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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12474: Tabanca Grande (415): Júlio Martins Pereira, ex-sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67): condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, pela sua ação em 6/10/1966, na sequência de mina A/C na estrada Missirá-Enxalé


Crachá da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67). Divisa: "Bravos, Avante!"



Cruz de guerra de 4ª classe, com que foi condecorado o nosso camarada Júlio Martins Pereira (vd., lista do portal UTW - Utramar Terraweb > Condecorações atribuídas por feitos em campanha, Guiné 1963/743. Segundo esta preciosa fonte de informação, mais de mil e cem combatentes dos 3 ramos das forças armadas portuguesas receberam condecorações por feitos em campanha, no TO da Guiné: cruz de guerra, valor militar ou torre e espada).





Averbamentos na caderneta militar do Júlio Martins Pereira, pp. 20/21


Fotos: © Júlio Martins Pereira (2013). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da apresentação do novo membro da Tabanca Grande, nº 635, Júlio Martins Pereira, sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) (*)


 As minhas lembranças na Guiné.1965/1967...Agora são recordações, mas naquelas datas foram sofrimentos e muitas saudades de quem cá deixei e muitas coisas mais que por aí se passaram.
Ver, por exemplo,  colegas meus morrerem, como vós camaradas deveis saber.

Sim,  é verdade que fui condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, no dia 10 de junho de 1968, na Avenida dos Aliados, no Porto. É também verdade que fui várias vezes convidado pelo governo português para estar presente nas cerimónias comemorativas do Dia de Portugal.

Poderão ainda confirmar aquilo que vou descrever que é verdade e porque está escrito na minha caderneta militar, não pedi nada a ninguém, podem consultar os arquivos. O que fiz está feito, deram-me ordem de prisão por eu ter dito que tomasse o café e que lhe soubesse  merda, aqui no Enxalé. Deram-me ordem de prisão porque eu lhes disse que não havia direito eles já terem comido e nós estarmos à espera.

Aqui, em Missirá, mas eu nunca estive na prisão nem da primeira vez nem da segunda, todo o pelotão estava formado, em sentido e de marmita na mão, quando eles já tinham comido, debaixo da tabanca na nossa frente. Foi preciso eu tomar a atitude de mandar destroçar, batendo com o pé no chão, três vezes. Mas só aí alguém lhes perguntou quem foi que tinha mandado destroçar... Foi quando me vieram pedir os meus dados e nos mandaram formar novamente. Foram então novamente prá sombra da tabanca e só depois mandaram o cozinheiro servir-nos a dita refeição...

Não, eu não pedi para ser condecorado, eu não era filho de gente dita rica, chique, eu lutei por mim e pelos meus camaradas, porque quando eu dei a primeira resposta do café, foi porque eu tinha estado de serviço durante a noite, ao posto de rádio, que ficava nas traseiras do quarto do alf Luís Zagallo. Essa frase foi para o camarada que me veio substituir, de manhã, o Clidónio, este vive em Campo, Valongo, [é hoje meu vizinho].

Lutei por aquilo em que eu acredito, mas que muita coisa foi uma má imagem para Portugal, isso foi. Tantas coisas se fizeram e algumas pessoas ainda foram contempladas, mas, enfim, a vida é assim mesmo, e dos mortos já não devemos falar. Mas eu passei muitas noites no Enaxalé, de serviço ao posto de rádio e também a servir de..., dum que se dizia senhor e, que quando lhe dava na cabeça, já depois de bem bebido, depois de fazer aqueles ditos coquetéis com todo o género de bebidas e mais algumas, incluindo a famosa pasta 444 que era de pôr na cara, a altas horas da noite, mandava chamar o motorista e eu era incumbido de comunicar com Porto Gole,  informando que um certo senhor ia lá tomar um uísque... 

Àquela hora da noite, o jipe lá arrancava, povoação adiante,  saía fora da porta d'armas do Enxalé e, mais adiante, o piso era bastante bom, já dava para fazer algumas travessuras.

Júlio Martins Pereira

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12456: Tabanca Grande (415): Júlio Martins Pereiratabanqueiro nº 635

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12456: Tabanca Grande (415): Júlio Martins Pereira, sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67), grã-tabanqueiro nº 635



Vídeo (1' 28''). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras >  15 de outubro de 2013 >  Tarde de convívio dos parentes das famílias Crisóstomo e Crispim e dos amigos e camaradas do João Crisóstomo, recém casado com a eslovena Vilma Kracun. O casal vive em Nova Iorque e está de passagem na terra natal do João, em viagem até à Eslovénia onde vão passar as festas de Natal e Ano Novo. 

Intervenção do Júlio Martins Pereira, natural de Paredes, e ex-soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), uma companhia madeirense em que o João Crisóstomo foi alferes miliciano, tal como o falecido ator Luís Zagallo. Nesta alocução, o Júlio refere as duas minas A/C em que, no dia 6 de outubro de 1966, na estrada Enxalé-Missirá, cairam dois grupos de combate da CCAÇ 1439, um que vinha de Missirá, comandado pel alf mil Zagallo, e outro que vinha em seu socorro, do Enxalé, comandado pelo alf mil Crisóstomo.

A este convívio, de que se dará mais logo o devido relato, comparaceram alguns camaradas de armas do João Crisóstomo, e amigos do blogue: para além do Júlio Martins Pereira, o Eduardo Jorge Ferreira (que é natural de Vimeiro, mas mora em A-dos-Cunhados), o Joaquim Pinto Carvalho, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e eu próprio mais as nossas companheiras... (LG)

Vídeo: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Conheci ontem, à tarde, o Júlio Martins Pereira, que vive em Campo, Valongo, e é natural de Paredes.

 Veio, com a esposa,  propositadamente do norte, fazendo 600 quilómetros (ida e volta)  para dar um abraço ao seu antigo camarada de armas, o João Crisóstomo. Soube da notícia através do nosso blogue, que ele acompanha. Achei um gesto muito bonito. Reparem: são quase 50 anos depois!... E depois da Guiné nunca mais se tinham encontrado!... Espantosamente nasceram nasceram no mesmo dia, mês e ano, 22 de junho de 1944.

O Júlio Martins Pereira tem um pequeno blogue, com dois postes, singelamente intitulado  A Minha Vida. Desse blogue autorizou-me a transcrever o texto a seguir que vai servir de apresentação do novo membro, da Tabanca Grande, nº 635. Bem hajas, Júlio! (*) (LG)




Guiné > Zona leste > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > O sold trms Júlio Martins Pereiram, natural de Paredes.


Foto: © Mário Gaspar (2012). Todos os direitos reservados.




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: localidades da margem direita do Rio Geba por onde andou a CCAÇ 1439, e aqui assinaladas a zul: Porto Gole (destacamento), Enxalé (sede), Missirá (destacamento)... Mas também por onde passou, na margem esquerda (aquartelamentos  assinalados a verde:  Xime e Bambadinca). Finete, em frente a Bambadinca, na margem direita do rio Geba, era um destacamento de milícias, no regulado do Cuor. A 1ª mina aqui referida, no texto a seguir, é accionada no percurso Missirá-Enxalé; a segunda é no troço inverso,  Enxalé-Missirá, no sítio do Mato Cão. (As duas versões, a do Júlio Martins Pereira, sold trmns da CCAÇ 1439, e a do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52,  não exatamente coincidentes) (**).

À época a que se referem os acontecimentos (6 de outubro de 1966), estava em Bambadinca a CCAÇ 1551 / BCAC 1888 (em Bambadinca, entre maio e novembro de 1966, indo depois para Fá Mandinga). Em novembro de 1966, a CCS/BCAÇ 1888 (que estava em Fá Mandinga desde maio de 1966) vem para Bambadinca  até  janeiro de 1968. O BCAÇ 1888 é substituído pelo BART 1904, em fevereiro de 1968, e este por sua vez pelo BCAÇ 2852, em outubro de 1968...

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).

2. Apresentação do novo membro da Tabanca Grande, nº 635:

Eu, Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões nº 26523/65, fui de Lisboa para a Madeira a bordo do paquete Funchal  para o BII 19. Mas, como a companhia, a CCAÇ 1439,  já tinha partido para a Guiné,  eu e mais uns quatro soldados tivemos de aguardar por novo barco que nos levasse para Bissau para aí nos juntarmos ao resto do pessoal que,  naquela ocasião, em setembro de 1965,  já se encontrava em Bambadinca.

Uma vez aí chegados na LDM, depois de permanecermos uma noite, em pleno Rio Geba,  a meio do mesmo, entre os aquartelamentos do Enxalé de um lado e do outro o do Xime, ali consegui ver a força do famoso macaréu, aquela grande onda de água que de manhã nos acordou e que colocou novamente o barco a flutuar, e para assim podermos chegar ao nosso destino.

Aqui chegados ao batalhão, em Bambadinca,  e depois de realizadas algumas operações prós lados do Xime,  a mim foi-me atribuída a função de sempre acompanhar o comandante na árdua tarefa de transmitir e receber informações para o bom desenrolar das operações em curso, quer de terra quer do ar. 

De Bambadinca fomos para o Enxalé e daqui uns foram para Missirá e outros para Porto Gole. Eu fui para Missirá, no pelotão comandado pelo já falecido alferes [Luís] Zagallo. Na ocasião a morada no continente do alf Zagallo era na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa. 

No dia 6 de outubro de 1966, por volta das 7 horas da manhã,  íamos nós de Missirá a caminho do Enxalé em coluna com um jipe e um unimogue, íamos buscar alimentos e outros produtos pró pessoal. Depois de passar o cruzamento que dava para Finete, aproximadamente, 800 metros à frente havia uma poça d’água. O jipe que ia na frente desviou-se, nesse jipe ia o motorista, o alf Zagallo, o enfermeiro e mais dois soldados. A  seguir ia o unimogue que não se desviou da poça d’água e ai rebentou a mina. Na frente,  no unimogue,  ia o furriel  Mano, de pé,  do lado esquerdo do condutor e ao lado deste mais 2 ou 3 soldados, na parte de trás. Nos bancos laterais onde eu ia, iam os bancos completos.

Rebentada a mina, eis que alguns de nós tal como eu, encontrámo-nos dentro daquela cratera,  cheia de lodo e gasóleo.  Nós,  sem armas, os mais conscientes ainda conseguímos  gatinhar para encontrar armas para nos defendermos de qualquer eventualidade, no meio de toda aquela gritaria, todos aqueles berros,  os choros, todos aqueles, mortos e feridos... Apesar de tudo só ouvimos lá longe uma rajada de costureirinha, a querer dizer-nos algo sobre o que nos tinha acontecido...

Como não houve mais nenhuma reação, demos início à procura e recolha dos nossos mortos e feridos. Estes encontravam-se espalhados, quer no capaim encharcado de cacimbo (orvalho noturno),  quer nos destroços do unimogue que ficou virado em sentido contrário e retirado da cratera.

Ainda hoje me lembro de ter retirado um camarada nosso,  pegá-lo por baixo dos braços e encostá-lo ao taipal para que outros o pusessem no chão. Era preciso retirá-los daquele sofrimento e acalmá-los e procurar todos os outros. Entretanto o jipe onde ia o alf Zagallo  volta para trá. Passado aquele tempo de possível reação [do IN ], entretanto, eu já tinha ido procurar os meus/nossos companheiros, quando fui ter com o alf  Zagalo, e lhe disse onde estavam alguns dos nossos mortos e feridos, incluindo o furriel Mano,  todo esventrado, esfacelado,  só a carne dava sinais porque ainda estava quente. A partir daqui começamos a recolher os restos dos mortos, e a pô-los no fundo do jipe, por cima os feridos mais graves, a estes amarrámos ligaduras do enfermeiro para que não caíssem com o andamento do jipe, que  ia transformado num autêntico carro de horrores.

Iniciada a marcha de retorno, esta na direção de Finete, fui eu, então a pé, desde o local da mina até Finete. A correr, sozinho com a arma em bandoleira para pedir socorro, uma vez aí, no cimo daquela grande bolanha, frente a Bambadinca. O comandante das tropas aí aquarteladas, depois de me ouvir, mandou 4 soldados [africanos] acompanharem-me até Bambadinca, para pedir socorro, mas ao mesmo tempo começam a imitir mensagens para o interior da bolanha no sentido de avisarem, a muita população que ali estavam a trabalhar,  que tinha rebentado uma mina ali perto. E estes,  em debandada,  encaminham-se para o rio Geba para fugirem para Bambadinca a bordo. Claro,  das canoas,  aí tive de pedir que retirassem cincio elementos da população para que eu e os meus quatro  camaradas que me acompanhavam pudéssemos chegar ao batalhão que aí estava aquartelado [, em Bambadinca]. 

Dali fui pedir apoio a Bissau para virem os helicópteros, e também à minha companhia CCAÇ 1439. Prá companhia fui eu que fiz o ponto da situação. Ali, o comando do batalhão fornece-me um rádio para que eu pudesse comunicar com os helicópteros e as respetivas frequências para uma boa comunicação.

Entretanto quando eu e os 4 soldados pretos iniciámos a marcha de regresso a Finete em plena bolanha e já com o roncar dos helicópteros e eu a sintonizá-los no meu rádio, eis que ouço um forte rebentamento e logo peço aos pilotos dos hélios que se possível passassem pela zona de Mato Cão, pois que o rebentamento ouvido instantes atrás podia ter a ver com a  CCAÇ 1439 que vinha em nosso socorro. Infelizmente veio logo a seguir a confirmação dos pilotos dos hélios,  que era verdade, a CCAÇ 1439 tinha tido no dia 6 de outubro de 1966 duas minas,  as duas não muito longe uma da outra... Aí em Finete ainda consegui falar com os pilotos dos Hélios, aquando das evacuações da 1ª mina,  a quem pedi que comunicassem a Bissau a pedir evacuação rápida para o pessoal que estava em Mato Cão,  na 2ª mina.

A quantidade de soldados mortos e feridos não sei ao certo, só procurando nos arquivos do BII 19, no Funchal. Digo eu, ou então o capitão, comandante da companhia, ou o alf Freitas ou o alf Crisóstomo, ou o 1º  da secretaria ou o cripto, tantos, tantos outros que podem confirmar tudo isto.

Júlio Martins Pereira



Guiné >Zona Leste> Sector L1 > Bambadinca > Estrada Enxalé-Missirá > Sítio do Mato Cão > 6 de Outubro de 1966 > Cratera povocada por uma mina A/C cuja explosão provocou a morte do Soldado Manuel Pacheco Pereira Junior, da CCaç 1439. Era natural de São Miguel, Açores. Os restos mortais (cerca de 3kg) ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau. No regresso de Missirá, a mesma coluna accionou outra mina A/C que decepou a perna do fur mil op esp António dos Santos Mano, acabando por morrer por falta de assistência.(**)

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2008). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Set de 1966 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel Caç NaT 52]; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão [Pel Caç Nat 52]. Foto do Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia e legenda do Henrique Matos

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2010). Todos os direitos reservados.

3. Ficha de unidade:

CCAÇ 1439: Mobilizada pelo BII 19, partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967. Esteve em Xime, Bambadinca, Enxalé (com destacamentos em Porto Gole e Missirá) e Fá Mandinga. Comandante: cap mil  inf Amândio Manuel Pires.

(...) No dia 6 de Outubro de 1966 numa coluna [da CCAÇ 1439] que saiu do Enxalé para reabastecimento de Missirá (sorte minha, porque não foi a minha vez de a comandar) e no fatídico lugar de Mato Cão, o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, mais conhecido pelo Açoriano pois era o único natural dos Açores naquela companhia que era de madeirenses, foi literalmenet pulverizado por uma mina A/C.

Quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontrámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos. Tem a sua campa em Bambadinca, como se pode ver na relação do Marques Lopes
A G3 dele nunca mais se viu, pensando-se que terá voado para o Geba que passa a não muitos metros de distância. (...)

(...) Mas a tragédia não acaba aqui. A coluna foi descarregar a Missirá e regressou a abrir, isto é, o mais depressa que podia andar e sem picar. Então muito próximo do mesmo local outra mina A/C tirou a vida ao Fur Mil Ranger António dos Santos Mano, que vinha ao lado do condutor mas com uma perna para o lado de fora do assento. E foi isso que lhe causou a morte, pois a perna foi decepada e não houve forma de o salvar. Nessa noite foi preciso acalmar muita gente no Enxalé pois a companhia, [a CCAÇ 1439,] só tinha tido uma baixa até essa ocasião e já ia a caminho de 15 meses de comissão. (...)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6659: Camaradas na diáspora (2): Na morte do Luís Zagallo, (João Crisóstomo, Nova Iorque)

1. Mensagem do nosso camarada João Crisóstomo (*), nova-iorquino, que o Carlos Vinhal já divulgou em tempo útil pela Tabanca Grande:

Assunto: Na morte do Luís Zagallo

Meus caros Luís Graça, Beja Santos, Henrique Matos... camaradas da Guiné... e outros,  muitos, que por razões evidentes não dá para individualizar:

Não sei mesmo o que dizer,  meus caros. Não sou poeta nem escritor para poder de maneira condizente e mais apropriada falar sobre o Zagallo. Resta-me deixar falar o coração. Apenas para vos dizer que estou com vocês , relembrando, com alguns de vocês, momentos de vivência com o Zagallo na Madeira, Bambadinca, Enxalé, Missirá, Porto Gole... Momentos difíceis alguns, outros menos difíceis e muitas vezes até muito agradáveis. 


E com outros (que muitos de vocês eu nem conheço nem viria jamais a conhecer não foram o Beja Santos, Luís Graça, Henrique Matos que da vossa existência me deram a conhecer e tudo isto fazem possível), e com outros, dizia, partilhando da vossa saudade, da vossa amizade por este nosso irmão Zagallo que agora nos deixou.
O Luís Zagalo é daqueles indivíduos que, independentemente de concordarmos ou não com ele, ficam gravados no nossa memória pela intensidade e paixão com que encarava e vivia a vida. Partilhando ou não dos seus pontos de vista e seu viver, era impossível conhecer o Zagallo, estar junto dele e ficar indiferente. Um homem de acção, a sua energia era contagiante, facto de que eu fui muitas vezes afortunado recipiente e, como tive ocasião de constatar, sucedia com muitos outros também.
Se emoção, saudade e amizade são coisas que, deixada esta vida, não deixam de alguma maneira de existir ... de coração, com todos os que agora te lembram com saudade, aqui fica a minha muita saudade e amizade também.

A todos os que de alguma maneira venham a ter conhecimento desta mensagem de e-mail ... um grande abraço

João Crisóstomo
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74: P6013: Camaradas na diáspora (1): João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), militante de causas nobres, a viver em Nova Iorque


Guiné 63/74 - P6653: In Memoriam (46): Luís Zagallo de Matos, herói do Cuor (Beja Santos)


Luis Zagallo de Matos, ex-alf mil CCAÇ 1439 (1965/67)


1.
  Mensagem do Mário Beja Santos, com data de ontem:


Queridos amigos, Não tenho coragem de telefonar ao Mamadu Camará, ao Queta ou ao Abudu e dizer-lhes que o herói do Cuor abandonou a cena, ainda andou lá pelo firmamento, com garrulice, a despedir-se das gentes que guardam o seu nome. Ali, entre os regulados do Enxalé e do Cuor, ele foi herói, irã e deus da guerra. Coisa curiosa, colou-se à minha pele porque era o nome mais admirado nas gentes que eu comandei. Também por isso me curvo respeitosamente pela sua memória. Um abraço do Mário


Lembranças do Luís Zagallo de Matos (*)
por Beja Santos


Algures, por meados de Maio de 1968, foi-nos comunicado no Regimento de Infantaria nº 1 que o BCaç 2851, de que eu fazia parte, ia seguir para a Guiné, em Julho. Conversando com a Cristina, ela pediu-me insistentemente: "Fala já com o Luís Zagallo, ele veio da Guiné, seguramente que te pode informar do que é que vocês lá vão encontrar. Tens aqui o telefone. Ele trabalha com a família ali para os lados de Santos".


A Cristina fizera amizade com ele na Faculdade de Letras e depois no respectivo grupo cénico, já nessa altura o Luís Zagallo revelara a sua garra de artista e o seu pendor para as artes da encenação. Não fui muito feliz na conversa ao telefone. Disse-me abruptamente que a Guiné era um livro fechado, que pretendia esquecer tudo, era sítio que não recomendava a ninguém, e por aí adiante. Confesso que achei toda esta conversa desprimorosa, havia outros pretextos para não chegarmos à fala, já que era exclusivamente a Guiné o assunto a deslindar. E esqueci o encontro que não chegou a ter lugar.


E em Agosto chego a Missirá. Duas ou três noites depois de lá viver, nas rondas, em conversas com as sentinelas, um nome se foi impondo nas lembranças dos soldados: alfero Zagallo (foto à esquerda), da companhia dos madeirenses [,CCAÇ 1439, Enxalé, 1965/67,], era esta a permanente referência do heroísmo puro, o militar de peito feito, em África ou se ama o guerreiro imortal ou se esquece rapidamente o homem comum.

Toda esta aura entre o mitológico e sobrenatural levou-me a perguntar ao Saiegh: "Quem é este alferes Zagallo que anda na boca do mundo, este semi-deus do heroísmo incomparável?"


E a verdade irrompeu como bomba: estávamos a falar de Luís Zagallo de Matos (foto acima), o mesmo que tinha estagiado em Paris e no Teatro Nacional D. Maria II. Daí as cartas que lhe enviei, algumas não obtiveram resposta, outras trouxeram as fotografias que os soldados pediam, vieram notícias inócuas, muitos cumprimentos, numa dessas cartas (aqui está a arte de bem representar) o Luís chegava ao cúmulo de prometer voltar a Missirá e ao Enxalé. O teor das cartas que lhe enviei e de que guardei lembrança, vêm nos meus dois livros sobre a minha comissão na Guiné (**).

O resto está escrito no blogue, era uma morte anunciada. O astro definhara depois de um brutal AVC, recusava ver amigos e conhecidos. Afugentou-me do seu quarto, na Casa do Artista. Depois fui lá com o João Crisóstomo, aceitou ver-me. Levava decorada a mensagem, saiu-me de um só jacto, era a minha vez de me pôr no palco: "Luís, os nossos soldados nunca o esqueceram. O seu nome é sempre lembrado em Missirá e no Enxalé. O Luís é o destemido condutor de homens que eles recordaram com grande saudade. Veja se melhora e cumpre a promessa de lá voltar".


Com um nó na garganta, acabei a prédica em frente daquele homem acamado que dava contínuos sinais de desalento para a vida. Sorriu-me, virou-me a cara, a conversa findara.


No dia seguinte, na reunião em Coruche, ele foi recordado. No domingo passado, a minha filha telefonou-me ao princípio da tarde, o Luís tinha partido. Claro que não partiu, anda a parodiar nos céus do Cuor, se fosse uma personagem do Jorge Amado emborcava cachaça, metia-se num jipe de madrugada e ia de Enxalé até Missirá a afugentar os demónios, cantarolando. Mas não, ele esvoaçou por aqueles céus e recordou, na plenitude, as amizades que ali fez, cumpriu a promessa visitando as gentes que nunca o esqueceram. Agora descansa em paz, tem direito à representação final. 


Mário Beja Santos


[ Fixação de texto / Bold a cores: L.G.]
___________


Notas de L.G.:


 (*) Vd. poste de 27 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6646: In Memoriam (45): Luís Zagallo (1940-2010), actor e encenador, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67)


(**) Vd. 30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)


Carta para Luís Zagalo Matos

(...) "Estimado Luís Zagalo:

"Obrigado pela sua carta. Li-a aos homens de Missirá, riam e batiam as palmas de contentamento por saber que não esqueceu este povo. Vou tirar fotografias e mandar-lhe. Tenho aqui um soldado que insistiu em contar-me as suas façanhas, ele estava de sentinela e durante horas ouvi falar de si, arrumando ideias sobre o princípio da guerra e o seu desenvolvimento até hoje.



"Os meus soldados estavam em Enxalé ao tempo em que aqui havia uma companhia, a que V. pertencia. O pelotão 54 estava em Porto Gole, o 52 acabava de chegar a Enxalé. V. estava destacado em Missirá e fazia frequentemente o percurso com dois Unimogs e um jipe, reabastecia-se no Enxalé. Até ao dia em que uma mina anticarro mudou tudo, na curva de Canturé em ligação com a estrada ao pé de Gambana.

"Este meu soldado, de nome Queta, contou-me que um furriel ficou tão despedaçado que foram buscar as pernas a uma árvore. Para este povo V. é um herói porque conhecia toda esta região, era destemido e amigo de ajudar. O Queta não é para intrigas, baixou a voz e disse-me "Nosso alfero, Zagalo ia a toda a parte mas tinha medo de ir ao Gambiel, pois naquela altura as tropas portuguesas abandonaram os quartéis em Mansomine e Joladu, só ficou Geba". Como não lhe quero tirar os méritos, estou inteiramente à sua disposição para o levar ao Gambiel, se este episódio for importante para que o seu nome se torne numa lenda.

"Por aqui, chegou a minha vez de ter o quartel incendiado e de estar a viver as maiores dificuldades. Mas não vou incomodá-lo mais com esta guerra, fico feliz por saber que V. foi colega da Cristina. Como não irei a Portugal tão cedo, e se for possível ajudar-me peço-lhe que lhe telefone e lhe fale desta guerra, desdramatizando o que é possível desdramatizar.

"Prometo mandar-lhe as fotografias em breve, não espero ir ao Enxalé mas vou mandar fotografias do Geba e dos palmeirais à hora do pôr do Sol. Se lhe for possível, na resposta mande-em uma fotografia sua para eu entregar ao régulo. Só fiquei triste em saber que V. nunca mais teve um sono completo e que tem pesadelos quando se lembra dos momentos trágicos que passou. Desejo que recupere e peço-lhe por tudo que me dê companhia, pois os amigos de Missirá meus amigos são. Até breve" (...).

domingo, 27 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6646: In Memoriam (45): Luís Zagallo (1940-2010), actor e encenador, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67)



Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Setembro  de 1966 >  Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Luís Zagallo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel cAÇ nAT 52]; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão.

Foto: Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia e legenda do Henrique Matos (*)




1. Estive ontem com o Henrique Matos e o Jorge Rosales, em Monte Real, no V Encontro Nacional do nosso blogue... Estava longe de imaginar que, vinte e quatro horas depois, iria ouvir a notícia da morte de mais um camarada da Guiné, e que quem andámos à procura, em tempos: Luís Zagallo (**), ex-Alf Mil da CCAÇ 1439 (1965/67), que tanto o Jorge como o Henrique conheceram, no Enxalé...

A notícia que ouvi ao fim da tarde de hoje que que o actor e encenador Luís Zagallo falecera hoje, aos 69 anos, na Casa do Artista, em Lisboa. Em Março de 2009, sofrera um AVC.

O nosso antigo camarada (que não fazia parte deste blogue nem provavelmente tinha conhecimento da nossa Tabanca Grande)  integrou vários elencos no teatro, televisão e cinema. Participou ainda em telenovelas como "A Banqueira do Povo" (1993), "Olhos de Água" (2001), "Morangos com Açúcar" (2003) ou "Floribella" (2006).

O funeral é 3ª feira, partindo da Basílica da Estrela, onde o corpo estará em câmara ardente, amanhã, a partir das 17h.


Segundo escreveu há tempos o Beja Santos (*), "o Luís Zagallo era o herói dos povos do Cuor e do Enxalé" (**), sendo um nome e temido respeitado pelos soldados do Pel Caç Nat 52 (de que o nosso camarada Henrique Matos Francisco foi o primeiro comandante, entre 1966 e 1968)... 

O Beja Santos ajudou o João Crisóstomo a procurar a encontrar o seu amigo e camarada Luís Zagallo, "de nome completo Luís Manuel de Mello Carneiro Zagallo de Matos".... Nascido em Cacilhas, Almada, era "uma cara familiar para o público português, no teatro, no cinema e na televisão. Estudou bailado em Paris, teve os seus primeiros pequenos papéis na Comédie Française. Fez parte do Teatro Universitário e mais tarde da Companhia de Amélia Rey Colaço, no Teatro Nacional D. Maria II. Em 1964, partiu (...) para a Guiné, foi condecorado com uma cruz de guerra e diversos louvores"...  


 À família, colegas e amigos do meio teatral e televisivo, e sobretudo aos nossos camaradas da CCAÇ 1439  e outras subunidades que o conheceram no Enxalé, apresentamos as nossas condolências, em nome de toda a Tabanca Grande. (***)
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Notas de L.G.:

quinta-feira, 18 de março de 2010

Guiné 63/74: P6013: Camaradas na diáspora (1): João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), militante de causas nobres, a viver em Nova Iorque



Coruche > 19º Encontro Nacional da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missitá, 1965/67)> O Mário Beja Santos, ao centro, tendo  à sua direita, o Henrique Matos (o 1º Comandante do Pel Caç Nat 52), o João Crisóstomo e na ponta o Jorge Rosales (Pel Caç Nat 54); à sua esquerda, estão dois camaradas que Freitas e o Sousa (segundo informação do João)


Coruche > 19º Encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole  e Missirá) > O Mário mais o Henrique, ambos do Pel Caç Nat 52, e outros dois camaradas que não identificamos (As fotos vieram sem legendas: talvez o João  Vaz Neto e o Cunha)


1.  Há dias recebemos (e já publicámos) uma mensagem,  de 8 do corrente, subscrita pelo Mário Beja Santos, na sequência do 19º encontro da CCAÇ 1439 (1965/67), a que compareceram também outros membros da nossa Tabanca Grande, como o Henrique Matos (Pel Caç Nat 52) e o Jorge Rosales (Pel Caç Nat 54) (*).

Escreveu o Mário:

"(...) Foi graças ao blogue que cheguei à fala com o Henrique Matos Francisco, 1º Comandante do Pel Caç Nat 52. Em Missirá, naqueles idos de Agosto de 1968, os soldados falavam-me de Luís Zagalo Matos, um dos seus heróis, era o seu irã. Escrevi-lhe, pedi-lhe fotografias para as fazer chegar aos soldados de Missirá, mas também aos Soncó e aos Mané.

"Com a publicação dos livros, vieram outros contactos. Por exemplo, o João Crisóstomo, alferes da CCaç 1439, estavam no Enxalé quando aqui chegou o Pel Caç Nat 52" (...)

Mas quem é afinal este camarada João Crisóstomo, já anteriormente evocado pelo Mário ? (**)

"O João Crisóstomo vive em Nova Iorque, o nosso país tem com ele uma dívida incomensurável (os principais jornais dos EUA, as grandes cadeias de televisão, apoiaram-no na defesa do povo de Timor e na preservação do património de Foz Coa, por exemplo), há uns tempos pediu-me notícias do Zagalo, acabámos por ir os dois visitá-lo na Casa do Artista, onde ele vive muito debilitado, depois de um tremendo AVC" (...).

"O almoço[, em Coruche, ] foi um turbilhão de surpresas [, a começar pelo João Crisóstomo]. Fiquei ao lado do Jorge Rosales, foi ele quem em Bolama preparou os soldados do Pel Caç Nat 52. Fiquei em frente do João Neto Vaz, um dos furriéis do Pel Caç Nat 52 que,  ao fim de 20 meses de comissão,  apanhou uma senhora porrada e foi despachado para Catacunda [, CART 1690], na região de Geba (Bafatá), onde foi capturado e metido numa prisão em Conacri, de onde foi libertado em finais de 1970, como é de todos sabido.(***)

"Conheci também o Cunha que,  no dia em que pretendia ir a Bafatá tratar dos papéis para o casório, foi ferido gravemente num joelho, durante uma emboscada entre Xime e Amedalai.

"A companhia dos madeirenses [, a CCAÇ 1439,] entrara na minha vida pelos relatos dos soldados, era um dos meus temas preferidos quando andava de noite pelos postos de sentinela, conversava com eles, enquanto olhávamos para o interior da mata, iluminada a petromax. Esta companhia ficou no Enxalé até Abril de 1967, seguir-se-á a CART [, e não  CCaç, ] 1661 [, a que pertenceu o nosso camarada Abel Rei, autor do livro Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá, Memória da Guiné, 1967/68." (...)




Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Set de 1966 > Foto 1 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel cAÇ nAT 52];  6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão.

Foto: Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia  e legenda do Henrique Matos





Foto 2 > Na enfermaria > Copos com pessoal da Companhia: de camuflado o Alf Mil Crisóstomo, ao lado estou eu de cigarro nos dedos (para variar); por trás do Crisóstomo, está o Alf Mil Freitas.

Foto: Leiria, Condutor da CCAÇ 1439. Cortesia e legenda do Henrique Matos


2. Comentário de L.G.:

O João Crisóstomo é um português das Arábias....Um dos muitos camaradas nossos que, depois do regresso da guerra, fez-se à vida, e quis conhecer o mundo largo e farto...Que na casa materna, a nossa Pátria, não cabiam todos...ou só cabiam alguns.  A história, invulgar, deste nosso camarada, vim a descobri-la na Net... Confirma-se que é um militante de causas nobres (Gravuras Rupestres de Foz Coa, Memória de Aristides Sousa Mendes, autodeterminação de Timor Leste e do Sahara Ocidental).

É o primeiro a inaugurar esta série dos Camaradas na diáspora (que, de resto, já são bastantes, na nossa Tabanca Grande).

O João ainda não faz parte, formalmente, da nossa Tabanca Grande, aguardando-se a sua resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Carlos Vinhal.

Peço à jornalista Maria João Veloso, autora da prosa (em português e inglês),  que me deixe, com a devida vénia, citar alguns (largos) excertos... A artista e o retratado bem o merecem (Os nossos leitores farão depois o favor de ler o texto na íntegra e comentá-lo):

Up Magazine > Português no Mundo > João Crisóstomo - Nova  Iorque > 22/12/2009  [ Texto: Maria João Veloso; Foto: Marisa Cardoso, editada com a devida vénia]

(...) Chamam-lhe o mordomo activista. A viver em Nova Iorque há 34 anos, João Crisóstomo gasta os tempos livres a lutar por causas em que acredita. Os finais felizes para as gravuras de Foz Côa e da autodeterminação do povo de Timor-leste, contaram com a sua ajuda. Um par de causas apenas, entre tantas outras que tem abraçado.


(...) João Crisóstomo cresceu numa família com grande tradição católica. Muitos dos seus parentes seguiram a vocação religiosa e dedicaram a vida ao sacerdócio. Ele próprio, na juventude, frequentou um seminário de franciscanos, mas acabou por seguir outro rumo. Deste percurso, ficou a vontade de ajudar o semelhante: “Não sou um católico fervoroso, mas a base da minha vida é seguir a palavra de Cristo”, admite. Pode dizer-se que, nas últimas décadas, o português radicado em Nova Iorque se tem dedicado a causas quase sempre relacionadas com Portugal ou os portugueses.


Se hoje em Foz Côa existe o maior museu paleolítico ao ar livre do mundo, João Crisóstomo tem a sua quota-parte de responsabilidade, através da campanha internacional que lançou, em 1995, apelando a que não afogassem este santuário de arte rupestre. “O caso, para mim que vivo no estrangeiro, foi uma surpresa. Não fazia a mínima ideia da existência de Foz Côa e, quando li o artigo no New York Times, achei que nos EUA podia dar alguma ajuda.”


O emigrante publicou então uma carta aberta ao editor do periódico nova-iorquino que explicava o que se estava a passar em Portugal. Mandou também uma outra carta, a Boutros Ghali, então secretário-geral da ONU, onde mostrava a sua preocupação com o facto das obras da barragem de Vila Nova de Foz Côa obrigarem à submersão das figuras. O Times, a BBC, o Le Monde e o Liberation, deram-lhe um grande apoio. Da mesma forma, chegaram a Portugal epístolas suas para jornais como o Público, o Expresso, ou o Diário de Notícias. (...)

O percurso do activista português é no mínimo sui generis. Saiu de Portugal para a Europa para aprofundar os conhecimentos em línguas, tencionando depois regressar e tornar-se profissional de turismo. Mas a vida reservava-lhe várias surpresas. Andou por Inglaterra, França e Alemanha, sempre a trabalhar na área da hotelaria, tirando em simultâneo cursos de inglês e francês. Na década de 1970 rumou ao Brasil, onde começou por trabalhar na recepção de um hotel, aproveitando para tirar um curso de hotelaria na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 

A convite de um professor, foi até aos EUA, onde aproveitou para estudar na universidade de Cornell. Quando se preparava para voltar ao Brasil, soube que havia uma senhora a precisar de um mordomo. Jacqueline Kennedy Onassis. “Foi uma experiência extraordinária. Ela era uma senhora em todos os sentidos. Carinhosa, diplomata, muito inteligente, tinha todos os predicados para ser uma primeira-dama.”

Terá sido um bom exemplo, nos anos em que trabalhou para ela, vê-la ajudar prisioneiros, com iniciativas de vária ordem, entre as quais mandar livros para as prisões, ou não hesitar em sair para a rua com cartazes contra a demolição do Grand Central Terminal, a emblemática estação de comboios nova-iorquina. “Inconscientemente fui influenciado pela sua determinação. Nos movimentos que entretanto lancei ela não teve influência directa, mas o John John Kennedy (o filho) sim”.

A actividade como mordomo, e depois como maître de um banco, pô-lo em contacto com personalidades de relevo americanas, da esfera da alta finança e da política, o que tem facilitado a sua actividade como defensor de causas. 

A seguir a Foz Côa, João Crisóstomo lutou pela independência de Timor-leste. Quando lhe pediram para abraçar a causa do país do sol nascente, conheceu Anne Treseder, advogada norte-americana bastante informada sobre o assunto. Os conselhos que lhe deu levaram-no, por outro lado, à descoberta do cônsul português Aristides de Sousa Mendes que, a partir de Bordéus, salvou milhares de judeus dos campos de concentração durante a segunda Guerra Mundial.

“Para ajudar Timor-Leste, impunha-se conseguir o apoio da imprensa. Ora, esta é bastante controlada pela comunidade judaica. Se quer o apoio deles, fale-lhes de Aristides de Sousa Mendes, disse-me a advogada”. O cônsul português em Bordéus tornou-se assim uma porta, e “uma causa apaixonante para mim”. 

O LAMETA – Movimento Luso-americano para a Autodeterminação de Timor-leste –, da qual é presidente, deu seguimento a várias iniciativas de pressão junto das autoridades norte-americanas, como uma petição ao presidente Bill Clinton: “Quando lhe mandei o abaixo-assinado, fazia notar que estavam ali assinaturas conscientes, por exemplo de líderes portugueses e membros prestigiados da comunidade internacional, como Patrick Kennedy (filho de Ted Kennedy).” A contribuição foi decisiva para que a Indonésia mudasse a política em relação a Timor e aceitasse a realização de um referendo, passo em direcção à autodeterminação do povo timorense.

Entretanto, ao conhecer a história de Sousa Mendes, João Crisóstomo começou paralelamente um outro movimento para que se fizesse justiça ao nome do diplomata português que, com um simples carimbo no passaporte, salvou cerca 30 mil vidas, entre as quais as de 10 mil judeus. 

Na exposição Visas For Life, em Junho de 2003, no Museu da Herança Judaica de Nova Iorque, destaca-se Sousa Mendes, embora o mordomo português tenha lembrado ao curador da mostra, a relevância de outros diplomatas portugueses e brasileiros, nomeadamente Luís Martins de Sousa Dantas, Sampaio Garrido, Teixeira Branquinho e Guimarães Rosa, cuja acção diplomática permitiu salvar também milhares de judeus do holocausto.

A acção mais extraordinária desta causa, contundo, aconteceu a 17 de Junho de 2004. Por iniciativa de Crisóstomo – para assinalar o dia em que Sousa Mendes iniciou a concessão de vistos (em 1944) – organizou-se, com o apoio da Fundação Raoul Wallenberg e de vários cardeais, uma missa de Acção de Graças em 22 países, lembrando não apenas o cônsul português, mas também o sueco Wallenberg e o suíço Carl Lutz considerados por Israel como “justos entre as nações”. Em Abril do ano seguinte, aquando dos 50 anos sobre a sua morte, o nosso entrevistado conseguiu também que o “Schindler português” voltasse a ser homenageado no Museu de Herança Judaica.

João Crisóstomo conta-nos que a luta do momento se prende com a independência do Sara Ocidental
: “Dizem que consigo tudo o que quero, mas só trabalhando com muito afinco”. Até hoje, tendo como quartel-general a sua casa, e como “arma” um fax, o mordomo activista tem conseguido mover montanhas.

Maria João Veloso

[ Selecção / revisão / fixação de texto / links:  L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

 10 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5969: Convívios (112): 19º Encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)

12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5983: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (22): As voltas que o mundo dá, graças a um blogue que congrega uma diáspora de combatentes (Beja Santos)

  (**) Vd. poste de 2 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5392: Em busca de... (104): Luís Zagallo (ex-Alf Mil, CCAÇ 1439) - Um pedido de ajuda do João Crisóstomo (EUA) que me encheu de lágrimas (Beja Santos)

Sobre o Luís Zagalo, há uma curta nota na Wikipédia que diz o seguinte: Luís Zagalo [n. 1940, em Lisboa,] é um actor português com uma carreira no teatro, na televisão e no cinema. Em 1993 participou na telenovela "A Banqueira do Povo", em 2001 em "Olhos de Água", em 2003 em "Morangos com Açúcar" e em 2006 em "Floribella". Também fez parte do elenco das peças de teatro cómicas: "Pijama para 6" e "Uma cama para 7". (....)

 Foi também encenador, com conforme cartaz que aqui se reproduz, e onde se vê o Luís a contracenar com o Tozé Martinho. Esteve em cena, por exemplo, no Bombarral, em 31-01-2009 - Comédia “O Meu Menino” - TZM Produções:

"Encenação: Luís Zagalo. Interpretação: Tózé Martinho, Luís Zagalo, Fernanda Sargedas, Inês Simôes, Florbela Meneses, Rita Simões, Daniel Garcia e Gonçalo Bettencourt. Autores: Franz Arnold e Ernest Bach"...  Cartaz reproduzido, com a devida vénia, do sítio da Câmara Municipal do Bombarral, que tem como único propósito homenagear um camarada nosso, atingido pelo infortúnio da doença. O Luís vive hoje no lar na Casa do Artista,

(***) Vd. poste de 13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3057: A Guerra estava militarmente perdida (26)? A situação político-militar na Guiné. A. Marques Lopes.
 
(...) 10 de Abril [de 1968]– Cerca da meia-noite, ataque do PAIGC ao quartel de Cantacunda, causando um morto e fazendo 11 prisioneiros. Os outros, nove, foram obrigados a abandonar o destacamento. O ataque foi conduzido pelo comandante Braima Bangura (fuzilado em 12 de Julho de 1986, juntamente com Paulo Correia e outros, por ordem de Nino Vieira, sob acusação de tentativa de golpe de Estado em 17 de Outubro de 1985) e teve a conivência do régulo Braima Candé e da população. (...)