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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16726: (De)Caras (52): Um bravo do meu pelotão, o 1.º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos: evocando aqui uma delicada escolta a uma coluna que, em 16 de maio de 1973, foi do Pelundo a Jolmete resgatar 6 cadáveres (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73)



Lisboa > Cais da Rocha Conde dfe Óbidos > 11 de outubro de 1973 > Regresso no T/T Niassa > Alguns dos  bravos do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73) > Da esquerda para a direita, (i) José Eduardo Alves, (ii) Gonçalo Garcia Pedroso (condutor da viatura Daimler, aqui referida nesta crónica), (ii)  David da Silva Miranda (1º cabo mecânico, de óculos escuros), (iv) Lino Pereira Barradas, (v) Manuel Lucas dos Santos (1º cabo, assinalado com um retângulo a verde, o protagonista da história que se conta a seguir, natural de Açor, Góis), e (vi) José Gabriel Caloira.


Lisboa > Cais da Rocha Conde dfe Óbidos > 11 de outubro de 1973 > Regresso no T/T Niassa > O resto dos bravos do pelotão, que acompanharam o seu comandante no regresso a casa: da esquerda para a direita, Manuel Teque da Silva, Ademar Peres Marques, Luís Soares da Silva e Fernando Cândido Silva.


Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Janeiro de 1972 >  A “oficina” do Pelotão Rec Daimler 3089.  É visível o 1º cabo mecânico David Miranda que fazia o "milagre" de manter as viaturas sempre operacionais. O pelotão chegou  a ter duas ou três Daimlers, vindas da sucata de Bissau, para "canibalizar". Ao trabalho do Miranda muito ficou a dever o sucesso do Pelotão. O pelotão conseguia ter as cinco viaturas operacionais, do princípio ao fim da comissão, foi um ponto de honra para o seu comandante. Estavam equipadas com a metralhadora MG 42, e circulavam sem a torre giratória. O problema das Daimlers não era o motor mas o sistema de transmissão... A boa conservação das viaturas e das MG 42 era fundamental para a sua operacionalidade e fiabilidade...


Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Fevereiro de 1973 > O 1º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos, no regresso de uma viagm a Caió


Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta crónica chegou-nos à caixa do correio em 6 de junho passado. Faz sentido publicá-la agora,  depois da edição do último poste relativo ao álbum fotográfico do autor, Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73). 

É um texto inédito, escrito a pensar no nosso blogue, a partir da reconstituição de memórias do ex-1º cabo cav, Manuel Lucas dos Santos. Datado de junho de 2016, não faz parte dos textos (poemas e crónicas) do  livro recente do Francisco Gamelas:  "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp.+ ilust; preço de capa 12,50 €). (*).

Entenda-se também este texto como uma homenagem a todos os camaradas da arma de cavalaria (Pel Rec, EREC...) que alinhavam com os infantes em  colunas  como esta, a seguir descrita, delicada, não isenta de riscos e com momentos de grande tensão (**).

Nesta crónica há uma referência ao condutor Pedroso, o Gonçalo Garcia Pedroso (vd. foto acima), outro dos bravos do Pel Rec Daimler 3089. Iam duas Daimlers na coluna, uma à frente e outra atrás.

Segundo esclarecimento adicional do autor da crónica, e depois de voltar a falar com o Manuel Lucas dos Santos, ele confirmou a data e acrescentou o seguinte:
(i) estas seis mortes (civis ou na maior parte civis), foram contados um a um por ele;
(ii) resultaram de um ataque do PAIGC ao aquartelamento no momento em que população e militares assistiam a uma sessão de cinema ao ar livre;
(iii)  o capitão da companhia de Jolmete foi depois transferido para a companhia africana (, a  CCAÇ 16, ) que estava em Bachile...

O Manuel Lucas dos Santos, há uns largos anos, encontrou-se com o antigo capitão de Jolmete, num casamento, e tiveram ocasião de recordar estes tristes acontecimentos. Acresce ainda dizer que o troço Pelundo-Jolmete era "picada", não era alcatroado, e estava-se já no início da época das chuvas...

Nessa altura estava no Pelundo o BART 6521/72:
(i) mobilizado pelo RAL 5 (Penafiel);
(ii) partiu em 22/9/1972 para o TO da Guiné;
(iii) regressou em 27/8/1974;
(iv) esteve sediado  no Pelundo;
(v) cmdt: ten-cor art Luís Filipe de Albuquerque Campos Ferreira.

Em Jolmete esteve a 3ª C /BART 6521/72 (de 27/9/19721 a 27/8/1974). Teve 2 cmdts: cap mil art Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca; e  cap mil inf  Edmundo Graça de Freitas Gonçalves. Na Tabanca Grande, temos poucos camaradas deste batalhão.

Desconhece-se, por outro lado, as razões que terá levado comandante de batalhão a integrar a coluna a Jolmete e pedir o apoio do Pel Rec Daimler 3089, que estava adido a outro batalhão, o BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73). (LG)


2. Sob o signo do medo

por Francisco Gamelas (com Manuel Lucas dos Santos)

Cedo, por volta das oito da manhã, acabados de regressar do pequeno almoço, depois de já termos feito a escolta da coluna que seguia para Bissau até ao Pelundo, entrou na caserna um mensageiro com uma convocação: o nosso Comandante [, do BCAÇ 3863,] requer a presença do 1º Cabo que substitui o Alferes Gamelas. 

Corria o dia 16 de maio de 1973. O nosso Alferes estava em Bissau à procura de peças para as Daimlers, no cemitério de viaturas semidestruídas que ali havia. Depois da saída do mensageiro, olhei os meus camaradas e comentei: quem é que andou a fazer merda ontem à noite? Ninguém se acusou. 

Respirei fundo, agarrei coragem e lá fui para o covil, como rês a caminho do matadouro. Boa coisa não seria. À porta semiaberta do gabinete, enquanto fazia a continência, pronunciei a fórmula da praxe: dá-me licença meu Comandante? O Tenente Coronel já se encontrava sentado à secretária, de semblante pensativo e preocupado. Não parecia zangado, apenas apreensivo, respondendo em voz baixa, como era seu timbre, mas de forma suave: entre nosso Cabo. Fique à vontade. 

Por detrás das lentes dos óculos os seus olhos miúdos começaram por me sondar durante alguns segundos. Deveria ser visível a minha inquietação e o Comandante ponderava as suas palavras. Ontem, no Jolmete, sede duma companhia do Batalhão do Pelundo, deu-se uma flagelação muito forte do inimigo. Houve vários mortos cujos corpos é preciso resgatar para seguirem para Bissau. 

Com uma breve pausa avaliou o efeito das suas palavras. Não sei o que viu no meu semblante, mas, depois da surpresa, uma inquietação, filha do medo, ia tomando conta do meu espírito. O Comandante continuou. O Senhor Comandante do Pelundo solicitou-me ajuda para ir ao Jolmete resgatar os cadáveres. Perguntou se haveria possibilidade das Daimlers poderem fazer parte da escolta. Pareceu-me bastante preocupado, nosso Cabo

A preocupação dele era visível. Fez outra pausa para me olhar bem nos olhos espreitando uma reacção. Desde quando estes gajos gastavam tanto latim para darem as suas ordens? Nosso Cabo, tenha prontas duas Daimlers para integrarem a escolta ao Jolmete dentro de vinte minutos, seria tudo quanto era necessário para que a ordem se cumprisse sem mais delongas. 

Estas falinhas mansas eram como facas afiadas a penetrarem de mansinho pelo ventre da minha inquietação. Permaneci calado. O nosso Cabo não acha que os devemos ajudar? Perguntou, sem parar de me fitar. Desta vez, o tom já foi mais incisivo, ainda que permanecesse dentro do cordial, mesmo com uma certa dose de intimidade, o que me desconcertava. O Comandante estava a fazer de mim alguém suficientemente importante para ter voto na matéria, o que me inquietava porque nunca tal tinha acontecido, nem seria normal acontecer. Não era este o ADN do relacionamento comando versus subordinados. 

O cerco apertava-se e não tinha como fugir a dar uma resposta. Quem sou eu, meu Comandante, para fazer avaliações. O Pelotão Daimler fará o que o meu Comandante determinar. Um muito leve sorriso acompanhou uma pequena, mas visível descompressão do seu semblante. Estava satisfeito com o evoluir da situação, o mesmo será dizer, que estava satisfeito com os resultados da sua estratégia de abordagem. O Senhor Comandante do Pelundo [, BART 6521/72,]  pode então contar com a ajuda das Daimlers na deslocação ao Jolmete? 

Foi uma pergunta a meio caminho duma afirmação. Limitei-me a articular o óbvio: o meu Comandante sabe que o Pelotão Daimler só está ao serviço deste Batalhão. Contudo, se o meu Comandante entender prestar uma ajuda solidária ao nosso Comandante do Pelundo, o Pelotão Daimler está pronto para cumprir a sua parte.

Desta vez o sorriso foi franco e a descompressão evidente. Óptimo, nosso Cabo. Vou então dizer ao Senhor Comandante do Pelundo que pode contar com duas esquadras dentro de uma hora no Pelundo - e levantou-se para dar por terminada a conversa. 

Ainda arranjei coragem para articular: o meu Comandante desculpe, mas gostaria de fazer um pedido... E ele: Diga lá nosso Cabo. O tom permanecia cordial.  Pretendia que o Senhor Comandante do Pelundo nos garantisse um rebenta-minas a abrir a coluna. Ser uma Daimler a fazer esse papel não seria justo e era um desperdício de uma metralhadora, em caso de problemas. O Comandante, já de pé, olhou-me como que admirado e retorquiu: Compreendo. Tem toda a razão. O nosso Cabo pode contar com a viatura rebenta-minas. 

Fiz a continência, e, de novo, articulei a fórmula aplicável: o meu Comandante dá-me licença que me retire? Resposta:  Dentro de uma hora esteja pronto para partir para o Pelundo, nosso Cabo. Por instruções do nosso Capitão das Informações, que teve a “gentileza” de me informar que era provável haver contacto com o inimigo, a Daimler da frente – a minha - foi reforçada com uma segunda metralhadora e respectivas fitas de munições, para além de mais umas quantas granadas. Que não fosse por falta de fruta que perdêssemos a contra-dança. 

Chegámos ao Pelundo cerca das dez e trinta, onde já nos esperava, no meio da parada, o Tenente Coronel Comandante do Batalhão, que imediatamente se acercou de nós. Obrigado por terem vindo nosso Cabo. E a estupefacção continuava. Este comportamento não era nada normal. Já almoçaram? Perguntou o Comandante. Às dez e meia da manhã ainda ninguém almoçou, pelo que, meio a sorrir respondi: não meu Comandante, viemos com ração de combate. Retorquiu: Vou já mandar preparar um bom almoço para vocês,

E assim foi. Dentro de umas dezenas de minutos, estávamos todos a almoçar, como raramente tivemos oportunidade de o fazer ao longo de toda a comissão. Contudo, a inquietação era mais que muita. Todos os sinais indicavam que a deslocação iria ser bastante perigosa. Se tivermos que morrer, morreremos de bandulho cheio, comentei sarcástico. 

Cerca do meio dia, começámos a organizar a coluna. Ao deparar com o Comandante, perguntei-lhe pela viatura rebenta-minas, que, essa sim, era a minha grande preocupação. O Comandante, apontando com o braço, disse sorridente: olhe ali nosso Cabo. Lá estava uma Berliet atulhada de sacos de areia até acima. Até aqui tudo bem. Siga a marinha e alma até Almeida. Percebi que o Comandante também iria integrar a coluna, o que, por não ser comum, somava alguns pontos a seu favor. 

Pusemo-nos em marcha pelas doze e trinta. Connosco, seguiam na coluna mais seis unimogs com soldados armados. Entre eles seguia o Comandante do Pelundo. A ligação ao Jolmete fazia-se por uma sequência de picadas, em alguns percursos apenas visíveis nos trilhos das rodas das viaturas, onde o vermelho da terra se deixava ver. Nesses trilhos elas seguiam sozinhas, sem necessitar do volante. O resto era vegetação, com capim da altura de um homem a roçar nas laterais. Digamos que poderíamos ser “pescados à mão”. Pedroso, deixa a Berliet afastar-se um bocado, disse para o camarada condutor quando iniciámos a marcha - a nossa Daimler seguia em segundo lugar na coluna. Se houver merda, teremos, assim, mais algumas hipóteses de reagir. 

O trajecto era de cerca de vinte e cinco quilómetros, que foi percorrido debaixo de uma enorme tensão, a baixa velocidade. O que nos corria nas veias era pura adrenalina. Sem qualquer peripécia no percurso, lá chegámos ao nosso destino em pouco mais de uma hora.

O cenário que encontrámos era desolador: destruição e caos, com semblantes fantasmáticos a espreitar pelos cantos. Os seis corpos já estavam alinhados nas macas à nossa espera. Vim a concluir que a Berliet, afinal, não carregava só sacos de areia, também trazia as "salgadeiras" para os cadáveres. Mau sinal. Não iríamos ter rebenta-minas no regresso, quase de certeza. Não seria lógico que a viatura com os corpos voltasse a fazer de rebenta-minas. Foi o que aconteceu. 

Depois dos caixões fechados e do Comandante ter terminado a observação do local e falado com os seus oficiais, regressámos ao Pelundo. Desta feita já não vai haver viatura rebenta-minas, nosso Cabo, teve a “gentileza” de me informar o Comandante. Pedroso, sempre a abrir. Quem quiser que nos siga. Apesar do repto, demorámos a chegar quase o mesmo tempo que tínhamos gasto na ida. A Berliet não poderia acompanhar um ritmo mais enérgico. 

Por volta das cinco e meia estávamos em Teixeira Pinto, sãos e salvos, já depois do grosso da coluna ter ficado no Pelundo. Agora, era só esperar que os níveis de adrenalina descessem, que a serenidade possível recuperasse os seus níveis normais. Entretanto, no que respeita ao horrendo observado no Jolmete, não houve borracha eficaz que o apagasse. Até hoje.

Quanto aos “estranhos” comportamentos dos Comandantes, continuam a fazer-me cócegas nos neurónios. Digamos que, com o medo à mistura, comum a todos nós, a alma humana tem destes comportamentos desalinhados.

Aveiro, junho de 2016
Francisco Gamelas
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Comentário do autor

Este episódio foi-me contado pelo então 1º Cabo do meu Pelotão Daimler Manuel Lucas dos Santos – o narrador da crónica - que, na minha ausência, assumia o seu comando (o meu 1º Sargento estava destacado no Cacheu com duas esquadras do pelotão). 

Durante estes últimos anos, em que, quase sempre, nos nossos almoços anuais este episódio vinha à baila, comecei a dar-lhe alguma importância, mas, sem verdadeiramente compreender as motivações do comando para os seus tão incomuns comportamentos. Até que parei para reflectir.

Será que as Daimlers seriam solicitadas se o Tenente Coronel do Pelundo  [BART 6521/72] não integrasse a coluna?  Obviamente que não: nunca o foram, assim como a enormidade de seis unimogs com tropa armada. Nas minhas colunas para o Cacheu e para Bissau, iam dois.

 E a atitude do Tenente Coronel de Teixeira Pinto [BCAÇ 3863], como se explica? No caso de existirem sarilhos graves com as Daimlers e os seus ocupantes, eles teriam que constar no relatório da acção e alguém em Bissau [leia-se: o gen Spínola] iria perguntar o que é que as Daimlers estavam lá a fazer. Não acredito que fosse a decisão favorável de um 1º Cabo em participar na escolta que ilibasse o Comandante de sérias responsabilidades.

Visto deste prisma, o episódio passa a ter algum interesse, pelo que aqui to deixo à tua apreciação para eventual publicação no teu blogue. (**)
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Notas do editor:

terça-feira, 17 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16101: Efemérides (226): Dia 20 de Abril de 2016, triste aniversário; 46 anos se passaram sobre o assassinato do Chão Manjaco (Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585)



Pelundo - Major Osório em primeiro plano


Pelundo - Major Passos Ramos, o primeiro à esquerda; Major Osório,
último à direita e de costas



Alferes Mosca em primeiro plano ajudando na preparação da ceia de Natal de 1969

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (Ferreira) (2016).


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Resende (ex-alf mil da CCaç 2585/BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71), com data de 20 de Abril de 2016, a propósito da passagem do 46.º aniversário do assassinato dos Majores PASSOS RAMOS, MAGALHÃES OSÓRIO, PEREIRA DA SILVA; Alferes Miliciano JOÃO MOSCA; dois condutores e um tradutor, no Chão Manjaco, no dia 20 de Abril de 1970.




Triste Aniversário

Caros amigos e camaradas
Hoje é o dia 20 de Abril. Por acaso alguém se lembra do que aconteceu no dia 20 de Abril de 1970 em Jolmete, precisamente há 46 anos?

Neste dia não houve saída para o mato, não saímos do quartel nem para caçar. Achámos estranho, mas o nosso Capitão Almendra disse aos Oficiais, não sei se a mais alguém, talvez ao Dandi, depois do almoço, que se estava a passar algo de anormal.

Nesse dia iria acontecer uma reunião (a última) para a pacificação do “Chão Manjaco”, entre os chefes do PAIGC e os OFICIAIS do CAOP, num local junto à primeira bolanha a contar do Pelundo para Jolmete, a cerca de 4-5 Kms do Pelundo.
Essa reunião destinava-se a integrar todo o pessoal do PAIGC pelos aquartelamentos da zona, como já estava combinado em reuniões anteriores.

No dia anterior, Domingo 19, o CAOP esteve em Bula, e ao jantar, o Sr. Major Pereira da Silva recebeu um telefonema, presume-se de Bissau, dizendo que um tal “LUIS” iria estar presente na reunião no dia seguinte. Segundo o que me lembro dos comentários da altura, diziam que ele ficou cabisbaixo, mudo e pensativo, ... devido à presença inesperada dessa pessoa.

Estavam previstos 5 jipes (isto é o que me lembro da altura dos acontecimentos), mas ficaram reduzidos a três, pois o Sr. Major Pereira da Silva, que superintendia o assunto, não autorizou os outros a serem “martirizados”. Lembro-me de ouvir dizer que o nosso Capelão, Padre António Gameiro queria ir, mas não foi autorizado. Eu tinha a impressão que o nosso médico Dr. Diniz Calado, também queria ir, mas ainda há poucos meses estive com ele, abordei o assunto e o próprio disse-me “que nunca essa hipótese foi colocada, não queria participar em aventuras dessas”.

Bom, o local foi alterado para a segunda bolanha, a 5 Kms de Jolmete. Porquê? Como lá foram parar, cerca de 8 Kms mais a norte, mais próximos de Jolmete?

Devo confirmar que ouvi alguns tiros por volta das 3 da tarde (e muitas outras pessoas também ouviram). Foi muito comentado, pois nesse dia estávamos proibidos de “fazer fogo”, nem a caçar.

Foram barbaramente assassinados pois estavam desarmados:

Major PASSOS RAMOS
Major MAGALHÃES OSÓRIO
Major PEREIRA DA SILVA
Alferes JOÃO MOSCA
Nativo MAMADÚ LAMINE 
Nativo ALIÚ SISSÉ 
Nativo PATRÃO DA COSTA 

OBS: Os nativos eram dois condutores dos jipes e um tradutor.

Não é meu interesse aqui entrar em pormenores, pois apenas quero lembrar a memória destes Oficiais, que devem figurar em todos os escritos com letra maiúscula.

Junto algumas fotos tiradas por mim, lamento não ter nenhuma do Sr. Major Pereira da Silva.

Manuel Cármine Resende Ferreira
Alf. Mil. Art. em Jolmete (Pelundo – Teixeira Pinto)
CCAÇ 2585 – BCAÇ 2884

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2. Comentário do co-editor CV

São devidas desculpas ao Manuel Resende por só hoje estarmos a dar conta desta triste efeméride mas, como este assunto é por demais marcante na história da guerra da Guiné, qualquer dia é próprio para se falar dele.

Quanto a mim, não esqueço esta data porque foi o dia em que nos apresentámos, na Parada do Depósito de Adidos, ao General Spínola. A 21 seguiríamos para Mansabá para uma longa estadia, ali, que só terminaria a 23 de Fevereiro de 1972.

Temos mais de meia centenas de referência a este trágico episódio; Três majores | Alferes Mosca | Chão manjaco
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Nota do editor

quinta-feira, 31 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15918: Inquérito 'on line' (50): Nunca apanhei nenhum pifo de caixão à cova na tropa ou no TO da Guiné (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 15 de Março de 2016, com o que será o último depoimento sobre os nossos pifos no TO da Guiné:

Olá Carlos Vinhal, bom dia!
Antes de mais espero que esteja tudo bem contigo e família.

No âmbito do inquérito "on line" que tem estado a decorrer sobre o assunto em epigrafe, recordo parte de um episódio que comigo ocorreu, e sobre o qual em tempos enviei para publicação, sendo que este foi mesmo o único "pifo" que apanhei em terras da Guiné.

O extracto abaixo faz parte do Post P10432 de 25-09-2012 / Estórias dos Fidalgos do Jol / 12 - A minha primeira noite no Jol:

..."Mas felizmente era apenas e só a minha preocupação de “pira” a funcionar, pois nada de anormal se passou, só que, ao contrário do que aconteceu com o “pira” do Juvenal, no meu caso era ver quem mais “álcool” me conseguia fazer beber e, obviamente, pagar.
Tanto quanto foi possível lá me fui aguentando, normalmente tentando disfarçar as grandes quantidades de whisky com coca-cola à mistura. Como sabia e “escorregava” bem, consegui manter-me durante um bom par de horas a ouvir alguns dos acontecimentos mais significativos dos últimos 12 meses (a eterna tentativa de “acagaçar” os recém chegados), e sinceramente não dei conta que já me encontrava muito perto dos limites.
Enquanto estive sentado, a coisa correu bem, o pior foi mesmo quando fiz mais do que uma tentativa para me levantar, e as pernas não me obedeciam. A minha intenção de evitar apanhar uma primeira bebedeira em terras da Guiné, definitivamente não tinha resultado. Estava mesmo embriagado e, só com alguma ajuda, lá me consegui pôr a caminho do meu abrigo. Pelo meio fui “apanhado” pelo Cabo da ronda que, “simpaticamente” me perguntou se precisava de ajuda, depois de me ver de joelhos e a vomitar. Bonito exemplo logo no primeiro dia, pensei eu…
Mas a “praxe” tinha sido cumprida e, no outro dia, era como se nada se tivesse passado. Nunca mais ninguém falou nisso, eu é que durante largos meses, nunca mais pude ver à minha frente aquela “maldita combinação” de whisky com coca-cola. Foi mesmo de arrasar"…

Se achares que tem interesse recordar, p.f. publica, fazendo as alterações que considerares oportunas.

Aproveito para juntar umas fotos tiradas em Jolmete, em Outubro / Novembro de 1972, que ilustram alguns momentos de "alegria". De salientar que o fim da comissão estava próximo.

Recebe um grande e forte abraço,
Augusto Silva Santos




Jolmete, Outubro e Novembro de 1972

Fotos: © Augusto Silva Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15892: Inquérito 'on line' (49): Pifos não eram comigo, só por duas vezes! (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil da CCAÇ 1419)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

1. Reprodução da mensagem que o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou ao autor do livro Catarse em 22 de Janeiro de 2016:

Meu prezado Reverendo Abel Gonçalves,

Agradeço-lhe muito o envio do seu livro, que muito apreciei. As duas recensões serão publicadas no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Peço-lhe o favor de ver no seu computador esta referência, é bem possível que possa rever todos os locais por onde andou.

Em 2010, voltei à Capela de Bambadinca que está felizmente recuperada pelas missionárias que ali trabalham.

Porquê publicar as nossas recordações em blogue? No meu caso, trata-se de uma colaboração que vem de longa data e não tem fim, procuro repertoriar tudo aquilo que tem a ver com a Guiné, nomeadamente os testemunhos de quem ali combateu a partir de 1963.

O seu testemunho é singularíssimo, não conheço outro capelão que tenha bisado a comissão, o que acresce a importância do seu testemunho. Seria muito tocante que se inscrevesse no nosso blogue, estou certo e seguro que tem muitas histórias para contar e rever as imagens preciosas ali contidas também podem ser um refrigério para a sua alma.

Receba o agradecimento profundo e a elevada consideração do
Mário Beja Santos


Catarse, pelo Major-Capelão Abel Gonçalves (1)

Beja Santos

É a primeira vez que oiço falar num capelão que fez duas comissões na Guiné. Tem hoje 85 anos, é major, e vive na Ordem da Trindade, no Porto. Em 2007, em edição de autor, publicou Catarse (palavra que nos remete para o procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa se cura revivendo acontecimento traumáticos). Telefonei-lhe, pedi-lhe o livro, prontamente acedeu e convidou-me a passar pela Rua da Trindade, para conversarmos. Lembro-me dele na capela de Bambadinca, num domingo em que vim muito cedo de Missirá, as fotos que ele publica no livro coincidem com a lembrança que me ficou.

Como escreve, estava pacatamente a ajudar nas confissões quaresmais, na paróquia de Oliveira do Douro, quando apareceram dois agentes da GNR que entregaram uma guia de marcha para se apresentar com urgência no RI 15, em Tomar.

Acha-se com o ordenado de alferes, habituado a paróquias pobres, começa a sonhar com uma máquina fotográfica. Em Abril de 1967, incorporado no BCAÇ 1911  [Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69], embarca no Uíge, em Bissau é despejado numa barcaça, dias depois, após uns treinos de desembarque no Ilhéu do Rei, ficam sediados em Brá. A experiência foi gratificante:


“Tive oportunidade de batizar um pequeno grupo de nativos que os militares catequistas do Batalhão de Engenharia tinham devidamente preparado".

Seguem para Teixeira Pinto numa LDM, fica a viver numa casa da missão católica e celebra numa pequena igreja. Aproveita a evacuação de um ferido grave e vai até ao Jolmete. O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama. Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe:
“Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.
Não ficou sem resposta:
“É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”.

[foto à esquerda, major-capelão ref Abel Gonçalves]

Fala da solidão, da falta de correio, da sensaboria da comida, apercebeu-se rapidamente da dureza da guerra. Regressa a Teixeira Pinto, sofrem uma emboscada, alguém a seu lado foi atingido mortalmente. Albino, o jovem cristão que guardava a casa de missionário, recebe-o com alegria quando chega a Teixeira Pinto e prepara-lhe um churrasco, ele não esqueceu a solicitude do jovem e guardou na memória a receita:
“Num tacho tinha posto rodelas de cebola, alhos, azeite, piripiri, loureiro, muito sumo de limão, de uns limões e pequeninos, casca fina como papel. Cada pedaço de carne era molhado naquele preparado e logo assado nas brasas”.

Dão-lhe instruções para sair Teixeira Pinto, vem de férias. Acaba por se comportar como qualquer militar, fica nervoso quando lhe fazem perguntas pois dirigem comentários descabidos, sente-se apático, indiferente às banalidades, tudo lhe parece insignificante com o que viu, sentiu e aguentou até à exaustão. Regressa e é destacado para um batalhão da cavalaria. Apresenta o novo território:
“É um setor muito grande, com 18 destacamentos. Trata-se de Bafatá. Na sede do batalhão não se conhecem problemas, a vida está difícil mais para a fronteira ou da povoação de Geba em diante”.

Presta igualmente assistência ao setor de Bambadinca, mas no essencial o seu território vai de Cambajú ao Xitole, de Banjara ao Xime, de Sara Bácar a Geba. Lembra-nos que a sua arma é sempre o terço, faz-se acompanhar com uma imagem do Imaculado Coração de Maria que lhe fora oferecida pelos ex-paroquianos de Ervedosa do Douro.

Cortesia do Carlos Coutinho
Gostou do ambiente de Bafatá e do primeiro comandante do BCAV 1905 [Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68]. É um capelão solícito:

“Os missionários não podiam sair da cidade, e quem prestava um mínimo de assistências às pequenas comunidades católicas era o capelão. Levava o dinheiro atribuído a essas comunidades a pedido do senhor Prefeito Apostólico. O capelão girava sempre de destacamento para destacamento, com a mochila às costas e o mínimo indispensável para celebrar a Eucaristia. Um bloco de notas para apontar pedidos”.

Levava também rebuçados, velas para oferecer às mesquitas, jornais, revistas e livros para toda a malta. Descreve as duas missões de Bafatá, a masculina e a feminina e depois dá-nos conta de certas solicitações insólitas para o seu múnus. Encontrou em cima da secretária o requerimento de um soldado que pedia para ser autorizado a usar barba, tinha feito uma promessa a Nossa Senhora de Fátima. O comandante despachou para ele. Leu, meditou e escreveu:
“Indeferido, porque não se pode prometer o que é contra a legislação”.
Falou com o soldado e tranquilizou-o, ficaram amigos.

Descreve Bambadinca:

“A povoação de Bambadinca tinha uma sala de aulas/capela, polivalente, que pertencia à missão católica de Bafatá, mas os missionários não podiam lá ir. Só os capelães militares e com grande escolta. Um cortinado separava o altar do resto da sala. Ao lado, outra sala mais pequena, sempre cheia de urnas com mortos, para oportunamente serem transportados para Bissau. Era no meio das urnas que me paramentava para a celebração da Eucaristia”.

Visitou várias vezes o Xime, bem como o Xitole, lembra-se muito bem das atribulações da viagem. E vem mais uma brejeirice que ele intitula “o médico do Xitole”:

“No Xitole havia um alferes médico, o Dr. Sílvio, que era quem praticamente comandava o destacamento.
O capitão miliciano era, creio eu, um notário que não queria saber de nada.
O Dr. Sílvio é que me recebia e sempre muito bem. Mostrava-me os abrigos que mandara fazer e as valas de acesso aos mesmos.
- Capelão, que quer comer ao pequeno-almoço? - O que o senhor doutor me receitar! 
- Umas sopas de vinho fresco que tenho no frigorífico. 
- Se dão força aos cavalos e o senhor doutor receita, vamos lá a elas!
Os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina vazio, sentados em cadeiras improvisadas com as aduelas dos pipos. E este vinho era muito cristão, pois tinha sido muitas vezes batizado pelos lugares por onde tinha passado!”.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


2. Nota do editor:

Do BCÇ 1911, temos pelo menos um membro da nossa Tabanca Grande, desde 11/12/2011, o Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto rodas, CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69).  Tem vários postes publicados sobre a história do batalhão, além de uma história deliciosa sobre um outro capelão, um jovem alferes, que ele conheceu em Bissau e a quem deu um boleia...,  e "que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário"...

____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15660: Inquérito 'on line' (33): Só pouco mais de um terço (35,7%) de um total de 123 respondentes, é que diz que "sim, a tropa fez de mim um homem"...



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3



Foto nº 4


Guiné > Região de Cacheu > Jolmete > c. finais de 1968/ maio de 1969 > 

Fotos nº 1 e 2 > Senhora Supico Pinto também a falar ao pessoal no refeitório; 

foto nº 3 > Na messe; à  esquerda julgo que é o falecido sr maj Passos Ramos, depois, sentada, uma senhora do MNF que não sei identificar;  a seguir, de pé, o nosso cap Barbeitos a falar com a esposa [, elegantíssima,] do general Spínola e depois, sentada, está a Cilinha Supico Pinto, como era conhecida e tratada naqueles tempos. 

Foto nº 4 >  Spínola em Jolmete com as senhoras do MNF: destaque para Cecília Supinco Pinto, de amarelo.

Fotos do álbum de Manuel Carvalho (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70). (*)


Fotos (e legendas): © Manuel Carvalho (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


A. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "SIM, A TROPA FEZ DE MIM UM HOMEM"


1. Totalmente verdadeiro > 10 
(8,1%)
2. Verdadeiro > 34 
(27,6%)
3. Nem verdadeiro nem falso > 53 
(43,1%)
4. Falso > 15 
(12,2%)
5. Totalmente falso > 8 
(6,5%)
6. Não sei responder > 3 
(2,4%)
Votos apurados > 123  
(100,0%)


Sondagem fechada: 21 jan 2016  10h06.

B. Comentário dos editores:

Não sei se poderia perguntar às mulheres, hoje,  se a tropa fez (ou faz) delas "mais mulheres"... SEm o querer, estamos a jogar com os estereótipos homem/mulher...

No nosso tempo não há a quem perguntar, com exceção das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas (que tiveram o mérito, histórico, de abrir às mulheres as fileiras das Forças Armadas Portuguesas)... As poucas mulheres que "foram à guerra", no TO da Guiné, era "esposas", civis, que acompanharam os maridos, militares,  nas suas comissões de serviço, nalguns (poucos) sítios, relativamente seguros e confortáveis... E, claro, Cecília Supico Pinto, sempre "festiva",  e as suas colegas do Movimento Nacional Feminino (MNF).

Para os homens, a tropa está longe de ter sido uma experiência "realizadora"... É, pelo menos, o que se depreende das respostas (n=123) ao nosso inquérito de opinião, "fechado" no passado dia 21. (**)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd.. poste de 24 de janeiro  de 2013 >  Guiné 63/74 - P10999: Ainda as visitas da Cilinha pelas Unidades Militares estacionadas no mato (Manuel Carvalho)

(...) Ao ver o poste sobre a visita ao Olossato das Senhoras do MNF (...),  lembrei-me que devia ter fotos, e tenho 5, não sei se são todas da mesma visita, porque duas tem indicação de meados de Maio de 1969 e as outras não tem data.

Da comitiva fazem parte o Sr. General Spínola e o então cap. Almeida Bruno que na altura o acompanhava sempre e numa foto na messe julgo que está de camuflado o Maj. Passos Ramos, que cerca de um ano mais tarde viria a ser cruelmente assassinado pelo PAIGC naquela zona.
Está também a esposa do Sr. General Spínola e uma Senhora do MNF que não sei identificar.

Para além desta visita a Jolmete penso que houve uma outra em fins de 68 ou princípio de 69 mas não tenho a certeza. Como sempre foram distribuídos uns maços de cigarros uns isqueiros e umas palavrinhas para atenuar a crise. (...)

(**) Último poste da série > 20 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15643: Inquérito 'on line' (32): "A tropa fez de mim um homem"?... A tropa acrescentou a decisão e a determinação na acção, atitudes muitas vezes necessárias para o vencimento de inércias, e o alcance de objectivos (José Manuel Matos Dinis, "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha)

sábado, 26 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP ( Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)


Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 > Saída dos passageiros

Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 > Aguardando a chegada do 707 da TAP, com o ministro do Ultramar, Silva Cunha



Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 >  Sessão de cumprimentos. [Joaquim Silva Cunha foi ministro do ultramar, de 1963 a 1973; a visita à Guiné nessa altura foi de 10 a 19 de março de 1970].



1. Texto do Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)


Estive em Jolmete desde maio de 1969 até março de 1971. Fui de férias, uma vez,  à metrópole, no período de 10 de março a 10 de abril de 1970 [, e não em julho de 1970, como escrevi por lapso no poste P5246 (*)].

Quando fui de férias embarquei no mesmo 707 da TAP que tinha trazido Silva Cunha à Guiné, daí as fotos que tirei no aeroporto [, vd acima].

No aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com o senhor ministro do ultramar, e não dos deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné, e que depois irão morrer num acidente de helicóptero (. A minha confusão deveu-se aos 40 anos de esquecimento quase total das coisas da Guiné, só quando descobri o nosso blogue é que me comecei a entusiasmar.)

Tirei algumas fotos no aeroporto,  mas como a minha meta  era embarcar (**), não liguei muito a essa visita. Era um dia de semana, 3ª feira, o 10 de março de 1970.

Silva Cunha irá depois visitar Jolmete no dia 16 de março, 2ª feira. Silva Cunha dirigiu-se ao CAOP em Teixeira Pinto, e de lá foi a eventualmente ao Pelundo, sede do meu Batalhão. A comitiva foi depois a  Jolmete em três helicópteros.

Chegado a Jolmete, depois das férias, em abril de 1970,  fui informado  da visita do ministro do ultramar. Como havia fotos da visita,  tiradas pelo furriel Rodrigues,  da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.

Terminada a visita,  os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá,  não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o sr. coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos.

Jolmete era um aquartelamento exemplar no mato. O sr. general Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo sr. cap Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão.

Construímos, entre outras coisas, dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.

A companhia que nos sucedeu, foi a CCAÇ 3306.

Manuel Resende


Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Abre-se a porta e vê-se o gen Spínola. No banco de trás o cor Alcino, cmdt do CAOP.




Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Do outro heli saem outras individualidades



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Cap Almendra, cmtd  da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao gen Spínola e ao ministro do ultramar, Silva Cunha





Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Cumprimentos ao oficial de dia, alf mil Marques Pereira, pelo ministro Silva Cunha e gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o cor Alcino,l cmdt do CAOP.




Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Visita da comitiva à cozinha. Além de Siva Cunha e coronel Alcino, vemos dois furriéis dos helis e dois repórteres

Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Visita à Capela



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Despedidas finais, regresso a Bissau



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete >  O capitão Almendra, cmdt da companhia, a CCAÇ 2585. Era alferes mil graduado em capitão, tendo substituído, em agosto de 1969, o capitão QP, António Tomás da Costa, promovido a major.

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês

1. Parte XI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 17 de Agosto de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XI

Mornas

Tinha-a conhecido em casa da Dora. Uma cabo-verdiana linda, a pele morena clara, lábios um pouco salientes, desenhada sobre o magro, à volta dos 20.
Trocaram as palavras do costume quando a Dora os mostrou um ao outro.
Teresa.
Teresa quê?
Teresa!
Olhos grandes, claros, esverdeados, ficavam bem com aquela pele. Voz doce, ar curioso. Esquiva e desinteressada, virou-lhe logo as costas, cada um foi para seu lado.
Esteve ali, conversou com este e aquele até se fazerem horas. Quando descia as escadas, ela chamou-o, ar atrevido, pareceu-lhe até demais. Mas já vai, não se despede da gente?
É, voltamo-nos a encontrar um dia, atirou ela, vemo-nos por aí, não? Bissau não é assim tão grande!
Se é meu desejo? Saiu a desconversar, meio desconsolado.

Dias depois, sentado no Bento, viu-a passar. Os olhares dos outros chamaram-lhe a atenção. Todos se viraram, não era fácil passar despercebida. Parecia-lhe mais alta. Os olhos com um verde mais magnífico ainda, levemente sombreados, cabelo liso preto, a pousar nos ombros, elegante num vestido sem mangas, azul-escuro pintalgado de bolinhas brancas, a balançar um pouco acima dos joelhos, sandália de meio tacão. Como se tivessem combinado, dirigiram-se um para o outro, mãos estendidas, cumprimentaram-se com alguma timidez. Os olhares dos outros não os largavam.
Ai, não, não me sento aí no café!
Vamos então andar um pouco, por aí?
Meteram-se no carro1, uma volta pelas ruas, por aí não, é a minha casa. Então para onde quer ir? Saíram da cidade, para os lados da Sacor, estacionaram de frente para o Sol, a desaparecer no Geba. O rádio a passar Capri, c’est fini, ela a cantarolar baixo, até começar a falar.


Quem sou eu? Sou este que está aqui, Teresa!
Mas quem és tu, porque estás aqui?
Aqui, como?
Porque estás aqui comigo? Sabes lá, que resposta!
A conversa assim, até encontrar o fio. Esta guerra, os desencontros, as pessoas para um lado e para outro, muita gente deslocada das suas casas, todos a virem para Bissau, muita tropa também, onde é que isto vai parar. Assim, de um momento para o outro, de rajada.
Depois mais suave, as origens, as famílias, os amigos, os interesses. Frequentava o 7.º no liceu de Bissau, os pais eram de Cabo Verde, tencionava fazer Medicina em Lisboa, estava com "As vinhas da Ira" nas mãos, acabara um livro de Hervé Bazin. “Só ódio”, conheces? Queres que to empreste?
Para quê, se é só ódio?
Pode ser interessante para ti, como sabes que não gostas sem o ler?
O que estava ali a fazer, perguntou-se. Como se tivesse adivinhado ela adiantou que gostava de estar ali, de olhar o Geba, de o conhecer, de olhá-lo nos olhos. Mas quem és tu, ainda não falaste de ti!
O dia a cair como cai em África, noite num momento. Temos que ir, não é?
Deixou-a à porta da Sé, junto à rua dela. Até amanhã, Teresa. O grupo dele saía na madrugada seguinte, para o norte.

No regresso procurou-a. Os olhos, grandes na mesma, pareciam de cor diferente, o rosto mais fechado, algum problema?
Uma semana à espera este tempo todo, começou ela, porque não apareceste? Olha-me de frente, assim não, olha-me nos olhos, assim! O que sou para ti, ora diz? Porque me foges com os olhos?
Séria, os olhos a entrarem por ele dentro, porque andas atrás de mim? Não falas? Responde! Porque não falas? Gosto que me contes tudo! Mais calma, encostada a ele, tão baixo que mal a ouviu, vamos sentar-nos no jardim? Estamos mais à vontade, a mamã não está, se ela aparecer apresento-ta, qual é o mal?
Que gostava, mas agora não. Então logo? Os papás ficam no varandim a aproveitar o fresco, até às 11, depois vão-se deitar.
Que é que te deu, não falas? Tens namorada na metrópole? Todos vocês têm, sei muito bem, como é ela? A boniteza não é só na cara, sabias? Não gostas de mim? Então que estás aqui a fazer?
Estás a olhar assim para mim porquê? Achas que não temos cabeça para pensar, que só somos corpo para vocês gozarem?
Vens logo à noite? Quando os papás se vão deitar fico sempre um bocado à janela.
Atordoado, saiu dali, sem saber o que fazer, nem para onde ir até. Uma mulher diferente!
Depois o tempo passou, o entusiasmo teve altos e baixos, até esfriara, há quase um mês que não se viam.

Do portão viu a Dora ao cimo das escadas. Ambiente animado, pessoal a dançar cá fora, meia dúzia de pares, tudo gente cabo-verdiana, colados uns aos outros, aquele jeito deles, os corpos no ritmo das mornas e coladeras.
Então, bem aparecido, zangado comigo?
Que não, nada de que se lembre, os olhos dele pelo baile, a Teresa a dançar, a um metro bem medido do par, a saia do vestido acima dos joelhos, o decote a mostrar. Mal os olhos se cruzaram, ela encostou-se ao parceiro, a cara para o outro lado.
Passa-se alguma coisa que eu não saiba? Que não, não havia problema nenhum, andava ocupado, aos fins dos dias não tinha vontade de sair, só isso, mais nada.

Despediram-se da Dora, isso agora vai, olhar maroto para as mãos deles. Tinham dançado uma e outra vez, quase só os dois no fim, tão colados que os outros até repararam.
Meteram pela rua de Santa Luzia, de mãos dadas, a brincarem um com o outro, a rirem-se por ali abaixo.
À porta dos pais dela, os rebentamentos que ouviam há já algum tempo soavam mais fortes. Agora é todas as noites isto! Estes tiros onde são?
Jabadadas2, menina, chega-te para cá, para onde vais, Teresa?
Tenho medo, não posso, encosta-te então, não te sentes mais abrigada assim, não é das explosões que tenho medo, então de que é?
Uma mão na perna, a subir, ai, aí não! Respirações atrapalhadas, afastados, um momento que não acabava, a olharem um para o outro, uma sirene bem perto, os lábios a rasparem-se, o gosto da boca dela, a mão dele nos seios, aqui não, anda, não podemos ficar aqui, mãos amarradas, que malucos, que é que estamos a fazer?
Na espreguiçadeira onde se recostava a ler e a sonhar nas tardes quentes de Bissau, ansiosa, não sabia o que queria, a mão dele fazia-lhe comichão no joelho, riso abafado das cócegas e do nervoso. A mão em cima da dele, parecia-lhe que a acalmava. As duas mãos juntas, a subirem por ela acima, não posso, tem cuidado, miminhos só, não me faças mais nada!

Não ando a fazer nada com ela, nem pretendo nada da Teresa, só passar uns momentos entretido. Não sei é se me vou aguentar assim!
Esta história com a Teresa pode dar chatices, pode trazer-te problemas!
No 14-04 com o pára-brisas no capô, vento na cara, a falar com ele, a caminho de Brá.
____________

Notas
1 - Volkswagen alugado
2 - Flagelações quase diárias a Jabadá, do outro lado do Geba

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O 2.º Encontro com o RDM num mês

‘Nunca louvarei capitão que diga não cuidei’

Tal há-de ser quem quer, com o dom de Marte,
Imitar os ilustres e igualá-los:
Voar com o pensamento a toda parte,
Adivinhar perigos, e evitá-los,
Com militar engenho e subtil arte,
Entender os inimigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim, que nunca louvarei
O Capitão que diga: "Não cuidei".

Lusíadas
Luís de Camões
Canto VIII, 89

Uma história que não gostava nada de recordar e que se esforçava por esquecer, passara-se em Jolmete, na zona de Teixeira Pinto, no noroeste, ainda não há muito tempo.
Uma zona calma, de um momento para o outro transformou-se num barril de pólvora seca.
O grupo “Centuriões” tinha regressado de lá com três feridos, um dos quais logo evacuado para o Hospital da Estrela. A única acção de fogo em que estiveram metidos consistiu na reacção ao primeiro ataque ao aquartelamento de Jolmete, com o grupo acidentalmente lá.
Era a primeira vez que a companhia lá estacionada via fogo a sério. Sabe-se qual é a reacção da grande maioria de quem é atacado. Primeiro, procura-se abrigo, depois se vê.
Só que naquela noite, o vê-se ficou-se no grande celeiro que os abrigava, a ver se o IN se chateava e ia embora. O que não aconteceu, claro. Se não fosse o grupo do Rainha estar cá fora, por não caber mais ninguém no armazém, abrigar-se e responder, muito provavelmente os atacantes podiam ter feito mais estragos.
Ficaram bem impressionados com a resposta do grupo e o capitão das operações do batalhão estacionado em Teixeira Pinto pediu que, ou continuassem ou fossem outros deles para lá. E foi assim que outro grupo apareceu em Teixeira Pinto e nesta história.

Quando chegou, viu uma povoação agradável, para as proporções locais. Arrumada, uma rua larga fazia de centro e de passagem para tudo à volta.
Foi recebido por um tenente-coronel, voz esganiçada, pequena estatura, careca, franzino, pouco mais de 50, talvez, uma caricatura de militar, pareceu-lhe.
Na sala de operações, um quarto com um mapa grande da zona pregado com pioneses na parede, o Tenente Coronel explicou a situação militar da zona do batalhão sob o seu comando. Para além do alferes do grupo de comandos estava presente também o capitão das operações, um homem diferente como veio a comprovar mais tarde.
Estava tudo em ordem, insistia o comandante do batalhão, a pacificação era um acontecimento, só umas pequenas borbulhas lá para os lados do tal Jolmete. Pingalim para o mapa, quero que você e o seu grupo vão aqui, depois ali, para aí a 10 centímetros para norte do primeiro local e depois venham para aqui, Jolmete no pingalim, outros 10 centímetros para leste. Não deixou de esboçar um sorriso, lá no íntimo e não está mesmo seguro que o sorriso não tenha sido visto pelo estratega. No mapa, aquelas voltas todas dava para aí meio metro. Depende da escala, claro, mas meio metro para um dia, mesmo naquele mapa, pareceu muito. Mesmo assim, se houvesse motivos suficientes, iam a isso que era para isso que ali estavam.
É de notar que o tenente-coronel, soube-se depois, ficara algo incomodado com o relatório que o alferes Rainha fizera e que lhe chegara do QG uns dias antes com um pedido de esclarecimento do chefe da 3.ª Rep. indagando as razões que tinham levado o comando do batalhão a permitir que o nativo de nome Antigas, capturado pelo IN e solto dias depois de ter estado num acampamento IN na área de Bugula, quando se apresentou na sede do batalhão, em vez de ter explorado imediatamente o sucesso o deixou abandonar o quartel e andar pela povoação a contar a história.
Nada de processos de intenções, mas é um aspecto que se deve considerar, tendo em conta os acontecimentos que se seguiram.

Para quantos dias, meu tenente-coronel?
Tudo de seguida! Depois de regressarem logo se vê, peremptório.
O alferes olhou-o e viu que tinha pela frente um guerrilheiro com uma larga experiência em secretarias e departamentos similares, sem imaginar que a especialidade que tirara ainda fora mais apurada.
Tribunais Militares, RDMs e secretarias, veio a saber depois, tinham sido os principais campos de batalha que praticara até à data.
O alferes com um ar, diga-se, nada adequado para um caso daqueles, ora bem, meu tenente-coronel, então V. Ex.ª quer que o grupo vá aqui, depois para aqui e depois para aqui, não é? Tudo de seguida?
Porquê um esforço destes, tantos quilómetros de mata, rios e tarrafos, bolanhas, em plena época das chuvas, sem qualquer conhecimento da localização de acampamentos INs que não seja o que se diz aí pelas ruas? Porque não fazer uma saída de cada vez, com objectivos bem definidos, em vez de andar a passear pelo mato?
Os comandos são grupos reduzidos, meu tenente-coronel e até aqui têm sido empregues em golpes de mão, com objectivos bem localizados e com guias de confiança. Outras missões são para outro tipo de tropas!
Não lhe compete dizer o que se deve fazer, aqui quem manda sou eu e o nosso alferes executa.

Uma miséria de abandono, Jolmete era um barraco enorme, onde estavam lá metidos nas piores condições cerca de 100 homens, arame farpado à volta, logo junto ao barracão. O capitão Corte-Real, comandante da companhia, o que não queria era chatices, e verdade seja dita, só deixou de as ter quando, meses mais tarde, foi estraçalhado por uma mina entre Farim e o K3.
O grupo saiu naquela noite como estava combinado, chuva em cima, trilhos e trilhos, tarrafo intransponível, poderiam andar lá dias se não tivesse decidido ir por outro lado. À hora marcada lá estava o PCV3 no ar, o tenente- coronel então onde estão?
Aqui em baixo, onde havia de ser? Assinalar com uma granada de fumos para saber onde estamos? Uma granada de fumos não lanço. Estamos aqui junto a esta bolanha, para norte do seu PCV.
Aí? Mas não foi isso que eu determinei! Volte já para lá, para o local combinado!
A conversa assim toda animada, indique então a posição para onde quer que a gente vá.
Viemos desses lados, vamos voltar aí para quê, está a ver aí de cima alguma posição IN? Nós é que temos que ver aqui em baixo? Olha Álvaro, o soldado do rádio, desliga mas é essa merda!
E o Álvaro cumpriu a ordem.
E andaram por aqueles trilhos dentro de água, o dia todo até à noite quando chegaram mais mortos que vivos a Jolmete.
Espaço para dormirem no barracão não havia, para comer havia umas excelentes bolachas, daquelas que só vão para baixo com meio litro de água.
Abrigaram-se debaixo das árvores que havia por ali, a tentar dormitar, com pingas de água a cair-lhes em cima.
De madrugada, tocaram-lhe no ombro, o comando do batalhão estava a enviar-lhe uma mensagem.
Explique com urgência os motivos do não cumprimento da missão. Que a missão estava em marcha, voltaria a sair, para o outro ponto indicado, às 5. Não! Vai sair mas é para outro lado, para aqui, para Teixeira Pinto, debaixo de prisão, vou mandar uma coluna buscá-lo.
Foi assim que o alferes foi transportado, numa viatura, por um compreensivo capitão com os elementos do grupo a fazerem o caminho a pé.
No quarto de operações, o tenente-coronel aguardava-o, com o capitão das operações. Que não tinha cumprido a missão e ainda fora mal educado para um oficial superior.
Um auto de averiguações, duas horas para responder por escrito a 34 quesitos.
Um criminoso de guerra, um desertor, ou quê?
Veja lá como fala, sou seu superior, sou tenente-coronel, sou o comandante deste Batalhão! E o nosso alferes está aqui às minhas ordens, com todas as consequências, não se esqueça!

Tinha na frente um bravo militar, esqueceu-se e não devia. Está-se a ver o que aconteceu. Um auto de averiguações transformou-se num auto corpo de delito, numa hora ou menos, uma rapidez que nem no tribunal militar territorial de Tomar!
E 5 dias de prisão disciplinar, o máximo da competência do tenente-coronel.
Tinha acabado de ouvir as razões do castigo, os oficiais, todos em sentido no tal quarto. Sim, que ouvira o que fora lido, que ouvia bem. E que ia reclamar da redacção da punição por, no seu ponto de vista, a redacção não corresponder aos factos. Aguente aí, alferes, o capitão das operações a murmurar baixo, a mexer-se.
Tem que pedir licença para reclamar! De qualquer maneira, concedo-lha.
Cá fora, em conversa com alguns alferes que assistiram à cerimónia ficou a saber que o tenente-coronel era muito disciplinador.

Depois foi o regresso a Bissau. Mal chegou não descansou enquanto não contactou com um dos ajudantes de campo de Governador-Geral, um alferes conhecido de outros gabinetes. Dias depois foi chamado ao Palácio, apresentou-se no gabinete do General Schulz. O General veio até cá fora, ao jardim, e foi aí que teve conhecimento, pela sua boca, dos factos.
Se acha que está a ser injustiçado, recorra, senhor alferes, foi a primeira resposta que ouviu.
Agradeceu ao general o conselho. Mas a principal razão que o levara a pedir que o recebesse tinha a ver com o crachá que o General lhe tinha entregado em mão no final do curso. E que estava ali para o devolver se o general, a partir deste caso de Jolmete, não o considerasse apto a chefiar uma unidade de comandos.
O General mudou o charuto para a outra mão, deu dois passos e olhou-o.
Continue o seu trabalho e faça tudo para que não voltem a ocorrer situações dessas, rematou o Governador-Geral de mão estendida.

Um caso que se arrastou meses e meses. Mudou o capitão dos comandos, mudou o Brigadeiro Comandante Militar, o tenente-coronel de Teixeira Pinto foi transferido para o sul, Catió mais precisamente, muita coisa andou, nada de resposta à reclamação que apresentara. Nem ninguém, desde a 1.ª à 4.ª Rep. sabia onde parava a folha de papel de 25 linhas.

Em meados de Fevereiro do ano seguinte, o novo comandante da Companhia de Comandos disse-lhe que o Comandante Militar, o Brigadeiro Reymão Nogueira, queria pôr ponto final naquela questão, que era melhor ir lá falar com ele.
Alferes, estas questões não adiantam nada ao andamento da guerra, só atrapalham. Claro que são importantes, especialmente quando, como parece ser o caso, não houve motivos assim tão sérios para uma tão severa punição. O que aconteceu foi que o alferes demorou a cumprir uma ordem de um oficial superior. Facto grave! Por outro lado, há que ver as atenuantes que eu acho que não validam a sua atitude, ajudam a compreendê-la.
É do seu conhecimento que a sua punição não sofreu até agora qualquer agravamento. Nem eu nem o nosso Governador-Geral a agravaram. Bom, o que tenho a dizer é o seguinte. O alferes retira a queixa contra o nosso tenente-coronel e eu, não lhe agravo a punição. E é de regra, o Ministro não mexer em penas que não tenham sido agravadas pelos Comandantes Militares.
Finalmente, e isto é muito importante, a sua punição, já publicada em Ordem de Serviço, está registada, não há nada a fazer. Não ocorrendo mais nenhum problema disciplinar, ainda temos de pensar como vamos encerrar o assunto, ok? Entendido?
Cansado, aquele processo há meses a moê-lo, muitas outras coisas na cabeça, optou pela retirada. Dá licença que me retire, meu Brigadeiro?
Enquanto descia as escadas o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi pirar-se dali para fora, desertar!
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Nota
3 - Posto de comando volante ou de comando aéreo, normalmente a bordo de um Dornier.

(Continua)

Texto e foto: © Virgínio Briote
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Nota do editor

Postes anteriores da série de:

28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho

30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (II Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)

30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (II Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)

2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem

7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG

9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418

14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa

23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"

6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro
e
13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro