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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9212: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (2): Mensagens dos nossos camaradas José Carlos Gabriel, Alcides Silva, José Lima da Silva, José Corceiro, António Nobre, Fernando Chapouto, António Paiva e Armando Fonseca

MENSAGENS DE NATAL DOS NOSSOS CAMARADAS

1. Mensagem do nosso camarada José Carlos Gabriel (ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74):

Nesta data festiva não poderia deixar de endereçar os meus votos de UM FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO DE 2012 para todos os camaradas e respetivas famílias.


José Carlos Gabriel
Ex-1º Cabo Op. Cripto
2ª CCAC do BCAC 4513
Nhala 73/74

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2. Mensagem de Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador na CCS/BART 1913, Catió,1967/69:

Amigos e companheiros de guerra,
Envio o desejo de Bom Natal e Feliz Ano novo para todos os camarigos.


Um grande abraço para todos e muita saúde.
Alcides Silva

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3. Mensagem de José Lima da Silva (ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, 1966/67):

Com os votos de que tenham Festas felizes e Santo Natal para todos em geral
Um abraço
JLS


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4. Mensagens de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71)

António Nobre (ex-Fur Mil da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Buba, Nhala e Binar, 1969 e 1970):
e
Fernando Chapouto (ex-Fur Mil da CCAÇ 1426, 1965/67, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda

Natal Feliz com muita saúde e alegria
Um abraço


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5. Mensagem do nosso camarada António Paiva (ex-Soldado Condutor Auto no HM 241, Bissau, 1968/70):


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6. Mensagem de Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64):

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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 14 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9196: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (1): Gabriel Gonçalves (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8854: In Memoriam (93): Homenagem do povo de Vale de Espinho aos seus filhos que perderam a vida na Guerra do Ultramar (José Corceiro)


1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 2 de Outubro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Deixo ao vosso critério publicar, ou não, o texto que envio, assim como as respectivas fotos, que junto em anexo.

Um Abraço
José Corceiro


Homenagem do povo de Vale de Espinho aos filhos que perderam a vida na Guerra do Ultramar

Estimados amigos
Estive no passado mês de Agosto, em Vale de Espinho, Sabugal, minha Terra Natal. A minha sensibilidade enterneceu-se num estranho miscigenado, de satisfação, sofrimento, orgulho e saudade, ao deparar e ser surpreendido, com um singelo memorial erigido pelo povo de Vale de Espinho, a homenagear os dois combatentes, mancebos Valespinhenses, que tombaram e derramaram o seu sangue, em terras de África, onde perderam a vida na Guerra do Ultramar. Foram eles: Francisco Vaz Silva e José Martins Cobrado.

Foto 1 - Memorial, erigido pelo povo, de Vale de Espinho, a homenagear os dois combatentes Valespinhenses que tombaram na Guerra do Ultramar.

O monumento é simples, mas transmite o resumo duma mensagem carregada de respeito e estima. É um memorial constituído por um pedestal de granito, pedra hirta, consistente e nobre, da zona, no qual foram cravadas três lápides de mármore preto, a simbolizar a saudade e o luto, lápides onde foram gravadas letras em baixo relevo, banhadas a ouro, exprimindo o carinho e o reconhecimento dum povo. Foi colocado num espaço público ajardinado, à entrada do Largo das Eiras, em frente do Centro Social Paroquial, da aldeia, junto ao café do “Freu”. Os meus dois conterrâneos, que tombaram em combate, tinham praticamente a minha idade e deixaram-nos no auge da sua mocidade, no ano de 1969.

Fiquei agradado e muito agradecido, ao Sr. Presidente da Junta da Freguesia, de Vale de Espinho, José Faixa, por ter tido a humanidade e a lembrança de honrar e recordar os dois jovens, filhos da povoação, que tão novos perderam a vida a lutar, numa guerra injusta, no solo do Ultramar. Guerra indevida, para mim, porque os nossos estadistas e governantes não souberam interpretar e respeitar o sopro dos ventos, que há muito se faziam sentir, através de sinais e acontecimentos explícitos, que exigiam mudanças históricas, mas não foram devidamente ajuizados para evitar que a guerra se desencadeasse…

Eu escrevi, no dia 1 de Junho, de 1969, em Bissau, nos meus apontamentos diários onde anotei, quando tinha somente dois dias de Guiné, mais ou menos o seguinte: “...Sou por natureza bucólico, encanta-me o campo, a paisagem a floresta, e admirou-me o percurso que medeia entre o DGA e Bissau, de aspecto árido e tórrido, a contrastar com o arvoredo frondoso e acolhedor da bolanha, onde umas mulheres lavavam a roupa…. Foi muito agradável ver as lavadeiras, algumas completamente nuas e sem ruborescerem perante os “mirones” presentes. De entre elas, sobressaiu uma, mais atrevida e desinibida, que ao ver o nosso olhar maroto carregado de intenção maliciosa e aveludado de desejo concupiscente, dirigiu-se a um dos meus amigos em termos críticos e desafiantes, gesticulando e prenunciando palavras provocadoras...

Para o meu íntimo, estes momentos a que venho assistindo, já são reveladores do fosso cultural existente entre nativos e metropolitanos. Começam-me a aliciar a idiossincrasia e a genuidade do povo guinéu, despido de formalismos e preconceitos; para mim este modo de vida, é pureza, conduta simples e natural, é como um ode da natureza a louvar a criação do homem… Assim se inicia mais um despertar em mim! Por um lado a intuição, por outro o raciocínio, começo a ficar sobressaltado e a entender que aqui há outra cultura, outra forma de ser e estar na vida, eles, os nativos, estão no seu habitat. Temos o dever de os respeitar, pois nós estamos desintegrados, eu sou invasor!...”

O primeiro mancebo da minha terra, Vale de Espinho, que tombou em combate, no Ultramar, Francisco Vaz Silva, era meu tio, irmão da minha querida e saudosa mãe. Além de tio, foi amigo e companheiro de infância, nas nossas brincadeiras de meninice, pois éramos praticamente da mesma idade e frequentámos a mesma turma escolar.

Foto 2 - Sepultura, no cemitério de Vale de Espinho, onde jazem os restos mortais de Francisco Vaz Silva.

Recorte com a notícia que saiu na imprensa regional, quando se realizou o funeral do meu tio.

O meu tio, juntamente com outros amigos, como era frequente na época, 1965, com apenas 18 anos, foi “a salto” para terras de França, à procura de melhor qualidade de vida e porque não dizê-lo, também para se alhear da Guerra do Ultramar… Estava profissionalmente bem integrado na sociedade do país que o acolheu, onde era estimado e valorizado, quer no trabalho que executava, quer nas relações inter-sociais com os amigos de convivência, e tinha sempre presente os meus avós, para os quais enviava com regularidade dinheiro. Mas um grito interior agitava-lhe as entranhas, e ouvia a voz bradante do chamamento da Pátria amada, que clamava pelos seus ditosos filhos e, com 21 anos, regressou voluntariamente à terra que o viu nascer, carregado de animosidade e cheio de esperança, desejava calar o grito que lhe invadia a alma e o impulsionava de regresso às origens… O bramido das Raízes!…

Foto 3 - Da esquerda para a direita: (eu) José Corceiro, Filipe Neto, José Manuel Pedro e meu tio Francisco Vaz Silva. Quando a foto foi tirada, tínhamos de idade 13, 14 anos.

Na companhia do meu e seu grande amigo, também emigrado, José Manuel Pedro, regressaram os dois ao seu País Natal e apresentaram-se de seguida no Regimento Militar, da área de residência, para se disponibilizarem a cumprir o dever de cidadania e serem integrados no serviço militar, para servir a Pátria. Tiraram a recruta, no Batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco, finda a qual foram logo mobilizados, pelo RC 4, para Angola, integrados na CCav 2431/BCav 2854 colocado em Zala. Após curta estadia em Angola, ainda com 21 anos de idade, o dia 4 de Fevereiro, de 1969, tombava em combate, Francisco Vaz Silva, na presença do seu grande e inseparável amigo, José Manuel Pedro.

O funeral do meu tio realizou-se, em Vale de Espinho, o dia 23 de Junho, de 1969, passados quatro meses e meio após a sua morte, já eu tinha sido mobilizado para o Ultramar e estava na Guiné.

Foto 4 - O nome do meu tio, na Venera Nacional, entre a extensa lista dos Combatentes que tombaram na Guerra do Ultramar, cujas placas estão junto do Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa.

Foto 5 - Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa.

O José Manuel Pedro, após o regresso do Ultramar, iniciou o namoro com uma prima minha e acabaram por contrair matrimónio. Constituíram e organizaram bem a vida, com sucesso e desafogo e dessa união, nasceram duas filhas. Mas a vida às vezes é madrasta, e reserva-nos traiçoeiras surpresas e tragédias. O casal, meu amigo e parente, ofereceu há cerca de dez ou onze anos um carro e um apartamento à filha mais velha, que vivia em Viseu, onde trabalhava e estava a tirar o mestrado. Na passagem do ano, quando se dirigia sozinha para uma festa de amigos, a filha perdeu a vida num acidente, em Viseu, ao volante do carro que conduzia.

Mas a tragédia e o sofrimento não terminaram por aqui e, passado pouco mais de meio ano, após se ter dado o acidente que vitimou a filha querida, eis quando também é roubada a vida à outra amada e já única filha, com 16 ou 17 anos de idade! Ficaram estes pais, num desespero arrepiante, de causar dó e piedade, mergulhados numa vida vazia, a abarrotar de dor, angustia, desmotivação, saudade, recordações de tantos sonhos idealizados e não concretizados! Foi tudo num ápice, e afundaram-se vidas até então bem estruturadas, deixando o casal num turbilhão de incertezas existenciais, em que a vida se transformou num vácuo desabitado, em que o pendor da balança do infortúnio ficou a pesar só, num só sentido… em declive, com o peso do luto doloroso e insuportável, no prato da desesperança!

Um abraço e boa saúde para todos
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)

Vd. último poste da série de 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8750: In Memoriam (92): Homenagem às Grandes Mulheres, as nossas Enfermeiras Pára-quedistas que nos deixaram (Rosa Serra, ex-Enf.ª Pára-quedista / António Almeida, Fur Mil em Angola / Teresa Almeida, Liga dos Combatentes)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 26 de Setembro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães
Deixo à vossa decisão a publicação, ou não, do texto que segue, assim como a colocação das fotos, que vão em anexo.

Um Abraço
José Corceiro


“FILHOS DO VENTO” QUE FICARAM POR CANJADUDE

Caros amigos
As Guerras são sempre sujas. Deixam o seu rasto de sangue, miséria, sofrimento e seres humanos estropiados… Há quem defenda que a Guerra é necessária!...

Em Canjadude, que eu tivesse conhecimento, sem inteireza total, existiam duas crianças “Filhos do Vento”, (presumo filhos de metropolitanos) que eram bem identificadas pela falta de pigmentação, melanina, na pele e pelos traços faciais.

Canjadude, além de Companhia Independente, era um caso com muita singularidade, no contexto operacional militar da Guiné. A CCAÇ 5, sediada em Canjadude, era composta, em Janeiro de 1970, por 52 metropolitanos e cerca de 220 militares africanos, de todas as etnias da Guiné e poucos, ou talvez nenhum, fosse natural da Tabanca de Canjadude onde estavam a habitar. Todos os metropolitanos, excluindo o 1.º Sargento, eram jovens, incluindo o Capitão que comandou a Companhia a partir de Maio, de 1970. Foi o Capitão do quadro do Exército português, que atingiu a patente com menos idade. Quando foi para Canjadude, com 23 anos, já tinha cumprido serviço militar em Angola.

Militares africanos a dormir no Aquartelamento, que estava separado da Tabanca por arame farpado, eram só dois, porque não tinham no local as mulheres. Todos os outros, alguns tinham mais que uma mulher, viviam na Tabanca, misturados com os civis. O número de militares, sobretudo africanos, foi aumentando progressivamente ao longo dos tempos. Entre os militares africanos, só um, o 1.º cabo Saldanha era mestiço, cabo-verdiano, que estudou em Bissau.

A população civil de Canjadude era de etnia Mandinga, e a dominância dos militares era de etnia Fula, que por princípios culturais e territoriais alimentavam um ódio de morte, uma etnia contra a outra, mas por razões de circunstâncias de necessidades, toleravam-se a viver porta com porta.

Ora, nesta amálgama de massa humana, onde não existiam só necessidades alimentares, havia quem satisfizesse as suas carências aproveitando as oportunidades que surgiam, sobretudo quando os pelotões pernoitavam no mato. Em matéria de adultério, por aquilo que se dizia, observei, intui e registei, os militares da CCAÇ 5, nativos, não se respeitavam muito uns aos outros. Sempre que pelotões saíam para o mato, os que ficavam no Aquartelamento, numa atitude de vingança revezavam-se, tentando desforrar-se na mulher daquele que o tinha desrespeitado… Confusões houve em que algumas podiam ter degenerado em tragédia!

Às vezes, pelotões que estavam no mato, por questões operacionais diversas, regressavam antecipadamente ao Aquartelamento, já a noite ia longa. Nestes casos havia sempre quem fosse surpreendido a meter a foice em ceara alheia, algumas vezes envolveu metropolitanos. A situação tomou outra dimensão, preocupação, e cautela, quando num regresso imprevisto do mato, um militar nativo surpreendeu no interior da sua tabanca, o seu comandante de pelotão, que por azar ou sorte, por razões de saúde não saiu nessa operação. O ousado sentindo-se ameaçado de morte, envolveu-se em luta, com quem reclamava honra, que para suavizar a ofensa aceitou receber dinheiro desembolsado pelo atrevido. O ofendido exibia orgulhosamente um galão que arrancou do ombro do seu superior. A partir deste episódio, sempre que havia regressos do mato imprevistos, durante a noite, e que eram comunicados ao operador de transmissões, além da informação dada às sentinelas, havia alerta sonoro para avisar os prevaricadores.

Talvez em Canjadude não houvesse mais “Filhos do Vento” além destes dois porque a ideia com que fiquei, intuição, é que se utilizava muito o preservativo, não tanto como preocupação de método anticoncepcional, mas mais como preventivo venéreo, pois houve alguns casos de gonorreia entre os metropolitanos. A ideia que fluía, nas conversas de caserna, é que os lesados se tinham prevenido usando a bisnaga do gel uretral, disponível no posto de enfermagem, mas que não garantiu protecção eficaz.

Não é de desprezar a eventualidade de aparentemente parecer ser, “Filho do Vento” (filhos de metropolitanos), e na realidade não o ser, pois podiam ser filhos gerados por homens mestiços existentes na Guiné.

Meninos da Tabanca de Canjadude

Civis de Canjadude

No ser humano, cada célula somática contém 46 cromossomas, mas as células germinativas é óbvio que só contém 23. No homem, o processo de formação de espermatozóides, espermatogénese, durante a divisão celular, meiose, produz células germinativas, com 23 cromossomas, em que uns espermatozóides têm o cromossoma y e outros o x. Na mulher, a formação do óvulo, ovogénese, durante a divisão celular, meiose, desenvolve células germinativas com 23 cromossomas, em que todos os óvulos contêm o cromossoma x.

Quando se dá a fecundação do óvulo, pelo espermatozóide, e se emparelham cada um dos 23 cromossomas homólogos, provenientes das duas células germinativas, os cromossomas homólogos são iguais em tamanho, excepto o x quando se emparelha com o y em que este é menor.

É no momento da fecundação que se define o sexo do novo ser, consoante o espermatozóide fecundante seja portador do cromossoma x, que emparelha com o x do óvulo, originando um ser feminino que é xx. Quando o espermatozóide fecundo é portador do cromossoma y, que emparelha com o cromossoma x do óvulo, origina-se o sexo masculino que é xy. No acto da concepção o sexo do gerado, depende sempre do espermatozóide. No acto da ejaculação libertam-se muitos milhões de células germinativas, umas portadoras de cromossoma x e outras y. No acto da fecundação, entre muitos processos iniciados, há o emparelhamento dos cromossomas homólogos, e acontece como que uma fusão dos genes correspondentes, nos pares de cromossomas, em que cada gene tem bem definida a característica que vai transmitir, evidenciando-se a do gene dominante em detrimento do recessivo. Grosso modo, genes são as unidades em que estão divididos os cromossomas e que contém as informações genéticas de cada ser, características de hereditariedade.

Ora, existe num dos 23 cromossomas de cada progenitor, um gene que vai determinar, segundo a cadeia sequencial do ácido nucléico, a quantidade de pigmentação, melanina, que existe na pele de cada ser. Cada traço que nos caracteriza está mapeado num gene, e o conjunto destes forma o genoma humano.

Cada gene encerra em si uma miscigenação variada, obra de muitas fusões nas relações inter-raciais.
Por vezes ao fazermos juízos somos traídos, atendendo somente à simples observação…

Um abraço e boa saúde
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8730: Parabéns a você (311): Agradecimento à tertúlia de José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8824: Filhos do vento (5): A família do falecido Dauda, protegido do saudoso Cap Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68)...

sábado, 3 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8730: Parabéns a você (311): Agradecimento à tertúlia de José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 2 de Setembro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Desde Março, p.p., que não tem sido nada profícua a minha actividade no Blogue, embora o visite com regularidade, sinto, com mágoa, que há um débito da minha parte, que a seu tempo desejo saldar…

Estou a enviar estas simples palavras, para manifestar o regozijo que senti, por me terem vindo a felicitar no dia dos meus anos. Quero pois agradecer a todos essa manifestação de carinho... Bem-haja e muita saúde!

Deixo ao vosso critério a publicação, ou não, do texto que segue, assim como a inclusão das fotos, que vão em anexo, onde acharem apropriado.

Um Abraço
José Corceiro

Ex-militares de Transmissões, que cumpriram serviço militar em Canjadude. Tive a honra de os juntar no almoço-convívio, nos Três Pinheiros.


Agradecimento Pelas Felicitações no Dia do Meu Aniversário

Estimados Amigos, regressei ontem de férias (31-08) e ao abrir a página da Tabanca Grande fiquei completamente subjugado por uma onda de consolação emocional, que me provocou algum constrangimento. Há emoções que assarapantam o homem, embora este seja por primazia racional, mas, no acto de tomar uma decisão é quase sempre a emoção/sentimento que se sobrepõe ao racional. Vem isto a propósito do gesto de manifestação de carinho e lembrança, que os editores e Tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tiveram para comigo, ao não esquecer o dia do meu aniversário e virem a terreiro parabenizar-me e desejar felicidade. Embora ache que não sou merecedor desta deferência, é sempre muito reanimante e consolante, constatar que a nossa pessoa está presente nos bons sentimentos dos nossos semelhantes… É uma prova de que não somos esquecidos.

Porventura, sentir-me-ei embaraçado porque reconheço que não terei administrado equilibrada/racionalmente a emoção de dar continuidade à série “Casos de Azar e Sorte”, (na guerra) tarefa que assumi levar em frente e me comprometi perante vós a escrever algum artigo! A matéria que tenho em potencial não é escassa, mas não me tem sobrado tempo para articular a ideia e enviar mais trabalho, pois tenho andado embrenhado noutras contendas e projectos, deixando-me dominar pelas emoções… Mas a seu tempo continuarei com a série!

A circunstância do momento não é para eloquências e não devo deixar-me desviar do rumo da razão desta emoção, que quero que seja de gratidão, agradecimento e estima, e que contribua para consolidar a empatia que partilho convosco…

Desejo manifestar a minha gratidão para com o Luís Graça, que como pai fundador, em bela hora teve a ideia luminosa de gerar um filho, (Blogue) que tem sido acarinhado e alimentado por todos nós, onde por vezes se fomentam momentos de redobradas e ambíguas emoções, que nos obrigam a desentorpecer os dedos das mãos, ao exercitarem-se a teclar as letras, frenética e desembaraçadamente, para articular as frases que dão corpo às ideias, que são elaboradas nos neurónios e que circulam através das sinapses, entre os centros cerebrais da emoção e do racional, processando argumentações, lembranças e decisões, que são sinónimo de que não estamos a cair no imobilismo. Gratidão também, para com os incansáveis e sempre amistosos editores, que não se poupam a trabalho abnegado, timbrando-o de empenho e observação, para que cada artigo recebido seja editado na perfeição, reflexo da devoção aplicada com mestria e afeição …

Agradecimento ao Miguel Pessoa, “Cartoonista” de apurada sensibilidade, que elaborou com toque brilhante, um postal com fotos minhas, extraídas de distintos postes. Agradeço ainda, ao José Martins, que conheci há 42 anos, no dia 13 de Junho de 1969, nas “Termas de Canjadude” (Guiné). Reencontrámo-nos passados 41 anos após a separação, e serviu essa ocasião, aliada à permanente disponibilidade do “Zé”, para estabelecer um elo de ligação gerador dum florescimento de continuados encontros, com amigos do passado.

Enfatizo a estima que tenho para cada um dos membros do Bloge, que são a razão e motivação desta gratidão e agradecimento. Para todos vós, o meu humilde obrigado por se terem lembrado de mim no dia do meu Aniversário. A todos desejo muita saúde e mando um abraço emocionado! Brindo à continuidade do Blogue e à união de todos nós.

Um abraço
José Corceiro
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8711: Parabéns a você (309): António Barbosa, ex-Fur Mil Cav, Pel Rec Panhard 1106 (Bula, 1966/68) e José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

Vd. último poste da série de 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8715: Parabéns a você (310): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

domingo, 28 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8711: Parabéns a você (309): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav, Pel Rec Panhard 1106 (Bula, 1966/68) e José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

Hoje, os nosso votos de feliz aniversário são a dobrar. Por ordem de antiguidade (não seja esta o posto mais honrado e respeitado entre nós), cumprem mais um festejo os nossos camaradas: António Barbosa, que foi Fur Mil Cav no Pel Rec Panhard 1106 (Bula, 1966/68) e José Corceiro, que foi 1.º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

1. Ao António Barbosa oferecemos este “maravilhoso” poster da autoria dos (des)ajeitados, mas bem-intencionados editores:

2. Ao José Corceiro, mais sortalhão nesta ocasião, dois murais fabulosos da autoria dos nossos hiper-artistas privados, não remunerados mas devidamente identificados: José Martins e Miguel Pessoa.

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Nota de MR:

terça-feira, 19 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8569: Fotos à procura de... uma legenda (2): Carlos Miguel (Fininho), e Carlos Alberto Maravilhas Soares, do Comando de Agrupamento nº 1980 (Bafatá, 1967/68): Álbum de Amaro Oliveira António



Foto nº 1 - O ex-Fur Mil Carlos Miguel (Fininho), de pé, ao lado do 1º cabo Amaro Oliveira António, sentado, no Comando de Agrupamento nº 1980 (Bafatá, 1967/68)...




Foto nº 2 - "Homenagem ao Carlos Alberto Maravilhas Soares (guarda redes, já falecido) do Comando de Agrupamento nº 1980" [Bafatá, 1967/68]...

Fotos: © Amaro Oliveira António 2011). Todos os direitos reservados.


1. As fotos são do nosso leitor (e camarada de armas) Amaro Oliveira António (AOA), que pertenceu ao Comando de Agrupamento nº 1980 (1967/68), e onde trabalhou com o Alf Mil Ribeiro e com o Fur Mil Carlos Miguel...

São de fraca qualidade, mas merecem uma legenda... Foram enviadas no princípio do ano corrente... Com estas escassas legendas (*)... Aguardavam uma oportunidade para saírem no nosso blogue... Não temos mais informações sobre o nosso camarada Amaro Oliveira Amaro (AOA), que não pertence, formalmente, à nossa Tabanca Grande...(Fica aqui o convite para, doravante, se juntar ao nosso blogue, sentando-se debaixo do nosso secular, frondoso, fraterno, mágico, encantatório poilão, que abriga os nossos irãs, tanto os bons como os maus...).

Sobre o Carlos Miguel (actor de teatro popularmente conhecido como Fininho, que se retirou no final dos anos 90 para Salvaterra de Magos, depois de ter sido diagnosticado um cancro nas cordas vocais, obrigando-o a  abandonar a sua carreira no teatro de revista e na televisão), já aqui fizemos pelo menos duas referências (**)... Numa delas, o nosso camarada José Corceiro lançava, há um ano atrás,  um apelo para se recuperar fotografias do Carlos Miguel, do seu tempo de Guiné (1968/69), estando em curso a elaboração de um livro biográfico sobre o actor (que se popularizou sobretudo  com o Programa de televisão "Um dois três", da RTP1,  que teve várias séries, entre 1984 e 1998,  com o apresentador Carlos Cruz mas também com o António Sala; entre os actores cómicos que por lá passaram, conta-se o Carlos Miguel, o Raul Solnado e a Marina Mota):

(...) Tinha dois álbuns com fotografias da sua passagem pela Guerra, que guardava carinhosamente, mas já há uns anos que lhe desapareceram durante uma mudança de residência, pelo que neste momento não tem uma única foto desse período da sua vida.

Na Guiné esteve em Canjadude nos Gatos Pretos [, CCA 5,], mas também esteve algum tempo em Nova Lamego, em Bafatá, em Bissau e mais outros locais que visitou, que não pode precisar (...)
.

O nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil do Comando de Agrupamento nº 2957 (Bafatá, 1968/70) ainda o conheceu, em Bafatá. Tal como o ex-Fur Mil do BENG 447, José Manuel Fresta de Carvalho (**).

Sobre o falecido Carlos Alberto Maravilhas Soares, também não temos qualquer informação adicional.

Sobre o COM AGR 1980, 1967/68, temos a seguinte nota do nosso colaborador permanente José Martins:

(i) Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa;

(ii) Desembarcou em Bissau em 6 de Fevereiro de 1967;

(iii) Deslocou-se para Bafatá, aí  assumindo o comando e coordenação dos batalhões instalados nos sectores de Bafatá, Nova Lamego e Bambadinca em 7 de Fevereiro de 1967;

(iv) Foi rendido em 18 de Novembro de 1968 pelo Comando de Agrupamento nº 2957, recolhendo a Bissau e regressando à metrópole em 19 de Novembro de 1968.

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste anterior desta série > 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8565: Fotos à procura de... uma legenda (1): Álbum de Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69)

(**) Vd. postes de:

2 de Junho de 2010 >Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné: Canjadude, Nova Lamego, Bafatá, Bissau (José Corceiro)

29 de Março de 2011 Guiné 63/74 - P8012: O Nosso Livro de Visitas (110): João Manuel Fresta de Carvalho, ex-Fur Mil Engenharia, que esteve 4 meses em Bambadinca e a maior parte do tempo no Saltinho, cujo aquartelamento ajudou a construir, ao tempo da CCAÇ 2406 (1968/70)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7737: A Guerra Colonial e a extinção da tradições portuguesas: o dia de 'ir às sortes' na minha terra, Sabugal (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 5 de Fevereiro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Atendendo ao facto de terem passado 50 anos desde o início da Guerra Colonial, recordei-me hoje, duma consequência nefasta, que esse trágico acontecimento que foi a guerra, teve no acelerar a morte duma tradição na minha terra, que com tanta intensidade era vivida pelo povo da minha aldeia, Vale de Espinho - Sabugal.

Deixo ao vosso critério a publicação.

Um abraço
José Corceiro


A GUERRA COLONIAL E A EXTINÇÃO DE TRADIÇÕES PORTUGUESAS

O assalto à Prisão de Luanda ocorreu no dia 4 de Fevereiro de 1961, data que marcou o início da Guerra Colonial, ou do Ultramar, como se queira apelidar, sendo que para mim é a Guerra onde eu andei.

A Guerra Colonial tirou a vida a milhares e milhares de pessoas, deixando outras tantas estropiadas até ao fim dos seus dias. O fenómeno da Guerra foi também um factor influente que contribuiu para desvanecer algumas tradições e costumes, que estavam enraizados na cultura do povo português.

Tanto quanto me lembro desde a minha meninice, que na minha aldeia, Vale de Espinho – Sabugal, o dia da inspecção militar ou sortes era um dia festivo para toda a povoação, mas com proeminente destaque para os mancebos naturais da aldeia, que completassem nesse ano o 20.º aniversário, pois a festa era deles. Nos anos 1950 e princípios de 1960, na minha aldeia, o grupo de rapazes que iam anualmente a dar o nome para a tropa ultrapassavam sempre as duas dezenas, ou bem mais, e era raríssimo que quando chegasse o dia das sortes algum deles faltasse. O dia da inspecção revestia-se dum certo ritual, tradicional típico, que continha valor e particularidades para um estudo etnográfico.

Os preparativos para o esperado dia iniciavam-se com algum tempo de antecedência, pois era determinante que no dia da festa tudo corresse de feição. Sempre foram perceptíveis ao longo dos anos, explícitos laivos de ciúme, meio encapotado é certo, mas que levava alguns dos ex-inspeccionados a vangloriar-se ao dizer que a festa deles tinha sido a melhor. Ora, este espírito de geração competitiva, impulsionava a rapaziada a um apego de brio viril, que os empenhava em melhorar a sua festa em comparação com as dos anos anteriores.

Para muitos dos jovens, o dia da inspecção seria também a primeira vez que iriam estrear um fato novo, composto por calças, casaco e colete (terno), pois até ao presente não tinham tido a possibilidades de comprar o tecido e mandá-lo confeccionar no alfaiate da terra, visto ser escasso o suporte económico da família. Era também provável que a partir dessa data, o jovem pudesse começar a amealhar um pezinho de meia, fruto de algum trabalho que executasse com direito a remuneração, jornal ou a passar contrabando, pois até esta altura tudo o que tinha ganho reverteu a favor do agregado familiar.

Quando o esperado dia chegava, nada podia falhar.
O fato estava à espera de ser vestido…

Os foguetes já tinham sido comprados e entregues ao mestre-de-cerimónias, que os utilizava conforme a mensagem que queria anunciar, lançando-os para estoirar no ar. A primeira mensagem é logo cedinho, às 05h00, a lembrar que é preciso deixar a cama e levantar, para aqueles que nela se deitaram, nessa noite, porque alguns fizeram directa. Pois têm que se apressar, ainda há um percurso longo de 16 quilómetros que é preciso trilhar, sempre a cavalgar, até chegar ao Sabugal, concelho da freguesia, onde tem lugar a inspecção.

Foto 1 - Briosos mancebos inspeccionados em 1968, com saudosismo do passado. Foto tirada no dia da inspecção, no Sabugal, junto ao antigo edifício camarário onde teve lugar a inspecção. É também visível o edifício da antiga prisão.

O cavalo, adereçado com os seus melhores arreios estava pronto e à espera. Ricamente aparelhado. A sela, a cinta, o cabresto, as rédeas e o freio foram diligentemente limpos e engraxados, as fivelas e os estribos foram polidos até ficarem a brilhar, sem esquecer as patas do equídeo que foram aparadas, limadas e convenientemente ferradas, pois há mais de 30 quilómetros para calcorrear, ida e regresso, com o mancebo sempre montado e a espicaçar, e quiçá poderá surgir algum amigo mais íntimo que o queira apadrinhar e arrisque a boleia no lugar da garupa, e o ritmo tem que ser constantemente a trotear.

O acordeonista foi atempadamente contratado, personagem aglutinadora e imprescindível, que nunca pode faltar esperando-se sempre dele alguma novidade musical, para excitar o bailarico e a festa abrilhantar.

Os vitelos ou cabritos, cuja quantidade depende do número de mancebos e seus convidados, foram antecipadamente encomendados ao açougueiro, e já estão prontos e preparados com algum tempero à espera para se dar início ao apetecido assado, realizado sempre em local aprazível, junto à margem do rio Côa e por tradição no sítio do Freixial.

Foto 2 - Largo das Eiras, no centro da aldeia de Vale de Espinho. Nas redondezas não havia outra povoação que tivesse um largo tão grande, embora já tenha sido roubado pelas construções da estrada, escola, lar de idosos, junta de freguesia etc.

Por volta do meio-dia o povo aguardava impacientemente, no Largo das Eiras, a chegada do mensageiro, que se antecipava ao regresso dos mancebos. O arauto açoitando o seu cavalo incutia-lhe celeridade, para se adiantar e mais rápido chegar para a notícia poder dar, metia-se por atalhos e veredas para o caminho encurtar, e lá chegava ele ofegante à freguesia onde revelava, com voz de pregão, os nomes dos mancebos que ficaram livres e os que foram apurados para o serviço militar. Quando se ouvia o nome dum mancebo que ficou apurado era sempre um momento de regozijo, algazarra geral, com aplausos, acompanhados de vivas e parabenização à família, contrastando com o comportamento da multidão, que ao ouvir o nome do mancebo que ficou livre, reagia com tristeza e constrangimento, sobretudo os seus parentes.

Mais uma largada de foguetes, anunciavam que a comitiva dos heróis estava prestes a chegar. A multidão eufórica, que não tinha arredado pé do Largo das Eiras, estava curiosa e queria ver ao vivo a chegada dos briosos mancebos. Uns ostentavam com orgulho e altivez na lapela do casaco a insígnia, fita verde, que os declarava aptos para o serviço militar. Esta distinção podia ser um trampolim para uma vida melhor, com mais possibilidades para um emprego, quiçá Polícia, Guarda-Fiscal ou Republicana, ou Exército, ou alguma Repartição Estatal. A fita vermelha era colocada nos inaptos, e notava-se neles um ar de acanhamento, quase vergonha, por suportar na lapela o estigma que os remetia para a exclusão de prestar serviço militar, era como que o apontarem-lhes que eram débeis, ou tinham uma deficiência física, e isso não era tranquilizante para o seu ego.

Depois de dadas as boas-vindas, procedia-se a mais uma largada de foguetes, a convidar toda a povoação para que houvesse união e acompanhassem festivamente os mancebos, que iriam desfilar montados nos seus cavalos, ao som da concertina, pelas ruas da procissão. Findo esse percurso, duma maneira geral, toda a juventude se dirigia para o local onde os esperava o assado, já devidamente confeccionado.

Foto 3 - Tirada em 1968, no Freixial, junto ao rio Côa, durante o assado, onde estão a meia dezena de mancebos que foram nesse dia à inspecção, juntamente com juventude convidada e onde não podia faltar o meu professor da 4.ª cCasse, Zé André, que está de pé no canto direito da foto, com camisa preta.

Manjar ansiosamente esperado, a desejada carne grelhada era um pitéu divinal. A carne é seleccionada, excelentemente grelhada com apuro na brasa, bastante condimentada com um molho assaz apimentado, comida acompanhada de batata bem apaladada acabada de tirar da terra e assada na borralheira, tudo regado convenientemente com molho, iguaria que provoca no mais prudente dos mortais anseios que o incitam a deixar-se seduzir, e a exagerar no beber a boa pinga, que inebria qualquer convidado fazendo-o esquecer as amarguras do dia-a-dia, até surgir um comensal mais inspirado, que se encoraja e ousa desafiar a qualquer um para uma salutar desgarrada… e a partir daqui tudo incita a que a folia seja inflamada!

E toda a tarde era passada em farra agitada, sempre regada de boa pinga em ambiente de animado bailarico, onde não era permitido a nenhuma moça recusar dançar com qualquer que fosse o mancebo dos inspeccionados, uma recusa dessas, era interpretada como ofensa familiar.

Com o surgir da guerra nos anos 1961/1962, a juventude da minha terra abandona a aldeia, em massa, e vai a salto para o estrangeiro. O número dos mancebos que anualmente iam a dar o nome para a tropa caiu das duas ou três dezenas que eram habituais, para menos de meia dúzia.

Foto 4 - Castelo Branco, Dezembro de 1968.

O início da Guerra Colonial praticamente acabou com a tradição festiva do dia da inspecção. Provocou uma reviravolta de 180 graus no valor do conceito de apto e inapto para o serviço militar. É surpreendente, que no espaço de dois ou três anos o conceito de opinião que se tinha da selecção de apto, que era considerado o boníssimo, se tenha invertido o valor, e o apto passou a ser o maligno, pois a partir do início da guerra o que se valoriza, no querer dos familiares e mancebos, é que fiquem inaptos para o serviço militar, a condição de inapto passou a ser o óptimo! São os dinamismos sociais da adaptação dos interesses!

Continuaram-se a comprar vitelos, cabritos e até porcos inteiros, para satisfazer a gula dos falsos profetas que só anunciavam desgraça e tinham bem estudada a arte da mentira, pois aos crédulos muito prometiam, mas nada faziam. Convenciam os inocentes que lhes livravam os filhos da guerra, e alguns caíram na ratoeira, mas cedo se convenceram que nada lhes tinha sido feito. E lá vinham a terreiro os profetas com argumentações abonatórias, utilizando desculpas esfarrapadas…

PS: - Significado do termo “Sortes” aqui utilizado, que creio estar certo, pela ideia que me ficou segundo aquilo que ouvi noutros tempos:

Antigamente, devido ao grande número de jovens que se apresentavam à inspecção, eram muitos os que ficavam aptos, e para os aptos não havia lugar para todos no serviço militar. Para solucionar o excesso dos já seleccionados, procedia-se a um sorteio aleatório entre os que tinham ficado aptos, para assim se apurar aos que cabia a sorte de cumprir o serviço militar.

Um abraço e boa saúde, para todos.
José Corceiro
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7678: Casos de azar e sorte (1): Camarada ferido pelo impacto de granada que não explodiu (José Corceiro)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7678: Casos de azar e sorte (1): Camarada ferido pelo impacto de granada que não explodiu (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 24 de Janeiro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este texto onde relato um episódio passado na Guiné que na altura me apiedou, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.
Quanto à foto que eu na época tirei, onde são visíveis os ferimentos provocados na pessoa, a mim não me choca, mas pode ferir sugestibilidades mais sensíveis de alguns. Sendo assim, publicar a foto pode não ser a opção mais curial, deixo à vossa sensibilidade a decisão de fazer o que acharem mais adequado.

Um abraço
José Corceiro


Foto 1 - Corceiro, no Hospital de Bissau, à volta com as suas escritas.


CASOS DE AZAR E SORTE (1)

Camarada ferido pelo impacto de uma granada que não explodiu

Creio não estar a errar, se afirmar que já todos nós, ao longo das nossas vidas, nos confrontámos e fomos surpreendidos por acontecimentos que se nos perspectivaram estarem a tanger e ameaçar entrar na fronteira do incrível, deixando-nos a meditar com alguma perplexidade, porque à luz duma interpretação racional tivemos dificuldade em os ajuizar numa explicação lógica que nos tranquilizasse o ego, ou que serenasse a crença de outros, para os quais essas circunstâncias poderão ter a grandeza de mistério!

Eu ao longo da minha existência tenho sido bafejado por muitos e variados casos, a raiar o limite do fenomenal, algumas vezes como espectador, outras como sujeito interveniente. O meu carácter é de compleição reservada, pois não sou pessoa de manifestar exaltação exacerbada e irreflectida, perante os acontecimentos extraordinários que tenho testemunhado e vivido, durante o percurso da minha vida. Direi que é raro expandir-me em manifestações efusivas ou admiração de entusiasmo desmedido, de forma a empolgar exageradamente os acontecimentos menos explicáveis, mas com potencial espectável que ocorram e nos quais eu possa estar envolvido, pois aceito pacificamente a “lei da probabilidade” que diz:

- Tudo aquilo que é susceptível de acontecer mais cedo ou mais tarde acontece!

Posto isto, perante os casos que se me afiguram como enigmáticos, mas com o mínimo de virtualidade provável para que sucedam, mantenho uma postura de euforia contida dominada pelo racional, visto reconhecer que há por vezes coincidências resultantes de acontecimentos concomitantes que conduzem a estes “fenómenos” menos vulgares que ocorrem, e eu admito-os como casos passíveis de acontecer!

Redigi este intróito com a finalidade de enquadrar a narração de alguns episódios que vivi na Guerra da Guiné, durante o período que lá permaneci e que a seguir vou tentar descrever. São meia dúzia de casos que teimam em permanecer mais lúcidos e vivos no meu consciente e que vou partilhar convosco, dividindo o envio em partes.

Foto 2 - Corceiro, sentado de frente lado esquerdo. Refeitório do Hospital de Bissau, Não recordo os nomes dos outros camaradas.


1.º CASO - O dia nove de Dezembro de 2010, foi editado o P7409 cujo título é: - A Granada de Morteiro que Veio Jantar. O Autor é o nosso estimado camarada, Alberto Branquinho.

Nesse poste eu deixei o seguinte comentário:

- “Não tenho a certeza que seja o mesmo caso, que o Torcato refere sobre o acidente da granada de morteiro que se alojou na coxa dum ser humano sem explodir!

Eu, durante um internamento que tive no Hospital de Bissau, foi-me permitido, por pessoa conhecida, atendendo ao inédito acontecimento, tirar umas fotos que guardo da coxa dum adulto, com os ferimentos provocados por uma granada que não deflagrou. Segundo me disseram na altura, a pessoa em questão estava na sua tabanca deitada, quando foi surpreendida com a granada que se alojou na coxa.”


Foto 3 - Tirada por mim no Hospital de Bissau. Os ferimentos da foto foram causados por uma granada que não explodiu.
(Clicar para ampliar a imagem)

Porque creio que haverá desfasamento temporal entre o acontecimento que o Torcato referiu no comentário ao P7409 e isto que eu vi e que fotografei a parte da pessoa, com ferimentos provocados por uma granada disparada que ao cair atingiu a coxa dum ser humano e não rebentou, como na altura me foi dito, afigurasse-me provável que não sejam o mesmo caso, pois entendo não haver similaridade entre os dois.

Julgo que os traumatismos visíveis na foto são de etimologia perfurocontundentes, ou seja, que poderão ser as contusões provocadas pelo impacto da granada, que ao atingir a coxa rasgou os tecidos musculares e destruiu algumas partes ósseas. As lesões parecem-me ser muito extensas para a contundência causada pelo objecto em análise, ainda que a profundidade seja a espectável que provocaria o projéctil. Pois temos que levar em linha de conta, que a contusão dependerá sempre de N factores, como seja a direcção da força que provocou os danos, outros obstáculos já ultrapassados pelo engenho, a aceleração ou desaceleração da velocidade do objecto e a posição do corpo atingido, ou seja o alvo!

Disseram-me na altura e a foto confirma-o, que não tinha sido afectado nenhum órgão vital, mas é bem visível que ficou muito lesada a complexidade dos ligamentos iliofemorais, assim como o conjunto dos diversos músculos existentes na zona do ferimento, que são muitos, tais como os glúteos, os gémeos, os adutores, o periforme, o obturador etc. Ficaram dilacerados vasos e nervos da região afectada. Foram destruídos o colo e a cabeça do fémur, assim como a cápsula coxofemoral, até a crista ilíaca foi atingida.

Mas, que foi uma coincidência de azar e sorte, lá isso foi; atendendo a similitude dos efeitos provocados por esta causa, em relações a outras que aconteceram com perigosidade idêntica noutras ocasiões.

O ter-se ficado com vida por a granada não ter rebentado, foi um factor de sorte; o estar a descansar em casa e ser atingido pelo projéctil, que causou ferimentos que provavelmente desencadearão um processo que levará à amputação da perna, isto foi um factor de azar!

Não soube como evoluiu clinicamente o caso.

Junto envio foto que na época eu tirei, no Hospital de Bissau.

Foto 4 - Granada que caiu sem explodir, dentro do Aquartelamento de Canjadude, durante uma flagelação desencadeada pelo inimigo.

Foto 5 - Míssil disparado pelo inimigo que não explodiu ao cair. Espetou-se junto ao bloco do edifício, caserna, secretaria, refeitório, armazém e cozinha, de Canjadude. Se tivesse rebentado, estas estruturas iam todas pelos ares. São visíveis estragos na cobertura da cozinha, devido a outro rebentamento!

Foto 6 - Baioa, em Canjadude, junto do míssil que não explodiu ao cair.

Um abraço
José Corceiro
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(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7471: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (9): Como vejo o Natal (José Corceiro)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7471: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (9): Como vejo o Natal (José Corceiro)

O MURAL DO PAI NATAL DA TABANCA GRANDE 2010 (9)

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 18 de Dezembro de 2010:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Natal feliz para todos.
Atendendo à quadra Natalícia, envio este escrito que publicarão se acharem que vale a pena.
Um abraço e Boas Festas


Foi no dia de Natal de 2009, que me foi concedido o passaporte para ingressar na Tabanca Grande. Já passou um ano e tenho a sensação que foi ontem!
Esta noção desfasada da mensuração do tempo, será consequência da força da saudade do ontem? Estarei a ser espicaçado pelo desejo de voltar ao passado da minha meninice? Ou está-me a invadir o sentimento de regresso às origens? Não será este um sinal de que a velhice me começa a rondar?! Pois já tenho dois netos para contar histórias!

Ao fazer uma retrospectiva da apreciação da minha presença, durante este ano, no Blogue, quero exteriorizar o meu apreço por todos os tertulianos, porque duma maneira ou outra, têm-me enriquecido o conhecimento, através da leitura que faço dos vossos artigos, que tenho lido com muito interesse, assim como desejo confessar a minha gratidão por lerem os meus. Permitam-me que divulgue o meu testemunho, do quão benéfico e salutar têm sido os momentos de empenho, que dediquei ao Blogue, pois raro é o dia que passo sem visitá-lo, e alguns dias mais que uma vez. Não posso deixar de manifestar a minha estima por todos os tertulianos, embora só conheça pessoalmente cinco, mas para todos a minha incondicional admiração; pois aceito as qualidades e respeito as opiniões diversificadas de cada um!

Uma vista de parte da minha aldeia, Vale de Espinho.

Estamos na quadra Natalícia, festa de eleição nobre da família! Para mim, o Natal são momentos mágicos, de recordações vividas na minha aldeia durante a minha infância, onde com simplicidade e sem ostentação, na noite de consoada predominava o afecto e a união, em que a família se reunia à volta da lareira a crepitar, pois era frequente que no exterior estivesse a nevar! Nesta noite, na mesa de consoada, não podia faltar o bacalhau cozido com batatas e couves, regado com azeite novo já extraído do lagar, que tinham um sabor muito especial, assim como era obrigatório enfeitar a mesa com filhoses, rabanadas e o arroz-doce decorado com canela. Era hábito, após consoar, as famílias irem assistir à celebração da missa do galo, e ao sair da igreja todo o povo se dirigia ao adro, para degelar as mãos, na fogueira do madeiro que ardia, obra da juventude que organizava e acendia a fogueira do Natal, para louvar e aquecer o Menino Jesus.

Corceiro, há mais de 40 anos na sua terra, Vale de Espinho, no dia de Natal, em que fomos prendados com um forte nevão.

Natal, é sinónimo de amor, em que devemos compartilhar com os irmãos um pouco de ternura, doçura, compaixão e compreensão, para com aqueles que por diversas contingências da vida, vivem num desabitado gélido, triste e sombrio, que já não sabem dar, nem pedir, e vivem num silêncio que os remete à saudade deles próprios e precisam da nossa solidariedade.

Natal, é dar prendas, que as crianças ansiosamente esperam que lhe sejam colocadas no sapatinho, e o nosso gesto é gratificado pelos olhitos das crianças, que mais parecem duas luzentes estrelas.

Natal, é presépio atapetado com os sedosos musgos verdes, serpenteado com os trilhos por onde caminham as figurinhas típicas de barro, a levar os presentes ao Menino.

Natal, são cânticos de louvor alusivos à festa, entoados na missa com muito fervor.

Alegrem-se o céu e a terra/ Cantemos com alegria/ Já nasceu o Deus Menino/ Filho da Virgem Maria… - Oh! Meu, Menino Jesus/ Oh! Meu, menino tão belo/ Logo vieste nascer/ Na noite do caramelo!

Natal, é beijar o Deus Menino no fim da missa, que se reveste dum simbolismo ímpar, não será Natal, sem a acção de beijar o Menino.

Natal, é confraternizar com os amigos, aos quais se deseja felicidade, e na companhia dos quais se bebe um mata bicho.

Natal, é tristeza, lembrando aqueles que já não se sentam connosco à mesa.

Natal, é saudade da nossa meninice, e dos tempos passados.

Natal, foi também sofrimento e melancolia em Canjadude, na Guiné, onde passei o de 69 e o de 70, com os meus camaradas da CCAÇ 5.

Natal de 1970 em Canjadude, Guiné, no refeitório. Lado direito com máquina a tiracolo Corceiro, Viriato, sentado José Carlos Freitas, atrás deste Pinto, com cinturão Faria atirador, atrás deste Pimenta, de óculos Faria de transmissões, Santos, Coias e Almeida.

Natal de 1970 em Canjadude. Cenário que me serviu para fazer o cartão de boas festas de Natal. Neste caso o do Viriato.

Natal, é alegria, ao desejar a todos os membros da Tabanca Grande que sejam bafejados com bênçãos de Momentos de Serenidade, Paz, Compreensão, Tranquilidade, Fraternidade e União. Haja Amor. A Vida sem Amor não tem qualquer sentido! A vida é tão curta e a empreitada de vivê-la é tão difícil, e quando começamos a aprender a vivê-la, já é hora de partir e deixá-la. Vamos caminhar e viver calmamente, porque tudo passa, e se transforma. Haja Espírito de Natal, durante todo o Ano que se apróxima!

Feliz Natal e um Abraço para todos
José Manuel Silva Corceiro
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7467: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (8): Noite de Natal de 1969 em Bissau (Carlos Pinheiro)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7358: José Corceiro na CCAÇ 5 (19): Pára-quedistas contra Gatos Pretos

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 27 de Novembro de 2010:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Estive uma semana ausente, mas já regressei.
Aqui me encontro, com as baterias recarregadas, a enviar mais uma descrição dum episódio que vivi em Canjadude, e que redigi, recorrendo ao que escrevi na época em que se deu o acontecimento.
Publicarão, se entenderem que é adequado.

Um abraço
José Manuel Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (19)

Foto 1 - Operação realizada o dia 26 e 27 de Abril, de 1971, ao Burmeleu, sudeste do Cheche. Na foto, onde ao amanhecer do dia 27, são visíveis os carregadores em, progressão, com os garrafões de água à cabeça.

CONFRONTO ENTRE TROPAS PÁRA-QUEDISTAS, CCP 123 E GATOS PRETOS, CCAÇ 5

Este meu artigo é também uma singela e sentida homenagem à lembrança dos três jovens heróis, que pereceram em Ganguiró, naquela fatídica manhã do dia 15 de Abril de 1971, quando a guerra lhe roubou todos os sonhos, na flor da idade…

MAMADU DJALÓ
AVELINO JOAQUIM GOMES TAVARES
CARLOS ALBERTO FERREIRA MARTINS

O mês de Abril de 1971 foi particularmente dificílimo para a CCAÇ 5 e para a população civil de Canjadude, tendo contribuído para essas contrariedades múltiplas complicações.

As inundações de água irmanadas com o capim, que há cerca de quatro meses eram um dos obstáculos que nos dificultavam o progredir nas bolanhas alagadas, durante as saídas para o mato, é agora a escassez dessa água, um óbice aliado concomitantemente com o calor tórrido, que ameaça abrasar tudo o que nos rodeia, que nos causam embaraço e são um quebra-cabeças quando fazemos operações para o mato, ao faltar-nos a água para matar a sede.

A carência de água é tão veemente sentida, que a continuar assim esta penúria de seca, aliada ao calor que ameaça torrar tudo, porque a chuva tarda em vir, vamos ser obrigados a ter que recorrer para nos abastecer de água, ao rio Corubal onde a poderemos captar (miragem de oásis no deserto - o Corubal dista de Canjadude mais de 18 quilómetros) para suprir as necessidades mais básicas. Quer a tropa quer a população civil estão a sofrer seriamente as consequências da insuficiência de água, que têm gerado conflitos entre os militares nativos e a população civil.

Foto 2 - Canjadude > Tínhamos logo uma bolanha alagada, na época das chuvas a 200 metros do arame farpado, lado nascente. Estão na água, o Ferra, o Monteiro, o Marques, o Montóia e o Viana.

Foto 3 - Vista do arame farpado, lado nascente, a bolanha que na época das chuvas está alagada, está agora seca.

Na Tabanca de Canjadude a população civil é de etnia Mandinga e o grosso dos militares são de etnia Fula, que por princípios culturais tradicionais rivalizam uma com a outra, com ódio de morte, ao ponto da população civil Mandinga ter vedado aos familiares dos militares o acesso à água dos dois ou três poços da tabanca. Os Mandingas argumentam, que toda a zona circundante, por aqui, é propriedade deles, por direito próprio, replicando que a sua conduta ao tamponarem os poços foi por necessidade, devido à exiguidade de água, e não uma atitude de vingança. No seu entender estão a comportar-se com civismo e gentileza para com os vizinhos, que têm que suportar, porque segundo dizem lhes foram impostos contra a sua vontade.

Enfatizam, dizendo, que já é um grande ultraje tolerar os vizinhos no seu meio, forçados que foram a cederem temporária e graciosamente, o espaço para as construções das tabancas, onde os fulas com as suas famílias habitam, disseminados entre as dos mandingas.

Foto 4 - Corceiro, com corda e balde, a tirar água do único poço que havia no Aquartelamento de Canjadude, que ficava localizado atrás do antigo abrigo de Transmissões. O poço tinha de profundidade entre 7 e 8 metros. Atrás está o Cripto Costa.

Foto 5 - Furriéis a construir o seu bar, visto o bar antigo ter sido destruído pelo incêndio. Rito, Perestrelo, Cabrita, Silva, Gonçalves e Laminhas. Não recordo o nome do africano.

Os reordenamentos em Canjadude, já desde o mês passado que foram totalmente suspensos, visto a população civil se ter desmotivado por completo e não quer colaborar na continuidade do projecto. O stock de alimentos na população da Tabanca, e porque aqui a agricultura é praticamente inexistente, já há muito tempo que se esgotou. Eu não sei como estas pobres alminhas conseguem sobreviver, sobretudo as crianças, com uma alimentação tão descompensada e míngua, porque os mais velhos lá se vão aguentando com a saliva do mastigar a castanha de cola?!

Foto 6 - Uma mãe de Canjadude, com alguns dos seus filhos.

Foto 7 - Uma família de Canjadude com a sua prole.

Foto 8 - Atrelado depósito para transportar água. Está junto da cozinha. Furriel Ramos, que foi o graduado que comandou o primeiro grupo que saiu de Canjadude, em direcção a Ganguiró, no dia 15. Infelizmente já não está entre nós.

Ultimamente na zona, a actividade do IN tem-se manifestado intensamente de diversas e variadas maneiras:

Dia 3 de Abril, Nova Lamego foi flagelado.
Dia 9, o IN levou a cabo uma grande flagelação a Cabuca.
No dia 4, dois pelotões da CCAÇ 5, quando eram transportados em viaturas para uma acção de patrulhamento a Liporo, na zona de Uelingará, picada Canjadude/Nova Lamego, durante a picagem detectaram-se duas minas anticarro, que foram levantadas com êxito.
Também as forças de Cabuca, numa coluna que realizaram a Nova Lamego, durante a picagem tiveram a sorte de detectar duas minas, que levantaram.
A actividade inimiga aqui na zona, não tem sido só proactiva contra as nossas tropas, pois têm havido incursões contra a população civil e também sobre alguns caçadores. Aconteceram assaltos e pilhagens nas Tabancas de Cansambael e Sincha Dembo, onde as populações foram molestadas e desprovidas de alguns dos seus haveres.

Foto 9 - No Aquartelamento de Canjadude, distribuição de alguns alimentos às crianças da tabanca.

A operacionalidade da CCAÇ 5 tem sido intensíssima, pois temos palmilhado tudo desde Ganguiró ao Burmeleu, passando pelo Cheche. Há excepção que merece realce durante estas correrias, houve indícios detectados por nós, cujos sinais e trilhos denunciaram ter havido organização e tentativa, não concretizada, para emboscar as nossas tropas, em Uelingará, só não terá acontecido e tido desenlace a emboscada, por desfasamento temporal entre a permanência do IN no local e a passagem das nossas tropas. Para além destas marcas, felizmente têm sido ténues os vestígios detectados da passagem do IN pela nossa área!

Como é que uma prática, que se afigurava tão rotineira e banal, envolvendo forças, dum grupo de elite, altamente especializados e treinados, e no outro, militares tão cheios de experiência de guerra e com tanta animosidade combativa, degenerou em tragédia!?...

No dia 13 de Abril de 1971, recebemos instruções no posto de rádio de Canjadude, que ia ter início uma grande operação de assalto a um provável refúgio IN, envolvendo um conjunto de forças diversas, mas que o envolvimento dos Gatos Pretos, em princípio, iria ter um certo grau de passividade, com relativa actividade, embora o desenrolar operacional progredisse no subsector da CCAÇ 5. O posto de rádio de Canjadude, devido à sua posição, era o interlocutor privilegiado e responsável pela rede de comunicações durante o desenrolar da acção militar em curso, utilizando como veículo de transmissão o E/R Racal. Foram-nos dados esclarecimentos sobre as frequências a utilizar, distribuídas as matrizes com as chaves de validação e autenticação para as identificações das forças implicadas, dados alguns códigos temporários do Codoperex, para conhecimento e localização de locais. Tudo indicando que seria mais uma operação como tantas outras já havidas…

Foto 10 - Corceiro no Aquartelamento de Canjadude.

Eu desconhecia por completo o grau de risco e perigosidade que a operação em curso envolvia, assim como não tinha outras noções, mas outras pessoas mais bem colocadas em locais de comando teriam outro entendimento! No entanto, deu para eu deduzir que provavelmente a manobra estaria relacionada com as últimas investidas e vestígios deixados pelo IN na zona, visto que o rumo que este tomava, depois de executar as acções, era sempre na mesma direcção, Siai, possivelmente onde se fazia a cambança, no rio Corubal, para a margem de Madina de Boé.

Dia 14 de Abril, é elaborada uma escala no posto de rádio, para dedicar um operador unicamente ao E/R Racal, permanentemente em escuta, fazendo só chamadas nas horas que estavam definidas nos procedimentos da operação. Durante todo o dia, nunca a força do mato comunicou uma vez que fosse com Canjadude, ou respondeu a qualquer chamada de rádio por este efectuada, chegando-se ao ponto de pensar, (nós, os operadores de rádio) que não tivesse havido operação. Em outras ocasiões tivemos casos idênticos, mas houve sempre comunicação via rádio, excepto uma vez em que o rádio foi para o mato sem acumuladores. Será que neste caso houve avaria no equipamento, ou as forças envolvidas estavam receosas de denunciar a localização onde se encontravam ao IN, ao utilizar o rádio, ou outra razão que a eles aprouvesse!?...

Dia 15, conforme o estipulado na estratégia da operação, saiu de Canjadude, próximo das 08,00h, um pelotão com viaturas e picadores, para ir ao encontro das forças operacionais, a fim de serem recolhidas, como previamente estava definido no plano do recontro, em Ganguiró (localidade onde em tempos existiu uma tabanca).

Embora nunca tenha havido contacto via rádio, com a CCP 123, (Pára-quedistas) estava tudo a correr conforme o plano da operação. Os militares, da CCAÇ 5, iam a escoltar as viaturas, com flancos laterais, e com os picadores a detectar minas à frente, picando o trilho. A cerca de três centenas de metros de Ganguiró, lugar do previsível e estipulado encontro, tudo OK.

Foto 11 - Bolanha de Canjadude, lado Nascente, está tudo seco, mas durante a época das chuvas está tudo inundado de água. É visível um baga-baga, assim como esta árvore grande, na bolanha, que é a mesma que aparece na 3.ª foto, está enquadrada a partir da bolanha.

Mas eis quando, um militar africano da CCAÇ 5, a 300 metros do local de encontro, vê um objecto branco no trilho, por entre os arbustos a movimentar-se. Este, sem ter identificado o objecto, tentou encobrir-se e proteger-se atrás dum “baga-baga”, posteriormente apurou-se que o objecto branco era um lenço que o militar “Pára” tinha ao pescoço. O militar “Pára” ao aperceber-se da movimentação de alguém africano, que se estava a tentar ocultar e resguardar-se pelo “baga-baga”, abriu fogo. Não ligou à cor da farda, porque o IN por vezes tinha farda igual, mas sabia que eram tropas nativas que iam ao seu encontro deles, e provavelmente devia ouvir o barulho das viaturas…

Perante o inabitual e inesperado incidente, desencadearam-se disparos de munições de parte a parte, muitos dos quais talvez por simpatia e contágio, de forma que o fogo se generalizou aos dois lados das forças em presença. Durante uns minutos Gatos Pretos a lutar contra a CCP 123, até se darem conta que o som dos rebentamentos das armas que disparavam eram das nossas tropas, eram forças amigas que se estavam a digladiar… e parou-se o confronto…

Em Canjadude foi audível o “fogachal”, ainda não havia informação através de rádio do sucedido, e de imediato se disponibilizaram militares para ir em auxílio dos seus irmãos, que deviam estar em apuros. Efectivamente acabou por sair mais um pelotão da CCAÇ 5 ao encontro das forças que estavam no mato, mas quando saíram já se sabia o que tinha acontecido (Ganguiró dista de Canjadude cerca 7 ou 8 quilómetros na direcção de Cabuca, Nascente).

Do anómalo e imprevisto incidente, resultaram alguns feridos, um dos quais com muitíssima gravidade, que foi o Mamadu Djaló. Informou-se via rádio Canjadude, para pedir urgentemente heli para as evacuações. Entretanto, escolheu-se local apropriado, uma clareira, para efectuar as evacuações. Procedeu-se à organização das respectivas forças para garantirem segurança à aterragem do meio aéreo. Estava tudo a postos e na expectativa que o heli chegasse a todo o momento…

Eis senão quando, sem que ninguém o previsse, se desencadeia inusitado e bem coordenado bombardeamento, com violência feroz, utilizando todo o tipo de armas, desde a desconcertante kalashnikov, até ao armamento mais pesado, passando pelo morteiro 82 ao canhão sem recuo!... Estávamos cercados e emboscados, debaixo da mira do fortíssimo fogo do inimigo, o qual organizou, preparou e desencadeou a emboscada, a seu contento dispondo-se no terreno em L aberto. Grosso modo, as posições das forças em confronto no terreno, eram as seguintes: Do lado Nascente e ligeiramente a sul, estava emboscado o IN, a bombardear incessantemente, ao centro, as forças dos “Páras” e a Poente, as forças da CCAÇ 5. Instalou-se a confusão, e para a agravar ainda mais o caos, o IN vestia farda igual à nossa… A CCAÇ 5, africana, ávida que estava para fazer fogo, não podia fazê-lo e estava a ser massacrada com fogo inimigo, sem poder ripostar, porque na sua trajectória de fogo contra o inimigo, estavam os “Páras”…

O fogo ininterrupto, prolongou-se por mais de meia hora…

A força da CCAÇ 5, solucionou a sua posição critica e de desconforto, rodando estrategicamente para Sul, por um lado, para não ter na sua mira de fogo as tropas dos “Páras” e poder disparar à vontade contra o IN, por outro, para barrar a fuga ao inimigo, naquela que parecia ser a sua saída natural, e neste caso teve êxito, que rechaçou o inimigo que teve que retirar e fugir em debandada, pela escapatória que menos esperava…

Deste combate tombaram no terreno, dois jovens heróis “Páras”, que foram amortalhados em Canjadude, e um jovem herói, africano, da CCAÇ 5, que ainda foi evacuado do local para o Hospital de Bissau, onde veio a falecer… houve quase uma dezena de feridos, evacuações e dia de luto, em Canjadude…

Chegaram a vir meios aéreos…

Entretanto, já tinha chegado ao local o outro pelotão, vindo de Canjadude, que juntamente com um grupo da CCP 123 seguiram o trilho da fuga do IN, onde havia muito rasto de sangue, mas não sendo detectadas presenças humanas acabaram por abandonar a perseguição sem obter algo de positivo…

Tornou-se de difícil compreensão o aparecimento tão célere dum grupo inimigo, assaz numeroso, que demonstrou altas capacidades de organização de combate, que soube tirar proveito dum momento de fragilidade das nossas tropas, para entrarem em acção, que estava equipado com quantidade e qualidade de armamento, desde o mais leve ao mais pesado!

Como terá sido feita a mobilidade deste material, em tempo recorde?

O que se comentou na época foi o seguinte:

- Que o inimigo tinha já planeado para esse dia um possível ataque a Canjadude e estaria com o armamento em trânsito;

- Que o inimigo teria por ali perto um refugio, bem equipado, e ao aperceber-se do tiroteio entre as nossas tropas, terá vindo em auxílio, julgando que fosse alguma escaramuça com algum dos seus vigias;

- Ou que já soubessem, que o ponto de encontro e recolha das nossas tropas fosse naquele local, e se antecipassem a montar a emboscada para tirar partido e actuarem no momento de subir para as viaturas, que é sempre um momento crítico e de fragilidade, com alguma confusão que gera o amontoar do pessoal.

Também foi difícil de digerir a modesta eficácia da nossa actuação, em função das forças em presença no terreno, visto serem especializadas e bem equipadas, assim como durante a perseguição ao IN, não o ter conseguido alcançar, nem ter havido êxito algum visível, nem captura de material!

Foram louvados alguns combatentes africanos, (nos “Páras” desconheço) que neste combate se evidenciaram pela sua bravura, progredindo no terreno debaixo de fogo, sempre a deslocarem-se em pé, desprezando as protecções e o amor à vida…
Creio até que o “bazookeiro” foi louvado pelo Comandante-Chefe, porque debaixo de intensíssimo fogo se lhe avariou a arma. Teve a calma, o sangue frio e notável serenidade, desprezando procurar abrigo para se proteger, para reparar a anomalia na bazooka, que acabou por consertar, e progrediu com os seus disparos certeiros e eficazes…

Um abraço para todos e boa saúde
José Manuel Corceiro
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Nota de CV:

8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7240: José Corceiro na CCAÇ 5 (18): Insubordinação na CCAÇ 5, dia 8 de Novembro de 1969