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domingo, 4 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23586 Os nossos camaradas guineenses (47): Tala Biu Djaló, ex-alf 2ª linha, cmdt Pelotão de Milícias (Bedanda, 1965/69), e ex-fur graduado 'comando, 1ª CCmds Africanos (Fá Mandinga, 1969/70), desaparecido em Conacri, em 22/11/1970, no decurso da Op Mar Verde (Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bednda, 1966/68)




Tala Biu Djaló, ex-fur graduado 'comando', 1ª Companhia de Comandos Africanos. Pertencia ao Gr Com do alf graduado 'comando' João Benjamim Lopes, que ficou retido em Conacri, em 22 de novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde. Terá sido depois fuzilado, juntamente com todo o grupo.

Originalmente, o Tala Dajló era alf de 2ª linha, comandante do Pelotão de Milícias, de Bedanda, ao tempo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro da CCAÇ 6,  cap inf Aurélio  TRindade (Bedanda, 1965/67).

Fotos ( e legendas): © Hugo Moura Ferreira (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Hugo Moura Ferreira
1. Mensagem de 30/8/2022, 0h56, do veterano da Tabanca Grande, Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil inf, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/1968)
 
Verifiquei que, no poste colocado em 29Ag22 (Guiné 61/74 - P23565) (*), dás como em falta uma imagem do meu saudoso amigo Tala Biu Djaló. Sendo assim, aqui te envio uma imagem dele.

Abraço e dispõe para aquilo que aches que eu possa ser útil. Hugo Moura Ferreira (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22666: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (19): ilha de Soga, arquipélago dos Bijagós, junho de 2021: II (e última) Parte: Os fantasmas da Op Mar Verde (invasão de Conacri, em 22/11/1970)


Foto nº 13
>Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Etamburo > O Patrício Ribeiro lendo o livro  "Operação Mar Verde", de António Luís Marinho.


Foto nº 11 >Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Restos fantasmagórivos do  Quartel de Soga... Ainda existem alguns pavilhões que poderão ser recuperados.  Aaqui partiram os militares portugueses para Conacri em 20.11.1970 às 20,00 h, para a Operação Mar Verde. E no final da operação, para aqui voltaram.


Foto nº 11.1 > 
>Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Restos fantasmagórivos do  Quartel de Soga (1)


Foto nº 11.2 > Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Restos fantasmagóricos do  Quartel de Soga (2)


Foto nº 11.3 > 
Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Restos fantasmagóricos do  Quartel de Soga (3): estrtutura de uma viatura


Foto nº 12 > 
Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > No interior da ilha, a norte, houve um acampamento militar a cerca de 3 km da rampa e do quartel, onde se deu formação aos opositores de Sékou Touré. Visitei o local, é uma lala, onde já não há vestígios do acampamento. Até há poucos anos, havia algumas palmeiras cravejadas de balas, agora só há cajueiros.


Foto nº 12.1 > 
Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Antigo acampamento militar (1)


Foto nº 12.2 > Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > Antiho acampamento militar (2)


Foto nº 12.3 > 
Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 > No interior da ilha, a norte, houve um acampamento militar a cerca de 3 km da rampa e do quartel, onde se deu formação aos opositores de Sékou Touré. (3


Foto nº 10 >Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 >
Rampa Cais de Ancanquê, junto ao antigo quartel... Em frente a ilha de Bubaque


Foto nº 10.1 >Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 >
Rampa Cais de Ancanquê, junto ao antigo quartel... Em frente a ilha de Bubaque (1)


Foto nº 10.2  >Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Soga >  Junho de 2021 >
Rampa Cais de Ancanquê, junto ao antigo quartel... Em frente a ilha de Bubaque (1)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1
. Continuação da publicação das fotos da ilha de Soga, visitada em junho de 2021 pelo Patrício Ribeiro (português, natural de Águeda, da colheita de 1947, criado e casado em Nova Lisboa, hoje Huambo, Angola, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande, com mais de 110 referências no blogue) (*)

Data - 17 out 2021, 13:40

Assunto - Fotos da ilha de Soga

Junto mais umas fotos, da Ilha de Soga: “quem lá vai, já não sai”...



2ª Parte


Seguem fotos da rampa Cais de Ancanquê, junto ao antigo quartel. A rampa está a ser reparada pela ONG AIDA, com financiamento da UE.

Uns metros mais à frente da rampa no mar, o meu GPS marcava um canal com 10 mt de profundidade.

Poucas milhas à frente, está a Ilha de Bubaque, que pode ser vista nas fotos nºs 10, 10.1, 10.2


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Carta de Bubaque (1057) > Escala 1/50 mil > Posição relativa das ilhas de Soga, Bubaquie, Rubane e Formosa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Do Quartel de Soga, ainda existem alguns pavilhões que poderão ser recuperados. A ONG SOGA, está a pensar fazê-lo, mas com são terrenos militares, por vezes encontram muitos obstáculos… (Fotos nºs  11, 11.1, 11.2, 11.3).

Daqui partiram os militares portugueses para Conacri em 20 de novembro de 1970 às 20,00 h, para a Operação Mar Verde. E no final da operação, para aqui voltaram.

No interior da ilha, a norte, houve um acampamento militar a cerca de 3 km da rampa e do quartel, onde se deu formação aos opositores ao regime de Sékou Touré.

Visitei o local, é uma lala, onde já não há vestígios do acampamento. Até há poucos anos, havia algumas palmeiras cravejadas de balas, agora só há cajueiros. (Fotos nºs  12, 12.1, 12.2).

Nesta viagem para a Guiné, tinha levado alguns livros de Lisboa para ler; para a ilha de Soga, fui acompanhado pelo “Operação Mar Verde”, 2ª Edição (Foto nº 13).

Nota: para esta ilha, não há transportes públicos. Só se lá chega através de canoas, ou com os pescadores, nas suas pirogas.

Abraço
Patrício Ribeiro 

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau, Guin+e Bissau
Tel 00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22653: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (18): ilha de Soga, arquipélago dos Bijagós, junho de 2021 (Parte I)

(...) Comentário de Patricio Ribeiro ao poste P22653:

(...) Tive curiosidade de ler tudo o que foi possível sobre a Operação "Mar Verde", quando praticamente no mesmo dia, eu já ouvia a Rádio Moscovo e a Rádio Brazzaville do MPLA a falar no ataque.

E depois de um camarada, da Escola de Fuzileiros de Vale do Zebro me aparecer em Luanda (, uns dias depois da operação), a contar que tinha saído de Bissau para Luanda, pois o Spínola mandara sair de Bissau todos os que tinham estado em Conacri. E que ele lá não morreu, porque a bala entrou no carregador!!!

Mais tarde, tive a possibilidade de ler o que o Comandante Alpoim escreveu sobre a operação, depois a 1ª edição da Operação Mar Verde, assim como a 2ª edição do livro do António Luís Marinho.

Não li tanto como o historiador José Matos, que há 2 dias me assinou o livro "Ataque a Conacri", na sessão de lançamento do livro. Tive oportunidade de assistir ao debate do lançamento do livro, em que a plateia estava dividida ...

Conforme se pode ler nos diversos livros, "quem entrava na Ilha de Soga, já não saía", para manter a operação secreta.

Convivi e conversei muito, com o Comandante Alpoim Calvão em Lisboa, Bissau e em Bolama, nos últimos anos da vida dele. Ele era o comandante da Escola de Fuzileiros em 1968, quando eu para lá fui aprender a caminhar no lodo diariamente, atividade que ainda hoje pratico profissionalmente. Vi muitos colegas meus a fazer pistas de lodo de madrugada à chuva, de "castigos que ele atribuía",  e de combates de boxe, no gabinete dele, em que a outra parte tinha direito a defender-se, quando o assunto era mais grave. (...)

 
23 out 2021 12:23

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22099: Notas de leitura (1351): "Ataque a Conakry, História de um Golpe Falhado", por José Matos e Mário Matos e Lemos; Fronteira do Caos, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
 
O livro de José Matos e Mário Matos e Lemos incorpora investigação que não é despicienda. E está bem contextualizado: os sonhos de Spínola saem gorados em 20 de abril de 1970, quando o plano congeminado de incorporação de guerrilheiros do PAIGC acaba numa tragédia, o Comandante-Chefe alinha numa solução radical, uma tentativa de golpe de Estado envolvendo um grupo de opositores de Sékou Touré organizados na FLNG. Tudo se revela frustrante ou pouco sério, bem detalhado pelos autores. 

E temos a invasão propriamente dita e o rescaldo, diplomaticamente desastroso e que fez crescer os anticorpos contra o colonialismo português. E a análise da operação passa pela verificação que deixara de haver qualquer solução militar, o regime de Caetano não dispõe de mais meios, ainda se tentarão soluções recorrendo ao projeto Alcora, em 1974, para comprar um dispositivo de deteção aérea, o Crotale, mas era irremediavelmente tarde.
 
Um belíssimo ensaio, credor da vossa atenção.

Um abraço do
Mário


Ataque a Conacri, história de um golpe falhado

Mário Beja Santos

"Ataque a Conakry, História de um Golpe Falhado", por José Matos e Mário Matos e Lemos, Fronteira do Caos, 2020, é a mais recente investigação sobre o antes, durante e após a Operação Mar Verde. 

Os acontecimentos em si do que ocorreu na madrugada do dia 22 de novembro de 1970 é amplamente conhecido, nos seus traços essenciais: com o beneplácito de Marcello Caetano, foi desencadeada uma tentativa de sublevação a partir da capital da república da Guiné Conacri, seis navios de guerra portugueses transportaram uma força militar de tropas especiais portuguesas e opositores do regime de Sékou Touré. 

O objetivo da operação era múltiplo: incluía a tentativa de um golpe de Estado que derrubasse o ditador guineense, destruir os meios navais do PAIGC e da Guiné Conacri, capturar Amílcar Cabral, resgatar 20 e poucos militares portugueses encarcerados numa prisão às ordens do PAIGC e neutralizar, destruindo mesmo, o potencial aéreo guineense. 

O sonho de Spínola em ver instalado um regime em Conacri que expulsasse o PAIGC malogrou-se: nem o ditador guineense nem o líder do PAIGC foram encontrados; por desacerto na comunicação, não foi tomada a estação de radiodifusão, que seria essencial para os sublevados anunciarem o golpe de Estado, os aviões de origem soviética tinham mudado de aeroporto, os meios navais do PAIGC foram destruídos, os prisioneiros portugueses foram resgatados, a prazo os sublevados guineenses foram executados como executados foram o alferes Januário Lopes e cerca de duas dezenas de militares-comandos africanos que se rebelaram contra as intenções da Operação Mar Verde e se entregaram às autoridades guineenses. O malogro deste ataque a Conacri iria constituir o mais rude golpe diplomático, adensando o isolamento do Estado Novo.

Em que é que a obra de José Matos e Mário Matos e Lemos introduz inovações? A estrutura do estudo permite uma leitura cronológica e o conhecimento aprofundado de um punhado de peripécias que a investigação permitiu desvendar. Fica bem claro que a Operação Mar Verde foi uma ousadia, tinha planeamento mas enfermava de graves omissões: o efetivo de sublevados era irrisório, a clique política guineense-Conacri que aceitara participar na Operação vivia graves tensões internas e a sua motivação e programa eram uma nebulosa; a PIDE não dispunha de informações fiáveis sobre os objetivos, houve que recorrer a um antigo desertor, o soldado Alfaiate, que se prestou a explicar a topografia da cidade, manifestamente insuficiente o seu conhecimento; diferentes ministros de Caetano puseram seríssimas reticências à operação, temeram sempre o pior, as consequências internacionais, as informações que se dispunham nos dirigentes políticos da oposição levavam a supor que seria um golpe de Estado de pouca dura, haveria um volte-face em poucos meses, e o PAIGC reocuparia rapidamente esta poderosa retaguarda. 

Os autores consideram que os dois principais acontecimentos políticos congeminados por Spínola: um, para atrair guerrilheiros numa nova formação militar composta por guineenses apoiantes da soberania portuguesa e outros a favor da independência; dois, instalar em Conacri um regime hostil ao PAIGC, deram como falhanço e o governador e comandante-chefe da Guiné, a partir daí, quis sempre abrir a porta para a solução política, que Caetano energicamente recusou. É verdadeiramente de questionar se não houve mais aventureirismo que realismo, ao querer confiar naquela oposição a Sékou Touré, sabendo-se mesmo que a Organização da Unidade Africana  [OUA] teria todos os predicados para intervir e abortar o golpe de Estado.

Depois de contextualizar a estratégia de Spínola na Guiné e de se ter chegado à solução radical da Operação Mar Verde, conta-se a história dos contatos estabelecidos entre esta oposição a Sékou Touré e as autoridades portuguesas. Pesquisada a documentação, as intenções desta frente de libertação da Guiné (FLNG) eram dadas como amadoras, mesmo sabendo-se que a França e o Senegal veriam com bons olhos o derrube do ditador de Conacri. 

Até 1970, a FLNG não tinha quaisquer intenções de organizar uma guerrilha, mas sim um golpe contra Sékou e a sua clique de apoio, dizia que o povo da Guiné Conacri os acolheria triunfalmente. No entanto iam pedindo dinheiro a Portugal, e repetidamente. Os autores dão-nos um quadro das cumplicidades, mostram com desenvoltura o planeamento da Operação e o seu desfecho; e chegamos ao rescaldo, a verificação por parte de Spínola de que não era viável uma solução militar. Segue-se a escalada da guerra, é certo e seguro que os meios de fogo do PAIGC passaram a ser superiores aos das forças portuguesas, Spínola pede a exoneração e planeia escrever "Portugal e o Futuro", será publicado em 22 de fevereiro de 1974, que propõe era já inviável, mas criou condições para a arrancada do 25 de abril. 

Os autores recordam que Caetano defendia uma autonomia progressiva para as colónias e não aceitava uma negociação com o PAIGC, segundo ele, seria um precedente relativamente às outras colónias, ele pensava que Angola e Moçambique podiam acabar na independência desde que estivessem assegurados os direitos dos colonos. Havia também hipóteses do plano de Spínola que não tinham nem pés nem cabeça, como o de integrar Amílcar Cabral como Secretário-Geral do Governo Provincial. E os autores observam: 

“Cabral nunca mostrou qualquer interesse em negociar com Spínola. Para o líder do PAIGC, o diálogo teria que ser com o governo central em Lisboa e não com o governador provincial. Isto significa que Spínola tentou protagonizar na Guiné uma solução que estava condenada à partida, não só porque estava em rota de colisão com a política oficial do regime, como também não correspondia às aspirações do PAIGC”.

Trata-se de um estudo muito bem urdido e que introduz dados novos sobre a Operação Mar Verde. Como em toda a historiografia da guerra da Guiné, omite os dados relevantes da génese e desenvolvimento da luta armada. A historiografia privilegia Spínola e nunca se serve dos arquivos para estudar os acontecimentos ocorridos entre 1962 e 1968, parece sempre Louro de Sousa e Arnaldo Schulz andaram para ali sete anos a encanar a perna rã, nunca se fala nos meios postos à disposição destes dois comandantes-chefes e até do dinheiro que o regime de Salazar dificultou para o desenvolvimento socioeconómico da Guiné. É dentro da efabulação que a historiografia faz aparecer Spínola como o Atlas do combate feroz à guerrilha, da implementação da Guiné melhor e dos cheiros da autodeterminação. Isto só para sublinhar que continuamos a fazer historiografia numa sala de espelhos partidos.
A bordo da LDG Montante, oficiais da Armada com os dirigentes da FLNG que iriam atacar o Campo Militar Samory, imagem do livro
Prisioneiros portugueses em Conacri
Prisioneiros portugueses a caminho de Bissau
Banda-desenhada de António Vassalo sobre a Operação Mar Verde
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22069: Notas de leitura (1350): “Guerra e Política, Em nome da verdade os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga; Edições Referendo, 1987 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21998: Agenda cultural (768): a propósito do livro "Ataque a Conacry: História de um Golpe Falhado", José Matos deu uma entrevista à RTP - África, no passado dia 9



Capa do livro, montagem do editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 
com a devida vénia. O  livro é publicado sob a chancela da  Fronteira do Caos Editores
Lisboa, 2021.


1. Mensagem do José Matos, historiador militar e membro da nossa Tabanca Grande, ainda a propósito do seu livro (em coautoria com Mário Matos e Lemos), "Ataque a Conacry: História de um Golpe Falhado" (Lisboa, Fronteira do Caos, 2021, 170 pp., il.) (*):

Date: quarta, 10/03/2021 à(s) 10:43
Subject: Re: Mar Verde

Olá, Luís

A respeito do livro sobre a Mar Verde enviava-te mais alguma informação sobre o seu conteúdo, que podes publicar no blogue.

O livro está dividido em 4 capítulos de forma a enquadrar a operação no período em que Spínola esteve na Guiné. Vejamos então o que é abordado.

Capítulo 1- Spínola na Guiné - Começa com a nomeação do general Spínola para a Guiné e faz uma análise do seu desempenho até à Mar Verde.

Capítulo 2 - Os antecedentes da Mar Verde - Neste capítulo são analisados os contactos entre as autoridades portuguesas e os movimentos dissidentes guineanos com especial de destaque para a FLNG [, Frente de Libertação Nacional da Guiné-Conacry].

Capítulo 3 - A invasão de Conakry - Aqui é analisada a preparação da invasão e a sua execução.

Capítulo 4 - A impossibilidade de uma solução militar - Uma análise sobre o período seguinte com as tentativas de Spínola para negociar uma solução para resolver o conflito na Guiné.


Ver, entretanto, a  partir do minuto 24:56, a entrevista que dei para a RTP África sobre o livro,

terça-feira, 9 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21986: Facebook...ando (62): Um dos que participou na Op Mar Verde foi o 2.º Srgt Fuzileiro Domingos Demba Djassi, a quem dei trabalho depois de desmobilizado, e que desapareceu em 21 de março de 1975 (Mário de Oliveira, BIssau e Alcaide, Fundão)

1. Do Mário [Serra] de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68)

[foto à esquerda: Mário Serra de Oliveira, ex-1.º cabo escriturário, BA 12, Bissalanca, 1967/68; é autor de "Palavras de um Defunto... Antes de o Ser" (Lisboa: Chiado Editora, 2012, 542 pp, preço de capa 16€, lirvo escrito sob o pseudónimo de Mário Tito; sob este perfil, também assina vários blogues]

(i) nasceu em 1945 em Alcaide, Fundão;

(ii) aos 14 anos, foi para Lisboa a trabalhar como “marçano” numa mercearia;

(iii) posteriormente, enveredou pela indústria hoteleira, trabalhando em Lisboa, Algarve e Viana do Castelo;

(iv) ingressou no exército e, após recruta, foi transferido para a Força Aérea (, como 1.º cabo escriturário, BA 12, Bissalanca, 1967/68);

(v) na prática, cumpriu a sua comissão em Bissau na Messe de Oficiais da FAP;

(vi) assistiu ao 25 de Abril, período de transição para a independência;

(vii) foi empresário hoteleiro em Bissau, antes de regressar definitivamente ao fim de 14 anos e meio, tendo trabalhado ainda  na Embaixada dos EUA em Bissau;

(viii) dali, embarcou num navio sismográfico, como cozinheiro chefe rumo a Inglaterra, Holanda, Escócia (Mar do Norte);

(ix) acabou de chegar aos Estados Unidos juntamente com sua esposa, ao serviço da embaixada de Portugal em Washington;

(x) mais tarde, trabalhou cerca de 20 anos na Embaixada da Alemanha, também em Washington;

(xi) reformado, voltou à sua terra natal;

(xii) tem página no Facebook > Mário de Oliveira;  tem mais de 35 referências no nosso blogue; entrou para a Tabanca Grande em


2. Comentário do Mário Serra de Oliveira a um poste da  página do Facebook da Tabanca Grande,  de ontem, e relacionado com o lançamento do livro "Ataque a Conacry: história de um golpe falhado", de José Matos e Mário Matos e Lemos (Lisboa, Fronteira do Caos, 2021, 170 pp.)

Entre eles [, os que participaram na Op Mar Verde], estava o 2.º Srgt Fuzileiro Domingos Demba Djassi... a quem dei trabalho depois de desmobilizado. (**)

A um ponto, e como eu tinha mais que um local, ele passou a ser o "meu braço direito" do restaurante "A Tabanca". Foi ali que, no dia 21 de Março de 1975, prenderam 3 ex-comandos africanos, sendo que, o 4.º estava de folga. 

É de notar que 21 de Março de 1975 foi uma 6.ª feira, dia de folga do Djassi, porque ele era muçulmano e, por isso estaria na Mesquita, junto ao bairro do Pilão. Quando prenderam os 3, também levavam outro que não tinha sido militar mas que tinha uma "barbicha" um pouco maior que a do Djassi. 

A ideia deles era que, o da barbicha fosse o Djassi. Eu fiquei à porta de mãos na cabeça, com 4 "kalas-ti-o-ti-fodes" apontadas por 4 paigecês  armados até aos dentes. Ali, eu, ao ver o da barbicha também debaixo de prisão... falei em crioulo para ele, "onde é ki bó na-bai? (como que perguntando "onde é que tu vais"!)... "R mim cá sibe" (eu não sei). respondeu ele. "Intão por ki bó no fala qui bó no foi tropa"? 

Porque eu sabia que ele não tinha sido tropa ao nosso lado. Foi a sorte dele, porque um paigecê pergunta-me onde esta o outro (, o Djassi). Não sei... porque ele está de folga. Bem, largaram o outro da barbicha, deram ordens para encerrar o estabelecimento e levaram os 3. 

Nunca mais os vi, nem ao Djassi. Mais tarde constou-se que foram 14.800 fuzilados ou mesmo enterrados ainda a mexer. Lá me safei, depois de me ameaçarem que me pusesse a pau, porque o nome constava na lista negra!!! Oh lari-lolela, tal e qual. 

Mais tarde encerrei tudo e procurei trabalho na Embaixada dos EUA já então em Bissau. A minha mulher foi para cozinheira do embaixador e eu para "encarregado do pessoal local".
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segunda-feira, 8 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21982: Agenda cultural (767): Novo livro de José Matos (coautor: Mário Matos e Lemos): "Ataque a Conacry: História de um Golpe Falhado" (Lisboa, Fronteira do Caos, 2021, 170 pp., il.)


Capa do novo livro do José Matos, em coautoria com Mário Matos e Lemos. 


1. Mensagem de José Matos, membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 40 referências no nosso blogue:

Data - 7 de março de 2021, 4h18
Assunto - Op Mar Verde

Caro amigo

Espero que te encontres de boa saúde e em grande forma. Estou a escrever-te para anunciar a saída domeu novo livro sobre a Operação Mar Verde na Guiné em 1970. É mais um livro de História, sempre bem documentado e com algumas novidades. Espero que gostes e aqui ficam os links para uma possível compra:


Envio-te também um artigo que escrevi em francês e algum material de divulgação para que possas meter no blogue. [José Matos: "Il y a 50 ans: Opération Mar Verte: l'invasition secrète de Conacry". Marines & Forces Navales, 190,  novembre, 2020, pp. 10-13. Vd, página no Facebook; a revista em papel, é editada pelas Éditions Ouest - France.]

PS - Sobre o livro pedia-te para salientar que se trata de uma abordagem histórica à operação, ou seja, não é um livro de opiniões sobre isto ou aquilo. É que tenho visto no facebook que as pessoas falam sem saber do que estão a falar ou sem sequer terem visto o livro. O livro tem 170 páginas e está muito bem documentado, eu diria que é mesmo o melhor livro que se podia escrever sobre a Mar Verde. Fala também do antes e do depois da operação. Estou muito satisfeito com o resultado final e quando comprares vais ver que é realmente um livro de grande qualidade. (*)
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Ficha técnica:

Título: Ataque a Conakry: História de um Golpe Falhado
Autores: José Matos e Mário Matos e Lemos

ISBN: 9789895489268  | Ano de edição: 03-2021 | Editor: Fronteira do Caos | Idioma: Português | Dimensões: 160 x 235 x 9 mm | Encadernação: Capa mole | Páginas: 170 | Tipo de Produto: Livro | Classificação Temática: História Militar | Preço de capa: 14,75 €

 Sinopse:

Na madrugada do dia 22 de novembro de 1970, seis navios de guerra portugueses cercaram Conakry, a capital da República da Guiné, na costa ocidental africana. Aproveitando a escuridão da noite, uma força militar desembarcou nas costas norte e sul da cidade adormecida.

À frente destes homens estava um jovem oficial português, Alpoim Calvão, que tinha sido nomeado para comandar esta operação secreta, com o nome de código Mar Verde. O objectivo principal da invasão era promover um golpe de Estado na antiga colónia francesa e derrubar o regime do presidente Sékou Touré, que apoiava os guerrilheiros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), que lutavam pela independência da Guiné portuguesa. 

Os invasores pretendiam também destruir os meios navais que os guerrilheiros e a Marinha guineana tinham no porto de Conakry, capturar o líder do partido, Amílcar Cabral, e resgatar um grupo de militares portugueses encarcerados numa prisão às ordens do PAIGC. 

A incursão acabaria por não ter o sucesso esperado relativamente ao golpe de Estado e Portugal seria condenado nas instâncias internacionais pela invasão de um estado soberano, mas esta operação ficaria na memória de muitos como a mais ousada levada a cabo durante a guerra colonial em África, embora o regime português nunca reconhecesse o seu envolvimento.

Fonte: Bertrand Livreiros (com a devida vénia)

Os Autores

José Matos - Investigador em História Militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular da Revista Militar e de revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou nos livros A Força Aérea no Fim do Império (2018); A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana (2019). É co-autor dos seguintes livros: Nos Meandros da Guerra - O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné (2020); War of Intervention in Angola, Volume 3: Angolan and Cuban Air Forces, 1975-1989 (2020).

[Do José Matos ver,  no nosso blogue, um poste anterior sobre a Op Mar Verde (**)]

Mário Matos e Lemos - Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi jornalista da Agência de Notícias e Informações (ANI), do Diário  de Notícias e do Diário do Norte (1956-1972). Entre 1972 e 1998 desempenhou funções de conselheiro cultural e de imprensa em diversas embaixadas portuguesas. Foi diretor do Centro Cultural Português de Bissau e, fugazmente, diretor do CENJOR. Atualmente é investigador do CEIS 20, da Universidade de Coimbra. É autor de obras como Liberdade de Imprensa e Outros Ensaios (1964); Um Vespertino do Porto (1972); O 25 de Abril, Uma Síntese, Uma Perspectiva (1986); Política Cultural Portuguesa em África – O Caso da Guiné-Bissau (1999); Dicionário de História Universal (2001); Jornais Diários Portugueses do Século XX. Um Dicionário (2006); José de Melo, o Primeiro Fotógrafo de Guerra Português (2008); Oposição e Eleições no Estado Novo  (2012); 1945 – Estado Novo e Oposição – O  MUD e o Inquérito às suas Listas (2018).

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Notas do editor: 

(*) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21874: Agenda cultural (766): "A Descolonização", série da RTP com emissões nos dias 2; 10 e 16 de Fevereiro de 2021 na RTP2


(...) Finalmente sobre a [Op] Mar Verde, a decisão do [cmdt Alpoim] Calvão em retirar foi a mais acertada a partir do momento que percebe que não conseguiu eliminar a componente aérea. Fez bem em sair, agora vamos imaginar que a malta tinha apanhado os MiG em Conakry, aí o resultado tinha sido outro…

Se não fosse a incerteza dos MiG nós tínhamos dominado a capital, a cidade já estava de pantanas ao fim da madrugada e o golpe teria tido outra evolução. Foi mesmo falha nas informações… A PIDE devia ter mandado alguém para capital uns dias antes para ver o que se passava, para ver se os MiG estavam lá ou não e recolher informações…não fizeram nada disso e deu no que deu… (...) 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20587: Agenda Cultural (724): Palestra sobre a Op Mar Verde (22/11/1970) pelo escritor António José dos Santos Silva: Palacete Viscondes de Balsemão, Pr Carlos Alberto, 71, Porto... Sábado, 1 de fevereiro de 2020, às 14h30

Capa do Livro de Banda Desenhada de A. Vassalo (*)


C O N V I T E

DISSERTAÇÃO SOBRE A OPERAÇÃO "MAR VERDE"


Cartaz oficial do evento


Capa do livro do António José dos Santos Silva, "CIOE: DA GUERRA DO ULTRAMAR AOS DIAS DE HOJE" (Lisboa: Nova Arrancada, 2002 173 pp.)


Caras Amigas e Caros Amigos!

Nos 50 Anos (1970-2020) da Invasão da Guiné-Conacri, pelas Forças Armadas Portuguesas, o GRUPO VIRIATOS e ANTÓNIO JOSÉ DOS SANTOS SILVA têm a honra de os CONVIDAR para a Dissertação em cima anunciada. 

Entrada Livre. 

Como em casos similares,  não existem cadeiras que sejam previamente sujeitas a qualquer tipo de marcação.

Melhores Cumprimentos.

GRUPO VIRIATOS
ANTÓNIO JOSÉ DOS SANTOS SILVA (**)
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Notas do editor

(*) O [António M.] Vassalo Miranda, nascido em Vila Franca de Xira, em 1941,  tem seis referências no nosso blogue: foi furriel mil 'comando', participou na Op Tridente, é um veterano da Guiné, c. 1963/65. Passou também por Angola. Como civil, viveu algum tempo em Moçambique, na Rodésia (hoje Zimbábuè) e na República Sul-Africana. É amigo do Virgínio Briote, do João Parreira, do Mário Dias... E é grande criador de banda desenhada  infelizmente com problemas de saúde ocular.  Infelizmente, também, não faz (ainda) parte da  nossa Tabanca Grande.

(**) Último poste da série de 22 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20583: Agenda cultural (723): Exposição de fotografia do nosso camarada Renato Monteiro, "Festas de N. Sra. da Troia", sábado, 25 de janeiro, 16h00, em Setúbal, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20577: Notas de leitura (1257): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
António Lobato mexe e remexe no seu poderoso testemunho, de edição para edição. Nos dois textos anteriores apegámo-nos à 2.ª edição, com data de 1995 e agora, tendo em conta a 5.ª edição, de 2014, verificam-se aprimoramentos que, é o meu pensar, tornam este documento imorredoiro na história da literatura da guerra da Guiné, pegam-se em duas descrições, uma a fulgurante aterragem depois do acidente aéreo no regresso da Ilha do Como, é de uma vivacidade impressionante, incluindo não só os gestos necessários à pilotagem mais adequada às circunstâncias como o texto faz fé ao estado de alma de quem vai procurar sobreviver; o segundo texto é uma narrativa de cativeiro, releva o macabro da sordidez do presídio, o macabro e o nauseabundo de toda aquela escravidão a que estavam submetidos os adversários de Sékou Touré.

Um abraço do
Mário


Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: 
Liberdade ou Evasão, por António Lobato (3)

Beja Santos

António Lobato
É bem evidente a marca da catanada na região frontal

Dedicamos este espaço à última edição da obra de António Lobato, o autor tem vindo a mexer e a remexer, temos agora uma narrativa ainda mais vigorosa e em muitos pontos ganhou intimismo, espelhando os altos e baixos de um cativo que descobre força anímica para acreditar em si próprio e tentar escapar ao degredo.

A primeira descrição relaciona-se com o acidente aéreo, tem mais detalhe, dinâmica, a clara perceção do risco, a mestria da operação para aterrar em condições excecionalmente hostis:

“O meu avião continua a vibrar como que sacudido por uma peneira gigante, devido ao desequilíbrio provocado pelo hélice todo torcido. Nestes casos, o procedimento para evitar o descontrolo total é parar o motor e saltar em paraquedas, ou então tentar uma aterragem de emergência sem motor.
Num relance de olhos para o exterior, vejo uma clareira no meio da mata onde me parece que sou capaz de meter o avião.

Como o motor está parado, sei que tenho de guardar uma velocidade tal que me permita manter o avião a voar como um planador e fazer uma avaliação muito correta de aproximação ao início da clareira, tão baixa quanto possível, mas sem bater nas árvores que a circundam.

A quem não está familiarizado com os assuntos de aerodinâmica e pensa que a um avião com o motor parado só resta cair, devo esclarecer que, enquanto houver altitude suficiente para descer e manter uma velocidade de planeio, este voa normalmente até chegar ao solo.

Perante a rapidez de decisão que a situação exige, o afluxo de adrenalina é tal que todas as faculdades passam a ter uma acuidade várias vezes superior ao normal.

Todas as mnemónicas aprendidas há cinco anos atrás, ainda na fase da formação, para fixar procedimentos de emergência, afluem à memória com um rigor e uma fidelidade alucinantes.
Nos escassos segundos que me separam do contacto com o solo, enquanto vigio e controlo com a cabeça, com as mãos e com os pés, não só o valor sagrado daquela velocidade mínima que ainda permite voar, mas também a altitude, a direção e as manobras de glissagem, perigosas mas necessárias para encaixar o avião no início da exígua clareira, vou simultaneamente executando os restantes procedimentos que contribuem para o sucesso de uma aterragem de emergência, tais como: apertar cintos, abrir cabine, desligar combustível, mistura e magnetos, desligar bateria e assumir uma atitude de corpo e alma bem encostados à cadeira.

O ponto de contato com o solo confirma-me a justeza do planeamento, mas surge um imprevisto que do ar foi impossível detetar – o terreno não é totalmente liso; sulcos profundos, espaçados metro a metro, cortam-no de lés a lés. É uma bolanha.


Ao intradorso das asas do T6 estão suspensas duas metralhadoras Browning, saliências que, ao entrar nos sulcos da bolanha, oferecem uma forte resistência ao deslizar do avião no solo.
Atendendo a que este tipo de aterragem é feito com o trem recolhido, o entrar das metralhadoras num dos sulcos teve o efeito de arrancar instantaneamente as asas à aeronave.
Fico sentado dentro de um charuto que rebola agora sobre si mesmo, ao longo do terreno”.

E é com esta chave explicativa, em pleno clímax, que Lobato sai incólume e vai ser capturado, ao princípio ainda acredita que quem com ele vem dialogar o ajudará a percorrer as duas dezenas de quilómetros para chegar a Catió, é brutalmente ferido, o calvário vai começar.
Lobato já está na cela n.º 7 na Maison de Force de Kindia, Guiné Conacri.

Vai-nos contar o início do dia nessa cadeia de segurança onde jazem inimigos de Sékou Touré:
“Não resisto à curiosidade de ver o que se passa no exterior e penduro-me nas barras de reforço da porta para elevar a cabeça a uma altura que me faculte uns metros de horizonte.
O que vejo aterroriza-me! O pátio é hexagonal, um espaço a céu aberto para onde se abrem quatro portas de ferro, totalmente opacas, bem mais baixas que a minha e sem grades a encimá-las, vai-se enchendo de negros de todas as idades, descalços e quase nus, manifestamente subalimentados, que saem por aquelas portas como rebanhos escorraçados por uma fera invisível que os persegue.
No centro do pátio, chicote em riste e porta de carrasco, um guarda sem expressão facial, tão ameaçador quanto esquelético, orienta para o grande portão de saída aquela enxurrada de negros totalmente desprotegidos, distribuindo chicotadas à direita e à esquerda, vociferando insultos apenas intercalados por nojentas cuspidelas num chão de cimento muito irregular.

Junto ao portão de saída para o exterior, alinhadas ao lado de cada uma das ombreiras, duas colunas de homens armados. Nos pés trazem sandálias de plástico coloridas pela terra avermelhada dos caminhos que percorrem. Vestem calças engelhadas, de um caqui esverdeado, e uma camisa sem mangas, do mesmo tipo de tecido.
À medida que os prisioneiros saem para as GMC que os esperam à porta, vão sendo contados pelos soldados.
Terminada a tarefa do embarque para trabalhos forçados, os grandes portões fecham-se e tem início outra tarefa, atribuída aos inaptos para o trabalho no exterior e àqueles que alguma vez tentaram a fuga.
De cada uma daquelas quatro portas opacas, ainda abertas, saem agora pequenos grupos que se movem com alguma dificuldade. Uns são leprosos a que já faltam partes do corpo, sobretudo das mãos e dos pés; outros tossem convulsivamente e expelem escarros amarelos para aquele chão meio desfeito; outros, ainda, apoiam-se às paredes para não tombar e arrastam-se com dificuldade em direção a uma outra porta que entretanto se abriu e dá acesso a uma área de recreio.
Os menos afetados por doença ou caducidade sustentam nos braços metades de bidões de duzentos litros que transbordam de fezes e outros dejetos. Acompanhados por um guarda, saem pela porta principal. Minutos depois, oiço-os nas traseiras da minha cela a despejar os imundos recipientes.

Todos os dias, após esta operação, o mau cheiro engrossa como se de coisa sólida se tratasse e põe a prisão a transbordar de nojo.
O trágico amanhecer não fica por aqui. O encetar de uma terceira operação obriga-me a descer do meu posto de vigia, mas ainda bem que isso acontece, porque já tenho os braços dormentes de estar tanto tempo suspenso.
O guarda começa a abrir as portas das sete celas que também dão para o pátio hexagonal. Dois negros estropiados retiram do interior de cada cela um balde de zinco que a seguir despejam num bidão colocado para o efeito num dos ângulos do pátio.

Também eu tenho aqui dois baldes, sendo um deles substituto da sanita e outro servindo de contentor de água para todos os fins, isto é, para beber, para lavar e para substituir o papel higiénico que por estas paragens é desconhecido”.

A transcrição destes dois textos é um convite para que se releia António Lobato, um jovem sargento piloto-aviador capturado no Tombali, em maio de 1963 e libertado durante a “Operação Mar Verde”, em novembro de 1970.

Foi considerado herói nacional e voltou ao ativo até ter passado à reserva em 1981. Exerceu outros cargos, posteriormente.

É um dos mais impressionantes documentos de vida em cativeiro, senão mesmo o mais impressionante de todos. De leitura obrigatória.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20555: Notas de leitura (1255): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,

Aqui se continua a recensão do Sargento Lobato, prisioneiro em Kindia, Guiné Conacri, focada na edição de 1995. Ele é o prisioneiro de guerra que está na cela n.º 7, tem um longo ano de isolamento, descreve primorosamente a luta para se manter racional, para ir resistindo a um corpo que perde tonicidade, ocupa a mente e um dia vem até ao pátio, o recluso pode conviver.

Começam as peripécias, com todos os riscos: escreve à família, dá a sua localização, várias vezes procura a evasão, sempre sem sucesso. A liberdade irá chegar a 22 de novembro de 1970, no decurso da Operação Mar Verde. O seu regresso deixa-o atordoado, não pode falar do seu cativeiro, vai à televisão contar umas patranhas. E volta ao seu mundo dos aviões. E terminará o dia numa conferência citando o personalista cristão Emmanuel Mounier: 

"Falta uma dimensão ao homem que não conheceu a prisão".

Não se entende como esta obra não encontrou um editor comercial, é um testemunho único. Vamos agora à edição de 2014, o agora Major Lobato remexeu na obra, deu-lhe outra palpitação sem renegar o escopo inicial. Esta edição catapulta o testemunho de Lobato para o patamar das grandes obras da literatura da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: 
Liberdade ou Evasão, por António Lobato (2)

Beja Santos

Estamos a seguir de perto a edição de 1995, mais tarde tomar-se-á em conta as edições introduzidas na 5.ª edição, de janeiro de 2014, ver-se-á como o testemunho do Sargento Lobato ganhou em vibração literária, em intimismo, em vigor sobre a reflexão de um cativeiro. Ele é o preso da cela n.º 7, em Kindia, Guiné Conacri. Procura aperceber-se de quem são os outros presos, vai-se cronometrando com as rotinas, o dia que começa com várias portas de ferro a ranger nos gonzos, as latrinas fétidas removidas das celas, Lobato tem dois baldes, um deles serve de sanita, o outro contém água para beber, para se lavar e para substituir o papel higiénico. Põe a mente a funcionar, é preciso resistir à loucura ou ao embrutecimento. Os sentidos afinam-se, a sua capacidade de sobreviver também. O almoço é constituído por quatro bananas cozidas. Pesquisa à volta, põe os sentidos a funcionar, passa por um estado de dormência.

“A minha cabeça está dorida e muito sensível. O simples toque dos dedos nos cabelos parece fazê-los enterrar-se, como espinhos, pelo crânio dentro. Este voltar do meu interesse para o corpo diz-me que continuo consciente da realidade vulgar, mas alerta-me também para outra realidade, muito mais real: é que bastou um simples avivar de sentimentos, provocado por um olhar para o firmamento, para desfazer a ilusão em que sempre tenho vivido de que o corpo sou Eu”.

Põe os ouvidos à escuta, adapta-se às rotinas da prisão, às orações dos muçulmanos, toma consciência de que perde tónus, surgiu a cárie dentária, há momentos de grande desânimo:

“Há cerca de três meses que oscilo entre o ser e o nada. Ou enlouqueço, ou me anulo, ou faço qualquer coisa para sobreviver até onde for fisicamente possível. Este estado caótico dentro de mim chegou ao limite do suportável. Isto que agora me tritura a alma, deve chamar-se desespero”.

Dá luta aos percevejos, vai descobrindo a resiliência, tudo faz para se manter lúcido, doseia a plena atenção com o entorpecimento:

“Quando o coração já não é mais que uma chaga e nem sequer reage aos golpes do punhal da lembrança; quando já não posso mais porque o cérebro, extenuado, se recusa a pensar por mais tempo e a evocar ou a lembrar-se; então a besta reclama, atiro-me para cima do catre e adormeço profundamente. Ao acordar, tudo renasce, recomeço a evocar, a lembrar-me, de novo a sofrer mas com resignação. Consolo-me com a vitória de ter enfrentado a dor, de a ter vencido, de não lhe ter fugido e de ter ganho qualquer coisa de muito preciso que me ajuda a crescer”.

Depois de um ano de isolamento, é-lhe facultada uma hora de recreio todos os dias, pode agora observar seres humanos e aperceber-se melhor de tudo quanto se passa dentro da prisão. Encontra leprosos, tuberculosos, sifilíticos, gente que vai morrer. Então encontra alguém que se chama Chambord Lambert Joseph Alexandre Raymond e que lhe abre espaço para escrever para o exterior. Em 28 de novembro de 1964, da sua cela vedada com cimento e ferro, sai um código e o relatório da missão do dia 22 de maio de 1963, junta informações sobre a prisão em que se encontra, dedica alguma poesia a pessoas que ama profundamente, é de uma extrema beleza a mensagem que manda à mulher:

“Durante toda esta ausência que tanto nos faz sofrer, neste abismo de miséria que submerge, nas horas que tudo me abandona, a fé inclusive, é sempre a tua imagem que me ajuda a flutuar, que me impede do naufrágio irreparável”.


Major António Lobato no programa Prós e Contras, em 2007, com a devida vénia

Encontra outro soldado português capturado, António Lauro, de Sernancelhe. Recebe propostas do PAIGC para denunciar a guerra colonial e partir para o exílio, tudo recusa. Aparecem dois graduados portugueses, Rosa e Vaz. Rosa é alferes miliciano e foi capturado em Bissássema, virá a escrever o seu testemunho, cuja recensão existe no blogue. O testemunho de Lobato vai falar das tentativas de fuga e os seus insucessos, na última andará uma semana a monte.

E em 22 de novembro de 1970, acontece a liberdade. Durante a Operação Mar Verde, um grupo assalta a prisão e liberta os 23 cidadãos portugueses, prisioneiros de guerra. Atravessam Conacri e embarcam num vaso da Armada, Lobato é apresentado a Alpoim Calvão, este está inquieto, teme que os aviões MIG, que não tinham sido destruídos, possam vir no alcance dos navios da Armada. Mas nada acontece, o contingente regressa até à ilha de Soga, daqui Lobato é transportado para Bissalanca.

Em 26 de novembro, todos os prisioneiros de guerra aterram na Portela e vão no autocarro para o Forte de Catalazete, estão oito dias consecutivos trancados numa sala com luz artificial e guardados por dois inspetores da DGS. Lobato interroga-se se saiu de uma prisão para entrar noutra. Ao fim de oito dias, aparece um coronel da Força Aérea com a missão de propor a liberdade desde que se comprometa a guardar segredo sobre o que sabe do desembarque em Conacri e ir à televisão contar uma evasão fictícia. Lobato está estarrecido, tem que aceitar.

Finalmente vai encontrar-se com a família, segue com a mulher e os pais para Melgaço, onde é recebido apoteoticamente. Passam-se meses sem que a Força Aérea o convoque, Lobato escreve uma carta a Marcello Caetano, é então chamado a Lisboa onde o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea o recebe com gritaria e ameaças. O importante é que Lobato volta aos aviões, termina o seu relato falando de uma conferência que fez na Academia da Força Aérea e onde referiu que o choque que o indivíduo sofre quando é brutalmente retirado do seu ambiente habitual e colocado em condições precárias de sobrevivência coloca-o frente a frente consigo como se de duas pessoas distintas se tratasse. É uma luta transfigurante, tão intensa como a dialética interior à procura de uma fresta que mantenha o homem no limiar da razão. Lobato conseguiu fundir numa união racional aquilo que prevalece do homem social com o indivíduo.

“A partir do instante em que há passagem do ponto crítico com luz à reconciliação, acede-se a um estado de paz interior, a uma lucidez parente próxima da clarividência, a um racionalismo em que nada existe de insignificante. O que ainda resta da emotividade, reflete-se apenas em esporádicas euforias provenientes de um sentir, revelador da aquisição de qualquer coisa nova que nos sobredimensiona e que Mounier (filósofo francês, criador do personalismo cristão) exprime melhor do que ninguém:
- ‘Falta uma dimensão ao homem que não conheceu a prisão’.”

No último texto iremos abordar as adições que acabam por valorizar este testemunho e tornar o depoimento de Lobato uma das memórias mais impressivas de toda a guerra colonial que os portugueses viveram entre 1961 e 1975.



A última edição que conheço desta obra data de 2014, DG Edições, Linda-a-Velha.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 6 de janeiro de 2020> Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20545: Notas de leitura (1254): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (40) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
A narrativa do Major Lobato melhora de edição para edição, estou consciente que este aprimoramento vem da reflexão a que ele tem procedido, o que dá um caráter mais intimista à história do seu cativeiro. E, no entanto, somos agarrados sem qualquer possibilidade de despegar a nossa atenção tão avassaladora, veja-se logo aquela aterragem que lhe salva a vida em condições excecionais:  

"O ponto de contacto com o solo confirma-me a justeza do planeamento, mas surge um imprevisto que do ar foi impossível de detectar - o terreno não é totalmente liso; sulcos profundos, espaçados metro a metro, cortam-no de lés a lés. É uma bolanha, terreno preparado para a cultura do arroz. Ao intradorso das asas do T-6 estão suspensas duas metralhadoras Browning, saliências que, ao entrar nos sulcos da bolanha, oferecem uma forte resistência ao deslizar do avião no solo. Atendendo a que este tipo de aterragem é feito com o trem recolhido, o entrar das metralhadoras num dos sulcos teve o efeito de arrancar instantaneamente as asas à aeronave. Fico sentado dentro de um charuto que rebola agora dentro de si mesmo, ao longo do terreno".

E assim vai começar o cativeiro, o mais longo cativeiro da guerra. Um relato superior, de um homem que soube superar a adversidade, que procurou fugir, mas que teve que esperar pela Operação Mar Verde para ser restituída a liberdade.

Um abraço do
Mário


Um relato que se vai aprimorando de edição para edição:
Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1)


Beja Santos

António Lobato foi o mais longo cativeiro da guerra colonial. No prólogo das diferentes edições do seu livro, dá-nos uma síntese dos acontecimentos e da situação que viveu, nestes termos precisos:

“Em 1963, no céu português da Guiné, dois aviões da Força Aérea colidem na sequência de uma missão de ataque ao solo e após um deles ter sido atingido por projécteis inimigos.

Um dos aparelhos despenha-se em plena selva e o piloto morre; o outro, aterra de emergência numa bolanha e o piloto, depois de agredido à catanada pela população local é capturado por guerrilheiros do PAIGC e conduzido à vizinha República da Guiné Conacri. Aí, é-lhe facultado optar entre e deserção e a cadeia.

Optando pela fidelidade aos princípios do seu povo, é encarcerado na temível Maison de Force de Kindia, com o rótulo de criminoso de guerra.

Durante sete anos e meio é submetido a maus-tratos, subnutrição, isolamento e contínuas ameaças de morte pelos agentes de um governo pró-soviético chefiado por um dos maiores tiranos da África Ocidental – Sékou Touré.

Tenta três vezes a evasão, mas só na última consegue respirar, durante uma semana, o ar fresco da liberdade. Percorre cerca de noventa quilómetros em plena selva, atravessando a cadeia montanhosa do Futa Djalon em direção à Guiné Portuguesa. Ao sexto dia, é recapturado e reconduzido à prisão de onde partira.

Ao cabo de mês e meio de total isolamento, é transferido de prisão e libertado, tempos depois, durante a Operação Mar Verde, chefiada pelo Comandante Alpoim Calvão.

É por instâncias de familiares e amigos, por dever de cidadania e para comemorar os vinte e cinco anos do regresso à liberdade que hoje se propõe condensar em curtas páginas, não apenas os horrores, mas sobretudo algumas das vias possíveis de sobrevivência no meio hostil e o consequente enriquecimento da pessoa humana, quando, perante situações-limite, consegue vencer-se a si próprio”.

Não se irá aqui cotejar as inúmeras alterações introduzidas de edição para edição. O que se pretende relevar é a melhoria substancial da qualidade literária e a introdução de um processo intimista, em edição recente, António Lobato revela as estratégias de que se socorreu para que a tremenda solidão da clausura não o destruísse, pelo menos moral e psicologicamente.

Fala-nos da sua juventude transmontana em Paderne, como se alistou jovem na Força Aérea, depois temos o curso de pilotagem em S. Jacinto, a fase básica na Base Aérea n.º 1 em Sintra, em 22 de maio de 1958, um acidente quase que o ia matando, após dois meses de imobilização, e ao fim de cerca de oito meses de treino intensivo, ei-lo pronto para voar mais alto. Tem 21 anos e é-lhe confiada a tarefa e a responsabilidade de ensinar outros a voar. E, como ele escreve, em 1960 rebenta a guerra colonial.

 A Força Aérea não possui na Guiné qualquer tipo de estrutura. Em julho de 1961, em companhia de um outro camarada, seguirá para a Guiné em missão de soberania. Em 19 de setembro de 1961 descola pela primeira vez da pista de Bissalanca aos comandos de um T-6. Descreve com incisão e economia todos estes acontecimentos, casa-se, regressa à Guiné com a mulher e em 21 de maio de 1963 parte em missão para a Ilha do Como, um acidente obriga-o a uma aterragem de emergência, aterra no Tombali, é ferido e levado por guerrilheiros do PAIGC para território da Guiné Conacri.

Não é despiciendo observar como naquela região do Tombali há população afeta ao PAIGC e os guerrilheiros movimentam-se com certo à-vontade. A guerrilha tinha capturado um barco da Sociedade Comercial Ultramarina, de nome Bandim, transportará Lobato para o cativeiro. É bem tratado em Sansalé, tem feridas graves na cabeça e num braço. Seguem no Bandim até Boké. Segue-se um prolongado interrogatório. É interrogado, pretendem saber qual o regime político em Portugal, o que ele sabe da situação colonial, Lobato remete-se ao silêncio, depois de ter dado os seus dados militares, depois de uma longa viagem entra na Maison de Force de Kindia.  

“Entramos num hexágono aberto para o céu, com duas portas em cada um dos seis lados. Encaminham-me para a direita e indicam-me uma dessas portas, em ferro maciço, com o número 7 ao centro, encimada por uma grelha, feita em varão de diâmetro não inferior a 3 centímetros. Entro e a pesada porta fecha-se atrás de mim com aquele ruído sinistro das portas de todas as prisões do mundo. Dou quatro passos e chego ao fim do espaço de que posso dispor. Do lado direito, fazendo corpo com a parede e até dois terços de comprimento, ergue-se, até à altura de sessenta centímetros, um bloco maciço de cimento armado sobre o qual assenta um velho colchão de pano cheio de palha. Depreendo que é a minha cama. Não sei bem porquê, mas sinto um forte cansaço. Sinto-me deprimido como antes nunca me tinha sentido. Apetece-me chorar. Atiro-me para cima da palhaça e não consigo conter os soluços que me sufocam. Choro tudo o que tenho a chorar e adormeço no cume da infelicidade”.


Major António Lobato no programa Prós e Contras, em 2007, com a devida vénia

Segue-se a descrição do dia-a-dia, ele é o prisioneiro da cela n.º 7, falam-nos do currículo de Sékou Touré e como ele mantém o seu regime de terror; vamos saber como é a sua cela, a degradação a que vai ser sujeito, o início da sua luta para se manter corajoso. A condição física começa a dar sinais de ruína, como ele próprio comenta:  

“Porque não como uma boa parte das magras refeições, sinto que vou perdendo, lenta mas seguramente, toda a pujança da juventude; porque não me é fornecido qualquer tipo de medicamento, começa a ter fortes ataques de paludismo; porque a alimentação é pobre demais, a cárie dentária torna-se num flagelo; porque permaneço imóvel horas sem fim, começo a ter problemas de bexiga, a urinar pus e a sentir dores de barriga e cólicas insuportáveis. Os ataques de paludismo surgem a uma cadência semanal e manifestam-se por acessos de frio, que me obrigam a bater os dentes durante horas, seguidos de vagas de calor, que me deixam exausto e banhado em suor. As dores de dentes, por vezes são tão intensas que me perturbam a visão e provocam vómitos e tonturas próximas do desmaio. A degradação do meu estado físico, se, por um lado, é dolorosa e me perturba a mente, por outro, prende-me o pensamento ao corpo e não me deixa grandes hipóteses de fuga em busca de recordações bem mais amargas que as dores da carne”.


A última edição que conheço desta obra data de 2014, DG Edições, Linda-a-Velha.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)