobrimos que o caminho entre Bissássema e Tite estava minado: o PAIGC tinha colocado algumas minas anti-carro no caminho e também anti-pessoal num local onde escreveram “VIVA O PAIGC”. A mina anti-pessoal foi detonada da pior maneira: um guia ficou sem a perna.

Estava descoberto tema para essa noite: os meus alunos iam escrever sobre as minas. Nunca me esquecerei da redacção do Cabral, o nosso cozinheiro, e o meu melhor aluno: escreveu ele, “Há minas boas e minas más. As minas boas são as que nós pomos aos turras. As minas más são as que eles põem a nós.” (...)


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21398: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (8): os meus livros de bolso, da RTP, oferecidos pelo MNF, em 25/1/1973, deixei-os a alguns guerrilheiros do PAIGC, em 17/7/1974... E comigo trouxe "farrapos" da nossa bandeira, e ainda os guardo, como símbolo do nosso sofrimento e coragem



Uma amostra da Biblioteca Básica Verbo - Livros RTP, uma coleção de livros de bolso, num total de 100 títulos, de autores portugueses e estrangeiros, traduzidos, lançada em 1970, pela Editorial Verbo, em colaboração com a RTP... Foi um tremendo sucesso editorial, com 15 milhões de cópias vendidas ou oferecidas... Uma boa parte foi oferecida, por intermédio do Movimento Nacional Feminino, aos militares destacados nos TO de Angola, Guiné e Moçambique. O último título publicado, o nº 100, em outubro de 1972, foi "Os Lusíadas". O primeiro tinha sido  a novela "Maria Moisés", de Camilo Castelo Branco (230 mil exemplares), O preço de capa de cada livro era de 15 escudos (, equivalente hoje a menos de 4 euros).

Fonte: Imagem adaptada, com a devida vénia do sítio joaocouto-espinho.com

 


Carlos Barros, Esposende

1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, enviada por mensagem de 19 do corrente, às 17h49, ainda a propósito da visita da presidente do Movimento Nacional Feminino  a Nova Sintra,  em 1973:

Estimado amigo.
 
A memória está ainda um pouco fresca, embora desgastada pelo tempo. É importante documentar, com testemunhos, fotografias, registos escritos e outras fontes que serão importantes para construir um pouco da história da Guerra Colonial, concretamente, no nosso caso, da Guiné.

No dia 25 de janeiro de 1973, Nova Sintra recebeu caixotes de livros, da RTP,  oferecidos pelo MNF [, Movimento Nacional Feminino] e no fim da comissão, na entrega do destacamento [, em 17 de julho de 1974,]  ofereci os meus a alguns guerrilheiros do PAIGC. 

Não sabia  se seriam lidos ou poderiam ir  parar à "fogueira"... Uma coisa é certa, eles receberam essas "obras literárias" e eu, pessoalmente, não tencionava trazê-las para a então Metrópole.

Jantamos e jogamos às cartas com o "Inimigo" e notei entre os guerrilheiros que não existia ódio nem rancor e foi uma convivência pacífica.. 

No dia seguinte, numa sessão solene do arrear da bandeira, com a 2ª Cart presente, meus companheiros,  mais os  guerrilheiros do PAIGC,  abandonamos Nova Sintra, a caminho de Tite. E, mais tarde, para o cais do Enxudé a caminho de Bissau, com as LDG  a transportar, via  rio Geba, o imenso material e os militares,  rumo  a Bissalanca. para, finalmente, nos libertarmos de uma Guerra que nunca desejámos.

Um pormenor: fui receber a bandeira de Portugal, já em mau estado,  embrulhei-a e rasguei subrepticiamente, umas pontas e ainda possuo esses"farrapos" como recordação. Uns "farrapos" que são bocados do nosso sofrimento e coragem nessas terras guineenses

No dia 23 de janeiro de 1963 o PAIGC fizera uma ataque ao Quartel de Tite, dando-se o início  da guerra na Guiné e as NT sofreram um morto e um ferido e o PAIGC 8 mortos confirmados e outros feridos graves. 

Penso que era objetivo do PAIGC atacar a prisão de Tite para libertar guerrilheiros presos. Estive em Tite uns meses e depois o meu pelotão foi destacado para Gampará, outro inferno da Guerra....

Fico-me por aqui, neste dia chuvoso que me inspirou para a escrita.

Bom fim de semana
Carlos Barros

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21371: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (7): os craques da bola...

sábado, 12 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21349: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (5): A visita da Cilinha ao destacamento de Nova Sintra, em 1973...



Foto nº 1A


Foto nº 1

Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 2ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > A visita da Dona Cecília Supico Pinti, a "Cilinha" (Lisboa, 1921 - Cascais, 2011). 

A popular figura da  presidente do Movimento Nacional Feminino é acompanhada pelo alf mil Figueira, natural de Cabo Verde (, presumivelmemte o  que está à sua direita, de bigode, vestido á civil). Ela, sempre muita elegante nas suas calças à boca de sino. como então se usavam nesse tempo, blusa preta, um grande colar, óculos escuros, cabelo sobre os ombros, e mala ao ombro... Parece abrir os braços para uma criança da tabanca sobre a qual se debruça um militar, em tronco nu, que lhe dá instruções. Possivelmente a criança iria dar-lhe uma pequena lembrança ou uma flor. 

Espantosamente, nenhum dos militares que a aguardavam, à entrada do destacamento, quase todos em tronco nu, não parecem prestar-lhe qualquer atenção, tendo dirigido a vista para algo que estaria a acontecer por detrás do fotógrafo... O Carlos Barros não nos esclarece sobre o que se terá passado... O que vem adensar o "mistério"... 

A visita da "Cilinha" era sempre motivo para grande alvoroço nos nossos aquartelamentos...Tinha um carinho especial pela Guiné e pelos militares que aí "defendiam a Pátria", a avaliar pelas diversas vezes que visitou o território, a última das quais  já em março de 1974 (*)

Foto (e legenda): © Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Nhala > 10 de março de 1974 > Visita da Cilinha > A Cilinha olha directamente para a objectiva, A seu lado o comandante de batalhão, ten cor Carlos Alberto Ramalheira, e o cap Braga da Cruz, comandante da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala. (*)

 Foto (e legenda): © António Murta  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Data: 1 set 2020 22h00
Assunto: Foto / documento histórico

Nova Sintra-Setor do Quínara-Guiné 1972/74
"Os Mais de Nova Sintra"
Bart 6520/72 - 2ª Cart


A Cilinha do Movimento Nacional Feminino, numa visita ao destacamento de Nova Sintra, em 1973

O Alferes Figueira, cabo-verdiano, grande amigo, acompanhou a visita desta "ilustre" personagem
ao nosso destacamento onde a guerra estava sempre ativa. (**)



Um abraço  Carlos Barros. ex-furriel miliciano (***)

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Notas do editor:

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21332: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (4): A cabrinha Inha...


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos Duros de Nova Sintra, a CART 2711, 1970/72... É possível que este pórtico, "Rancho dos Duros", tenha sido inspirado pelos vizinhos, mais antigos, do "Rancho da Ponderosa", destacamento de Ualada, subsetor de Empada, ao tempo da CCAÇ 1587 (1966/68).

Foto (e legenda): © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199 do álbum do João Martins > 1968 > Uma mulher fula amamentando, com o leite do seu próprio peito, a "sua" cabrinha (ou cabritinho ?), provavelmente um dos bens mais preciosos do seu escasso património familiar... Uma ternura de foto do álbum do nosso camarada João Martins, já célebre nas redes sociais.... Era mais fácil aos fulas vender-nos uma vaca do que um cabrito...

Foto: © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Carlos Barros, Esposende


1. Mais um pequena história do Carlos Barros, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974:


A cabrinha Inha

por Carlos Barros (*)
 

Os militares da 2ª Companhia de Nova Sintra, com reforços de pelotões de Jabadá (1ª C/BART 6520/72) e Fulacunda (3ª C/BART 6520/72) estiveram envolvidos na abertura da estrada Nova-Sintra –Fulacunda, em 1973.

Ao rasgar essa estrada, por entre mato denso, iriamos ter problemas com o inimigo , o que se veio a verificar já que fomos emboscados algumas vezes, tentando obstruir a nossa progressão porque esse acesso a Fulacunda não interessava militarmente ao PAIGC.

O furriel Barros estava com o seu grupo de combate na segurança da estrada, com outro grupo, e estavam homens e mulheres africanas envolvidas na descapinagem do estradão.

Verifiquei, por mero acaso, que uma indígena tinha apanhado uma cabrinha à mão que se tinha perdido da mãe e perguntei-lhe o que iria fazer com o animal. Prontamente me respondeu, dizendo que a ia matar e depois comê-la!

Abeirei-me dela e pedi que ma vendesse por 50 pesos , o que concordou perante a minha alegria, vendo que o animal não seria morto. (**)

No regresso ao destacamento, trouxe a cabrinha para o quartel, arranjei e adaptei um biberão e comprava leite na cantina e assim a Inha era alimentada por mim com todo o carinho e protecção.

Foi crescendo, dormia debaixo da minha cama na caserna e na parada do destacamento seguia-me para todo o lado.

O Capitão Cirne queria comprar a Inha mas confesso que não a vendia por dinheiro nenhum porque gostava muito do animal. A cabrinha era acarinhada pelos soldados do meu grupo, sendo a coqueluche da companhia e passeava por todo o lado, sem ninguém a molestar.

Tinha chegado a hora do jantar e, quando começávamos a comer o arroz com salsichas, vieram os soldados Cruz , Barros e Lurdes à messe e um deles disse-me:

- A Inha “adormeceu”…

Levantei-me a correr para a caserna e encontrei já morta a minha Inha, perante o meu desgosto…

O que aconteceu?

Um dos soldado deu-lhe cascas de manga e, provavelmente, teve uma congestão,  já que só se alimentava de leite e não vi outra razão…

Perdi a vontade de jantar e peguei n cabrinha, enterrei-a junto à caserna e depois coloquei uma cruz com uma lápide com os dizeres: “Aqui jaz a INHA”…

Foi um dia triste para mim e para os meus companheiros do pelotão e, nesse mesmo dia, morreu à mesma hora, uma gazela selvagem que tinha sido apanhada pelos militares e que se encontrava num galinheiro, “Gazeleiro,  improvisado….Triste coincidência…

Nunca mais desejei nenhum animal comigo, já que eles querem viver em liberdade, como todos nós seres humanos,  que, felizmente, só a conseguimos obtê-la no dia 25 de Abril de 1974.

Nova Sintra, maio de 1973,

Carlos Manuel de Lima Barros

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Notas do editor:

(*) Último postes da série > 4 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21325: Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (3): As ratazanas (e o PAIGC) ao ataque em Gampará


5 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21142: O nosso livro de visitas (206): Carlos Barros, natural de Esposende, ex-fur mil at art, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1973/74)

(**) Vd, poste de 9 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18393: Fotos à procura de... uma legenda (102): Uma mulher fula a amamentar a "sua" cabrinha!... Ainda em tempo, celebrando o Dia Internacional da Mulher (Foto de João Martins, Piche,1968)

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21325: Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (3): As ratazanas (e o PAIGC) ao ataque em Gampará



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > Mapa de Fulacunda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gampará e da Ponta do Inglês na Foz do Rio Corubal 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)




Carlos Barros, ex-fur mil at art, 
2ª C/ BART 6520/72 (1972/74)

1. Mais um pequena história do Carlos Barros, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) (*):


As ratazanas ao ataque… 

 por Carlos Barros


O 3º Grupo de Combate da 2ª CART / BART 6520/72  foi destacado para Gampará, um pequeno inferno de guerra, zona conquistada “recentemente” ao PAIGC e que este movimento guerrilheiro nunca deixou de atacar, de uma forma insistente: eram constantes flagelações ao aquartelamento, inúmeras emboscadas no mato, em suma, era a guerra em toda a plenitude…

A maioria dos militares dormia ao ar livre, no período mais quente e outros recolhiam-se nas casernas, feitas de adobes com cobertura de chapas de zinco, onde o frio e a chuva, tinham entrada livre…

O furriel Barros dormia numa caserna, sobre um colchão de espuma, sem lençol, e dormir nestas condições era terrível já que a ansiedade estava constantemente presente, devido aos ataques dos guerrilheiros inimigos para além dos mosquitos, inimigo número um dos militares “metropolitanos”…

Os ratos eram às centenas, atacavam os militares, subiam pelas paredes dos adobes e “guinchavam” numa melodia de sons agudos e incomodativos.

Um dia, para fazer face a esta praga, o Barros pediu aos mecânicos da companhia para fazerem uma ratoeira e, passados dois dias, apareceu,  ao furriel, uma ratoeira cheia de molas, parafusos e outras “tecnologias”. Ratoeira montada durante uns dias, e os ratos entravam e saiam da ratoeira num gozo irritante…O Barros sentia-se ultrajado e agiu…

Fez uma ratoeira simples, com tábuas dos caixotes das batatas, uma caixa forrada com folheta, das latas de conservas, uma porta “levadiça”, um arame em caracol, com isco, a segurar a entrada da ratoeira improvisada e, no final, de uma semana, o Barros tinha apanhado 47 ratazanas, sim, foram quarenta e sete, nada mais , nada menos que essa quantidade de ratos…

E o que fazia o Barros, todas as manhãs? Imagine-se!...

Colocava as ratazanas num bidon, regava-as com gasolina e soltava-as numa curta corrida contra a morte…

Hoje, não faria isto, mas a guerra transtorna as nossas mentes e a realidade foge-nos…

O Barros não ficou com a patente da armadilha, pelo contrário, deu a conhecer aos “artistas inventores” dos condutores a estrutura e o funcionamento do mesma e, a partir daí, o furriel Barros, era o grande inventor e o inimigo das ratazanas… O Barros apanhava, e a população nativa, levava a “mercadoria” para as suas tabancas, para comerem como “pitéu”…

Em Gampará havia alguma população e eram maioritariamente Balantas e Mandingas e as ratazanas assadas eram comidas por esta população e vi, muitas vezes, eles nas bolanhas secas, com uma catana, esburacarem as tocas para apanharem esses roedores para sustento da família….

Como curiosidade, e um pouco aparte desta história, segundo censo de 1960, a população total da Guiné era de 521 336 habitantes, dos quais 519 229, constituíam a população residente.

A densidade populacional média, para toda a “Província” aproximava-se dos 15 habitantes por Km2.

No grupo mandinga contam-se os Mandingas, os Saracolés, os Bombarás, os Jacandas, os Sossos e os Jaloncas. A Guiné tinha uma diversidade étnica muito grande: Balantas, Manjacos, Mandingas, Papel, Brame, Fulas, Beafadas,Bijagós, Felupes, Torancas…Estas etnias e muitas outras, eram constituídas por vários subgrupos, numa complexidade tal, que a convivência entre eles não era fácil, como se pode depreender.

Estes dados é apenas , para dar a conhecer um pouco da população guineense mas, muito mais poderia descrever…

Uma coisa é certa, o Barros continuou na sua luta contra os ratos, uma longa guerra que continuou no tempo e, no final da Comissão, já em Esposende, contei esta história à minha família e amigos meus que a acharam engraçada e curiosa…

Carlos Barros
Esposende, 19 de junho de 2020
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quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (2): A fuga da 'beijuda'


Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite  (1955) > Escala 1/50 mil > Alguns topómimos mais conhgecidos: Tite, Enxudé, Jabadá, na margem esquerda do Rio Geba.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)




Carlos Barros, Esposende


1. Mais um pequena história do Carlos Barros, um dos Mais de Nova Sintra, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) (*):



A fuga da “beijuda" 

por Carlos Barros


O 3º Grupo de Combate dos “Mais de Nova Sintra” foi garantir a segurança da estrada Tite-Enxudé, um acesso de extrema importância, uma vez que o cais do Enxudé [vd. infografia acima], garantia o acesso, por via marítima e fluvial, à cidade de Bissau, através da utilização de pequenas embarcações para o transporte de tropas, material de guerra e outras mercadorias..

No seu abrigo, o Barros entretinha-se a comer castanhas de caju oferecidas por um grupo de crianças que, geralmente, recebiam sopa quentinha vinda da cozinha de Tite, que era pedida pelo furriel Barros.

Sobrava sempre sopa,  já que a maioria dos soldados não a comia e, deste modo, “matava-se a fome” àquelas gentis e simpáticas crianças que, com os seus sorrisos, alegravam o ambiente.

De repente, ouviu-se uma gritaria tremenda:

− Socorro, socorro, ele vem atrás de mim!  −  uma jovem beijuda africana que fugia de um pretendente ao casamento…

− Furriel, ajude-me, ajude-me!…

O Barros não se queria envolver numa situação complicada e que não lhe dizia respeito e respondeu à jovem para fugir para a mata densa,  que depois  ria despistar o intruso…

Passados momentos, numa correria louca,  apareceu o africano, suando por todos os poros da pele, e perguntou ao Barros se tinha visto a beijuda...

O Barros respondeu-lhe que sim e que ela tinha fugido por aquele caminho, totalmente oposto ao percurso seguido pela jovem africana…

Naturalmente que os dois jamais se encontrariam e até ao final do dia, nunca mais soube do desfecho daquela “intriga” não palaciana mas... "tabancaciana"- 

− Acontece-me cada uma! −  desabafou o furriel Barros para um soldado que o acompanhava na segurança… 

Para esquecer isto, o Barros convidou o amigo para beberem uma cerveja fresquinha que estava dentro de um balde com água perto do Unimog…

Tite,  1972

Ex-furriel Barros
2ª C/BART 6520/72

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21318: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (1): Bacari, o caçador furtivo

Guiné 61/74 - P21318: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (1): Bacari, o caçador furtivo



Guião do BART 6520/72 (Tite,  1972/74). 
Coleção: Carlos Coutinho
(com a devida vénia...)


Carlos Barros, ex-fur mil at art, 
2ª C/BART 6520/72 (1972/74).
"Os Mais de Nova Sintra"

1. Vamos dar início à publicação de algumas "pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra", série da autoria  do novo membro da Tabanca Grande, Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74).

 O nosso camarada é professor aposentado e  um  apaixonado pela  sua terra natal, Esposende, em cuja vida comunitária continua a participar proativamente. (*)


Bacari, o caçador furtivo

por Carlos Barros


O Bart 6520/72, o nosso Batalhão de Artilharia, já tinha 18 meses de Comissão e o tão ansiado regresso à Metrópole, estava cada vez mais próximo. Havia um redobrado cuidado nas saídas para o mato e no cumprimento das normas de segurança ao destacamento de Nova Sintra, guarnecido pela 2ª Companhia. 

O arame farpado era constantemente vigiado assim como qualquer acesso ao destacamento porque o inimigo era astuto e conhecia bem o terreno.

Numa tardinha, na despedida do astro-rei, o vigia a um dos postos viu um vulto no meio de capim à espreita e foi dado o alarme porque poderia ser um guerrilheiro do PAIGC. Via-se a cabeça a mover-se entre as ressequidas ervas do capim e o soldado avisou:

 Quem está aí, levante os braços e entregue-se! 

O militar poderia ter disparado mas teve o bom senso de tomar as devidas cautelas e com a arma G3 em posição de fogo apontou ao “fantasma”…

Ouve-se um grito:

− Não dispare , não dispare, sou o Bacari!

O Bacari era um elemento da povoação nativa que andava sempre à caça e, muitas vezes de noite, não avisava os militares de Nova Sintra, o que punha em risco a Companhia.

Felizmente, o desfecho não foi trágico mas poderia ter sido e este amigo foi avisado para nunca mais sair de noite para caçar, o que cumpriu até ao final da Comissão [, ou seja, até 17 de julho de 1974].

Ao amigo Bacari, nesta noite, tinha-lhe saído a sorte grande…

Nova Sintra,  1974

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Nota do editor:

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21316: Tabanca Grande (501): Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) que passa a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 815... É natural de Esposende e professor aposentado.


Carlos Barros, novo membro da Tabanca Grande, nº 815. Foi fur mil at art, 2º CART / BART 6520/72 (1972/74), "Os Mais de Nova Sintra"


1. Mensagem de Carlos Barros, ex-fur mil. 2ª CART / BART  6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) (*), que passa a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 815:


 
Data: 18/06/2020, 20:43

Um pouco da minha biografia:

(i) Sou Professor Aposentado, casado, embora continue , como voluntário num Projeto de Leitura/Literacia, numa Escola do Concelho de Esposende, "Escola de Mar";

(ii) sou dirigente, há mais de 15 anos,  da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Esposende (AHBVE);´

(iii) pertenço à  Redação do Jornal "Farol de Esposende!,  redator permanente;

(iv) organizo anualmente, o Encontro/Convivio dos "Mais de Nova Sintra, (vamos no 45º),  sempre no Centro do País: Mealhada-Águeda-Recardães:  o 1º organizador foi o furriel José Sousa Gonçalves (12 anos seguidos,  de 1975 a 1987) e agora sou eu, nas calmas e faço-o com muito carinho;

(v) intervenho noutras atividades -Futebol;  fui Presidente da ADE (, Associação Desportiva de Esposende) e dirigente muitos anos;

(vi) em suma, sou um cidadão simples, humilde , solidário e interveniente.

Fico por aqui...Um abraço
Carlos Barros (Ex-furriel Miliciano)
Bart 6520/ 2ª Cart.

Nota: Todos os nossos testemunhos serão importantes para construir a História da Guerra Colonial

2. Resposta do editor LG, na volta do correio:

Carlos, então somos colegas, ambos somos professores, um profissão nobre...Na tua terra, Esposende, tenho amigos... E há um camarada do nosso blogue, que esteve comigo em Bambadinca, em finais de 1970, o Mário Miguéis da Silva, bancário reformado e talentoso cartunista... És capaz de o conhecer...Esteve no Saltinho, não muito longe de ti, que estavas m São João, mais a sul..

Mas vejo que não me mandaste nenhuma foto, das que te pedi, uma mais ou menos atual, e outro do "antigamente"... Vê lá isso, para eu te poder apresentar à Tabanca Grande, com pompa e circunstância... E também consegui abrir as fotos da entrega do aquartelamento de Nova Sintra, em 17 de julho de 1974, e outras do teu álbum, que me mandaste e que querias partilhar com os nossos leitores. Aguardo a 2ª via,

Boa saúde, boa reforma, bom desconfinamento... Luís

3. No mesmo dia, 18 de junho, às 22h43, o Carlos Barros respondeu:

Boa noite:

O Mário Miguéis é meu conterrâneo e grande amigo de infância. Estudamos juntos em Esposende, é um ano mais velho que eu, no Externato Infante Sagres.

A família são talentosos em "cartoon", todos eles, com ligeiras diferenças no talento. No ano passado fui a Lamego visitar o irmão. o Arquitecto Quim Miguéis.

Sabia que tinha estado em S. João onde esteve o alferes Garcia que faleceu assim como o nosso capitão da Companhia, Armando Cirne.

Ser professor é algo de dignificante e marcante na sociedade, sem desprimor para as demais profissões. Ser professor é ser diferente...

Por hoje é tudo. Um abraço e b.f.s.

Bom fim de semana.
Carlos Barros
Esposende 

4. Comentário de L.G.:

As tais fotos "históricas" não há maneira de cá chegarem... Mas entrentanto o Carlos Barros tem estórias do seu tempo de "soldado do fim do império" que aguardam publicação. Para não atrasar mais a sua edição, o Carlos Barros fica apresentado à Tabanca Grande, o que já devia ter acontecido há  dois meses atrás. Senta-se agora no lugar nº 815 (**), não precisa de pedir mais licença para entrar... Tem página no Facebook.

Sobre a sua companhia e batalhão, a 2ª CART / BART 6520/72, acrescentaremos o seguinte; mobilizados pelo RAL 5, partiram para o TO da Guiné em 23 de junho de 1972 e regressaram a 21 de agosto de 1974. Oficialmente estiveram em Nova Sintra e Bissau. Comandantes de companhia: cap mil inf Armando da Fonseca Cirne; cap art José Manuel Campante de Carvalho; e cap mil inf João Barbosa Machado. E ficaram justamente conhecidos pro "Os Mais de Nova Sintra".

O comano e a CCS do BART 6520/72, por sua vez esteviveram, em Tite, tendo por  o batalhão por comandantes o ten cor art Rui Ferreira dos Santos, e ten cor art Fernando José de Alemeida Mira. 

A 1º CART esteve em Jabadá e Bissau (cap mil inf José Pereira Baptista Dias), e a 3ª CART em Fulacunda (cap mil inf José João Mousinho Serrote).
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Notas do editor:


domingo, 5 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21142: O nosso livro de visitas (206): Carlos Barros, natural de Esposende, ex-fur mil at art, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1973/74)

Carlos Barros, Esposende
1. Mensagem do nosso camarada Carlos Barros, natural de Esposende, professor refiormado, ex-fur mil 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1973/74) [, foto à esquerda, do Facebook]:


Date: quarta, 17/06/2020 à(s) 18:06
Subject: Bart 6520, 2ª Cart
Estimado amigo:


Brevemente irei escrever  algo sobre a minha/nossa vivência  em Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará..

Para iniciar, envio este sucinto texo para mim, histórico sobre a entrega ao PAIGC,  do nosso destacamento de Nova Sintra.

Um abraço e parabéns pelo seu trabalho. Carlos Barros, Esposende.

Quando os guerrilheiros entraram no destacamento de Nova Sintra, o Comandante, Capitão Machado e outros graduados, devidamente fardados com os seus camuflados de combate, receberam com dignidade os combatentes do PAIGC acompanhados com uma população civil que lhe era afeta.

Numa fase inicial, depois de contactos prévios com os Comandantes do PAIGC, foram autorizados a entrarem no aquartelamento e, por mera coincidência, os furriéis Barros (eu próprio) e o Ferreira tomaram a iniciativa de irem ao encontro dos guerrilheiro, abrindo-lhes o " portão" junto às bananeiras.

E não houve qualquer problema nessa convivência, embora numa fase inicial, existia um certa "receio", natural, porque algo poderia acontecer de menos bom, como aconteceu em Angola e Moçambique.

Estes são os factos para a história, entre muitos, da Guerra Colonial.


2. Resposta do nosso editor LG,  18 jun 2020 15h35:

Boa tarde, camarada Carlos. Obrigado pela tua mensagem. Registo e saúdo a tua vontade de partilhar, connosco, as tuas boas e más memórias do guerra do fim do império... É um período que precisa de ser melhor conhecido, até porque está carregado de muitas emoções....

Eu já lá não estava, regressei em março de 1971...Vejo que és de 1950, eu sou de 1947...Gostava de saber algo mais sobre ti para te poder apresentar à nossa Tabanca Grande que já reune quase um batalhão e meio de gente... Somos 808 [, agora já 810], entre vivos e mortos, os camaradas (e os amigos) da Guiné... Contigo seremos 809 [, agora 811]...Manga de pessoal!...Preciso apenas de 2 fotos tuas, uma antiga, outra mais atual...

No ficheiro que mandaste, não consigo abrir as imagens...Não seria possível mandá-las, de novo, mas à parte, em anexo, em formato jpg, com boa resolução ?

No teu anexo, só consigo ler as legendas das fotos (que devem ter interesse documental para a nossa história da Guiné):
  • Entrega do destacamento de Nova Sintra ao PAIGC dia 17 de Julho de 1974
  • Os guerrilheiros na entrada do quartel de Nova Sintra .
  • Destacamento de Nova Sintra- 1972/74
  • Visita voluntária ao destacamento S. João: final da Comissão. Eu não fui.  Rebentou uma mina anti-carro: feridos…Parece que adivinhava…
  • Nas tabancas de Nova Sintra: População nos seus afazeres dométicos…1973
  • Regresso a Bissau-Lisboa: Cais do Enxodé : 18 de Julho de 1974
  • Esplanada de Bissau 1973
  • O furriel Barros a almoçar: 1973
  • O convívio dos militares com a população guineense 1974
  • Campo de futebol de Nova Sintra 1973
  • O Barros e o Apolinário, furriéis “matando” a sede…(nunca morria…)
  • Equipa de futebol dos condutores e a dos graduados Junho de 1974
  • Equipa de futebol dos condutores e a dos graduados Junho de 1974.

Fico a aguardar mais notícias. Um alfabravo. LG

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domingo, 9 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19270: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 72 (Fim): Fui com a ideia de que aquela terra era Portugal, quando parti para lá; regressei com a ideia de que estava num país estrangeiro.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O Dino,  num posto de sentinela

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Calduno da Silva, chaperio em Amarante
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria"), do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*):


Chegamos ao fim da viagem do "Dino" pelas suas memórias de Fulacunda, socorrendo-se do seu "roteiro literário-sentimental".

No capº 72, o último, conta como o exército lhe transmitiu, nove dias depois, a notícia da morte da sua mãe, Mabilde da Silva...

O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. 

Ver aqui nota detalhada dobre o autor e  a sinopse dos postes anteriores.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto,
3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Cap 72º (Fim)


72º (e último) Capítulo: A MENSAGEM
José e Amélia


Quando aconteceu o maior drama por mim vivido nessa terra, já não devia estar lá.

Reconhecida internacionalmente por muitos países como Guiné-Bissau desde 1973, ainda hoje há quem pense que aquela terra era Portugal. Foi com essa ideia que parti para lá. Regressei com a ideia de que estava num país estrangeiro.

No dia 10 de Junho de 1974, cerca das cinco horas da manhã, sua excelência o senhor capitão Serrote chamou-me ao seu gabinete para me ler uma mensagem que o Jorge operador cripto decifrara:

- “Saiba nosso cabo que é com imensa pena e pesar que o informamos do falecimento da sua mãe. Condolências em nome do exército português”.


Creio terem sido estas as últimas palavras que ouvi da boca do meu capitão que ficou com o papel na mão.

 “Em meu nome pessoal e de todos os elementos da nossa companhia lamentamos a sua perda. Sentidos sentimentos”.

Devia terminar aqui este livro mas a minha guerra “Em Nome da Pátria” continuou e, embora algumas coisas não as possa provar, por muito inimagináveis que lhes pareçam, são verdadeiras.

Exactamente, no mesmo dia em que recebo a notícia da morte da minha mãe, uma enorme conjugação de casualidades permitem-me fazer algo digno dum filme de James Bond. O meu 1º sargento, um homem acérrimo defensor da lei, acede a um pedido meu.

“Toda a companhia sabe que estou doente, por favor peça uma evacuação urgente e mande-me para o hospital de Bissau”.

Ainda hoje me parece ver a sua cara de espanto ao meu pedido. O que é certo é que, contra tudo e todos, sem tampouco informar o capitão e com a ajuda do meu amigo de transmissões, requisitou uma evacuação urgente. Quatro horas depois, estava em Bissau. Acho que ainda hoje ninguém sabe o que foi aquela avioneta fazer a Fulacunda. Eu pura e simplesmente desapareci. Iria aparecer mais tarde.

EPÍLOGO

Apenas trouxe comigo a farda de saída, o meu correio e fotografias. Tudo o resto, desde a G3 aos artigos do meu negócio, ficaram para trás num canto da cantina.

Mal a avioneta aterrou em Bissalanca, fui de táxi ter com o sargento Leão, pedir-lhe para me arranjar bilhete para a Metrópole. O 1º sargento Leão tinha a mala pronta para partir no dia seguinte, num avião da TAP. Vinha à Metrópole tratar de assuntos pessoais. Ainda teria de regressar. Achava ser impossível conseguir bilhete para mim, a menos que alguém desistisse, mas ia tentar.

Recordo que naquele tempo sair das colónias era uma prioridade para muitos civis, embora na Guiné não fosse tão grave como, por exemplo, Angola. Foi uma senhora vestida com uma saia vermelha e blusa preta, esposa dum oficial da polícia, que ao ouvir o drama que eu estava a passar conseguiu o bilhete. Custou seis contos mas, no dia seguinte, viajei para a metrópole, ao lado do sargento Leão.

Embora eu não tivesse intenção de o fazer, vou dizer-lhes quem era o sargento Leão.  Trabalhei na Garagem Auto Seroa, em Paços de Ferreira, em 1969/70/71. Um dos meus patrões tinha um irmão no exército: era o Sargento Leão que em boa hora encontrei na Guiné.

No dia 11 de Junho, logo que aterrámos em Lisboa, liguei para Penafiel. Foi para a loja do Sr. Amaro que me conhecia muito bem. Identifiquei-me e perguntei se sabia dizer-me o horário do funeral da Senhora Mabilde da Silva, a minha mãe.

"Ó Claudino,  o funeral já foi há dias ela morreu no dia 1, rapaz."

A minha Pátria demorara 9 dias a cumprir a sua obrigação de me informar da morte da minha mãe. Eu cumpri muito melhor a minha parte.

Para mim, a minha mãe viveu mais tempo do que na realidade viveu. Jamais perdoarei os dirigentes do meu país na época me fizeram.

O Leão ficou comigo até há hora do comboio e viemos os dois de Santa Apolónia até Campanhã.

Omiti até agora tudo o que fui lendo em que me referia à minha mãe. Não foi muito. A minha mãe não teve meios de me criar e entregou-me à minha avó. Isso nunca impediu de a respeitar; orgulho-me da minha mãe. Sem ela, eu não estaria aqui. Só passei uma festa com a minha mãe: Foi o último Natal, antes de assentar praça. Ainda bem que o fiz!

Reapareci a 27 de Agosto de 1974 no anexo do hospital militar em Campolide. Deram-me dois comprimidos enquanto lá estive, três semanas. Estava a piorar e os médicos não me ligavam nada. Sem passar cartão a ninguém, mais uma vez desapareci.

A minha companhia foi extinta em 26 de Setembro de 1974. Fui esperá-los a Lisboa. Os meus camaradas estiveram mais 112 dias na Guiné do que eu. Voltei a ser no fim, tal como fora no início, um privilegiado.

Quando pensava que já me chamava José Claudino da Silva, ainda surgiria nova situação caricata.  O meu colega de trabalho (aquele sim!), o Abreu, pintor de automóveis, foi para a tropa alguns meses depois. Especialidade: cabo escriturário, colocado em Penafiel. Foi incumbido, juntamente com um tenente, de trabalhar no dossiê  dos desaparecidos nas províncias ultramarinas.

Foi isto que ele me contou! 

“ Quando vi que o teu nome estava lá, disse ao tenente. Vai-me desculpar, senhor tenente,  mas este nome conheço-o. O 1º cabo 158532/71 José Claudino da Silva não está desaparecido. Ele é chapeiro e trabalha na mesma oficina onde eu trabalho. Sei bem o nome dele José Claudino da Silva”.

Claro que fui chamado e apresentei-me no R.A.L. 5 para esclarecer a minha situação. Na minha caderneta militar, passei à disponibilidade em 23 de Setembro de 1975. Durante o meu “desaparecimento” da tropa, aproveitei para casar com a Amélia.

Na minha caderneta militar e na página das ocorrências extraordinárias, estão as frases:

1975. Transferido para o R.A.S.P. desde o dia 1 de Maio.
Reunida em sessão no H.M.P. confirmo o soldado 158532/71

APROVADO PARA TODO O SERVIÇO MILITAR

(LÁ VAMOS COMEÇAR TUDO DE NOVO)



VENCEU A POESIA

FIM

7 de Outubro de 2017

Texto original da autoria de
José Claudino da Silva

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