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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21718: O segredo de ... (33): conversas da treta entre dois milicianos da CCAÇ 12 (Luís Graça / João Candeias da Silva)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > 1970, ao tempo do BART 2917 > O Alf Mil Op Esp Francisco Magalhães Moreira. Era o comandante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 e, na prática, o 2º comandante da companhia. Era o homem de confiança do Cap Inf Carlos Brito. O melhor preparado dos oficiais milicianos da companhia. Tinha o curso de operações especiais. Era disciplinado e disciplinador. Um homem afável, mas algo distante e reservado, muitas vezes escondido sob os então na moda óculos de sol Ray-Ban (um "ronco"  muito apreciado pelo milicianos, que tinham algum poder de compra no TO da Guiné...). 

Sempre o tratei por você... Fora da actividade operacional, convivíamos pouco, eu e ele. Não era homem de noitadas. E nunca ou raramente vinha beber um copo connosco no bar de sargentos, contrariamente ao alf mil Abílio Machado, da CCS / BART 2917. 

Era "compreensível":  os furrieís da CCAÇ 12, milicianos, mais os dois sargentos do QP (e, em particular, o impagável 2º sargento Piça), tinham um excelente espírito de corpo... Mas, numa sede de batalhão, o "espírito de casta" era cultivado e mantido, e o convívio, "fora do mato" (leia-se: da guerra) entre oficiais, sargentos e praças não eram bem vistos ... 

O bar de sargentos de Bambadinca era, em 1969/71, o único sítio, dentro do grande quartel que era o de Bambadinca, onde "os três estados, a nobreza, o clero e o povo", podiam confraternizar...  Vistas as coisas à distância de meio século,  Bambadinca era bem um retrato de um Portugal que estava em vias de desaparecer... 

Não creio que o Moreira conheça o nosso blogue... Nunca nos contactou. Respeito o seu silêncio, o dele e dos demais camaradas que estiveram connosco no TO da Guiné, e que têm, provavelmente,  reservas quanto ao risco de exposição da sua vida privada, decorrente da participação de um blogue como este...  

Vi-o,  pela última vez, em 1994, em Fão, Esposende, no 1º encontro do pessoal de Bambadinca (1968/71). Desejo-lhe muita saúde e longa vida e um ano de 2021 melhor do que o "annus horribilis" de 2020. E daqui vai, para ele,  um alfabravo do tamanho do nosso longo e sinuoso Rio Geba de cuja água bebemos os dois. 

Claro que ele não tem nada a ver com a "conversa da treta" travada entre mim e o Joâo Candeias, reproduzida a seguir.

Foto do  álbum do Benjamim Durães, tirada numa tabanca fula em autodefesa, que não consigo identificar.  

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > CCAÇ 12  (1969/71) > Estrada Xime-Bambadinca > O 1º comandante da companhia, o Cap Inf Carlos Brito (hoje, coronel na reforma), uma homem afável e  educado, mas já à beira dos 40 anos, e que delegava grande parte das responsabilidades operacionais no alf mil op esp / ranger Francisco Moreira... 

O Carlos Brito também não tem a nada a ver com os "segredos" aqui partilhados a seguir. Esta foto pretende apenas ilustrar a "solidão" de muitos dos nossos comandantes operacionais, quer do QP, quer milicianos, que os impediam de conviver com os seus subordinados, milicianos e praças, fora das horas da guerra... Como se dizia na tropa, "serviço era serviço, conhaque era conhaque". Ou seja, nada de misturas. Acredito que noutros quarteis do mato, com instalações mais precárias e exíguas, o "distanciamento social" fosse mais curto...

Foto: Arquivo de Humberto Reis (ex-fur mil op esp / ranger,  CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O nosso blogue vai fazer 17 anos (dezassete anos !!!), em 23 de abril de 2021, se lá chegarmos,..  Desde 2008, ou seja,  há 12 anos,  temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos, da nossa vida militar, ou até pessoal ou mais íntima,  "coisas" passadas há mais de meio século, mas que só agora, por uma  razão ou outra, queremos partilhar uns com os outros... 

O propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo da tropa e da guerra (1961/74),  que estavam guardadas só para nós ou só eram do conhecimento do nosso círculo de relações restrito (alguns camaradas de armas) ou mais íntimo (cônjuge, filhos, amigos do peito).

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militares, os usos e costumes, a moral da época, o "politicamente correto",  etc.

Aprendemos, neste blogue, a "saber ouvir os nossos camaradas de armas e a não julgá-los"!...  Nomeadamemnte, os vivos... Nos dois casos a seguir referidos, há omissões que são compreensíveis (*). Trata-se de uma "conversa" que não é da treta, entre o nosso editor Luís Graça e o João Candeias da Silva, por coincidências dois camaradas que integraram a mesma companhia, a CCAÇ 12 (formadas por praças do recruramento local) mas em épocas diferentes, e que por isso nunca se cruzaram, "nem lá nem cá"... A CCAÇ 12, formada no CIM de Contuboel (1969), esteve em Bambadinca (1969/73) e no Xime (1973/74), tendo estado "ao serviço de" quatro batalhões diferentes. Foi extinta em meados de 1974.

O João Candeias Silva foi fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama (1973/74). O Luís Graça é um dos "pais-fundadores" da CCAÇ 12 e é o autor da única história da unidade que existe no Arquivo Histórico-Militar.

(i) João Candeias Silva:

Não sei se estou a pôr a pata na poça, mas em 73 um alferes, que não recordo o nome, foi colocado numa companhia que estava a fazer a protecção aos trabalhos nessa estrada [Farim-Mansabá]

Estivemos juntos em Cabuca na CCAC 3404 em finais de 1972. Em 73 Janeiro fui para a CCAÇ 12 e ele para a companhia que estava a fazer a segurança à estrada de Farim.

Passados meses, talvez uns seis encontramo-nos em Bissau, placa giratória, para ir e para vir de férias ou ir para o mato ou consulta externa, etc. E qual não é o meu espanto, em vez de ter o galão de alferes, era 2° sargento. Tinha levado uma porrada.

Da conversa que tivemos o assunto tinha chegado ao Spínola. Ele, um ótimo rapaz, precisava de desabafar e ficávamos muito tempo à conversa. O assunto tinha-o abalado muito. Não era caso para menos.

Não sei como terminou.

Julgo ter sido um caso inédito.

Sobre este assunto tem de haver registo no arquivo do exército e sobre a nega da CCAÇ 12 em ir para o Xime também é pouco plausível que não haja. (*)

(ii) Luís Graça:

João, há muitas histórias da nosssa guerra que nunca chegarão à luz do dia... Algumas já chegaram ao nosso conhecimento através do blogue...

Isto é como a história dos impedimentos do casamento em que o oficiante, antes de se dar o nó, pergunta, na presença dos noivos, dos padrinhos, dos pais, da família e dos demais convidados, se alguém tem alguma objeção aquela união, então que "fale ou cale-se para sempre"...

Alguns de nós perdemos a oportunidade de falar na altura devida, e agora resta-nos falar aqui ou calarmo-nos para sempre... Sempre assim foi em todas as guerras...e nos pós-guerras.

Mesmo assim, entre dois uísques, num alamoçarada, num convívio, às vezes lá sai um "segredo de confessionário"...

Quando fui a Angola (e fui lá meia dúzia de vezes a partir de 2003), houve antigos miliatres das FAPLA, do topo da hierarquia (oficiais generais), que me contaram "segredos de Estado", à mesa... Coisas "sinistras" que só agora há coragem para se falar delas em público (como o que aconteceu na sequência dos trágicos dias de 27 de maio de 1977 e seguintes)..

Mas voltando à Guiné, soube há uns anos de uma história dessas que não podem aqui ser contadas, com datas, locais, topónimos, nomes de camaradas, etc.

Num destacamento (que não vamos identificar porque os protaggonistas estão vivos), guarnecido por a nível grupo de combate, e na ausência do comandante (alferes miliciano), dois militares desatam à porrada, por razões de lana caprina...

Muitas veses estes conflitos entre dois camaradas e amigos eram provocados pelo stress, a tensão, o isolamento, a exaustão, o cansaço, a promiscuidade, a subnutrição, mas tabém o álcool, etc.

Soco atrás de soco, um deles cai de costas, bate com a cabeça no chão, takvez nalguma pedra,  e morre, de traumatismo craniano (presume-se)... E agora ? Como justificar um "trágico acidente" destes, na ausência de um ataque ou flagelação do destacamento por parte do IN ou de embocada nas imediações ?...

Fez-se um "pacto de silêncio" entre todos os presentes (soldados, cabos e um furriel...). O corpo foi transportado num Unimog e entregue na sede da companhia ou do batalhão, já cadáver...

Deve ter havido um auto de averiguações, mas toda a gente (os graduados e as praças) mantiveram a mesma versão, a de uma queda acidental, infelizmente mortal...

O "pacto de silêncio" também faz(ia) parte das regras de camaradagem... Ontem como hoje... em toda parte do mundo, em todas as guerras (*)


(iii) João Candeias da Silva:


Caro Luís: As conversas são como as cerejas. Ao ler o que descreveste sobre a pancadaria que teve tão trágico desfecho (*), veio à minha memória uma ocorrência na CCAÇ 12 que vou descrever.

Estávamos ainda aquartelados em Bambadinca, no topo do edifício onde era a messe da CCAÇ 12, virado para a escola, havia 4 ou 5 cadeiras de baloiço feitas de pipas de vinho.

E nós, os furrieis, costumavamos depois do pequeno almoço ficar por ali na cavaqueira. Naquele dia, algures entre feveiro e março de 1973, devia ser domingo, pois estávamos à civil. Bem instalados, e na conversa da treta, éramos uns de 4 ou 5 furrieis.

Os cadeirões todos ocupados. Chegou um alferes da 12, começou a conversar connosco.
A conversa foi-se prolongando durante um bocado e, completamente fora do contexto, o alferes disse para um furriel: "Levanta-te, que eu quero sentar-me."

A nossa primeira reacção foi que o alferes estava a brincar, mas como o furriel não se levantou para lhe ceder o lugar, o tom de voz subiu e disse ostensimante: "Levanta-te, é uma ordem!.

Como o furriel não lhe obedeceu, deu-lhe uma chapada na cara. Após a agressão, o furriel levantou-se e, felizmente, não reagiu à agressão. Nós estávamos incrédulos e sem palavras. Era surreal o que estava a acontecer na nossa frente.

O furriel acabou por fazer queixa, pois como sabes o inferior hierárquico não pode participar, e tem logo à partida garantida uma porrada que tem como consequência imediata a perda do mês de férias.

O fim da ocorrência não sei como terminou.

Para situação ainda hoje não encontro justificação. Foi presenciada por mim e pelo António Duarte, entre outros, que não recordo.

Durante muito tempo fiquei a matutar: "E se fosse comigo?!!... (*)
________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21170: O segredo de... (32A): Alcídio Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)... "Também tenho um víquingue na minha árvore genealógica"

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21170: O segredo de... (32A): Alcídio Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)... "Também tenho um víquingue na minha árvore genealógica"


1. Desde 2008 que temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos, da nossa vida militar, ou até pessoal, mais íntima (como "a minha primeira vez..."), coisas passadas há mais de meio século, mas que só agora, por uma razão ou outra, temos vindo a partilhar uns com os outros... 

O propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo da tropa e da guerra, da nossa adolescência ou até da nossa infância, que estavam guardadas só para nós... ou só eram conhecidas do nosso círculo de relações mais íntimo (cônjuge, filhos, amigos do peito...).

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militares, os usos e costumes, a moral da época, etc.

Aprendemos, neste blogue, a "saber ouvir sem julgar"!...  Claro que há segredos mais "inocentes", como este, do Alcídio Marinho, que nos vem revelar que tem um víquingue na família...


2.  Comentário, ao poste P21162 (*),  do  Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65) [vive no Porto; é membro da nossa Tabanca Gande; tem mais de 20 referências no nosso blogue; foto atual, à esquerda]

Caro Luís:


Por falar em Vikings.... Há pouco tempo, fiz a análise ao meu DNA. O resultado [do teste genético] foi:

57.3 % - Ibérico

12.7 % - Escandinavo

10.3 % - Sardo (Sardenha)

7.1 % - Norte-Africano (Argélia,Tunísia, Líbia, Egipto Ocidental)

5.6 % - Italiano

1.5 % - Nigeriano
Ave marinha palmípede, da família
dos Alcídeos (Alcidea).
Fonte: Cortesia de Wikipedia

Também o meu nome, Alcídio, se refere a uma ave palmípede marinha, existente nos fiordes da Noruega, da Suécia e Círculo Polar Ártico, da família dos Alcídeos (Alcidea). 

Parece que foram os Suevos, Godos e Visigodos [, séc. V/VI,] que trouxeram o nome para a Península Ibérica.

Na minha família, ao longo das gerações, sempre houve um Alcídio ou uma Alcídia.

Em todo mundo existem cerca de 2000 Alcídios e Alcídias. As minhas famílias são originárias da região de Basto - Celorico de Basto.

Como podes ver eu também tenho um pouco dos Vikings [ou víquingues]. (**)

Um abraço com muita saúde, 

Alcídio Marinho


3. Comentário do editor LG:

Alcídio, obrigado pela tua generosa partilha. Mas em relação aos testes genéticos, tenho que fazer aqui duas ou três considerações, que não deves tomar como crítica  à tua mais que legítima vontade (e direito) de conhecer a tua "ancestralidade e etnicidade"...

Os testes genéticos estão na moda, tornaram-se mesmo "virais" e as empresas comerciais que apareceram, após o sucessso que foi a sequenciação do genoma humano, conseguido em 2003, digladiam-se agora para obter clientes, oferecer "serviços" (como o "kit de ADN") e facturar milhões... 

Algumas dessas empresa, como o My Heritage (, esta, de origem israelita),  são "casos de sucesso", depois de terem "nascido em vãos de escada"... Mas há mais muitas mais, nomeadamente americanas, com a 23andMe...(Cito estas duas sem qualquer propósito publicitário, apenas a título exemplificativo.)

Enfim, não sendo especialista desta área, de certo apaixonante mas altamente complexa, a genética,  merecem-me contudo reservas os testes genéticos comerciais, no que respeita à sua validade e fiabilidade, e sobretudo levantam-me, a mim, ao comu, cidadão e a muita boa gente (, da biomedicina, da saúde pública e da área das ciências sociais e humanas, etc.), dúvidas teórico- metodológicas e sobretudo bioéticas...

Nunca fiz até agora nenhum teste genético (por razões de saúde ou outras), mas pode perguntar-se: onde param os dados dos "clientes" ? Nalgum banco de dados, seguramente...que pode ser partilhado, por razões nobres ou menos nobres, com a indústria farmacêutica ou o poder judicial, por exemplo... 


Em suma,  não sei o que estas empresas podem fazer com a nossa (e à nossa) informação genética...  E também não estou tranquilo quanto aos mecanismos  de regulação nem controlo destas empresas comerciais que vendem serviços "on line" como "kits de ADN", aparentemente inocentes e inofensivos, e cada vez mais populares... 

Podem até estar todas "certificadas", e terem muitos doutores em biologia, genética  e áreas afins...

Voltando aos testes de "ancestralidade e etnicidade", que se vendem aí a preço de saldo por um punhado de euros ou dólares... Há tempos uma pessoa conhecida minha obteve um resultado mais ou menos semelhante ao teu: também ela descobriu o seu "viquinzinho", louro e de olhos azuis!... (Só não sei se vinham com cornichos!).


Mais de 50% da sua possível ascendência seria "ibérica", 15% era da "Europa do Norte" (, e de facto até há olhos azuis na família)... mas também apareceu uma "costela bérbere" (leia-se: moura)... E, surpresa das surpresas, até apareceu um mais que provável "escravo" da Nigéria (!) a dar cabo da "árvore gine...cológica" (como diz um amigo meu, gozão...).

Há muito que sabemos que somos um "povo mestiço", um povo de múliplas etnias e fenótipos... com uma forte proporção de "ibéricos" (, anteriores à colonização romana), judeus sefarditas (que acompanharam os colonizadores romanos...) e africanos (mouros e subsarianos)... 


Já a rainha Dona Amélia, filha do Conde de Paris,  detestava os "políticos de Lisboa", que ela achava que eram "pretos" demais para a sua "paleta de cores"...

Os testes genétic
os podem ter inegáveis vantagens e benefícios,  dependendendo muito do seu uso e finalidade: por exemplo, podem ajudar-nos à prevenção e diagnóstico precoce de doenças tramadas, a que eu chamo  "defeitos de fabrico"...Mas o seu "abuso", a sua utilização,  sem controlo médico (no caso dos testes de saúde),  ou para efeitos lúdicos, mas também de propaganda e manipulação político-eleitoral,  pode estar a contribuir para reforçar, por exemplo,  os nossos preconceitos "raciais" e o nosso etnocentrismo...

Eu acho que eles vão (ou estão já a) substituir os "horóscopos"... Já se fazem testes genéticos para "gerir as carreiras de sucesso"... E fica bem ter uma "árvore... genealógica" na parede, com todos os antepassados de "sangue azul"...


Afinal,  todos queremos, consciente ou inconscientemente,  ser "filhos de algo", ricos, bonitos, saudáveis e até imortais!... 

Pobres de nós!... E os filhos da mãe ? E os filhos dos quarenta-pais, como se diz na ilha de São Nicolau, em Cabo Verde ? E os antepassados que foram entregues nas rodas dos conventos e das misericórdias ?... 

Esses foram (ou vão ter que ser)  infelizes até ao fim dos séculos dos séculos, ou muito simplesmente vão parar à vala comum do esquecimento... 

É bom lembrar, por fim,  que nenhum de nós escolheu pai e mãe nem o sítio onde nasceu.... 

Os testes genéticos também podem ser uma "caixinha de Pandora", e trazer-nos "desgraça e infelicidade": imaginem que que eu descubro que não sou filho do meu pai, ou  que vou morrer de Alzheimer...  

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20286: O segredo de... (32): Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74) e o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"... Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Aqui no "barco turra", a navegar no rio Geba... num embarque de reabastecimento cokmo delegado de batalhão ou j+a integrado na Companhia de Terminal.

Foto (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Desde 2008 que temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos", da nossa vida militar, coisas passadas há meio século, mas que só agora, por razão ou outra, temos vindo a partilhar uns com os outros...  E já são mais de trinta,o que dá uma média anual de 3 (três)!...

Recordo que o  propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo  da tropa e da guerra que estavam guardadas só para nós...

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militar, etc. ...

Saibamos ouvir sem julgar!... É o caso da "revelação" que, aqui há dias, o nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, de Ponte de Lima, aqui deixou, em comentário ao poste P20267 (**).

Recorde.se: (i)  o Manuel [Oliveira] Pereira foi fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); (ii) é hoje advogado;  (iii) vive em Ponta de Lima; (iv) é membro sénior da nossa Tabanca Grande, tendo cerca de 20 referências no nosso blogue.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Mapa de Sonaco (1957) (Escala 1/50 mil) > Pormenor da posição relativa de Sonaco, na margem esquerda do Rio Geba, a nordeste de Contuboel, com Jabicunda a sudoeste.. Era uma região bastante povoada e próspera...

Os vagomestres das nossas companhias no Leste conheciam Sonaco, onde iam comprar vacas... Apesar da intensificação da guerra na região fronteiriça, a norte,  já nos anos 70, era uma região calma... Referimo-nos ao truàngulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda.

Temos apenas uma dezena  de referências a Sonaco no nosso blogue... 

Era posto administrativo e pertencia ao subsetor de Contuboel. Tenho ideia de que, no meu tempo (junho/julho de 1969) havia lá um pelotão destacado, da unidade de quadrícula de Contuboel (, que já não recordo qual fosse, mas em princípio não podia ser a CART 2479 / CART 11; seria talvez a CCAÇ 2436, 1968/70: passou por Bissau, Galomaro, Contuboel e Fajonquito; ou ainda a CCAÇ 2435, que esteve em Quinhamel, Fajonquito, Contuboel e Nhacra; ambas pertenciam, tal como CCAÇ 2437,  ao BCAÇ 2856, sediado em Bafatá).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


2. O segredo de... Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74): o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"...  Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Sonaco  era, quando lá cheguei, em abril de 72,  um Destacamento militarizado. Vindo do Cumeré onde fiz (fizemos) o IAO, e depois de uma curta passagem (dois dias) pela sede da Companhia, em Contuboel, fui render o Pelotão da Companhia “velhinha”.

A guarnição era composta por 30 militares europeus (Grupo de Combate + Cabo Enf + Condutor auto + Sold Transmissões + Cozinheiro civil, o Malan) e um Pelotão de Milícias com 21 elementos.

O aquartelamento era uma antiga casa colonial, esventrada, sem janelas mas com alguma habitabilidade. Situava-se logo à entrada da parte “urbana” da vila, lado esquerdo e junto ao “mercado”. Ou seja a nascente da “avenida” .

A poente tínhamos o Posto de Correio a Igreja (capela),  o “Palacete” do Chefe da Circunscrição, um Chefe de Posto de “nível mais elevado”, e já à saída na direcção de Nova Lamego a Pista de Aviação e a “Estação Meteorológica”. Ao longo da “Avenida” situavam-se muitas casas comerciais e o “Café do Sr. Orlando Gomes”,  o homem que vendia vacas...

Sobre os contactos com o IN muito poderia dizer mas vou resumir. A minha Companhia era composta nos seus quadros por “milicianos” . A única excepção eram o 1º e 2º Sargentos. O Capitão era um quase Engenheiro civil, dois dos Alferes, andavam em Direito. O terceiro Alferes era já médico (exerceu na Companhia).

Dos Furriéis, um a caminho de Direito, outro de Economia e ainda mais dois dos Institutos Industriais o um quinto do Instituto Comercial. Não cito os outros, porque não faziam parte das “conversas privadas antirregime”, nem tão pouco as suas leituras passavam pelo jornal “República”,  nem eram ouvintes da BBC, Rádio Portugal Livre, Rádio Moscovo ou voz da América. Do mesmo modo pouco lhes interessava a “corrente Marcelista" da Assembleia Nacional e desconheciam nome da "ala liberal" como Miller Guerra, Francisco Lumbrales (Sá Carneiro), Francisco Balsemão, etc..

Éramos um grupo, aparentemente acomodado, mas andávamos  preocupados com o rumo que a guerra estava a tomar. Tínhamos oss problemas de quem  vivia no terreno. Andámos eslocados quase permanentemente da nossa base [, Contuboel,]  em reforço de outras unidades.

Fomos, além disso,   ocupar zonas – uma delas, Bambadinca Tabanca – sem que houvesse um aquartelamento. Para nos abrigarmos nos primeiros dias “requisitamos/tomamos posse” de umas moranças (palhotas de cana e colmo. Depois cavaram-se as valas e os abrigos. A alimentação, inicialmente “ração de combate” e depois a eterna “bianda”, por vezes, acompanhada por mais vianda. A água era recolhida a alguma distância onde o perigo espreitava a todo o instante.

 A morte e feridos de companheiros no Batalhão levaram a um repensar na forma de actuar, principalmente no perímetro de actuação da Companhia (Contuboel) e Destacamento (Sonaco).

Num dos períodos em que estou como comandante do Destacamento de Sonaco, tomo a iniciativa – já vinha abordando de forma subtil o velho comerciante Libanês e a sua esposa (uns anos bem mais nova que o marido), com quem por vezes jantava –  de alargar o meu leque de “amigos” (ficaram mesmo amigos) entre os Homens Grandes, o Cmdt da Milícia o Mali e o Cmdt de uma das secções do Pelotão de Milícias, o Djassi. Basicamente a questão era:

 –  Como vocês acham que o IN reagiria se lhe propusemos um “encontro de cavalheiros” ?

A vila de Sonaco era um centro de comércio muito importante. No meio de tanta multidão que diariamente ali  faziam suas trocas, compras e vendas era impressionante. Obviamente, o IN tinha aqui a sua oportunidade para se infiltrar.

Assim, de forma persistente, mas cautelosa, fui alimentando junto dos meus interlocutores a vantagem de uma aproximação da qual ambas as partes beligerantes beneficiariam. Entretanto a acção psicológica – a mesma que o Capitão – prosseguia com “oferta”,  à população, de víveres (farinha, arroz, sal, etc.),  acesso ao médico e/ou ao serviço de enfermagem, medicamentos, transporte para Bafatá e para reuniões da Assembleia Popular,  etc. Numa palavra: dentro do possível, sempre disponíveis!

O tempo foi passando e em mais um jantar na casa do comerciante Libanês, este atira-me com esta:

 – Alguém do PAIGC está aberto a um encontro, mas você terá que ir desarmado...

Incrédulo, perguntei:

 –  Onde e quando?
 – Aguarde, disse ele.

No dia seguinte, fui a Contuboel e chamei o Capitão de parte para lhe comunicar que, sem ele saber, andei a tentar chegar à fala com o IN. Olha-me de alto a baixo, puxa uma “passa” mais forte no cigarro e diz-me:

 – Sabe que também tenho andado a fazer o mesmo?
–  Então,  e agora o que fazemos?
– Nada, esperamos!...

Duas semanas ou três após esta conversa, recebo o Cap Martins em Sonaco. Salta do Unimog, dirige-se a mim e faz-me sinal para o seguir ao interior do aquartelamento e com o dedo aponta no mapa que eu tinha afixado na parede do meu “quarto”, dizendo:

–  É hoje e aqui!

Seguimos quase de imediato. Subimos para o Unimog e como escolta, uma secção reforçada, escolhida a dedo entre “os melhores” do Pelotão. Durante todo o percurso não trocamos uma palavra. A dado momento o Capitão dá ordem de paragem – estamos no interior de uma mata densa, no triângulo Sonaco/Contuboel/Nova Lamego – manda a secção fazer segurança em circulo e para estar atenta.

Nós os dois e apenas com a pistola à cintura, entramos mata dentro, numa caminhada de medo, mas determinada. Alguém viria ter connosco. E veio!... Eram quatro ou cinco guerrilheiros bem armados que nos emboscaram. Um deles, talvez chefe, diz:

– O  acordo é desarmados. Entreguem as pistolas.
– Não –  responde o Capitão. –  Se nos permitem e para que o “encontro se realize”, iremos fazer a entrega aos nossos camaradas que estão a quinze, vinte minutos de distância.

O mesmo guerrilheiro concorda.

Viramos para o ponto de partida e sempre pensei que naquele momento íamos ser abatidos com um tiro pelas costas. Felizmente não aconteceu. Feito o depósito das armas aos nossos camaradas,  o Capitão deixa a ordem que,  caso não regressássemos dentro de duas horas, deveria ser dado o “alarme” para que aquela zona fosse bombardeada.  Diga-se que o nosso pessoal não sabia nem soube – só já em Portugal vieram a saber – qual a razão daquela incursão na mata. Recordo que já no aquartelamento o sold Pinto me perguntou "se as bajudas eram boas"...

Voltamos a fazer a caminhada. Antes, o Cap Martins, faz-me sinal com os olhos com um "Vamos? "
– Claro que sim!

O nervosismo era muito. O medo existia, mas uma força interior me dizia que tudo iria correr bem. O desistir não fazia parte dos nossos planos. Fomos.

Os guerrilheiros voltam a surgir, mas em local diferente. Já não nos apontam as armas. Fazem-nos andar às voltas e mais voltas, até que entramos numa pequena clareira, de 100 a 150 metros. À volta dela muitos guerrilheiros armados. A um dos lados, uma grande tenda branca com um avançado tipo alpendre. No solo, à entrada da tenda um enorme tapete com loiça e bules e um cheiro agradável a comida fresca.

De dentro da tenda sai um indivíduo muito bem vestido com os trajes muçulmanos, aparentando menos de 40 anos. Atrás dele mais dois, também novos. Dirige-se a nós, estende-nos a mão cumprimentando-nos pela patente e nome. A nossa surpresa é enorme, já que os nossos ombros iam vazios e as fardas não tinham nomes. Convida-nos a sentar, o que fazemos,  ao mesmo tempo que pergunta

 – Surpreendidos?
 – Sim – respondemos quase em coro.  – Este aparato, os nossos nomes e patentes…
Olha-nos e diz-nos.

– Sei tudo ou quase tudo acerca de vocês, A vossa forma como fazem a “guerra”, a postura e a relação com a população, a atitude como encaram a nossa luta pela libertação do jugo colonial, a acção dos vossos grupos de apoio a outras unidades da frente, nomeadamente Sare Bacar, Bambadinca Tabanca, Madina Mandinga e sobretudo o respeito que manifestam pelas gentes de Contuboel, Sonaco e Jabicunda (o grande povoado junto à ponte de Contuboel), e na ajuda diária à sua sobrevivência.

Perante este desenrolar de “conhecimento” sobre a Companhia, fomos ficando à vontade, não tanta, quando fomos convidados a beber o chá de menta e o ensopado, presumo, de borrego, Perante a hesitação (medo de estar envenenada) o nosso anfitrião, rindo, disse:

 – Olhem para mim: vou comer e beber do mesmo que vos oferecemos.

De facto a comida estava óptima. Já a bebida..., uma cervejinha gelada saberia melhor, mas enfim!

Neste entretanto lá fomos dizendo das razões que nos levaram a ter este encontro, nomeadamente a “estupidez” de nos matarmos uns aos outros, quando no cerne da resolução estava um problema meramente politico e não militar.

Demos a conhecer, que a ida para a guerra por parte da juventude portuguesa era uma imposição do regime e não do povo português. Daí propor aos guerrilheiros actuantes no nosso sector “um pacto de não agressão”.

Findo os nossos argumentos, ouvidos num silêncio total, tivemos uma contraproposta muito curta que se resumia em continuarmos de forma mais profunda a acção que desde há muito vínhamos desenvolvendo juntos das populações do perímetro [, subsetor de Contuboel].

O nosso interlocutor, para além de ser um poliglota, conhecia a Europa, Cuba, Checoslováquia e URSS.

Corremos e andamos por muitos sítios e a certeza que “fomos” contemplados pela sorte, tivemo-la em Madina Mandinga (ali a sul de Nova Lamego e ao lado de Cabuca e na estrada para Ché Ché) e depois no Dulombi, mais a sul e também perto do Rio Corubal, onde com o meu Grupo fui fazer a ”reocupação” do quartel, entretanto “abandonado/desactivado” por uma Companhia do Batalhão sediado em Galomaro.

Conclusão: O único morto da nossa Companhia – um Furriel, por ter pisado uma mina – aconteceu ao serviço de outra Unidade, na fronteira com o Senegal, entre Sare Bacar e Sare Aliu, Acrescento que NÃO era o nosso Grupo (o meu) a sair. A “besta” do Cmdt de Companhia onde estávamos destacados, deu por “castigo” essa ordem. Daí darmos o benefício da dúvida de que a mina causadora da morte do Furriel Melo tinha por destino a Companhia Independente,  sediada em Sare Bacar e NÃO o 4º Pelotão da CCAÇ 3547 (Contuboel).
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20 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!

23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15107: O segredo de... (26): Ser ou não ser furriel na data de embarque (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

14 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15004: O segredo de... (24): Segredo desvendado (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)


 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14962: O segredo de... (20): Fernando Brito (1932-2014), ex-1º srgt, CCS/BART 2917 (1970/72): quadro, em "folha de capim", do seu infortunado filho (, morto mais tarde num trágico acidenrte, em 2001), pintado pelo caboverdiano Leão Lopes, em Bambadinca, 1971 (Cláudio Brito, neto)


26 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

25 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha
terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta..

13 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6379: O segredo de ... (13): Amílcar Ventura e o seu irmão, artilheiro, ferido gravemente em Gampará

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)

18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5529: O segredo de... (10): António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74): Os tabefes dados ao Bacari

21 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura:Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato


(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Tabanca dos arredores > CCAÇ 2479 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece, que foi mais tarde integrar a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)...

Contuboel chegou a funcionar como importante centro de instrução militar (CIM=, no início da política da africanização do Exército Português, no 1º semestre de 1969. Em data que não posso precisar, esse centro acabou por ser transferido para a ilha de Bolama, aparentemente mais segura. Em Junho de 1969, Contuboel era descrita como um "oásis de paz" (*) N e nela dava-se formação às futuras CCAÇ 11 e 12 e a um grupo de combate da futura CCAÇ 14.


Foto: © Renato Monteiro (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Manuel Pereira
1. Comentários, ao poste P20267, do Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74) (**)


(i) Na verdade Contuboel foi sempre (?) um Centro de Instrução de Milícias. Pelo menos com a minha Companhia (CCaç 3547) e com outras duas - tenho a certeza porque tenho amigos dessas Unidades - que a antecederam;

(ii) No período destas três (3) comissões não houve registos de qualquer "incidente";

(iii) Razoes, não sei. Sei todavia, que a "acção psicológica" mantida pela minha Companhia junto das populações nativas eram a "nossa" primeira prioridade, tendo por cabeça o Cmd Companhia, o Cap Mil Carlos Rabaçal Martins;

(iv) Poderei acrescentar ao ponto anterior e, até porque já lá vão 45 anos sobre o retorno, algumas inconfidências que podereis confirmar - já foi escrito e ainda estamos todos vivos - que mantivemos contacto com "intermediários" do PAIGC, fizemos permutas de bens essenciais à nossa sobrevivência e por último (?) e depois de muitas diligências, uma "reunião", bem no interior da mata e DESARMADOS (eu, na altura como Cmd do Destacamento de Sonaco e o Cmd Comp Cap Martins), condição que nos foi imposta pelo "IN" e por nós aceite, com um alto dirigente e comitiva do PAIGC.

Eles bem armados, à excepção do alto dirigente e comitiva do PAIGC. Desse encontro, enre outras coisas, resultou um "pacto de não agressão". Este encontro teve eco na Rádio "Maria Turra", pois fomos apelidados dos "Asas Brancas" (símbolo da paz) de Contuboel;

(v) Esta reunião mostrou-se profícua, quer na "quadricula" afecta à Companhia e Destacamento (Contuboel e Sonaco), como também nas nossas permanências em reforço de outras Unidades e muito em especial na "Reocupação"" - tinha sido abandonado pelo Batalhão de Galomaro - do Aquartelamento do Dulombo, ali nas margens do Rio Corubal, por mim e pelo "Pelotão" que tive a honra de comandar e que resultou em "nenhum" ataque por parte do "IN";

(vi) As Fotografias são viagens diferentes no tempo e reportam-se à minha "missão" enquanto delegado de batalhão. Sim, porque para além de "operacional",  também tive, entre outras, funções de ambito administrativo que me proporcionou, correndo perigos evidentes, "viajar . por mar, rio e pelo ar. Nesta última missão permitiu-me conhecer quase "toda (?)" a Guiné, desde Bissau, Bafatá, Xime, Porto Gole, Farim, Mansoa, Bambadinca, Nova Lamego, Aldeia Formosa e Cacine;

(vii) As fotografias são a bordo dos barcos que faziam o "reabastecimento" para os Batalhões / Companhias Independentes, no caso, presumo serem todas no Rio Geba;

(viii) Para melhor compreensão vejam, aqui no "Blogue" algumas postagens minhas, nomeadamente o poste P3264.

Zé Saúde e Nanel Pereira, em Monte Real
(ix) Respondendo ao Luís Graça...

 È verdade nunca falei com o Zé Saúde (José Saúde) sobre a Guiné. Em momento algum, desde dia em que nos conhecemos, nunca o assunto “tropa” foi aflorado.

As minhas, nossas preocupações era gozar a vida. Éramos novos, vindos da guerra (mas não abordada) e precisamos de “viver”. Foram no meu caso 28 meses de Guiné (só passei à disponibilidade em Agosto) e mais um mês “adido” ao RAL1 (RALIS), já que tinha por missão – todos já estavam em casa desde de Junho – levantar do “Niassa”, ancorado na Rocha Conde d’Óbidos, as bagagens (caixotes) da malta do Batalhão, trazer para o RAL1, organizar (agrupar) por regiões/distrito/concelho e transportá-los até à estação da CP de Sacavém, fazer o seu carregamento nos vagões, selar e dar ordem de marcha para as estações mais próximas dos destinatários.

 Obviamente, a minha missão era meramente administrativa. A minha farda velhinha era respeitada quase como se de um “herói” se tratasse. Voltando ao Zé Saúde.

Como dizia, o tempo disponível era para fazer a desforra de tantas privações. Na altura (75), as movimentações políticas ocupavam-me grande parte do tempo. Na faculdade eram as RGE e as RGA. No trabalho as Comissões de Trabalhadores e actividade sindical. No exterior, havia que apoiar o “povo em luta”. Fazer algo pelas cooperativas. Ajudando de borla, inclusive pagando do meu bolso o transporte para ir apanhar azeitona e outros produtos. Havia que dar corpo e voz à ADFA e no aspecto mais pessoal – aqui entra o Zé – o querer conquistar todas as mulheres bonitas. Não havia tempo, queríamos, talvez, esquecer. As “boîtes” e bailinhos em casas particulares completavam-nos. Foi assim que numa noite “bem bebida” quem sofreu as consequências foi o carter do “Morris Mini”,  do Zé Saúde.

È verdade! Só em Monte Real, falamos da Guiné. Fiquei curioso quando vi o nome dele na lista para o “Encontro [Nacional da Tabanca Grande" c e por isso não poderia deixar de estar presente. Foi muito bom!

A minha afirmação de Contuboel nunca ter sido atacada ou flagelada, tem duas fontes. A primeira, a minha (Companhia), porque durante toda a “comissão” (Março de 1972 a Junho de 1974) passamos incólumes. A segunda porque tenho amigos ( 1968/70 e 1970/72 ), um até sogro do meu filho, de seu nome Plácido Lamas, esteve em Contuboel – foi ele e mais alguns que construiu a “moradia” no exterior do arame farpado, quase colada ao parque da “ferrugem”, entrada lado direito da “porta de armas”.

Relativamente ao “centro de instrução de milícias – no meu tempo – foi um facto. Antes de nós, a informação chegou-me pelos os amigos referidos acima. Talvez não percebido a diferença entre Tropas nativas e Milícias.

Nota: Gostaria de incluir algumas fotografias. Como se faz?


Como tenho, ainda, boa memória, estou ao dispor para qualquer dúvida que possa suscitar.
Um Abraço a todos.

Manuel Oliveira Pereira

Fur Mil do BCAÇ 3884 / CCAÇ 3547,
Guiné, março de 72 / julho de 1974. (***)

________________

Notas do editor


(...) O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens, sempre eles, a tagarelar uns com os outros, sentados no bentém, mascando nozes de cola. (...)

(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

(***) Último poste da série > 9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20219: (Ex)citações (360): O sucesso do posto de controlo sanitário de Nhacra, ao tempo em que por lá passavam as "trabalhadoras do sexo" de Bissau, em missão patriótica... (José Ferreira da Silva, autor do bestseller "Memórias boas da minha guerra", 3 volumes, Chiado Books, 2016-2018)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18779: O segredo de... (31): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)... O senhor alferes que estava mesmo a pedir... uns abatises, à hora do almoço, no cruzamento da estrada Bula / Binar / Pete


Guiné > Região Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71) >  A AM [autometralhadora] Panhard, insubstituível companheira das nossas colunas.

Foto (e legenda): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Mensagem de António Ramalho, com data de 20 do corrente

Caro Luís Graça boa noite.

Não me recordo dessa aventura do Victor Garcia (*),  talvez estivesse em Bissum, mas há uma que ele e todos os elementos do nosso Pelotão se recordarão ao consultar o nosso Blogue,  que envio em anexo.

Se achares interessante,  publica-a.

Um forte abraço para todos.


2.  Abatises à hora de almoço no cruzamento 
da estrada Bula/Binar/Pete

por António Ramalho

[ ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas]

Numa vinda matinal a Bula, uma coluna de Pete, comandado pelo senhor alferes Queirós, este ao chegar ao cruzamento decidiu afinar a pontaria na placa de madeira indicativa de Capunga com a sua Walther!

Era um militar destemidíssimo! Assistimos à prova bélica impávidos e serenos sem lhe darmos a devida importância, como ele certamente esperaria! 

Perplexos com tão inusitada atitude e atentado à nossa propriedade, não hesitámos [, o Grupo de Combate destacado em Capunga,] em presenteá-lo com uma merecida surpresa de regresso a Pete com a devida autorização e cumplicidade do nosso alferes, outro militar destemidíssimo!

Dado haver algumas árvores caídas por velhice, arrastámo-las para a estrada,  formando uma enorme mancha arbórea que provocou um enorme susto à rapaziada! O senhor alferes e restante comitiva, que regressava de Bula, a caminho de Pete, colocaram-se em posição ofensiva /defensiva com um enorme “fogachal” que foi ouvido em Bula!

Comunicações para cá e para lá, não me recordo se houve apoio do Pelotão de Panhards,  sedeado em Bula!

Desmascarada a brincadeira, foi abafada, o IN ficou com as culpas, desobstruiram a picada e lá seguiram para Pete onde um lauto almoço os esperava!

Em pleno teatro de guerra,  estas brincadeiras poderiam ter dado mau resultado, estávamos a pouquíssimos quilómetros do Choquemone, importante base do IN, mas, pronto, já fazem parte da história!... Aqui fica o meu "pequeno segredo"...

20/6/2018


Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bula,  Capunga, Binar e Pepe.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)
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Nota do editor:

terça-feira, 19 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18756: O segredo de... (30): Victor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga)... Uma aventura parva de um "kimba", quando se meteu a caminho de Capunga, a 3/4 km de Bula, sozinho, apenas "armado" de um pequeno canivete que ainda hoje guarda religiosamente...


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Capunga > CCAV 2639 (1969/71) > c. 1970 > O pequeno canivete com que o Victor Gracia, ex-1º acbo t cav,  do 3º Gr Comb, "Os Kimbas", ia munido, no seu percurso pedestre, sozinho, entre Bula e Capunga...



Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bula, e Capunga, na estrada de Bula-Binar. Distância de cerca de 3/4 km.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

Fotos (e legendas): © Victor Garcia (2009) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Mensagem do nosso grã-tabanquerio Victor Garcia [ ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71]


Data: 19 de junho de 2018 às 16:56
Assunto: Uma aventura parva na Guiné

Caro amigo e camarada Luis Graça:

Como da minha parte só tenho fotos colocadas no site da Tabanca, resolvi finalmente,  ao fim de bastante tempo,  vos contar uma peripécia que aconteceu comigo, não posso precisar a data mas asseguro que foi durante uma das nossas estadias em Capunga.

Por essa altura estava eu com um pequeno problema dentário que,  apesar de não ser grave,  me incomodava imenso.

Falei com o alferes do meu grupo (3º), "Os Kimbas", e ficou combinado que, no dia seguinte quando o Unimog viesse a Bula,  para se abastecer de água na célebre fonte de Bula, água essa para consumo do pelotão, tal como para cozinhar e para os nosso banhos e também para beber, eu viria com esses camaradas e ficaria em Bula a tratar do meu assunto com o médico de serviço, com a promessa que regressariam perto da hora do almoço para me virem buscar.

O certo é que,  chegada a hora do almoço, não apareceu ninguém, talvez por esquecimento e eu a ver o tempo a passar e com uma fome desgraçada.

Eram cerca de 14h30 / 15h00,  resolvo beber uma cerveja no café do Silva e meto pés a caminho pela estrada de Bula / Binar,  até Capunga, sozinho e completamente desarmado numa distância de talvez três a quatro quilómetros, não posso precisar a distância exacta. Notem:  totalmente desarmado não,  porque tinha comigo esse pequeno canivete, ver  imagem acima, com lâmina de cerca 4 cm, e que ainda hoje  guardo religiosamente com mais algumas lembranças desse tempo.

Claro que os habitantes da população que ficava perto da estrada, habitantes esses a quem estávamos a fazer o reseptivo reordenamento,  devem ter pensado quando me viram sozinho na estrada: "O  que será que esta ave rara anda aqui a fazer?"

Felizmente cheguei são e salvo ao acampamento de Capunga, mas não me livrei de um autêntico raspanete do Alferes do meu grupo,  chamando-me  todos os nomes que se possa imaginar.

Nota final desta história: o meu comportamento neste dia, longe de ter sido um acto de heroísmo ou valentia, foi sim uma atitude impensada,  sem razão para a ter praticado, de um jovem de sangue quente,  próprio da nossa juventud,  e que não mediu as consequências que esse acto poderia trazer.
E é tudo deste relato que vos conto.

Um abraço a todos os amigos e camaradas tabanqueiros.

Victor Garcia
Ex 1º cabo da CCAV.2639

Anexo duas fotos ao relato.
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de  2017 > Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!

domingo, 20 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!


Guiné > Região do Óio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > c. 1966 > A nossa “jangada” feita supostamente para pescar, mas que acabou por servir apenas de brinquedo recreativo… Na foto, aos remos eu e o João (???)  ( natural da zona do oeste, não me lembro exactamente, mas creio ser do  Ramalhal, Bombarral) que era o “padeiro” do destacamento. Alguém sabe do paradeiro dele? E o outro tripulante… há alguém que o possa reconhecer? Eu definitivamente "estou a ficar mesmo velho” … que já a muitos dos meus colegas não consigo reconhecer e lembrar...


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ  1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > c. 1966 > O  “cais” de Porto Gole funcionava assim: o "barco de abastecimentos” (e outros) tinham de chegar quando a maré estava cheia. E depois de devidamente seguro (a uma árvore ou a um poste ) esperava-se pela maré vazia quando o barco ficava em seco para fazer o descarregamento, como se pode verificar na foto…. Como havemos de esquecer coisas destas?

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

Data: 17 de agosto de 2017 às 21:58

Assunto: Porto-Gole 1966: uma lembrança / história para não esquecer...

Caro Luís Graça,

Ainda estou na Eslovénia; tenho aproveitado para dar umas voltas para conhecer as "redondezas": Croácia, Montenegro e até dei  um salto (5 dias) a Roma para matar saudades; tanto a Vilma como eu tínhamos estado lá em tempos passados  (quando ainda não sabíamos um do outro) e de repente apresentou-se uma oportunidade que não quisemos perder.

Ontem  no decorrer duma pequena "excursão  guiada" a várias ilhas (de um dia apenas), às ilhas Elifati, ao longo da costa  da Croácia, encontrei-me num barco pequeno (daqueles com o  motor no meio como algumas das traineiras de pesca que eu conhecia quando ainda jovem, na nossa terra) e  a curiosidade levou-me a meter o nariz na portinhola do motor: isso  fez-me lembrar um barco semelhante (mas bem mais pequeno), "palco" duma  experiência extraordinária que tive quando estive em Porto Gole.

Como tu no teu/nosso blogue falas e incentivas os camaradas da Guiné a que partilhem as suas memórias, não só porque isso nos faz reviver esses tempos, mas também para que fiquem "registadas" para a posteridade, lembrei-me de pôr em papel o que ainda me lembro dessa experiência. Como dizes e bem, não sendo assim essas experiências de cada um  ficam só mesmo para cada um de nós e "quando formos para o outro lado", para quem cá fica  é como se nunca tivessem acontecido.

Devo avisar/esclarecer que a memória me falha já em muitos detalhes; tenho pena de o não ter feito antes. O que se segue não terá mais o interesse que teria se eu me lembrasse  melhor  dos pormenores. Vou descrever o que ainda me lembro sem qualquer intenção de aumentar ou florear; é mesmo possível que já comece a  confundir e trocar coisas e circunstancias e a ordem/sequência do acontecido. Se tal sucede não é com essa intenção; se alguém  do grupo que estava comigo em Porto Gole onde isto aconteceu ler o que se segue e com melhor memória  me quiser corrigir e emendar, só fico agradecido.

Não lembro em que altura do ano foi, mas sei que foi em 1966. A nossa companhia, CCAÇ 1439, sediada em Enxalé tinha os destacamentos de Missirá e Porto Gole sob a sua  alçada. Revezávamo-nos em temporadas (em princípio devia ser de um mês cada pelotão mas isso nunca sucedia certo… houve casos de um pelotão ter ficado destacado no mesmo sítio mais de três meses!).

O destacamento de Porto Gole não era dos piores sítios: de alguma maneira a sua situação junto ao rio Geba proporcionava "vantagens" que faziam a estadia aí mais amena e diversificada: barcos de abastecimentos e outros passavam e muitas vezes atracavam no "cais"; havia algum negócio, especialmente de arroz, o que trazia ao local muita gente das redondezas, especialmente " bajudas" cuja simples presença era suficiente para tornar a vida menos aborrecida a muitos dos aí destacados (ou desterrados, como dizíamos só pelo prazer de nos queixarmos do que quer que fosse…).

Havia até  um representante da Casa Gouveia que fazia do local a sua estadia quase permanente. Havia um posto de administração e era a sede do poderoso e famoso (e saudoso também)  régulo Abna Na Onça (com as suas 10 mulheres, sobrinhas e não sei que mais que davam vida ao local e seus "habitantes'); lembro-me bem dele: um indivíduo enorme para quem autoridade e mandar era coisa natural e que, se não controlava  completamente os balantas da região - como te deves lembrar os balantas eram na maioria favoráveis ao "partido oposto" - mantinha pelo menos muito respeito e controle nas muitas tabancas das redondezas.

Entre os "habitantes temporários" que apareciam de vez em quando vindos de Bissau houve um indivíduo já bem entrado na idade - o clima por vezes ocasiona a que nos enganemos, mas eu creio que estava nos seus setentas, já bem "queimados" pelo sol e outras razões que desconheço mas de efeitos evidentes - que apareceu e ficou por lá uns tempos. Disse-me ter sido, quando mais jovem,   capitão dum barco, não me lembro de mais detalhes; que estava reformado há muitos anos e que as saudades do mar o tinham levado a comprar um barco que era agora toda a sua vida ...

Não sei onde estava  hospedado, mas aparecia de vez em quando. Um dia, quando eu lhe disse que tínhamos feito uma espécie de "jangada" (em forma de  quadrado com 4 bidões vazios, um em cada canto, ligados entre si, e com dois  remos enormes para locomoção), convidou-me para dar um passeio no barco dele no Geba, ocasião que eu podia aproveitar para pescar se quisesse.

Não tinha visto o barco, mas como ele disse ter vindo nele de Bissau com alguns tripulantes "indígenas locais", e também que estava armado e  tinha meios de se defender, eu pensava que era um barco de tamanho razoável e teria com certeza alguém como  ajudante, empregado permanente. E aceitei logo o o convite, não sei mesmo se para o dia seguinte. Sei que para não ir só (isto foi antes de encontrar e conhecer o alferes  Henrique Matos, que esteve em Porto Gole mais tarde) disse a um dos soldados nativos para me acompanhar e que trouxesse com ele os dois "pescadores" da tabanca.

Estes tinham uma canoa (daquelas feitas dum tronco de árvore) e  vendiam-nos pescado quando havia. Por vezes porém não traziam nada - que "não havia peixe nenhum nesse dia" - antes de descobrimos mais tarde que a razão de em certos dias não haver peixe era porque propositadamente e de livre vontade ou porque a isso eram forçados o peixe desse dia tinha ficado nas mãos dos "turras" como eram na altura chamados os nossos oponentes no conflito.

No dia seguinte com o soldado nativo falado e os dois pescadores (que avisados pelo soldado nativo já tinham deixado a "rede de pesca"no cais - uma rede bem pequena, mas era o que tinham, disseram - , lá fui para o cais. Fiquei surpreso que o barco fosse tão pequeno e não houvesse mais ninguém com o velhote, nem sequer um nativo como  seu ajudante. Mas não quis dar parte de fraco: sempre era maior do que uma canoa e tinha um motor… a ideia de quebrar a monotonia com umas voltas pelo Geba era mesmo aliciante. E quem sabe, talvez voltasse com meia dúzia de peixes para o jantar.

E lá zarpamos Geba abaixo, aceitando como válidas as afirmações do "capitão" do barco que conhecia bem o Geba e ia a lugar onde havia sempre peixe. Quando a viagem me pareceu ficar mais longa do que eu antecipava (já navegávamos há uma hora e não via sinal de ele chegar ao tal lugar bom para pesca), disse-lhe que queria estar de volta em Porto Gole antes do cair da noite. Ao que ele acedeu imediatamente: que já estávamos perto, que o tal lugar era um pouco mais abaixo, mas que  ali mesmo já havia muito peixe; e parou o motor dando instruções aos pescadores para começarem a pescar…

Eles lá lançaram a tal rede e passados cerca de dez minutos disseram que não havia ali peixe nenhum. E eu disse ao capitão que o melhor era voltar e tentar lançar as redes um pouco mais acima, já no caminho de volta. Ele ligou o motor mas o motor parou  logo.

Tornou a ligar, uma e muitas vezes e nada: a rede tinha-se embrulhado na hélice, assim me explicou, e por mais que ele quisesse nada havia a fazer antes que a hélice estivesse livre; era preciso cortar a rede para a libertar. Disse a um dos pescadores para o fazer, mas este negou-se a saltar para a água. "que sabia nadar muito mal", e o outro disse-me a mesma coisa. O soldado nativo esse que não sabia nadar mesmo nada… Embora eu não fosse grande nadador (ainda hoje, apesar de mais tarde ter pago umas lições para aprender melhor a nadar, mal consigo nadar o comprimento duma piscina e quando o consigo fazer  chego sempre exausto e aflito), vi que não tinha outra solução senão deitar-me à água para cortar a rede.

Quando eu disse da minha intenção ficaram todos apavorados: "Alfero" não pode fazer isso!; que tínhamos que  que esperar que passasse barco dos fuzileiros e então eles nos rebocariam  até Porto Gole. Nem pensar nisso, pensei eu. Deus sabe quando é que um barco dos fuzileiros ia passar por ali… podiam ser dias antes que passasse um barco, de fuzileiros ou não; nós não tínhamos  água nem provisões.. e eu tinha dito ao pessoal em Porto Gole que estaria de volta antes de escurecer!…

E comecei a despir as calças para em cuecas me atirar à água.  Mas os pescadores começaram aos berros: "não, não altero, não pode mesmo alfero".  O capitão, esse não dizia nada, e eu ignorando as "teimosas súplicas" que eu não compreendia, atirei-me à água e comecei a cortar a rede da hélice, enquanto os dois pescadores com uma expressão de ansiedade, senão mesmo de terror, olhavam  à volta do barco, de trás para a  frente; eu atribuía essa ansiedade a que estavam a ver se a rede não saía muito danificada...

Finalmente  consegui cortar as cordas e libertar a hélice. Para surpresa minha os pescadores não se importaram nada com o reaver a rede; que não valia a pena e que arranjariam outra; mas pareceram  ter ficado  mais calmos quando me viram de novo dento do barco. Foi-me explicado mais tarde que naquele sítio havia " manga de jacarés"… mas a sorte esteve comigo nesse dia; talvez porque a maré estava a esvaziar rapidamente eles não andavam nas redondezas...;  aliás eu não estaria agora a lembrar agora essa tarde de pesca…

Depois de liberta a rede, o "capitão" pôs o motor em marcha e começávamos o regresso a Porto Gole; não demorou muito que o barco parasse outra vez: a maré tinha baixado e o fundo do barquito  bateu no lodo e não havia mesmo nada a fazer, senão esperar que a maré subisse outra vez. Fiquei apavorado, preso no meio do rio; depois de ter ouvido tantas histórias sobre o macaréu do Geba …Pois se os próprios barcos dos fuzileiros - assim  contavam - tinham por vezes de fazer manobras para se defenderem do macaréu, o que nos ia suceder a nós numa casquinha de noz?

E ali ficamos esperando, coração nas mãos… não me lembro se pedia ajuda aos santos ou não, mas acredito que o devo ter feito pois que me lembro de ter requerido o favor dos céus em outras ocasiões apertadas…

Quando esperávamos pelo tal macaréu que, esperançadamente sem nos virar o barco, trouxesse com ele água suficiente para prosseguir a volta, vi ao longe bem alto dois "bombardeiros" [T-6]  que regressavam a Bissau, depois de terem feito a "entrega do correio", como nós costumávamos dizer. Passaram por cima de nós e daí a pouco voltaram para trás, desta vez voando mais baixo na nossa direcção. Passaram  perto e depois voltaram outra vez, um atrás do outro…

"Mas que que é que estes malvados querem?" - pensei eu - …"Querem lá ver que pensam que somos terroristas?!... E como eles começassem a passar bem perto do barco, a uns escassos metros que me aterrorizavam - eu podia ver a cabeça deles como se estivessem a tentar ver o que estava dentro do barco - eu tentava fazê-los compreender quem éramos, eu pondo-me ao lado do  pobre velho capitão que tremia, mostrando-lhes a minha jaqueta e a minha G3 e com os dedos a fazer sinal sobre os meus ombros para que compreendessem que eu era um "oficial"…

Mas eles viam também os três outros, não brancos, e deviam estar pensar talvez que "éramos ou tínhamos passado para o lado deles" e não nos deixavam… revezavam-se, um atrás do outro… no momento em que um passava por nós o outro já estava a vir na nossa  direcção, pronto  a desfazerem-nos em bocados se o quisessem fazer a qualquer momento; e de repente apercebi-me  que "pescadores" se queriam  deitar à água  para fugir (pelos vistos sempre sabiam nadar!…), eu vi o caso perdido: se eles se deitassem à água então os pilotos concluíam imediatamente que éramos todos "terroristas"… e tive de lhes dizer que nem pensassem em se deitar à agua, pois se o fizessem eu espetava imediatamente um tiro em cada um… Foi a única vez que eu me lembro de ter  ameaçado alguém; e  se eles o tivessem feito …eu estava mesmo decidido a fazê-lo, que  a gente em tais situações nem sabe o que fazer nem pensar…

Depois lembrei-me de tentar fazer aos pilotos sinais de comunicações, fazendo com os dedos sinais de argolas e com gestos a apontarem a direcção de Porto Gole… eles devem ter compreendido:  um deles subiu bem alto e ficou a fazer círculos lá no alto por cima de nós, e o outro desapareceu na direcção de Porto Gole como eu tinha indicado. Passado um bom bocado voltou e junto com o outro foram-se embora os dois e nós continuamos no meio do rio.

Entretanto fez-se noite e nós esperando o macaréu… e, já escuro como breu, comecei a ouvir o ruído roncoso, mas não muito forte (era quase um sussurro) do macaréu que pouco a pouco se aproximava. Felizmente, talvez porque a maré não era uma maré viva, o macaréu era bem pequeno e passou por nós sem grande sobressalto, como sucede com os barcos nas praias  ao entrarem no mar.  E passados uns minutos, já com as águas calmas e suficiente calado recomeçamos a nossa volta.

Estava escuro, não se via um palmo à nossa volta e lá íamos andando, eu confiado na experiência do velho capitão para nos  fazer chegar a Porto Gole sãos e salvos. Mas as aventuras desse dia ainda não haviam acabado: eu sentei-me no chão, tentando refazer-me do susto dos aviões, quando de repente um dos pescadores sacudiu-me dizendo: "alfero, é bandido ... , manga de bandido"… Eu não via nem ouvia nada mas disse ao capitão para parar o motor imediatamente. E comecei depois a ouvir ao longe um ruído mas não fazia a mínima ideia do  que quer que fosse. O pescador então disse-me ao ouvido no seu crioulo/português mal falado, que aquela zona era um lugar onde os "turras" faziam cambança, passando armas, mantimentos etc. duma margem para a outra do rio e que eles estavam a "fazer cambaça".

Fiquei outra vez sem saber como me desenrascar; não fazia ideia se eram muitos ou poucos se estavam armados ou não… "O que é que eles vão fazer connosco se nos descobrem?" - pensei eu. Entanto lembrei-me que os fuzileiros de vez em quando faziam emboscadas  na aquelas redondezas e lhes caíam em cima durante estas "cambanças"… Se eu pudesse fazê-los suspeitar que tinham sido detectados, eles com certeza fugiam e nós  estávamos salvos… e se o pensei logo o pus em prática: cochichei que não fizessem um pio, e que quando eles estivessem perto a gente os pudesse começar a ver, eu gritaria "FOGO"!.. O capitão devia pôr o motor a trabalhar e bem alto e todos deviam berrar ao mesmo tempo, enquanto eu, depois de ter tirado o tapa-chamas da minha G3 faria tiro cadenciado, tentando imitar uma das metralhadoras pesadas dos fuzileiros.

E assim fizemos. Quando o barulho já estava perto e comecei a discernir um vulto duma jangada que deslizava na nossa direção, berrei e todos fizeram o que eu tinha dito: uma grande barafunda no nosso barquito com o motor a todo o vapor e o capitão disparando a sua pistola de bolso, - que era o que ele chamava "estar armado" - e o soldado nativo disparando a sua Mauser. A minha G3 fazia o seu trabalho e como era noite cerrada quem quer que fosse deve ter mesmo pensado que era emboscada de fuzileiros.

O que eu sei é que não se ouviu  nem mais um pio e passados uns minutos passou mesmo em frente ao nosso barquito uma jangada vazia levada ao sabor da  corrente. O factor surpresa tinha mesmo funcionado como eu tinha desejado.

Passada uma semana foi à nossa" enfermaria" para tratamento uma mulher balanta com uma ferida/rasgão numa coxa (como maneira de criar boa vontade entre a população nós dávamos alguma assistência em casos simples ao nosso alcance"). Foi-me depois contado que isso tinha sido resultado duma "emboscada de fuzileiro" no rio Geba: a história dela foi que estavam a fazer cambança de arroz; que fuzileiro pensou que era bandido e atacou; e eles para se safarem da emboscada de fuzileiro deitaram  tudo e todos ao rio; com a pressa a canoa voltou-se, quando ela já estava na água e apanhou-lhe a perna…

Quando cheguei finalmente ao destacamento estava tudo em pé de guerra, guardas duplas e toda a gente preparada para o que desse e viesse, esperando um ataque… e "ainda por cima eu ainda não tinha voltado e não sabiam nada de mim"...que um bombardeiro  os tinha contactado; que havia movimentos suspeitos no rio, e que eles tinham dito ao bombardeiro que o alferes tinha ido pescar mas ainda não tinha voltado…

Depois de umas duas horas achei que "o perigo" tinha passado; que não havia mais razão para alarme; que eu ficaria ainda mais uns tempos de pé, mas que as sentinelas passassem a ser simples (não dobradas) e que toda a gente devia voltar ao normal.

Isto é o que me lembro: se alguém do meu pelotão que estava lá e se lembrar disto, por favor contactem-me por e-mail - jcrisostomo@earthlink.net - para combinarmos falar pelo telefone ou mesmo pessoalmente se puder ser. Gostaria imenso de poder relembrar mais e falar desta tarde de aventuras (e de muita estupidez minha que poderia ter tido consequências graves) com alguém que porventura ainda se lembre disto.

Não tenho a certeza mas parece-me que quem estava lá comigo como furriéis eram o António Lopes, o Bonifácio (o "passarinho") e/ou o Farinha ou o Neiva, não me recordo qual, (que por uma razão ou outra por vezes havia mudanças temporárias)…

João Crisóstomo




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: localidades da margem direita do Rio Geba por onde andou a CCAÇ 1439, e aqui assinaladas a zul: Porto Gole (destacamento), Enxalé (sede), Missirá (destacamento)... Mas também por onde passou, na margem esquerda (aquartelamentos assinalados a verde: Xime e Bambadinca). Finete, em frente a Bambadinca, na margem direita do rio Geba, era um destacamento de milícias, no regulado do Cuor.  

Até ao início de 1969, o PAICG controlava largamente as duas margens do Rio Corubal, entre a mata do Fiofioli e a foz do rio Corubal. Os pontos de cambança nos rios Corubal e Geba  eram absolutamente fundamentais para o abastecimento das regiões do Óio, Norte e Leste, a partir do sul (Quínara e Tombali). As colunas, apeadas, do PAIGC, para reabastecimento do norte, centro e leste da Guiné, a partir do "corredor de Guileje",  foram verdadeiras epopeias a que temos de render homenagem. A homenagem é a um povo extraordinária, capaz de enormes sacrifícios, como os guineenses. Do corredor de Guileje até à margem esquerda do rio Geba, as colunas podiam ser feitas em dois dias, com escolta!... LG

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).
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Nota do editor

Último poste da série > 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano