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sábado, 30 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13550: Directivas emanadas pelo COM-CHEFE, Brigadeiro António de Spínola em 1968 (1) (José Martins)

1. Começamos a hoje a publicação de mais um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta feita dedicado às Directivas de 1968 do COM-CHEFE do CTIG, Brigadeiro António de Spínola.


Directivas do CTIG emanadas pelo COM-CHEFE, Brigadeiro António de Spínola, no ano de 1968


Directiva 1/68 
Remodelação do dispositivo da região do Boé 

1. É intenção do Comando-Chefe remodelar com a maior brevidade o dispositivo das Nossas Tropas (NT) na região do Boé transferindo o aquartelamento de Madina para local mais adequado na região do Cheche.

2. Confirma-se a ordem verbal dada ao comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) no sentido de recolher imediatamente, a Madina do Boé, o destacamento de Béli, devendo ser destruídas as instalações e material que não for recuperável.

3. O CTIG e o Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (CZACVG) procederão imediatamente a um reconhecimento da região do Cheche, em ordem a escolher o local do novo aquartelamento, que deverá satisfazer as seguintes condições:

a) Situar-se em área-chave da região de Cheche, que permita o lançamento de acções dinâmicas na região do Boé e na margem norte do rio Corubal, e, se possível, que dê garantias de segurança à passagem deste rio no Cheche (jangada);
b) Ter uma boa pista de aterragem para aviões Dakota;
c) Oferecer boas condições de defesa do aquartelamento, que deve ser planeado com vistas a transformar-se numa grande base operacional.

4. Desejo deslocar-me à região conjuntamente com os elementos que forem estudar o problema.

5. Desejo ser informado sobre a possibilidade de realizar esta transferência durante a época das chuvas.

Bissau, 8 de Junho de 1968.
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 2/68 
Remodelação do dispositivo da área de Aldeia Formosa

Confirmam-se as directivas verbais dadas na reunião efectuada no Quartel-General do CTIG em 031600 JUN nomeadamente:

A - Deve ser estudada imediatamente a remodelação do dispositivo das NT na região de Aldeia Formosa, por forma a obter o rápido reordenamento e instalação das tabancas em autodefesa, respeitando-se o princípio da concentração de meios.
B - Este estudo dever-me-á ser presente com a maior urgência, para que o reordenamento se faça ainda antes da época das chuvas, aproveitando-se o actual clima psicológico favorável das populações.

Bissau, Junho de 1968
O Comandante-Chefe
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 3/68 
Reajustamento do dispositivo no corredor de Guilege 

O CTIG, ouvido o Comando local, deverá estudar-se a possibilidade de reajustar a curto prazo, o dispositivo das NT no corredor de Guilege, à luz do princípio da concentração de meios.

Bissau,
O Comandante-Chefe
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 4/68 
Reajustamento do dispositivo nas áreas de Sangonhá-Cacoca e Cantanhez 

1. O CTIG estudará, em colaboração com o comando local, as possibilidades de recuperar a companhia implantada na área de Sangonhá-Cacoca, propondo soluções atinentes a resolver problemas locais de populações.

2. Procederá de igual modo em relação à companhia implantada na área de Cabedú.

Bissau,
O Comandante-Chefe
António Sebastião Ribeiro de Spinola,
Brigadeiro

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Directiva 5/68 
Reajustamento do dispositivo na região de Empada 

1. Da visita efectuada no dia 5 do correr à companhia implantada na área de Empada, concluiu-se da necessidade de reajustar o dispositivo das NT na referida área, à luz do princípio da concentração de meios.

2. Ouvido o comando local o CTIG providenciará em conformidade, no sentido do reajustamento se efectuar antes da época das chuvas.

Bissau,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spinola,
Brigadeiro

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Directiva 6/68 
Retirada da companhia instalada na ilha do Como

1. É intenção deste comando recuperar a companhia instalada na ilha do Como.

2. O CTIG estudará a possibilidade de retirar a referida companhia a curto prazo, estudando todas as implicações resultantes deste movimento, nomeadamente o seu enquadramento numa operação a realizar na data do abandono da ilha. O planeamento desta operação compete à Força Aérea. Bissau,

O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 7/68 
Intersecção das penetrantes de Sambuiá e Sitató 

1. Da visita que realizei ao Sector 03 ressaltou a possibilidade de intersectar as penetrantes em epígrafe nos locais de «cambança» no rio Cacheu.

2. Julga-se que o sistema mais eficaz de intersectar as referidas penetrantes será através dum patrulhamento móvel contínuo do referido rio, com base na instalação de um destacamento naval, em local apropriado.

3. Nesta base, o Comando da Defesa Marítima da Guiné, em colaboração com o CTIG, estudará o problema propondo a solução adequada.

Bissau, 11 de Junho de 1968,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 8/68 

1. Da visita realizada ao comando do Agrupamento Sul, concluí que este comando de agrupamento é dispensável.

2. Em contrapartida, julgo da maior urgência entregar a um comando de agrupamento a defesa da ilha de Bissau.

3. Nestas condições, deve ser transferido com a maior urgência para Bissau o comando do Agrupamento Sul, passando os batalhões respectivos a depender directamente do CTIG e voltando o Sector S4 a ficar integrado no Sector S1.

4. Considerando o melhor aproveitamento dos respectivos comandantes, determino:

a) Que o coronel de Artilharia Tristão de Araújo Leite Bacelar passe a comandar o Agrupamento de Oeste,
b) Que o tenente-coronel de Infantaria José Martiniano Moreno Gonçalves passe a comandar o Agrupamento de Bissau.

5. Considerando a necessidade de se começar imediatamente a estudar o problema da defesa da ilha de Bissau, deve ser mandado apresentar nesta cidade, com a maior urgência, o tenente-coronel Martiniano.

Bissau, 19 de Junho de 1968,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 9/68 
Reajustamento do dispositivo da região de Empada 

Considerados os vários pareceres elaborados pelo CTIG relativos ao reajustamento do dispositivo na região de Empada, determino:

1. Que sejam abandonados os aquartelamentos de Ualada e de Gubia;

2. Que estes aquartelamentos sejam destruídos;

3. Que as tropas dos aquartelamentos abandonados se encontrem em Empada;

4. Que o GGomb/CCAÇ 1791 recolha à sua subunidade.

Bissau, 22 de Junho de 1968,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro.

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Directiva 12/68 
Flâmula de honra do CTIG

- Considerando que em campanha o espírito de missão se deve sobrepor a todos os aspectos secundários que estão na base do regulamento da flâmula de honra do CTIG;
- Considerando que é manifestamente inconveniente, do ponto de vista psicológico, materializar o rendimento operacional das unidades em dados estatísticos sem significado prático;
- Considerando que a atribuição de pontuação negativa (100 pontos) a cada elemento morto em combate é a negação do espírito ofensivo que deve caracterizar as acções de contraguerrilha;
- Considerando que a finalidade da flâmula de honra do CTIG não foi atingida, e que, antes pelo contrário, a sua permanência se revela manifestamente inconveniente determino que:

1. Termine desde já a flâmula de honra do CTIG.

2. No final do corrente mês seja recolhida a flâmula de honra atribuída no mês findo.

3. A presente directiva seja levada ao conhecimento de todos os comandos até ao escalão companhia.

Bissau,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 13/68 
Chegada das unidades da Metrópole

1. A tropa combatente queixa-se com razão, de que à sua chegada da Metrópole são recebidos de uma forma pouco digna e desmoralizante, passando directamente do barco para as lanchas que os conduzem para os diversos locais da Província como se tratasse-se de um «transporte de gado».

2. Acresce ainda que esse transporte se realiza em massa, sem as necessárias medidas de segurança, constituindo, as lanchas, objectivos altamente rendosos para o Inimigo (IN). Salienta-se que, muitas vezes, os batalhões têm sido transportados em massa juntamente com munições de artilharia e outros explosivos.

3. Pode-se afirmar que só por mera sorte não sofremos, até ao presente, de um desastre de grande projecção com algumas dezenas de mortes, com os mais graves reflexos de ordem material e moral.

4. Nestas condições, há que tomar imediatamente medidas para alterar o sistema, com vista já à primeira unidade que chega da Metrópole
.
5. Reconhece-se que o problema não é fácil, mas tem de ser resolvido, e rapidamente.

6. É meu desejo passar revista às unidades que chegam da Metrópole e fazer-lhes uma exortação.

7. O CTI e o CDMG estudarão, com a urgência, as medidas a tomar para a resolução deste problema, que o comando-chefe reputa fundamental, do ponto de vista de segurança e de moralização da tropa combatente.

Bissau, 24 de Junho de 1968,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 18/68 
Desrespeito pelos laços orgânicos das unidades 

1. Nas visitas que venho efectuando às unidades do CTIG verifiquei que não são respeitados os laços orgânicos das unidades, das subunidades e até dos grupos de combate. Há comandos de batalhão que têm as suas companhias dispersas por vários sectores. Há comandos de companhia que nomeiam por escala os comandantes dos destacamentos independentemente dos respectivos grupos de combate, sendo por vezes aqueles destacamentos constituídos por secções pertencentes a grupos de combate diferentes. Há ainda companhias desfalcadas de grupos de combate que se encontram atribuídos de reforço a outras subunidades, e algumas há que cederam os seus grupos a outras subunidades e se encontram reforçadas por grupos de combate estranhos.

2. Este sistema de nomeação, com o total desrespeito pelos laços orgânicos, afecta muito sensivelmente o espírito de corpo das unidades, que este comando considera factor básico do bom rendimento operacional duma tropa combatente.

3. Nestas condições, em espírito, devem ser respeitados os laços orgânicos das unidades e, obviamente, banido todo o critério de nomeação que afecta aqueles laços.

4. Esta directiva deve ser difundida até ao nível companhia.

Bissau, 14 de Julho de 1968,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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Directiva 19/68 
Continuidade de acção das unidades 

1. O sistema de rotação de unidades que vem sendo adoptado pelo CTIG satisfaz como solução justa, no que respeita à divisão equitativa do esforço do pessoal, mas tem o grave inconveniente de afectar muito sensivelmente a continuidade de acção das unidades, e consequentemente o rendimento operacional do conjunto.

2. Há que fortalecer o espírito de missão das unidades. Uma unidade desembarcada da Metrópole - depois de um curto período de instrução operacional - deve entrar em sector e receber uma missão. Esta missão traduz-se, em última análise, no domínio da zona de acção que lhe foi atribuída, do ponto de vista do controlo e defesa da população e da eliminação dos grupos IN, conforme as características da respectiva zona de acção. É evidente que, quanto maior for a permanência das unidades na respectiva zona de acção, maior será o seu rendimento operacional.

3. Assim, em princípio, as unidades devem permanecer, durante toda a sua comissão, hipotecadas ao cumprimento da mesma missão, só sendo de admitir a sua substituição por motivos de excepção, de ordem operacional ou manifesto depauperamento físico.

Bissau, 15 de Julho de 1968,
O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro

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(Continua)

sábado, 3 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13089: Convívios (589): Concentração do pessoal do Agrupamento de Transmissões do CTIG, dia 24 de Maio de 2014 nas Caldas de Aregos - Resende (Álvaro Vasconcelos)

1. Mensagem do nosso camarada Álvaro Vasconcelos (ex-1.º Cabo Transmissões do STM, Aldeia Formosa e Bissau, 1970/72), com data de 2 de Maio de 2014:

Boa noite. Amigo Vinhal,
Espero que estejas bem, na companhia da Dina.
Já anotei que o próximo Encontro Nacional (IX) será a 14 de Junho, em Monte Real. A seu tempo informarei se posso estar presente, assim como a Lourdes.
Entretanto, queria pedir se é possível publicar no Blogue da "Tabanca Grande" o Convite para a concentração da rapaziada do AGRTMS do CTIG, o qual tomo a liberdade de anexar.
No ano passado o encontro foi na Lagoa Santo André, Santiago do Cacém. Este ano será em Arêgos, nas Caldas com o mesmo nome, Concelho de Resende.
Em 2013, não havendo quem assumisse a organização, para a trazer ao norte, fiz-lo eu!...
Desta forma e para que os Camaradas da Tertúlia, do STM e/ou do AGRTMS do CTIG sejam informados, faço a solicitação devida.

Um abraço,
Álvaro Vasconcelos


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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13063: Convívios (588): XXIII Encontro do pessoal da CCAÇ 1439, Pel Caç Nat 52 e 54 e Morteiro 81, dia 10 de Maio de 2014 em Almeirim (José António Viegas)

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13080: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): III (e última) Parte


Guiné > Bissau > 1973 > No canto esquerdo o comandante Ricou, o oficial do lado direito de óculos é o Coronel CEM/CTIG Henrique Vaz (oficiais presentes na reunião relatada no manuscrito do sr. Coronel Vaz Antunes), e ao centro, também de óculos, o general Bethencourt Rodrigues (destituído em 26 de Abril de 1974), numa cerimónia oficial, em Bissau, no ano de 1973. Fotografia do arquivo pessoal do coronel Henrique Gonçalves Vaz.

O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau).

O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.,

Foto  (e legenda): © Luís Gonçalves Vaz (2014).  Direitos reservados


Guiné > Bissau > 1974 > O Coronel António Vaz Antunes (à esquerda da fotografia) com o General Bethencourt Rodrigues, e outros oficiais numa visita do Comandante-Chefe a uma unidade em Bissau, no ano de 1974. Fotografia do arquivo pessoal do Coronel António Vaz Antunes.

Foto: © Fernando Vaz Antunes (2014). Direitos reservados


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974.


Foto: © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



 Folha nº 5

Folha nº 6 

 Folha nº 7

 Folha nº 8
Folha nº 9


Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014). Direitos reservados


Restantes folhas, de 5 a 9, do documento manuscrito, da autoria do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974. Transcrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*).


Comentário do editor L.G.:

O nosso especial agradecimento a ambos, ao Fernando Vaz Antunes (que não conheço pessoalmente, mas sei que passou pela Academia Militar, e vive em Mafra, de acordo com a sua  página no Facebook) e ao Luís Gonçalves Vaz pelo seu contributo para a preservação e divulgação de documentos relevantes, como este, para a historiografia da presença portuguesa na Guiné, e em particular para a nossa historiografia militar, relativa ao período de 1961 a 1974.

Sendo ambos filhos de militares que serviram a Pátria no TO da Guiné, querem também, e com toda a legitimidade,  honrar a memória dos seus pais. É para isso que o nosso blogue também serve. E nessa medida envio, desde já,. um convite ao Fernando Vaz Antunes para se juntar aos camaradas e amigos da Guiné, que se senta à sombra do poilão da Tabanca Grande. Basta expressar a sua vontade, mandar-nos uma foto atual e aceitar as nossas regras de convívio.

Quanto ao Luís Gonçalves Vaz [, foto atual à esquerda,] recorde-se que  é  membro da nossa Tabanca Grande (nº 530), é professor do 2º/3º ciclos do ensino  básico em Vila Verde, vive em Braga, e é filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), já falecido.

O Luís, como aqui já ele próprio recordou, tinha 13 anos e vivia em Bissau, com a família, quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo.


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Nota do editor:

Vd. postes anteriores:


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I


1. Mensagem, acabada de enviar hoje, às 14h50, pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande,  filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo:

Boa tarde, camarigo editor:

É com muita satisfação e "sentido do dever cumprido" que envio para publicação no nosso Blog, este artigo sobre um Documento manuscrito em 30 de abril de 1974, pelo Sr. Coronel António Vaz Antunes sobre a forma de um “Memorando dos acontecimentos de Bissau”, protagonizados pelo próprio em 25 e 26 de abril de 1974.


Trata-se, quanto a mim de um documento histórico-militar, de grande "relevância", e de um momento muito conturbado para a então Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. Fez ontem 40 anos, que este oficial com grandes responsabilidades na altura, na defesa do perímetro militar da cidade de Bissau, escreveu este documento, não poderia haver melhor momento, para o publicar.

Forte Abraço, Luís Vaz




2. Golpe Militar de 26 de Abril de 1974 no TO da Guiné  > “Memorando dos acontecimentos de Bissau”

Pelo cor inf António Vaz Antunes [1923-1998]

A pedido do filho do Ilustre Sr. Coronel de Infantaria António Vaz Antunes, Fernando Vaz Antunes, elaborei este artigo para dar visibilidade nacional, neste nosso muito visitado blogue,  a um documento manuscrito em 30 de abril de 1974, sobre a forma de um “Memorando dos acontecimentos de Bissau”, protagonizados pelo próprio,  em 25 e 26 de abril de 1974, e registados em papel pela mão deste oficial, três dias depois de os mesmos terem decorrido.

Enfim trata-se, quanto a mim de um documento histórico-militar de uma altura muito conturbada e de mudança de paradigma politico e consequentemente de grandes mudanças para a então Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. Este documento, em minha opinião contribuirá sem dúvida para a “Memória Histórica do Golpe de 26 de Abril na Guiné”. Achei que deveria Iniciar este artigo com uma pequena resenha biográfica sobre este oficial. 

António Vaz  Antunes

[consultar também o portal Ultramar Terrweb]

(i) nasceu na freguesia da Mata, Concelho de Castelo Branco, em 21 de Junho de 1923;

(ii) faleceu em 15 de Outubro de 1998;

(iii)  frequentou a Escola do Exército, onde se formou como oficial de Infantaria do Exército Português; 

(iv) no ano de 1959 realizou um estágio de oficiais do Exército Português, junto de tropas francesas na Argélia;

(v) passou pelo CIOE/Lamego, onde foi 2º comandante; 

(vi) passou também por por Angola onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 185/RMA (1961 e 1962);  e por Moçambique, onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 1918/RMM (1967) e comandante do Batalhão de Caçadores 17/RMM (1967 a 1968);

(vii) no CTIG, foi comandante do Batalhão de Caçadores 4512/72/CTIG (1972 a 1975);

(vii) neste teatro de operações, e na altura a que se reportam os acontecimentos relatados no “manuscrito” aqui publicado, o Coronel António Vaz Antunes era Adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG;

Para que se perceba bem, este oficial tinha nesta altura, uma missão de muita responsabilidade na defesa militar de todos os quarteis no “perímetro militar de Bissau”, mesmo assim na reunião relatada no “documento histórico”, foi afastado destas funções pelo MFA da Guiné. 

Chamo à atenção que nesta altura não estavam em funções os 1º e 2º Comandantes do CTIG, pois encontravam-se de licença, o que elevava a responsabilidade deste oficial no quadro de comandos neste TO (Teatro de Operações). Pode-se ler,  por exemplo, no seu manuscrito, que no dia 25 de Abril recebeu por telefone e por mensagem indicações do CEM/CTIG, coronel cav Henrique Gonçalves Vaz, “recomendações para que o pessoal de guarda tivesse a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN”, a situação era de facto explosiva, vulnerável e muito sensível …

Não quero de forma alguma, fazer aqui qualquer tipo de julgamento, apenas pretendo apresentar este “documento histórico”, de uma forma contextualizada, para que os leitores se inteirem do “ambiente deste momento histórico”, nunca deixando de se perceber que estavam em causa altos interesses “políticos, militares e de segurança”, neste teatro de operações, que era sem dúvida o pior, o mais “dramático”, o mais duro de todos os teatros de operações que mantínhamos naquele ano de 1974. 

Antes de apresentar o “documento manuscrito” do Sr. coronel António Vaz Antunes, quer a “transcrição” para melhor leitura, quer as imagens do “próprio original”, apresento uma pequena citação da autoria de um dos “oficiais revoltosos”, o então capitão Jorge Sales Golias, um dos protagonistas desse mesmo golpe, e que explica o que se teria passado “momentos antes desta mesma reunião”, que acabou por afastar o coronel António Vaz Antunes, a reunião que levou à “destituição/prisão" (?) do então Governador e Comandante-Chefe desta Província Ultramarina, general Bethencourt Rodrigues, a saber:

“Em Setembro de 1973, constitui-se uma primeira Comissão Coordenadora, que integrava o Major Almeida Coimbra, Capitão Duran Clemente, Capitão Matos Gomes e o Capitão Caetano.”

“Assim, no dia 26 de Abril, onze oficiais (1) dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático. Com o General vieram também alguns oficiais que se lhe solidarizaram, nomeadamente o Brigadeiro Leitão Marques que o MFA julgava poder contar para o substituir.

"Por isso tivemos que solicitar ao Comodoro Almeida Brandão, o Comandante Marítimo, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. Regista-se o facto de este oficial já ter reconhecido a Junta de Salvação Nacional (JSN). 

"Para as funções de Encarregado do Governo interino, o MFA indigitou um dos seus membros, o Tenente-Coronel Mateus da Silva que era Comandante do Agrupamento de Transmissões, o Quartel-General da conspiração, e um dos poucos oficiais superiores que integrava o Movimento dos Capitães (MOCAP). “

"Lisboa em 20 de Maio de 2005

"Jorge Sales Golias, Tenente-Coronel, MFA da Guiné-Bissau - 1974, Adjunto do CEME, General Carlos Fabião - 1974/75"

(1) Lista dos Oficiais revoltosos:

TCor [Eduardo] Mateus da Silva, Engº Trms
TCor Maia e Costa, Engº
Maj [Raúl] Folques,  Cmd
Maj [Manuel Joaqum Trigo Mira] Mensurado,  Pára [BCP 12]
Cap Simões da Silva,  Art
Cap [Jorge] Sales Golias, Eng Trms
Cap [Carlos] Matos GomesCmd
Cap Batista da Silva.  Cmd
Cap [Zacarias] Saiegh, Cmd (Africano)
Cap Ten Pessoa Brandão, Armada
Cap mil José Manuel Barroso



Como poderemos ler nesta citação, este Golpe Militar na Guiné, segundo um dos seus protagonistas, o então capitão Jorge Sales Golias, “foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático”, mas que,  segundo me contaram à época, foi “duro na forma”, em que destituíram o então General Bethencourt Rodrigues…. 

Eu estava lá em Bissau na altura, e apesar de ser muito jovem (tinha 13 anos de idade), era filho de um militar com grandes responsabilidades neste TO e que presenciou também este “episódio histórico”, fiquei com essa ideia (bem como ao longo destes últimos 40 anos), embora se possa considerar que um “golpe militar é por natureza duro”. 

No entanto entre militares que viviam a guerra em conjunto, do mesmo lado da “trincheira”,  e que,  até o dia 25 de Abril, mantinham uma “cadeia hierárquica” sólida, liderada quiçá por um dos mais competentes e respeitados generais portugueses da altura [o gen Bethencourt Rodrigues], o momento seria inevitavelmente (seria mesmo ?) sempre “dramático” para quem é destituído das suas funções neste contexto político-militar. 

Esta ideia com que fiquei, será no entanto verosímil,  a ter em conta  o facto deste general ter ficado “tão tocado” com este episódio que,  passado muitos anos,  não quis dar entrevistas em direto para reportagens sobre a “A Guerra Colonial”, tanto quanto sei. Disse sempre que não se esquecia da “forma como o trataram” nessa manhã longínqua,  no Forte da Amura,  em Bissau.



Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974.

Foto: © Fernando Vaz Antunes  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Não irei aqui proceder a reflexões “técnico-militares”, se o Sr. General foi apenas “destituído das suas funções” pelos militares revoltosos, ou se foi mesmo “preso”, pois esse tipo de discussões não serão a razão principal deste mesmo artigo.

Sendo assim,   passo à apresentação do “documento histórico”, que justificou a elaboração deste mesmo artigo, o “manuscrito do Sr. coronel de Infantaria, António Vaz Antunes: primeiro apresentarei o original, escrito pelo seu próprio punho, logo dias após o seu afastamento das suas funções neste TO, e depois a “transcrição fiel”,  realizada pelo seu filho Fernando Vaz Antunes, onde apenas se procedeu à introdução / reorganização de notas de rodapé, para permitir uma melhor leitura, tendo também recorrido ao “Regulamento de Abreviaturas Militares” para um melhor esclarecimento dos acontecimentos relatados.


Guiné > Região do Oio > O Coronel António Vaz Antunes,  em Farim,  no ano de 1974. Fotografia do arquivo pessoal do coronel António Vaz Antunes.

Foto: © Fernando Vaz Antunes  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Primeira parte da folha 1, do documento manuscrito do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas. Trancrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes.

3. Lisboa 30Abr74  > Memorando dos acontecimentos de Bissau  (Transcrição dos registos originais)  [Por decisão do editor, e para tornar a leitura mais fácil, e o blogue mais ágil, apresentam-se as imagens digitalizadas do documento manuscrito, nos dois postes a seguir]

Cor. António Vaz Antunes


Funções:

Desde 24Mar – Inspector do CTIG

13Abr – Adjunto do Cmdt do CTIG para parcial substituição do Brig. 2º Cmdt [1], de licença; Cmdt intº do COMBIS por licença do Comandante

Sequência cronológica

24Abr

Considerando que 26 era feriado em Bissau, e para aproveitamento de tempo, solicitei à Chefia Srvc Transportes passagem para Bolama, a partir das 09:30

Planeei assistir às cerimónias mais significativas de homenagem a Honório Barreto e seguir depois para Bolama, em visita ao BArt [2] em IAO.

25Abr

Conhecimento por camaradas, do Movimento das Forças Armadas em Lisboa: através da BBC ao fim da tarde, depois de actividades várias no CTIG e COMBIS, tive conhecimento do triunfo do Movimento. 

Às 18:00 horas comuniquei à Chefia Srvc Transp para anular ida a Bolama.

22:00 horas – como de hábito, desloquei-me para o COMBIS para pernoitar, depois de ter recebido comunicação telefónica do Chefe do Estado Maior do CTIG [3] para recomendar ao pessoal de guarda a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN.

À chegada ao COMBIS recebi a mensagem escrita que repetia a recomendação telefónica. Dei as necessárias instruções ao Oficial de Dia. 

Pouco depois o Oficial de Dia batia à porta do quarto para me prevenir de que a Emissora Nacional (Lisboa) ia transmitir uma mensagem do Movimento. Desloquei-me para o Bar, onde ouvi a mensagem na companhia do Oficial de Dia e mais 2 alferes.

Logo de seguida voltei para o quarto e pouco depois ouvi a repetição da mensagem, feita agora por emissor da Guiné e mais tarde repetida pelo PFA [Programa das Forças Armadas]  , vulgo “PIFAS”.

26Abr

Às 08:00 dirigi-me para a Praça Honório Barreto, de uniforme nº1 (branco), acompanhado do Cor Lemos [4]

Terminada a cerimónia, voltei ao quarto e mudei de farda.

09:45 – Chegada ao QG/CCFAG para tomar parte no briefing diário. Enquanto aguardava no local habitual, juntamente com outros oficiais – nomeadamente Cor Vaz, Cor Pilav Amaral Gonçalves, Cmdt Ricou e Comodoro Brandão [5] –, o Cmdt Lencastre chegou conduzindo um Volkswagen muito apressadamente, travou bruscamente e dirigiu-se a correr ao Comodoro a quem comunicou qualquer coisa, de que eu só percebi “vêm aí pára-quedistas”. 

O Comodoro não reagiu, o Cor Amaral Gonçalves pareceu-me surpreendido e eu perguntei ao Ricou, também impassível, o que se passava.

Este informou-me que eram os pára-quedistas que estavam a cercar o QG. Perguntei qual a intenção, respondeu não saber. Perante a impassibilidade destes, dirigi-me à sala de reuniões para onde tinha visto entrar o Sub Chefe do Estado Maior – Ten Cor Monteny [6] –, disse-lhe o que se tinha passado e ele respondeu-me que não sabia de nada. 

Respondi que, nesse caso, o nosso General [7] também não devia saber. Confirmou-me que não. Nessa altura ordenei-lhe que fosse avisar o nosso General, o que se prontificou a fazer, tendo saído para o efeito [8]. 

Momentos depois o grupo de oficiais, que estava fora, dirigiu-se para a sala de reuniões. Fiz o mesmo e cada um ocupou o lugar habitual.

Faltavam o General Cmdt Chefe, o Brigadeiro Adjunto [9] e o CEM/QG/CCFAG [10]. Não estranhei, por supor que estariam ocupados – e não era a primeira vez que o Comodoro presidia à reunião.

Logo que todos tomaram lugares – e havia muito mais oficiais que era habitual em briefing de rotina, especialmente considerando que era feriado –, adiantou-se para a frente o Ten Cor Mateus da Silva [11] que pedia atenção e disse: 

“A Comissão na Guiné do Movimento das Forças Armadas, que está aqui presente, entendeu que o Sr. General Bethencourt Rodrigues não podia continuar no desempenho de funções. Foi-lhe dado conhecimento disso e destituiu-o. Em face disso nomeia o Sr. Comodoro, Comandante Chefe, e eu, que já desempenhava funções de direcção no Serviço das Obras Públicas, passo a desempenhar as de Secretário Geral” [12].

O Comodoro fez um gesto afirmativo de cabeça e disse: “Bem, vamos ao briefing!”. 

Houve uns curtos momentos de silêncio e passividade que me fizeram crer que só eu fora surpreendido, pelo que me levantei e pedi licença ao Comodoro para dizer: 

“Para mim é surpresa o que acabo de ouvir. Tenho uma missão de responsabilidade da defesa de Bissau. Desejo identificar os membros da Comissão da Junta que tomou tais decisões e conhecer a minha posição!” 

O Comodoro propôs que falássemos depois do briefing. Insisti para que se não adiasse porquanto não conhecia as novas estruturas criadas.

Além disso,  em 33 anos de Oficial nunca se me tinham deparado tais procedimentos dentro das estruturas militares, pelo que pedia o esclarecimento da situação. 

Enquanto falava, um capitão tentou intrometer-se, no que o impedi [13]. Mas logo que terminei, ele pediu licença ao Comodoro e sugeriu “que o senhor Coronel acompanhasse o Sr. General para Lisboa, no Boeing que o transportaria nessa tarde”.

Fiquei perplexo, o Comodoro não respondeu, mas fitava-me como esperando a minha reacção, e então retorqui: 

“Lamento que seja posto na situação de aceitar uma sugestão apresentada por um Capitão que não conheço, mas se o Sr. Comodoro a aceitar eu aceito-a também!”.

 O Comodoro respondeu: “Sim, é melhor, vai com o Sr. General para Lisboa!”. 

Perguntei se podia contactar com o Sr. General, a fim de lhe perguntar se dava licença que o acompanhasse. Perante resposta afirmativa, pedi licença e retirei-me. Dirigi-me de imediato ao gabinete do Comandante Chefe e perguntei ao Sr. General Bethencourt Rodrigues se autorizava que o acompanhasse no avião que o transportaria para fora de Bissau. 

Respondeu-me que não tinha que se pronunciar sobre isso porque fora forçado por um grupo de oficiais, que invadiram o seu gabinete, a abandonar o cargo. Esclareci que apenas pedia licença para o acompanhar, porquanto a ordem para embarcar tinha-me sido dada no briefing nas circunstâncias que atrás referi.

Entretanto entraram no gabinete o Comodoro, o Cor Vaz, o Cmdt Ricou e o Cmdt Lencastre. Após breves palavras que o primeiro disse ao Sr. General, em termos de lamentação (que eu não entendia… ), esclareci-o que o Sr. General autorizava que eu o acompanhasse. Perguntei por guia de marcha, e disse-me que não era precisa. Indaguei sobre hora e local de reunião e fui informado que podia reunir-me no Palácio, ao Sr. General, até às 13 horas. 

Logo de seguida – cerca das 10:15 –, dirigi-me ao COMBIS para recolher os meus haveres pessoais e informar o meu Chefe do Estado Maior, de que devia entrar em contacto com o Cmdt Chefe para lhe definir a situação e missões.

Quando chegava à entrada do Depósito de Adidos, acesso ao COMBIS, estava a formar junto à porta, muito apressadamente, um Pelotão do Batalhão de Comandos Africanos, transportado para ali numa viatura pesada estacionada em frente. O Pelotão estava completamente armado, inclusive com LGF e armas automáticas, equipado e municiado.

Deduzi que seria por minha causa, mas nem parei nem interferi. Rapidamente reuni os meus haveres após o que chamei o Ten Cor Altinino e o Cap Bicho para os informar que deixava o COMBIS, mas não tinha dados que me permitissem transmitir o Comando.

Cerca das 12:45 cheguei ao Palácio com a minha bagagem. Cerca das 14h, quando vi chegar a guia de marcha para o Brig. Leitão Marques e Cor. Hugo Rodrigues da Silva, telefonei ao Cor Vaz, Chefe do EM/CTIG solicitando uma guia também para mim. Às 15:30 o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny disseram-me que o Comodoro não assinava a guia e não autorizava que eu saísse.

Surpreendido por esta nova versão, procurei o Comodoro para que me esclarecesse. Estava num dos corredores do Palácio para tomar parte na cerimónia de tomada de posse do novo Governo da Província. Respondeu que não estava na disposição de autorizar que saísse quem pedisse. Lembrei-lhe que eu não o pedira – ele é que o ordenara. Reagiu atirando-se para um sofá e declarando que se quisesse embarcar que embarcasse, mas que não me passava guia.

Mais tarde, já no aeroporto, pedi-lhe para me atender em particular, e solicitei que recordasse o que se tinha passado e a ordem que me dera, e a situação em que me colocara na presença de dezenas de oficiais. Decidiu então que me enviaria a guia pelo correio e autorizou que embarcasse.

Chamei o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny e, estando também presente o Cmdt Ricou, o Comodoro deu ordem ao Cor Vaz para me enviar a guia para o DGA [14] no dia seguinte.

Nessa mesma ocasião, disseram (não me lembro quem) ao militar que fazia policiamento à porta de passagem para a gare, que eu podia embarcar.


(24-26Abr1974) – Cor. António Vaz Antunes

Fernando Vaz Antunes, documento inédito, cedido pelo autor ao Luís Gonçalves Vaz e ao blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné

Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > Quartel-General > O velho forte da Amura > Entrada principal



Foto: © João Martins  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


E no ainda Império Português, decorria aqui, neste antigo forte colonial (Forte da Amura), mais um Capítulo da História Colonial Portuguesa. No entanto ainda seriamos “senhores deste território”, desta Província Ultramarina,  por mais seis meses, já que o acantonamento e a retirada dos 42 000 militares portugueses (número máximo de militares presentes neste TO) , bem como as negociações com o PAIGC, iriam levar o seu tempo e conhecer a sua “turbulência”.

 Nesta fase final, ainda houve “pressões por parte do PAIGC” e por parte de alguns sectores políticos para que todo o processo de descolonização na Guiné fosse célere. Como tal em 14 de Outubro de 1974 saem os últimos militares portugueses por via aérea, e no dia 15 saem os últimos militares portugueses, por via marítima, estes já ao largo, desde o dia 14 de Outubro.

Espero assim ter contribuído mais um pouco, para a elaboração da “Memória Futura do Golpe Militar de 26 de Abril de 1974”, na antiga Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. 

Resta-me agradecer ao Sr. Fernando Vaz Antunes, filho do Sr. Coronel António Vaz Antunes, a amabilidade em me ter confiado esta missão de divulgação deste importante “documento histórico”, de que é proprietário e legítimo herdeiro. Como a História se faz a partir do estudo de documentos e vestígios do passado, aqui ficou mais um, com grande valor para que historiadores e investigadores se possam debruçar sobre estes acontecimentos marcantes da nossa vivência colectiva.


Braga, 29 de Abril de 2014

Luís Beleza Gonçalves Vaz

____________

Notas de AVA/FVA/LGV:

[1] - Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, 2º Comandante do CTIG e, por inerência, Comandante do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau).

[2] - Batalhão de Artilharia nº 6520/73, mobilizado pelo RAL5-Penafiel e aerotransportado entre 01 e 04Abr74, do AB1-Portela para a BA12-Bissalanca, de onde marchou para o CIM-Bolama.

[3] - Coronel de cavalaria CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz (CEM/QG-CTIG desde 07Jul73 até 14Out74)

[4]  -«A cerimónia começou mais tarde porque se aguardou, em vão, a chegada do Gen Cmdt Chefe. A dada  altura, por decisão do Comodoro Brandão que estava presente, deu-se início à cerimónia com uma alocução  do então Maj de infantaria Alípio Emílio Tomé Falcão, Comissário Provincial da MP na Guiné.» [AVA]

[5] - António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante do ComDefMarG (Defesa Marítima da Guiné).

[6] - António Hermínio de Sousa Monteny, Tenente-Coronel CEM

[7] - José Manuel de Bethencourt Conceição Rodrigues, desde 29Set73 Governador e CCFAG.

[8] - «Houve entretanto um curto impasse: o Monteny continuava a escrever uns papéis, que eu lhe retirei da secretária repetindo-lhe que fosse de imediato – e ele foi. Isto passou-se na sala, enquanto o resto do pessoal estava fora. Quando o Monteny saiu, vim atrás dele, mas ao chegar à porta vi que os que estavam fora, incluindo o Comodoro, vinham entrando para o briefing, e eu fiz o mesmo, enquanto o Monteny descia o jardim.» [AVA]

[9] - Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques.

[10] - Coronel CEM Hugo Rodrigues da Silva. [O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau). O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.]

[11] - António Eduardo Domingos Mateus da Silva, TCor Engº Trms, desde Jul72 Comandante do AgrTmG.

[12] - «O Mateus da Silva propôs-se ocupar os cargos de Secretário Geral e Encarregado do Governo – o que veio a acontecer –, tendo sido “empossado” cerca das 12h quando nós estávamos ainda no Palácio do Governo (e residência do Governador).» [AVA]

[13] - «O Capitão era o José Manuel Barroso, miliciano, que dirigia o semanário “Voz da Guiné” (e mais nada); era casado com a “fulana” que estava em Bissau para estudar a instalação da Universidade de Bissau, recebendo por isso 15 contos X mês (naquele tempo… ).» [AVA]

[14] - Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda, em Lisboa).

(Continua)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12182: Em busca de... (231): Casimiro Silva procura camaradas do Centro de Mensagens, em Bissau, dos anos 1971/73

1. Mensagem do nosso camarada Casimiro Silva que esteve no Centro de Mensagens do QG/CTIG nos anos de 1971/73, com data de 12 de Outubro de 2013:

Boa noite camaradas
Estive no STM – Centro de Mensagens do Q.G. em Bissau, de 25 de Agosto de 1971 a 03 de Setembro de 1973.

Após o meu regresso, aconteceu o 25 de Abril e além de ter esporadicamente contactado com o camarada, operador de mensagens, Vitor Silva, do Porto, perdi o contacto com todos!

Hoje inesperadamente encontrei o blog e porque gostava de reencontrar os camaradas com quem estive aqui fica o meu endereço e o pedido de contacto se algum andar por aí.

- Os 3 Vitor Silva (um do Porto, outro do Barreiro e outro da Apelação / Loures)
- O “Caldas”
- O “Cortegaça”;
- O Gaspar;
- O “Tchefe”
- e …

casimiro.silva@netcabo.pt
961679979
Santa Iria de Azoia

Um abraço
Casimiro Silva
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12120: Em busca de... (230): Camaradas da CCAV 1749, Os Duros (Mansoa e Mansabá, 1967/69)... Até hoje não encontrei ninguém (Martinho Gomes)

domingo, 13 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Abílio Magro*, ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de 9 de Janeiro de 2013:

Camarigo Luís Graça:
Desde já um abraço com muito "ronco" pela tua Tabanca Grande.

Tenho seguido com alguma assiduidade os posts publicados na tua /nossa Tabanca, mas só hoje me dei ao "trabalho" de lá publicar um comentário ao tópico "O cruzeiro das nossas vidas", comentário esse que é mais um post, mas que não sei como publicá-lo como tal.
Acontece que possuo algum material que poderá enriquecer um pouco aquela Tabanca, já que pertenço a uma grande família de "combatentes" pois, de 8 irmãos (6 rapazes e 2 raparigas) todos os "machos" foram dar com os "costados" nos vários TO's (Angola, Moçambique e Guiné), chegando a estar 5 irmãos (todos milicianos) ao mesmo tempo, a cumprir serviço militar, dos quais 4 no Ultramar.

Dos 8 irmãos eu sou o mais novo e regressei da Guiné em Setembro de 1974, com a Guiné já independente e com guerrilheiros do PAIGC a fazerem patrulhas em Bissau, em conjunto com a nossa PM.

Desde 1967 houve, portanto, sempre a presença de, pelo menos, um irmão a "combater" em África, até ao fim da guerra. Muito pouca gente acredita, mas é realmente verdade e passo a explicar:

- O primeiro a embarcar foi o meu irmão Rogério que nasceu em 1944 e esteve em Angola entre 1967 e 1969 como Fur. Milº Atirador de Infantaria.
- O segundo foi o Dálio que nasceu em 1946 e esteve em Moçambique entre 1970/1972 como Alf. Milº de Engenharia.

- Também entre 1970/1972 prestou serviço em Angola o meu irmão Carlos, como cabo especialista da FAP (6 anos de serviço) e que se tinha oferecido como voluntário.

- Ainda entre 1970/1972, prestou serviço na Guiné o meu irmão mais velho Fernando, como Cap. Milº de Artilharia que, tendo nascido em 1936, já tinha prestado serviço militar obrigatório antes da guerra se iniciar em África.

- Ainda na Guiné, prestou serviço como 1º Cabo Enfermeiro o meu irmão Álvaro, que nascido em 1950, tinha mais um ano e meio de idade do que eu.

- Finalmente, eu (Abílio) o caçula, inicio o CSM no RI 5, Caldas da Rainha, em Abril de 1972, encontrando-se, nessa altura, a Companhia Magro assim distribuída:

- Rogério Magro - Na disponibilidade
- Dálio Magro - Moçambique
- Carlos Magro - Angola
- Fernando e Álvaro Magro - Guiné
- Abílio Magro - RI 5, Caldas da Rainha

Entretanto, em Março de 1973, lá fui parar à Guiné onde fui recebido pelo meu irmão Álvaro, pois o Fernando, o mais velho, já tinha regressado à Metrópole.

Penso possuir, portanto, algum "material" de interesse para a tua/nossa Tabanca.

Abraço camarigo
Abílio Magro


2. Nova mensagem, de 10 de Janeiro, de Abílio Magro, desta vez para desfazer uma troca de identidades, sem gravidade, que entretanto tinha sido esclarecida:

Camarada Vinhal
Já providenciei para que aquele "caramelo" do romeiro nunca te responda "ninguém", e te responda:
- És um homem grande, chefe de Tabanca e esquece o Magricelas que anda apanhado da caçoleta por causa da Troika e outros cacimbos do género".  Djubi, mi ca cunhe bem blogue de bó. Mi ca miste pôr bó num pusiçom inferior. Mi segue informaçom dos blogue. Os blogue fala pa mandá dos preferença pros mail do Luis. Mi disculpa esfuriel, tá? 

Por falar em humor, a minha passagem pela Guiné teve vários episódios burlescos que pretendo ir relatando na Tabanca Grande, assim os grã-tabanqueiros o permitam.
Não esperem relatos de grandes feitos, que não os houve, pois a minha prestação, enquanto militar, foi aquilo a que normalmente se chama de "ganda baldas!".
Já estou a tratar da digitalização das fotos do guerreiro e do reformado, que enviarei brevemente, conjuntamente com um pequeno texto sobre os meus primeiros dias de "guerra".

Abraço
Abílio Magro


3. Em mensagem do dia 11, o nosso camarada Magro enviou as fotos da praxe, assim como o primeiro texto para a uma série a começar a ser publicada brevemente: 

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal
Conforme o solicitado, seguem em anexo 2 fotos.
A primeira foi tirada na Guiné e alguns dar-lhe-ão o título de "O Bravo do Pelotão", e outros o de "O Magro como um cão".
À segunda ficar-lhe-à bem o título de "Um reformado com estilo", digo eu.

Envio também um pequeno texto de início de "hostilidades", ficando ao v/inteiro critério dar-lhe o destino que muito bem entenderem.
Caso achem poder haver algum interesse no relato dos episódios que se seguem, que incluem umas mini-férias na praia fluvial de Cacine, superiormente gerida pela CCaç 3520, numa altura em que havia grande arraial e fogo de artifício na aldeia vizinha (Gadamael), terei todo o gosto em efectuar os respectivos relatos, não prometendo grande qualidade literária, mas apenas alguns salpicos pseudo-humorístcos.

Abraços
Abílio Magro


4. Comentário de CV:

Caro camarada Abílio Magro, bem-aparecido na nossa Tabanca Grande.
Começo por te dizer que não conheço caso idêntico ao da tua família, de ter permanentemente um membro (pelo menos) desde 1967 até 1974, na guerra. Imagino que seria uma casa de sobressalto com uns pais permanentemente em sofrimento.

Por que nada referes, supõe-se que, felizmente, regressaram todos sãos e salvos.

No primeiro poste da tua série a sair em breve voltaremos ao assunto com mais pormenor.

Quanto a ti, sabemos teres sido Fur Mil Amanuense e prestado serviço na Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina no Quartel General do CTIG. Felizmente que a tua comissão de serviço foi mais curta pelos motivos que todos sabemos. Embora em termos operacionais não tivesses algum problema, só o estar tão longe da família era já castigo bastante.

Prometo em breve começar a publicar a tua série, mas ficas obrigado a alimentá-la de modo a não ficar a saber a pouco. Se houver por aí umas fotos de Bissau, manda também.

Para que os nossos leitores possam confirmar os teus dotes de informático, aconselho uma visita às tuas páginas Abílio Magro - Genealogia em: www.amagro.net e www.genealmagro.blogspot.pt
A propósito, não queres ser nosso consultor técnico?

Para evitar dúvidas, a tua correspondência deverá ser sempre enviada, por uma questão de segurança, para dois destes três endereços: Luís Graça, sempre, e Carlos Vinhal ou Eduardo Magalhães, à escolha.

Caso não tenhas reparado, és o 600.º elemento da tertúlia, agora escolhe seres o seiscentésimo ou o sexcentésimo.

Com este apontamento de profundos conhecimentos de português (ou resultado de busca na net) deixo-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores.

Em nome desta gente toda
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10915: O cruzeiro das nossas vidas (18): O meu batismo de voo, em 28 de março de 1973, num DC 6 da FAP (Abílio Magro)

Vd. último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10934: Tabanca Grande (380): João Nunes, açoriano, grã-tabanqueiro nº 599, ex-fur mil, CCAÇ 4544 (Cafal Balanta e Bolama, 1973/74)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7173: Tabanca Grande (250): Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG (STM/QG/CTIG, 1968/70)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70, com data de 23 de Outubro de 2010:

Camarada Luís Graça
Faz hoje 42 anos que embarquei para a Guiné.

Deu-me para recordar a data de embarque, relatando alguns pormenores desse mesmo dia.
Se entender por bem publicar o escrito que remeto em anexo, fico-lhe grato e se me quiser avisar da sua publicação, se assim o entender, ainda mais grato lhe fico.

As fotografias que vão anexas ao escrito são de Bissau daquele ano de 1968.

Nota - Chamo-me Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro, sou natural de Alcanena e resido em Torres Novas. Assentei praça na EPC em Santarém em 10 de Outubro de 1967, chumbei no CSM, como muitos outros naquele Curso, tirei a Especialidade no RTM no Porto, vim para o BT em Lisboa, fui colocado no QG da 2.ª RM em Tomar e depois acabei por ser mobilizado pelo RI 15 de Tomar.

Embarquei em rendição individual destinado ao BCAÇ 1911 que afinal veio no mesmo barco em que fui. Passei a minha comissão no Centro de Mensagens do STM no Quartel General de Bissau.

Fui o 1.º Cabo Op. Msg. 03015366

Fui funcionário dos Serviços Médico Sociais em Torres Novas, Alcanena e Santarém onde estive desde 1964 a 1972, ano em que entrei para a Banca, Crédito Predial Português, tendo passado à reforma em 31.12.01.

Sobre mim acho que disse o essencial.

Já para aí tenho escrito, mas gostava mesmo de pertencer a essa Grande Família.
Diga-me por favor o que devo fazer.

Um abraço
Carlos Pinheiro


Já lá vão 42 anos

É verdade. Parece que foi ontem e já lá vão quarenta e dois anos desde o dia do embarque para a Guiné.

Depois de uma noite muito mal dormida nos Adidos, na Calçada da Ajuda, logo de manhã lá estava ataviado a preceito para embarcar para a guerra.

Carlos Pinheiro junto à estátua de Honório Barreto

Dois dias antes, ainda no RI 15 em Tomar, a minha Unidade mobilizadora para o BCaç 1911 que nunca vi que veio no barco onde fui, apanhei uma boleia com um senhor da minha terra que lá foi buscar o filho, para também embarcar para a guerra, salvo erro era para Angola. Lá fomos os três no Volkswagen 1300 do senhor, a caminho dos Adidos em Lisboa. Almoçámos, já não me lembro onde, e lá chegámos.
 
Entrámos os dois pela porta de armas, cada um foi para o seu sítio, mas no dia seguinte deixei de o ver. Afinal ficou cá. Não chegou a embarcar. Tinha as suas mazelas certamente. Eu também tinha as minhas, mas embarquei e ele ficou por cá.

No dia do embarque, no dia 23 de Outubro de 1968, como disse, logo de manhã lá estava fardado como deve ser, de saco às costas com os meus pertences. Foi só esperar que as camionetas começassem a chegar para levar toda aquela malta de rendição individual para o cais de Alcântara. Éramos cerca de sessenta.

Quando chegamos ao Cais, o grosso dos expedicionários já estava devidamente formado; era o Batalhão de Caçadores 2856 constituído por quatro Companhias, mais um Pelotão de Polícia Militar que ia para Cabo Verde e ainda outras Unidade mais pequenas, género Pelotões de Canhão Sem Recuo, Pelotões de Apoio Directo, etc.

Nós ficámos livres da formatura e, certamente por isso, fomos dos primeiros a embarcar. Ao cima das escadas lá estavam as senhoras do MNF – Movimento Nacional Feminino a darem um maço de cigarros "Porto", um isqueiro e uns aerogramas. Também por lá se viam uns senhores de chapéu e de sobretudo que alguns mais vividos diziam ser da Pide.

Carlos Pinheiro junto ao monumento do V Centenário da morte do Infante D. Henrique

O UÍGE atracado à espera, com a tropa formada, depois de um General ter passado revista às forças ao som de uma Banda Militar, depois dos discursos da ordem, lá começaram a embarcar, sempre com a Banda a tocar marchas militares.

Os nossos familiares estavam do outro lado das barreiras e muitos nas varandas da Gare.

Os lenços brancos a acenar eram mais do que muitos. Da minha parte lá estavam os meus pais e os meus tios que moravam em Lisboa. Sabia mais ou menos onde eles estavam posicionados porque tínhamos combinado antecipadamente. A amurada do barco do lado do Cais estava repleta de militares o que provocava um relativo adornar do navio.

Entretanto, cerca do meio-dia, as máquinas do navio começam a fazer mais barulho e a silvar. Vêem-se já os rebocadores que o hão-de ajudar a largar e a ganhar o rumo da Barra do Tejo. Foram momentos difíceis de descrever. Adivinhávamos facilmente que os familiares no Cais choravam. Alguns até gritavam. Ouvia-se.

A bordo também havia lágrimas em muitos olhos. O barco ganha rumo, a ponte "Salazar", era assim que se chamava a que hoje se chama "25 de Abril", começa a ficar cada vez mais perto até que passámos por baixo dela. Dali até à Barra e depois ao mar alto parece que foi um momento.

Mal ou bem lá fomos encaminhados para os nossos aposentos, para largarmos o nosso saco e para tomarmos conhecimento dos nossos beliches. A esmagadora maioria, onde eu estava incluído, viajámos nos porões que noutras viagens transportavam tudo e mais alguma coisa. O cheiro era horroroso. As camas eram mesmo tipo beliche, mas em madeira de pinho, com colchões de palha e uma manta da tropa em cima. A estrutura das mesmas, porque em madeira, estava já cheia de dedicatórias de toda a ordem que se possa imaginar, fruto de outras viagens de idas e de regressos.

Edifício do STM em Bissau

Já no mar alto fomos para a primeira refeição, o almoço, numa sala grande, a sala de jantar do barco, e a comida era aquela que nos quiseram dar, porque os orçamentos naquela altura já eram apertados.

Depois foram cinco dias a ver-se só mar e céu, tudo azul, e de vez em quando uns peixes voadores a acompanhar o UÍGE e por vezes até golfinhos como que a desejarem-nos boa viagem. Raras vezes avistámos outros barcos, mas sempre ao longe. Passámos relativamente perto das Canárias. Disseram-nos que, como aquilo era um Transporte de Tropas, estávamos a ser a ser acompanhados por um submarino. Já era a psico a funcionar.

No convés havia uma espécie de um bar onde se vendia cerveja e Coca-Cola, sendo esta uma novidade autêntica uma vez que na Metrópole a mesma ainda era proibida. A cerveja era holandesa. Eram garrafas de meio litro, verdes, que nós nunca tínhamos visto. Claro que com estes estimulantes a viagem parece que custava menos.

Nos porões, logo no primeiro dia, foram montadas bancas para a batota, neste caso a lerpa, e os profissionais dessa jogatina lá assentaram arraiais e foram depenando os mais desprevenidos, que eram muitos.

E assim chegámos a Bissau no dia 28, ao final do dia, tendo o barco ficado ao largo e o pessoal desembarcado para barcaças que de imediato tinham rodeado o navio.

A todos os que vão sobrevivendo e que há 42 anos a esta hora viajavam comigo no UÍGE, um grande abraço e votos de muita saúde.

Carlos Pinheiro
23 de Outubro de 2010


2. Comentário de CV:

Caro Carlos Pinheiro, bem-vindo à nossa Tabanca virtual, onde os camaradas mais ou menos operacionais, mais ou menos graduados e mais ou menos doutores na universidade ou na vida, têm lugar sem distinção.

Lá "fora" ficam as mordomices e tratamo-nos por tu, porque todos os ex-combatentes da Guiné são verdadeiros camaradas, pisaram o mesmo chão avermelhado, sentiram o mesmo calor húmido insuportável, passaram a mesma sede, e a maioria pensou muitas vezes se o dia seguinte seria ser o último da sua vida.

Descreves os momentos finais da tua partida, em Lisboa, comuns à esmagadora maioria de nós. Quanta dor e incerteza no porvir. Quantas mães, esposas, irmãs e namoradas se despediram dos seus entes queridos, pela última vez, sem o suspeitarem.

Tempos difíceis, Carlos, documentados no nosso Blogue, mas que nunca é demais relembrar para que nunca mais voltem a acontecer. Ressalvam-se os tempos actuais, mas isso são contas de outro rosário. Nós sim, fomos os verdadeiros expedicionários, o resto é tempo de antena nas TVs.

Carlos, a partir de hoje assumes a responsabilidade nos contares as tuas vivências, mesmo em Bissau aconteciam coisas, que nós homens do mato, gostamos de saber. Estás apresentado à tertúlia, portanto começa a trabalhar.

Pessoalmente, quero dar-te os parabéns por vires engrossar o já numeroso grupo dos Carlos, todos boas pessoas como tiveste ocasião de me escrever, mas convenhamos que temos na tertúlia um numeroso grupo de homens de excepção, independentemente de se chamarem Carlos ou não. Lembremos também as "nossas" senhoras, operacionais ou amigas, que dão ao nosso Blogue aquele toque de beleza, inteligência  e sensibilidade, tão próprias delas.

Ao terminar deixo-te o indispensável abraço em nome da tertúlia e dos editores que terão muito gosto em publicar as tuas memórias.

Saudações do novo camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7150: Tabanca Grande (249): Carlos Fernandes, ex-1º Cabo Pára (CCP 122, 1971/74) e ex-elemento do Grupo Os Vingadores, do Alf Grad Marcelino da Mata

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6192: Blogues da nossa blogosfera (34): Comandos-Guine 1964 a 1996, de Luís Raínha, o centurião-mor


O blogue Comandos Guiné 1964 a 1966 foi criado em 23 de Fevereiro de 2010 pelo nosso camarada Luís Raínha, que foi Alf Mil Comando, comandente do Grupo Os Centuriões. É também o principal editor, tendo como co-editores o João Parreira, membro do nosso blogue, e o Júlio Abreu, a residir na Holanda.

O cabeçalho do blogue tem, como fundo,. uma imagem de grupo, tirada em 8 de Novembro de 2008, por ocasião do 2º Encontro dos Velhos Comandos da Guiné 1964-1966, realizado no restaurante Os Severianos, sito na estrada Lourinhã-Torres Vedras.

Nessa foto, reconmhecemos como membros da nossa Tabanca Grande o Amadu Djaló (nº 9, Grupos Fantasmas e Centuriões), João Parreira (nº 13, Grupos Fantasmas e Apaches), Júlio Abreu (nº 18, Grupo Centuriões) e Mário Dias (nº 19, Grupos Camaleões e Apaches)... O Luís Raínha não aparece na foto, não tendo ido muito provavelmente ao encontro.

Aos nossos camaradas - que fazem questão de se chamar "velhos comandos" do CTIG, 1964/64 - desejamos os melhores votos de sucesso bloguístico.

O blogue tem por objectivo explícito "o reconstruir do puzzle que foi a nossa passagem pela Guiné", através do "relato honesto daquilo que então nos aconteceu" e que eles fazem questão de querer transmitir "aos presentes, aos filhos, aos netos e aos vindouros".

O historial militar do Luís Rainha, de 69 anos de idade, reformado, residente em Tavarede, Figueira da Foz, é apresentado no blogue nestes termos:

(i) Alf Mil Inf, tendo frequentado o COM em Mafra;

(ii) Fez um estágio de Educação Física Militar e frequentou com aproveitamento o Cursos de Operações Especiais, Oficial Miliciano de Infantaria, Ranger, e Operações Especiais, Oficial Miliciano Comando;

(iii) Colocado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa;

(iv) Foi incorporado no BCAV 705/CCAV 704 e mobilizado para a Guiné;

(v) Os primeiros meses passou-os na CCAV 704 e os restantes nos Comandos do CTIG, onde formou o Grupo Centuriões;

(vi) Os seus instrutores foram o então Major Monteiro Dinis, Cap Nuno Rubim, Alf Mil Justino Godinho, Alf Mil Pombo dos Santos, Alf Mil Maurício Saraiva, Sargento Mário Dias e Furriel Mil Miranda (participantes na Op Tridente, com excepção dos dois primeiros);

(vi) Foi contemporâneo dos Alf Mil António Vilaça, Neves da Silva, Vítor Caldeira, V. Briote e do então Cap Garcia Leandro;

(vii) Foram-lhe atribuídos dois louvores, um ao serviço do BCAV 705 e outro ao serviço dos Comandos do CTIG atribuído pelo Comandante Militar da Guiné;

(viii) Mais tarde foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª Classe.

O João Parreira, por sua vez:

(i) É um lisboeta de gema, nascido em Alcântara;

(ii) Ainda antes da tropa, ingressou, em 2 de Dezembro de 196,l no Ministério dos Negócios Estrangeiros;

(iii) Prestou o Serviço Militar entre 9 de Agosto de 1963 e 19 de Agosto de 1966;

(iv) Estando colocado no BCaç 8 em Elvas, foi selecionado para frequentar o Curso de Operações Especiais;

(v) Fez um estágio no CMEFD (Centro Militar de Educação Fisica e Desporto), em Mafra, de 30 de Março a 3 de Maio de 1964;

(vi) Tendo ficado apurado, recebeu ordem para se apresentar no CIOE Centro de Instrução de Operações Especiais) em Penude (Lamego), onde frequentou o 3º Curso, C-24, que decorreu a 4 de Maio a 7 de Junho de 1964, tendo tirado o Curso com aproveitamento;

(vii) Foi incorporado na CART 730 / BArt 733, com destino à Guiné;

(viii) Fez a Comissão na Guiné de 8 de Outubro de 1964 a 14 de Agosto de 1966, primeiro na CArt 730/BArt 733;

(ix) Foi ferido em 9 de Janeiro de 1965, numa Operação à Base de Bafantandem, na Zona do Cancongo;

(x) Depois, foi para o Grupo Fantasmas, do Cap Saraiva (a que pertenceu também o Amadú Djaló);

(xi) Foi outra vez ferido em 20 de Abril de 1965 na Operação Açor, nas Tabancas de Portugal, na Zona do Incassol;

(xii) Vou a ser ferido, pela terceira vez, em Maio de 1965 na Operação Ciao, em Catungo, Cacine, "mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o João Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer";

(xiii) Regressou ao MNE em Setembro de 1966; "com saudades de África", foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, Rodésia, em 23 de Dezembro de 1966;

(xiv) Passou ainda pelas Embaixadas de Salisbúria na Rodésia, Blantyre no Malawi, Londres na Inglaterra, Lusaka na Zâmbia e Harare no Zimbadbwe.

(xv) Em Agosto de 1994, voltou a Lisboa, trabalhando no MNE;

(xvi) Da Guiné, nãou trouxe medalhas, a não ser "as que (...) trago comigo, e que estão aqui, no corpo";

(xvii) Pelo serviço prestado mo MNE, foi agraciado pelo Presidente da Repùblica com a Ordem do Infante D. Henrique.




O Júlio da Costa Abreu foi 1.º Cabo Radiomontador do Batalhão 506, Bafatá, antes de ser Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos "Os Centuriões".



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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5730: Blogues da nossa blogosfera (33): Site da CCAÇ 4740 (Armando Faria)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3338: O cruzeiro das nossas vidas (11): Viagem para a Guiné em época de Carnaval no N/M Alfredo da Silva (Jorge Picado)

N/M Alfredo da Silva pertencente à Sociedade Geral, Grupo CUF

Foto retirada do site Navios no Sapo (que já não existe), com a devida vénia.



1. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, com data de 10 de Outubro de 2008, com um trabalho para a série O cruzeiro das nossas vidas (1).

Amigos

Aproveitando a onda revivalista que me atingiu, não sei por quanto tempo, deitei cá para fora esta prosa das minhas lembranças sobre a viagem de ida para a Guiné, um pouco fora do que era normal.

Se julgarem que tem interesse, apresentem-na aos camaradas.

Abraços
Jorge Picado.


MOBILIZAÇÃO E VIAGEM PARA O TO DA GUINÉ

por Jorge Picado


Tendo terminado o CPC/QC, entrei de licença registada em 21 de Dezembro, regressando para junto da Família em Ílhavo e ficando a aguardar as nefastas notícias que, mais tarde ou mais cedo haveriam de chegar, indicando-me qual o prémio que a tômbola da sorte me atribuiria.

Dado que já trabalhava nos Serviços Agrícolas em Aveiro, retomei as minhas funções civis, mantendo assim o espírito ocupado com os problemas fitossanitários que atormentavam os agricultores, procurando dar-lhes as respostas adequadas, ao mesmo tempo que bloqueava a esfera militar. Posso acrescentar que ainda me desloquei em serviço pelos concelhos de Vila da Feira, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Anadia e aos ensaios que mantínhamos nas terras arenosas da Vagueira e em freguesias de Aveiro.

Ao mesmo tempo tive de acelerar assuntos pessoais relacionados com um processo de empréstimo que tinha desencadeado para a remodelação dum prédio antigo que tinha comprado cerca de um ano antes de saber que ia ser chamado para o curso de Capitão, assunto que se arrastava face às demoras burocráticas de então.

Por isso, quando na sexta-feira 16 de Janeiro, recebi a nota para me apresentar na minha Unidade de origem – Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa de Queluz (RAAF-Queluz) – a fim de levantar a guia de marcha, já sabia que tinha chegado a minha vez de ir enfardar, mas não para onde.

Disso só tive conhecimento três dias depois, segunda-feira, quando me apresentei na secretaria dessa Unidade e recebi o escrito onde me comunicavam que tinha sido mobilizado para servir no CTI-Guiné, nos termos da Nota n.º 1503-P.º-HC, da RO/DSP/ME, de 15/01/70, para fazer parte da Companhia de Caçadores 2589/RI15. Ia pois em rendição individual, substituir o respectivo Capitão, algures na Guiné.

Logo ali me informaram de que entrava imediatamente na situação de licença a que tinha direito, para preparar a trouxa, tratar dos aspectos administrativos e da parte clínica no Hospital do Ultramar – actual Egas Moniz – de forma a embarcar no dia 9 de Fevereiro, em plena época carnavalesca.

Mas que grande partida de Carnaval me pregaram!!!

Assim que o Sargento da secretaria me deu a conhecer a nota de mobilização, fiquei como que em estado de choque.

Lembrei-me logo de certas aulas ministradas no referido curso (mais do género de, entra por uma porta um civil já com meia barriguinha enfarpelado de Tenente Miliciano e sai por outra quase na mesma, mas então enfarpelado de garboso Capitão Miliciano), onde vários instrutores nos tinham dado conhecimento que o pior que nos poderia acontecer era irmos malhar com os ossos para o célebre Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), pois aí se vivia o pior cenário militar das três Frentes da Guerra Colonial.

Foram tão honestos ao apresentar-nos os três possíveis cenários de guerra que iríamos enfrentar, sim só 3, que valha a verdade até eles não tinham dúvidas que para nós apenas Angola, Guiné e Moçambique contavam como destino de mobilização, que não tiveram pejo em usar as cores mais negras da paleta para pintar o da Guiné.

As razões eram simples: guerrilha bem preparada, melhor apetrechada, mais activa e aguerrida, circulando praticamente por todo o território (podendo dizer-se que não havia zonas livres de turras), até a capital já tinham atacado e o facto é que proporcionalmente às suas dimensões era onde se registava o maior número de baixas.

A acrescentar a tudo isto, informavam-nos que as condições ambientais eram as mais inóspitas, pois com um clima muito quente tinha apenas 2 estações – uma muito húmida e a outra seca -, a que se aliava um terreno muito baixo e alagadiço, proporcionando uma situação sanitária muito desfavorável para nós, metropolitanos nada habituados a estas extremas condições ambientais, onde as febres e o paludismo atacavam com maior intensidade do que nas outras duas Colónias.

Só faltava dizer-nos abertamente que uma mobilização para aí correspondia a um certificado de óbito... mesmo que este não resultasse de causas militares.

Portanto a sorte estava ditada. Logo havia de me ter calhado o pior TO.

Tinha apenas 20 dias até ao embarque para tratar das coisas e preparar-me mentalmente para o degredo como os antigos condenados…

Dei logo conhecimento telefónico à Família do meu destino e, ainda que fossem tão poucos os dias que entretanto me restavam para estar junto deles – estava casado há pouco mais de 8 anos e tinha já os meus 4 filhos, respectivamente com 7; 6; 5 e 2 anos –, não regressei antes de tratar de adquirir o enxoval e satisfazer os procedimentos burocrático-administrativos.

A parte clínica só a pude concretizar numa fuga a Lisboa, a 2 de Fevereiro, onde me ministraram as vacinas obrigatórias – varíola (revacinação) e febre amarela, já que contra a cólera, julgo pelos dados que possuo, fui vacinado e revacinado na Guiné em 3SET e 3OUT/70, 23MAI e 23NOV71 – e me forneceram os comprimidos de Daraprin com a indicação de que tinha de tomar 1 por semana.

Uma vez que o embarque era na segunda-feira de Carnaval, dia 9 de Fevereiro de 1970, tive de abalar para Lisboa no dia anterior onde pernoitei.

As despedidas ocorreram no almoço desse domingo em minha casa onde reuni toda a Família mais chegada. Afinal, ainda que não manifestássemos, não sabíamos se voltava-mos a rever-nos.

Chegada a hora e depois de todos fazerem das tripas coração como se costuma dizer, para não haver fracos, meti-me no carro dum tio de minha mulher (que por ironia do destino até fazia parte do colégio que elegia então o Presidente da República... por isso vejam lá com que prazer ele levaria o sobrinho que ia defender aquilo em que ele acreditava!!!), juntamente com o meu sogro e os meus 2 rapazes de 6 e 5 anos (já que o de 2 anos ainda era muito novo) e abalámos para Lisboa.

Viagem demorada e cansativa naquela época, pois ainda não havia as auto-estradas, desembarcando já ao anoitecer no Largo dos Restauradores, junto da Pensão do mesmo nome do largo, onde pernoitei.

O corte com os familiares foi feito logo ali no passeio, para não haver mais embaraços e retive a imagem que até hoje ainda não se apagou e muito me impressionou, da reacção estranha, para a idade, do meu filho de 6 anos, Jorge como eu, que depois de o beijar se atirou para dentro do carro a chorar. Não posso dizer o que sentiu ou o que pensou, mas julgo que soube que algo de anormal se iria passar com o Pai, isto porque ele estava habituado às minhas ausências, apenas por dias, sempre que tinha de ir em serviço para Lisboa.

Embarcado no N/M Alfredo da Silva da Sociedade Geral (Companhia de Navegação do Grupo CUF), no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, pela manhã, conheci então vários camaradas que seguiam o mesmo destino, em rendições individuais como eu, com excepção dum Destacamento de Fuzileiros que se destinava a Cabo Verde. Julgo porém que, quanto a graduações, éramos 2 os Capitães, sendo o outro do QP da Arma de Transmissões destinado ao respectivo Serviço em Bissau e ocupávamos o mesmo camarote, com 2 beliches, havendo outros graduados de postos inferiores, mas que não posso já precisar.

Sendo este navio misto, isto é, de carga e passageiros e deslocando-se numa viagem normal, era como se fossemos em viagem de cruzeiro e portanto com bom tratamento. Pelo menos os graduados, porque em verdade não sei como iam instalados os Fusos.

N/M Alfredo da Silva pertencente à Sociedade Geral

Foto retirada do site Navios no Sapo (que já não existe), com a devida vénia.


A largada ocorreu cerca das 12h15m e pouco depois, já na saída do Tejo, foi servida a 1.ª refeição (almoço), das muitas que se revelaram um verdadeiro tormento.

Explique-se desde já o motivo. Sou um mártir com o enjoo. A viagem fi-la toda sob o efeito de fortes doses de comprimidos contra o dito mal, mas mesmo assim não podia observar o mínimo movimento oscilatório, sem correr o risco de lançar carga ao mar como se diz nesta minha terra de marinheiros. Para mal dos meus pecados à mesa das refeições apanhava com uma vigia pela frente (na realidade, com excepção dos lugares de cabeceira todos tinham a mesma vista), para a qual não podia olhar porque, ao fazê-lo, dava logo conta do movimento oscilatório do barco.

Mas, como ia dizendo, logo após essa 1.ª refeição foi com grande admiração que ao chegar à sala de estar, depois do repasto, verifiquei pela posição do navio que este não se dirigia para Sul, mas sim para Norte.

Sim, constatei logo este facto, mas não sei se os restantes deram conta disso. Se não fosse conhecedor das questões marítimas, apesar de ter traído as Gentes da minha terra e porque não, da própria Família, poderia julgar que os Deuses estavam loucos e tinham transferido a Guiné para qualquer região do Norte da Europa... só então compreendi o motivo. Inicialmente, como não vi qualquer civil como passageiro, julguei que o barco seguia como transporte de tropas, mas agora dava conta que ia numa das suas viagens normais e portanto não nos dirigíamos directamente para Bissau

Naquela época ainda estava bem a par das viagens deste tipo dos N/M da SG e em especial daquele em que me tinham embarcado e sabia bem que o seu trajecto era: Lisboa-Leixões-Cabo Verde-Guiné-Cabo Verde-Lisboa.

Por outro lado se fosse supersticioso até tinha encarado como bom augúrio o facto da minha viagem de ida para aquela guerra se efectuar naquele meio de transporte. E sabem porquê? Porque o meu irmão (uns anos mais velhos do que eu) tinha sido Piloto neste navio antes de 1954 e foi até por isso que tive de explicar ao Telegrafista de bordo, mal me sentei para o almoço, que de facto o meu nome (ele leu-o na respectiva placa identificativa que usávamos ao peito) não lhe era desconhecido.

"Era de facto irmão daquele que ele pensava e conhecia e, para maior espanto dele, também eu o conhecia de nome e sabia ser originário dos Açores, pois toda a minha estadia em Lisboa enquanto solteiro tinha habitado na mesma casa particular em que ele habitou durante a sua frequência da Escola Náutica".

Enfim coincidências da vida.

Saí portanto de Lisboa em plena época carnavalesca e como já o disse ao amigo Carlos Vinhal em plena doca de Leixões, considerei que me pregaram uma grande partida de Carnaval não me proporcionando mais 2 dias de vida familiar. Sabendo que morava em Ílhavo, logo, mais perto de Leixões, mandavam-me embarcar apenas na Terça-feira Gorda à tarde, neste porto e o trajecto até era muito mais curto.

Vista aérea do Porto de Leixões, reconhecendo-se as povoações de Leça da Palmeira e Matosinhos, respectivamente a Norte e a Sul da zona portuária.


A viagem foi tranquila, pois Neptuno apiedou-se da minha nula apetência marítima e decretou tréguas, subordinando-se igualmente Eolo, de modo que durante os dias que sulcámos os mares, tanto as ondas como o vento foram mandados para outras paragens onde, quiçá, navegava gente mais afoita... e assim, ao som do barulho continuo do motor, que mesmo a dormir me martelava a cabeça, passando as horas a jogar às cartas ou a ler, dando umas espreitadelas à monótona paisagem exterior onde nem uma simples embarcação se cruzou para animar os passageiros, apenas fomos surpreendidos uma vez ao cruzarmos uma zona onde apareceram peixes voadores. Apenas este acidente nos manteve cá fora durante mais tempo, observando a elegância dos saltos e planagens durante o curto e rápido voo feito por estes pequenos peixes, à frente e ao lado do navio.

Lá fomos passando o tempo o melhor que pudemos, apesar da disposição não ser lá muito boa e assim atracámos antes da meia-noite do dia 15 no cais do Mindelo, na Ilha de S. Vicente.

Panorâmica do Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde

Foto retirada do site Cabo Verde


O dia seguinte foi dedicado à visita da cidade, almoçando em terra juntamente com alguns dos camaradas tendo a maioria aproveitado para percorrer as casas comerciais à procura do material fotográfico e de cinema de origem japonesa, que naquele tempo era muito mais barato do que na Metrópole. Houve quem se alambazasse nas compras, não só das máquinas fotográficas, mas também de filmar e projectar e, das duas uma, ou tinham já encomendas ou eram para negócio.

Tendo largado durante a noite de 16, após poucas horas de viagem aportámos à cidade da Praia, na Ilha de S. Tiago, cerca das 9 horas do dia 17. Aqui não havia cais e o navio fundeava ao largo, fazendo-se as cargas e descargas para pequenos barcos, que tivemos de tomar para passar o dia em terra.
Foi este o destino (pelo menos desembarcaram aqui) do Destacamento de Fusos que seguia a bordo e que, além deste escrevinhador, certamente outros invejaram.

Juntamente com o camarada das Transmissões e julgo que mais 2 outros, alugámos um carro e demos uma pequena volta pela ilha, visitando os lugares de Trindade e S. Domingos, almoçando durante o percurso e passando ainda por um Posto de Experimentação Agrícola, um autêntico oásis no meio daquela terra semi-árida, agreste e pobre.

No fim do dia lá abalámos para a última etapa, sabendo desde então que menos de 2 dias nos separavam da tão indesejada Província da Guiné, de modo que a partir da manhã do dia 19 começou o frémito e a ansiedade de observar no convés superior, a principio através duma ligeira névoa e depois já com limpidez, o aparecimento das ditas paragens.

A verdade é que só depois do meio da tarde nos foram apresentados os primeiros contornos de terras, quando navegávamos numas águas que há muito tinham perdido a transparência e a cor azul escura do oceano e passado, não digo a barrentas, mas meio leitosas talvez. Possivelmente já seria o Rio Geba.

Para mim foi uma surpresa quando, mais próximo, dei pela aproximação a um cais, sem que tivesse dado conta duma verdadeira entrada numa barra, como estava habituado a ver na minha terra ou mesmo em Lisboa. Começou aqui o meu espanto.

Desembarcámos no cais do Pidjiguiti cerca das 18h30m do dia 19 de Fevereiro de 1970, data a partir da qual o tempo de serviço militar começou a ter um aumento de 100%.


Zona portuária de Bissau. Foto de Carlos Silva


Havia já viaturas militares que nos aguardavam, não me recordando se todas para o mesmo destino. Sei que segui num jeep, juntamente com o Cap de Trms, directamente para o QG do CTIG no alto de Santa Luzia, onde após a apresentação me foi comunicado que ficaria a aguardar transporte para o destino, a tal CCaç 2589, pertencente ao BCaç 2885, com o SPM 5858 e sediada em Mansoa, que não fazia a menor ideia onde se situava, mas também não se deram ao trabalho de me dizer.

Só depois nas instalações do Clube de Oficiais, onde me alojei, alguém tratou de informar o periquito que estava tramado. Ia para o mato (que era o lugar indicado para os piras) onde a coisa estava preta. Era a psico a funcionar para os recém chegados lá do puto.

Entretanto devo confessar que logo após o desembarque sofri o verdadeiro primeiro choque civilizacional.

Apesar dos primeiros contactos com a realidade ultramarina no Mindelo e na Praia, aqui na Guiné é que se deu o verdadeiro choque. A diferença para pior, posso dizer que era enorme.
Descalços e praticamente nus assim se me apresentaram os nativos que trabalhavam na estiva. Mas não só. E as mulheres, jovens ou de idade, nuas da cintura para cima pseudo vestidas nas partes baixas com uns panos que em alguns casos mais se assemelhavam a trapos?

Foi a primeira machadada (ainda que não fosse virgem nestes conhecimentos, pois antes de 1954 já tinha ouvido o tal meu irmão contar em casa que, nas suas viagens pelos Portos Ultramarinos – e ele conheceu-os todos até Macau – distinguiam-se estes, de todos os outros das antigas Colónias Inglesas ou Francesas, precisamente pelo aspecto miserável que os nossos africanos apresentavam comparados com os outros. Mas isso tinha sido há mais de 16 anos antes!) nos célebres 800 anos da gloriosa gesta colonizadora Portuguesa. Se alguma admiração tivesse pela situação começaria aí o descrédito. A verdade é que não tinha, mas mesmo assim nunca julguei observar tal coisa e afinal Bissau era apenas o levantar... do véu. Maior estupefacção seguir-se-ia depois.
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Nota de CV:

(1) - Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)