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sexta-feira, 14 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O nosso querido amigo e camarada Zé Teixeira, aqui ao lado da Senhora Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini, protagonizou um dos momentos altos do dia: a homenagem a todos os heróis de Gandembel, de um lado (NT) e do outro (PAIGC).


Fotos, vídeo e texto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados


Da Ponte Balana ao antigo aquartelamento de Gandembel é um saltinho (1). A caravana automóvel parou e fez uma visita, demorada, ao que resta - já muito pouco - do aquartelamento construído pelo Idálio Reis e os seus homens-toupeiras da CCAÇ 2317 (2).


Aqui fica o registo do emocionado discurso, neste lugar mítico, do José Teixeira, que foi 1.º Cabo Enfermeiro na CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70), hoje bancário reformado, vivendo em Matosinhos, e que veio de jipe, com mais outros camaradas, atravessando Portugal, a Espanha, Marrocos, a Mauritânia, o Senegal, a Gâmbia e a Guiné-Bissau, para estar aqui hoje, connosco:


"Gandembel... Neste lugar, que para mim foi a referência maior e mais importante que me obrigaram a viver.

"Quero recordar e saudar os camaradas portugueses que, na sua maioria, lutaram nesta terra, de G3 na mão, para salvar a própria vida.

"Recordar e saudar os guineenses que, a meu lado, lutaram convictos que estvam do lado certo da contenda. Quantos deles deram a vida na sua Pátria, pela minha Pátria, Portugal.

"Recordar e saudar a população maravilhosa, alegre e comunicativa, que nos acolheu, na sua terra, nas suas tabancas, nas suas moranças, sempre com um sorriso, com carinho.

" Recordar e lembrar milhares de jovens, de ambas as frentes, que regaram com o seu sangue esta terra, para que dela pudesse surgir uma árvore, a árvore da liberdade.

"Recordar e lembrar as populações, crianças, jovens e menos jovens, anciãos, que foram envolvidos nesta terrível luta de vida ou de morte e nela, inocentemente, muitos perderam a vida.

"Foi aqui em Gandembel que eu senti verdadeiramente o que era a guerra para onde me tinham empurrado. Visitei três vezes este lugar em colunas de reabastecimento oriundas de Buba / Aldeia Formosa, e na recolha da CCAÇ 2317, que fez nascer Gambembel, aqui viveu oito longos meses, para depois abandonar cumprindo estratégias e ordens superiores.

"Eu, aqui bem perto, em Mampatá Forreá, ouvia os estrondos da guerra que aqui se vivia. Gandembel, Guileje, Gadamael, Mejo ou Cacine. Rara era noite ou dia que não havia 'manga di sakalata'. [muito chocolate, porrada]

"De um lado tínhamos os heróis da resistência. Do outro os heróis da persistência. Onde a esperança nunca morria. Se um camaradas era ceifado por uma bala ou estilahço traiçoeiros, logo outro se levantava para continuar a luta.

"Dois povos em luta. A da vossa e da nossa liberddae, vistas de prismas diferentes. Nós, Portugueses, na sua maioria queríamos que os dois anos de Comissão acabassem depressa. Vós queríeis correr-nos daqui para fiora. Estávamos tão perto quanto aos objectivos pessoais e tão longe quanto aos meios para atingirmos esses mesmos objectivos.

"Vocês gritavam do lado de lá da floresta: 'Tugas, ides-vos embora!'...

"Gandembel foi um marco histórico. À capacidade estóica de resistência dos camaradas da CCAÇ 2317, juntava-se a teimosia e persistência de um inimigo que, sentindo a terra como sua, jamais desistiu da luta, que se tornou mais mortífera..

"Trouxe de Portugal uma pequena planta que quero plantar aqui em Gandembel. Quero que simbolize o espíritio de todos os que aqui lutaram. Todos os que aqui derramaram o seu sangue, sem distinção de raça ou cor.

"Quero que simbolize o espírito de paz e fraternidade que todos queremos alimentar. Quero que simbolize a esperança na construção de uma Guiné Bissau melhor. Onde haja pão para todos, saúde para todos, justiça social para todos.

"De mãos dadas, fiquemos um minuto de silêncio Relembremos todos quantos deram op seu sangue nesta terra. Quem tem fé, encomende-os a Deus, Pai e Criador, para que descansem em Paz".


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Visita, a pé, ao antigo aquartelamento da CCAÇ 2317, construído em escassos meses, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969, abandonado pelas NT e destruído pelos sapadores do PAIGC... Gandembel/Balana era um espinho encravado no Corredor do Povo (para os portugueses, Corredor da Morte)... Na imagem, em primeiro plano, comandante de mar-e-guerra Pedro Lauret...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Visita aos restos do aquartelamento da CCAÇ 2317, construído entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969... Em primeiro plano o Cor, na situação de reserva, Coutinho e Lima, que em 22 de Maio de 1973 deu ordem para abandonar Guileje, na qualidade de comandante do COP 5...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Restos de um abrigo do aquartelamento da CCAÇ 2317, construído com materiais fornecidos pela Engenharia Mulitar, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Um pedaço do brazão, em cimento, da CCAÇ 2317, os Dragões Dourados...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira trouxe de Portugal uma planta que não precisa de terra, alimentando-se do oxigénio... "Quero que simbolize o espírito de paz e fraterbidade que todos queremos alimentar"...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Um voluntário sobe a uma árvore para prender a planta do Zé Teixeira...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Restos do aquartelamento da CCAÇ 2317, construído entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969... Por aqui passou um pára-quedista, com o nome de guerra TIGRE... Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Local onde estava o pau da bandeira, no meio da parada (?)... Restos de munições: 1 granada de RPG-7, metralhadora pesada Brownning, espingarda automática G-3, provenientes do Núcleo Museológico de Guiledje...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > As explicações do Pepito... Sob a liderança da AD - Acção para o Desenvolvimento, tem sido feitas escavações em antigos aquartelamentos militares portugueses do sul da Guiné, tais como Guileje e Gandembel...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Vista do perímetro do antigo aquartelamento da CCAÇ 2317 (Abril de 1968-Janeiro de 1969)... Em menos de 40 anos, a natureza voltou a exercer os seus direitos sobre as construções (efémeros) dos homens... Mas grande parte do recinto foi capinado e limpo...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > O antigo paiol, subterrâeno, da CCAÇ 2317... Depois do abandono do aquartelamento, em finais de Janeiro de 1969, Gandembel foi ocupado pelos guerrilheiros do PAIGC e as suas instalações destruídas por equipas de sapadores.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > O antigo espaldão do morteiro pesado 81... O PAIGC usava o 120...


O Idálio Reis e os esquecidos mas heróicos sobreviventes de Gandembel/Balana mereciam esta (pequena) homenagem dos seus seus camaradas e amigos, portugueses. Mas também, através do gesto e das palavras do Zé Teixeira, prestar homenagem à persistência, à determinação, ao génio organizativo, à vontade de vencer e à coragem dos combatentes do PAIGC que pagaram um alto preço pela conquista de Gandembel/Balana, posição abandonada pelos portugueses em Janeiro de 1969.

Gandembel/Balana (1968/69) será, doravante, recordada como a mais silenciosa, prolongada e feroz batalha de toda a guerra, que envolveu diversas forças, incluindo tropas pára-quedistas. Foi um cerco prolongado que, do lado do PAIGC, preparou o caminho para a ofensiva, em Maio/Junho de 1973, contra Guidaje, Guileje e Gadamael...

O Idálio contou os ataques e flagelações neste curto tempo (para ele, um eternidade!) em que os homens-toupeira da CCAÇ 2317 construiram Gandembel/Balana, de raíz, com pás e picas, e defenderam-na, com unhas e dentes: nada mais, nada menos do que 372 ataques e flagelações, em menos de nove meses!...

De uma perspectiva sócio-antropológica da guerra colonial, Gandembel personifica a Síndroma do Estado de Sítio… Gandembel, Madina do Boé (que bem poderia ter sido a nossa batalha de Dien-Bien-Phu, Vietname, 1954), Guileje, Mansambo, Guidaje e tantos outros campos fortificados (a expressão é do PAIGC) foram, de facto, um verdadeiro Suplício de Sísifo para os combatentes portugueses.

O nosso blogue tem feito o que pode e o que deve para a dar conhecer a batalha de Gadembel e o suplício de Sísifo que foi a sua defesa, por parte das nossas tropas. Publicou nomeadamente um texto memorialístico, extenso, de grande riqueza humana, sociológica e historiográfica, escrito por uma homem dotado de excepcional capacidade de observação e de análise, mas também de serenidade e humanidade (que não mistura a razão e coração), o nosso camarada Idálio Reis, e que foi acompanhado de surpreendentes imagens que falavam por si. E irá recordar, no Simpósio Internacional de Guiledje, no dia próximo dia 5, os heróicos defensores portugueses de Gandembel...

Tínhamos prometido que, um dia, quando fôssemos à Guiné, tínhamos a obrigação de lá pôr uma flor, em Gandembel ou em Balana, aí onde tantos homens, de um lado e de outro, sofreram e morreram. A promessa foi cumprida por um de nós, o Zé Teixeira. E todos os restantes elementos da comitiva, guineenses, portugueses, cubanos e outros, que se deslocavam para Guileje, quiseram associar-se a este momento mágico e único, a este gesto de grande humanidade e sensibilidade.

Dali, de Gandembel/Balana, mandámos em pensamento um forte e comovido abraço para o Idálio Reis e para os demais homens-toupeira, os homens de nervos de aço, da CCAÇ 2317, onde quer que eles estivessem, neste dia 1 de Março de 2008, às 11h30. E ao meio dia partimos para o famoso corredor de Guiledje, corredor da morte, para uns, corredor da libertação, para outros... Será o tema da nossa próxima crónica.

Luís Graça


_________


Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores, no âmbito da nossa participação no Simpósio Internacional de Guileje:

8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...

9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África


(2) Vd. postes de:

16 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

18 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2277: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) - Anexo II: Gandembel/Balana, Março de 2007 (Pepito)

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969

Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,]Spínola também viria cá despedir-se".

Foto 414 > "Já o PAIGC utilizava o morteiro 120, quando nos foi enviado um exemplar idêntico"

Os homens da Companhia, essencialmente oriundos do Norte e do distrito do Porto, professavam o catolicismo com muita crença e fervor Foto 409 > "Uma missa rezada em Gandembel"


Foto 410 > "Um local de oração em Ponte Balana"

Alguns aspectos demonstrativos de determinadas facetas que os homens de Gandembel viveram

Foto 411 > "Os furriéis Vasco Ferreira e António Nabais, no Hospital em Bissau, em cura dos efeitos de estilhaços"

Foto 412> "Eu e os meus furriéis, Mário Goulart e Viriato Veiga, a tentarem desenhar o emblema da Companhia"


Foto 413 > "O grupo da ferrugem, com os condutores e os mecânicos, sob a tutela do pesado furriel Jorge Pinho

E em 28 de Janeiro, nos despedimos definitivamente de Gandembel e Ponte Balana



Foto 416 > "A ligação Gandembel a Ponte Balana, pela estrada velha (a do Balanazinho), também deixava de ser utilizada"

Foto 417 > "Do mesmo modo, a picada que nos levava à água no rio Balana e que fazia a ligação a Ponte Balana"

Foto 418 > "E também a placa indicativa, já não se tornava necessária"

Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados..


IX Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Texto enviado em 28 de Fevereiro de 200. Continuação (1).



Visita do Spínola, do Bispo de Madarsuma e das Senhoras do MNF e do jornalista César da Silva no Natal de 68

Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino.

Após a saudação de Spínola e algumas ofertas de aerogramas e esferográficas por parte das senhoras do MNF, o seu helicóptero descola com menos carga, pois o Pai Natal deixara um saco de bacalhau e alguns frescos.

O prelado celebra a missa. No entanto, mal a finaliza, também o PAIGC o sauda em baptismo de fogo, através de uma série de morteiradas. Atónito com este desenlace, o bispo vê-se agarrado por um soldado que o empurra para dentro de uma caserna. E em breve, também se despede de Gandembel.

O dia de Natal teve a sua consoada ao almoço, com um rancho melhorado, que o Comandante-Chefe tivera a gentileza de ofertar.

E o ano de 1968 finalizava, tantos meses passados em Gandembel/Ponte Balana, tantos doentes com paludismo e outras enfermidades, e que me recorde, só por 2 vezes, tivemos a visita de um médico. Os homens qualificados para tratar as maleitas do corpo e da alma, ficavam empatados.

E no aspecto dos cuidados de saúde, com inteiro mérito, é justo salientar o trabalho empenhado e abnegado dos nossos 2 enfermeiros: o Pires Costa e o José Maria Carneiro (este passou algum tempo em Bissau, na recuperação de ferimentos de alguma gravidade em resultado de uma coluna de reabastecimentos).


Que destino, para o Novo Ano de 1969 ? ... A notícia do abandono!


E 1969 despontava, sem nada conhecermos quanto ao destino que nos estava reservado. O PAIGC, felizmente para nós, também se parecia alhear da nossa presença, a não ser de uma forma muito fugaz, como os dias 9 e 14, com envio de mais um conjunto de morteiradas, não mais que meia centena, em cada vez.

E num relance tudo se altera. É dado a conhecer aos subalternos, a decisão do Comandante-Chefe de abandonar Gandembel e Ponte Balana, em data que não seria precisa e que o nosso destino seria muito provavelmente a província de Cabo Verde. Na antevéspera chegou-nos a confirmação que o abandono havia de ter lugar na madrugada do dia 28 de Janeiro, e o destino imediato seria Aldeia Formosa.

Como é fácil reconhecer, o que nunca faltou em Gandembel, foi um paiol bem fortalecido. E tornava-se necessário dar destino a inúmeros caixotes de munições, uma vez que não se dispunham de suficientes viaturas para os transportar de volta.

Reconheço hoje, que optámos pela pior solução. Em vez de se enterrarem todas as munições, como foi o caso dos caixotes das armas ligeiras e pesadas, decidiu-se, com excepção das granadas defensivas, e por premência de muitos soldados, que as granadas de morteiros e dos rockets serem gastas em fazer fogo, a esmo, como também as granadas ofensivas.


Na véspera da despedida, temos a 9ª e última baixa mortal´


Porventura, pela felicidade de abandonar aquele local tão aterrador, os ânimos exaltaram-se, sentimentos que se toldaram, perdeu-se serenidade e sangue-frio, a presença de espírito arredou-se.

Embora se se pedisse a melhor das atenções, no desperdiçar das granadas ofensivas, que não molestam o atirador desde que este se protegesse, na véspera da despedida, perde a vida por imprevidência, em acidente com arma de fogo, o 9º e último elemento da Companhia, o soldado António Moreira, de Joane, concelho de Vila Nova de Famalicão.

Logo que se toma conhecimento deste infausto acontecimento, tudo parou e as restantes munições ficaram por lá espalhadas. Houve ainda tempo, para se proceder à sua evacuação para Bissau.

À alvorada do dia 28, o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa.


As prováveis razões de Spínola

Em definitivo, Spínola resolvera arquivar o dossiê de Gandembel/Ponte Balana. Mas, que razões o terão levado a tomar este propósito, de mandar evacuar estes postos militares, quando a situação geral tinha melhorado substancialmente nos últimos tempos?

Tento entrevê-las, ler-lhes o significado para poder emitir o meu juízo, obviamente muito subjectivo.

Spínola sempre julgou que a construção daquele aquartelamento, naquele tempo e naquelas condições, fora um colossal erro estratégico. Gandembel, fora o grande palco da guerra a que a Guiné no ano de 1968 esteve sujeita, e sempre na lista negra das más notícias.

Não se conseguiu travar ou mesmo minimizar as acções que o PAIGC mantinha no interior da Província, mesmo nas regiões do Oeste, o que comprova que o abastecimento oriundo da Guiné-Conacri continuou a processar-se sem grandes constrangimentos.

Fez acirrar ódios nas zonas envolventes a Aldeia Formosa, levando o PAIGC a agir de forma violenta e brutal, semeando o pavor nas populações indígenas que povoavam esses chãos. E, para tornar estas áreas mais sossegadas, é obrigado a fazer uso de tropa de elite, um bem demasiado escasso e tão necessário na vastidão da Província.

Em suma, Spínola julga que, de todo, Gandembel/Ponte Balana, não são garantes para a estratégia que urdira para a Guiné. De modo, que aproveita-se um pouco da situação de maior alívio, conquistada recentemente, e prefere sair sem o amargo travo da humilhação, mas com um pequena dose de honra e glória.

Utilizou os estratagemas que estavam à sua mão. E decidiu, porventura angustiado, por que não desejava que houvesse outros maus exemplos, apesar de sentir que a evolução da guerra crescia de forma exponencial.

Foi uma decisão acertada? Se se atender aos factos que ocorreram posteriormente, claramente julgo que não. O PAIGC fica quase inteiramente livre, e amplifica o seu arco de actuação, de modo retumbante, com uma forte actuação nas zonas de Buba, Aldeia Formosa e Guileje. Os casos mais conhecidos nos tempos imediatos, como o brutal desastre de Madina do Boé, a morte dos 3 majores, o aprisionamento do capitão cubano Peralta, a odisseia que foi a construção da estrada de Buba−Aldeia Formosa, são bastante paradigmáticos.

Spínola, ao aperceber-se da situação de desastre a que a Companhia estava votada, do forte poder bélico que o PAIGC demonstrava, seria mais ousado na antecipação da retirada. E evitaria as perdas sofridas de muitos militares.

Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sinto que, os homens desta Companhia foram uns meros joguetes de uma estratégia macabra, hedionda, vergonhosa. Jamais teve, até à chegada dos paraquedistas, o apoio que merecia. E tenho de reconhecer em Spínola, um militar de uma enorme dimensão, pois que se não fora a sua persuasão, talvez poucos homens desta Companhia restariam.

E talvez por isso, reconheço que havia felicidade estampada nos nossos rostos quando deixámos Gandembel, não o nego. Mas, para trás, ficava definitivamente um palco infernal, e já bastava de tanto castigo.

Mas o abandono não foi da nossa laia. E hoje, ao escrever estas linhas, perpassa algum frémito de emoção, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolentes. As violências pessoais, só contaram para o inventário de nós mesmos.

Resistimos sem vacilações ou soçobros, mas tudo parece ter-se volatilizado num ápice, quando o que ocorreu se prolongou por quase 11 meses. E talvez por isto, porque não sei descrever de outro modo, por lá restaram as nossas sombras ou mesmo os fantasmas que tantas vezes ainda nos assolam.

De todo, a odisseia de Gandembel/Ponte Balana ficava encerrada, e cabe-vos agora a vez de lerem a transcrição de uma parte da reportagem do Diário Popular:

A fixação em Gandembel não foi, de modo algum, obra fácil. Pelo contrário, exigiu esforços e sacrifícios indizíveis. Para que o leitor possa fazer uma ideia aproximada, dir-lhe-emos apenas o seguinte; Gandembel tem a superfície de 40 decâmetros quadrados e está toda minada de valas e cercada de arame farpado com espaços armadilhados; os soldados vivem em abrigos fortificados, construídos com milhares de toneladas de toros de árvores, pedra e terra removida. Pois tudo isso foi feito a braços, visto que os nossos rapazes só dispunham de uma moto-serra e duas viaturas. No gigantesco trabalho participaram todos os soldados, com a respectiva arma numa das mãos e, na outra, uma pá, um machado, uma picareta ou, simplesmente, nada!. Trabalharam continuamente, de dia e de noite, mas apenas nos intervalos dos combates que eram obrigados a travar ou que eles procuravam por força das circunstâncias, pois Gandembel nunca deixou de constituir alvo permanente para o inimigo, que contra ele ainda hoje dirige brutais ataques, quase sempre apoiados por armas pesadas.

No conjunto das fotografias que consegui obter, e que vou enviando, faço ressair uma que efectivamente é bastante elucidativa do que intentei dar-vos nota: Gandembel, entre pequenos e grandes, de maior ou menor duração, mais ou menos sofridos, sofreu 372 ataques.

Desejaria, ao terminar esta descrição sobre Gandembel/Ponte Balana, tão-só confirmar que o rio Balana e o seu pequeno Balanazinho, (nas partes que me foi dado conhecer), formavam uma paisagem de uma rara e extasiante beleza, com um tipo de vegetação arbórea e arbustiva muito rica e diferenciada. A fauna era abundante e muito variada, e tantas vezes nas suas margens, no rumorejar das águas, ainda continuo a ouvir o mavioso cacarejo de bandos de galinhas do mato, que por ali abundavam placidamente.

E o que foram as colunas de reabastecimento para Gandembel?

Até breve. Um cordial abraço do Idálio Reis.

(Continua)

_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968