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segunda-feira, 4 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23410: Notas de leitura (1461): "Crónicas Soviéticas", por Osvaldo Lopes da Silva; Rosa de Porcelana Editora, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
O nome Osvaldo Lopes da Silva está diretamente associado à presença de quadros cabo-verdianos que tiveram um papel da maior importância nos derradeiros anos da luta. Leopoldo Amado já entrevistara longamente este quadro do PAIGC e do PAICV tudo a propósito da sua participação no cerco de Guileje. É um documento memorial de quem acompanhou ininterruptamente durante 28 anos a história da URSS e procurou estudar as sucessivas evoluções até à desintegração da URSS. Julião Soares Sousa saudará no prefácio a importância destes testemunhos, que são raríssimos. Atenda-se ao que ele vai escrever sobre o papel da URSS não só no apoio ao PAIGC como no relacionamento havido com outros movimentos de libertação. Não é surpresa o que ele escreve do mau relacionamento entre o aparelho dirigente soviético e o MPLA.

Um abraço do
Mário



Memórias de um quadro do PAIGC e PAICV na União Soviética

por Mário Beja Santos


"Crónicas Soviéticas", por Osvaldo Lopes da Silva, Rosa de Porcelana Editora, 2021, é uma narrativa de índole memorial centrada fundamentalmente na década de 1960 e que acompanha a vida deste quadro do PAIGC e PAICV no seu relacionamento com a URSS, até ao seu desmembramento. 

Osvaldo Lopes da Silva cursava Engenharia Civil em Portugal quando, em 1961, aderiu ao PAIGC e partiu para o exílio. Completou o curso de Economia em Moscovo, foi comandante de artilharia na luta armada na Guiné, teve papel relevante no cerco a Guileje. Com a independência de Cabo Verde assumiu as pastas ministeriais da Economia e Finanças e posteriormente dos transportes, comércio e turismo. 

É, indiscutivelmente, um ensaio histórico a ter em conta não propriamente por relato que o autor nos dá da evolução da URSS, mas do seu papel com as lutas de libertação nacional, havendo referências bem claras do apoio dado pela URSS ao PAIGC.

O autor chega a Moscovo em finais de 1961, manterá uma relação ininterrupta de 28 anos com o país. Irá recordar as vivências do estalinismo, a ascensão de Khrushchov, a crise dos mísseis, a queda de Khrushchov, a invasão da Checoslováquia, uma narrativa que se prolongará até 1989, data em que ele visita pela última vez a URSS. Considera-se testemunha privilegiada da vida da União Soviética. Fala-nos dos seus estudos em Kiev, a tentativa dos anfitriões em dar explicações para as crises da Polónia e da Hungria, a doutrina da coexistência pacífica, mas o autor vai detetando situações anómalas, um exemplo. 

“O que ainda restava da paranoia securitária da era de Estaline atingia por vezes os limites do ridículo. Os cidadãos soviéticos não dispunham de lista telefónica. Nem mesmo os da maior cidade, Moscovo, com os seus 6 milhões de habitantes. Para ultrapassar a situação, a cidade de Moscovo, que já era imensa nos anos 60, era servida por uma rede de uns 10 quiosques, não mais, cada um depositário de uma lista telefónica.”

E descreve os interrogatórios de quem estava do lado de lá do balcão, tão minuciosos que afastavam os mais afoitos. Relata a vida universitária dos estudantes de África, Ásia e América Latina, as conversas havidas com antigos presos políticos, as prisões mais arbitrárias que imaginar se possa. 

E acompanhamos as estimas e amizades que ele vai fazendo com gente que lhe fala da História da Rússia, ainda do tempo do Romanov e da ascensão do bolchevismo, dir-se-á que não há aqui elementos históricos novos, mas é uma narrativa muito bem-apresentada, 

Osvaldo Lopes da Silva disseca o estalinismo em todo o esplendor dos seus crimes, vamos perceber o ódio enraizado dos polacos contra os russos, e mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. Temos o corolário das purgas, antes de mais dos leninistas da primeira hora até ao complô que estava a ser montado sobre médicos judeus, estava igualmente prevista uma purga de físicos mas Estaline e Béria retraíram-se quando o físico-chefe deu a saber que o fabrico da bomba atómica se baseava na teoria da relatividade e da mecânica quântica, isto quando o aparelho comunista se preparava para exorcizar a “teoria idealista” da relatividade.

A narrativa prossegue dando conta da política de Estaline durante a Segunda Guerra Mundial, dos problemas emergentes com a China, as infâmias do acordo germano-soviético de não agressão de 1939, temos depois a era de Khrushchov, inicialmente cheia de esperanças, o abalo provocado pela crise dos mísseis de Cuba, a nova liderança soviética com Brejnev à frente, um período hoje inequivocamente classificado como de estagnação e da burocracia toda poderosa.

Em finais de janeiro de 1967, Amílcar Cabral chegou a Moscovo vindo de Cuba, dá instruções a Osvaldo para partir para Conacri. Está nessa altura em preparação uma formação militar em que participaram cabo-verdianos com novo armamento destinado à guerrilha. Salta o seu relato para a separação de Guiné-Bissau de Cabo Verde e escreve o seguinte:

“Na impossibilidade em que Cabo Verde se encontrava nenhuma intervenção no sentido de alterar uma evolução política que se anunciava destrutiva, fazíamos apelo aos amigos que nos acompanharam na Luta que se aproximassem mais dos guineenses, com ajuda e aconselhamento. Foi-me assegurado que a nossa interpretação dos acontecimentos ocorridos na Guiné-Bissau tinha pleno cabimento nas análises das autoridades soviéticas e aconselhavam-nos a deles tirar uma inequívoca conclusão: o projeto de Unidade Guiné-Cabo Verde estava morto e enterrado; tentar ressuscitá-lo só podia levar à desnecessária confrontação.”

O autor dedica um capítulo ao papel da URSS nas lutas de libertação, desvela que Khrushchov era apoiante da descolonização, daí a criação da Universidade Patrice Lumumba para milhares de jovens do terceiro mundo, e concedeu uma ajuda multiforme aos movimentos de libertação nacional. 

Os soviéticos eram pragmáticos, preferiam concentrar a ajuda na formação de quadros militares qualificados e graduar o fornecimento de material bélico à medida que o movimento de libertação nacional desse provas de controlar o terreno. Não esquece o grave diferendo sino-soviético e dá-nos uma imagem dos primeiros anos da luta dos movimentos de colónias portuguesas.

“O material fornecido pela União Soviética ao PAIGC começou por ser constituído por pistolas Makarov, carabinas SKS, pistolas metralhadoras PPCha, a pachanga dos guerrilheiros, morteiros, canhões sem recuo, tudo material que abarrotava os paióis dos tempos da II Guerra Mundial e que já não tinha qualquer utilidade para as renovadas e modernizadas forças armadas soviéticas.” 

Refere o salto qualitativo de 1969 com os cursos abarcando artilharia, minas e armadilhas, o PAIGC passou a receber os mísseis terra-terra GRAD e cada vez mais AK, em detrimento de PPCha.

E recorda que o ponto mais alto da ajuda militar da URSS ao PAIGC foram os mísseis antiaéreos Strela. Essa ajuda militar dava especial atenção à formação militar, em centros de formação ou em bases navais. 

Também foi dispensado apoio à formação de pessoal de saúde, formaram-se algumas centenas de ajudantes de enfermagem. É igualmente referido que o principal interlocutor de Cabral era Boris Ponomariov, o responsável pela programação anual da ajuda soviética na luta do PAIGC. É aquando de uma dessas visitas que o autor nos relata o que pensava sobre a unidade de Guiné-Cabo Verde e as discussões havidas com Cabral. Osvaldo tinha sérias reservas, como escreve. 

“A simples constatação da existência de fortes resistências ao projeto de unidade no seio de guineenses e de cabo-verdianos, as quais tenderiam a agudizar-se depois de vencido o inimigo comum, o colonialismo português, só poderia reforçar as minhas reservas. A plataforma que eu proporia seria no sentido de salvar o que fosse possível do relacionamento entre guineenses e cabo-verdianos, apresentado abertamente a unidade como um contrato para a luta, entre partes reconhecidamente diferentes, com claro respeito pela personalidade nacional de cada uma delas.” 

E discute com Cabral, que lhe pergunta mesmo se ele pensava que queria impor a unidade pela via autoritária, se não tinha confiança nele. Ao que Osvaldo respondeu: 

“Tenho toda a confiança no camarada Cabral. Não tenho é confiança num projeto que depende, em tudo, da boa fé de um só homem.” 

O autor conclui a sua narrativa com a descrição da cooperação Cabo Verde-União Soviética.

Como observa em prefácio Julião Soares Sousa, há um mérito maior neste trabalho. 

“É que são praticamente inexistentes memórias de quadros de movimentos de libertação que, tendo feito formação na URSS ou algures.  se predispuseram a relatar as suas vivências. Não podia deixar de enfatizar a importância deste contributo de Osvaldo Lopes da Silva para a História Contemporânea.”
Osvaldo Lopes da Silva, fotografia da Infopress de Cabo Verde, com a devida vénia
Fotografia tirada na base de formação militar de Perevalnei (Crimeia), em abril de 1969. Vê-se, da esquerda para a direita: Osvaldo Lopes da Silva, Samora Machel, oficial soviético, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e não identificado.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23401: Notas de leitura (1460): “O percurso geográfico e missionário de Baltasar Barreira em Cabo Verde, Guiné, Serra Leoa”, por Graça Maria Correia de Castro; Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 2001 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21701: Notas de leitura (1331): Espaço social e movimentos políticos na Guiné-Bissau (1910-1994), por Philip Havik, na Revista Internacional de Estudos Africanos, n.º 18-22, 1995-1999 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
É tempo de reconhecer o labor investigativo de Philip Havik nas coisas da Guiné. Este ensaio que o investigador publicou na Revista Internacional de Estudos Africanos fazia parte de um estudo de maior amplitude abrangendo a atividade política na Guiné tanto no período pré-colonial como no período colonial e na fase da Independência. Desconheço, por hora, se tal publicação já existe. A importância do ensaio é um modo singular como o investigador aborda e articula espaços sociais e movimentos políticos no período colonial e pós-colonial, entrelaça uma gama de diversidades que vão desde a religião às atitudes culturais de certas etnias, as mudanças económicas operadas pelas novas culturas e a confrontação entre as populações nativas e os representantes das empresas. E assim chegamos à génese dos nacionalismos, às mudanças que nessa fase o PAIGC prometia operar e tudo o mais que veio a acontecer até à sua influência política empalidecer, uma longa história que é de conhecimento obrigatório para quem quer saber porque é que a Guiné continua a viver em impasse.

Um abraço do
Mário


Mundasson i Kambansa:
Espaço social e movimentos políticos na Guiné-Bissau (1910-1994) (1)


Beja Santos

Mundasson, termo crioulo para mudança ou transformação; kambansa, termo crioulo para travessia ou passagem.

Philip Havik
O investigador Philip Havik dá-nos neste artigo publicado na Revista Internacional de Estudos Africanos, n.º 18-22, 1995-1999, uma leitura singular sobre a pluralidade política e social que marcou o território da Guiné durante o século XIX, é uma tessitura composta por termos sociais e geográficos, pela procura de defesa de interesses da região na alvorada republicana, pela ocupação militar, pela luta pela independência, a recriação de um regime monopartidário a que se seguiu a liberalização económica e uma caudalosa abertura política.

O autor recorda que a Guiné com as suas fronteiras traçadas na consequência da Conferência de Berlim vivia mergulhada numa guerra renhida pelo controlo dos “chãos”, espaços geográficos e sociais geridos por linhagens, intervinham nesses episódios bélicos sociedades nativas que se opunham a tropas auxiliares africanas e portuguesas, todos os pretextos eram bons para procurar sacudir o jogo colonial, tanto podiam ser o imposto de palhota como a política comercial da administração portuguesa. Philip Havik considera que no processo de criação de movimentos de caráter político se podem identificar três fases, o período entre 1910-1915, o período de 1955-1965 e de 1986 até às primeiras eleições multipartidárias de 1994.

A ocupação militar saldou-se na perda de controlo por parte dos povos do Litoral sobre os seus próprios “chãos” e a penetração progressiva do Litoral “animista” pelo Leste islamizado. Grupos crioulófonos oriundos dos antigos entrepostos como Cacheu ou Geba foram abrindo espaço em novos centros comerciais no Interior, assim se deu a abertura dos “chãos” e o crioulo tornou-se na língua franca. Os últimos 50 anos foram marcados pela luta anticolonial e o estabelecimento de um regime independente.

Uma lufada de ar fresco foi trazida pela constituição da Liga Guineense (1911), os seus membros iriam assumir um papel de mediadores em diferentes conflitos económicos e sociais no seio do pequeno e restrito meio administrativo e mercantil de Bissau e Bolama. Os estatutos eram claros: fazer propaganda da instrução, estabelecer escolas e empenhar-se no progresso e desenvolvimento da Guiné professando o ideal republicano. À sua testa, a Liga era dirigida por comerciantes das pequenas comunidades crioulófonas, em muitos casos com laços de parentesco em Cabo Verde, tinham também ligações aos deportados políticos, havia grumetes contratados por comerciantes e casas de comércio como intérpretes, pilotos e caixeiros. Cedo começaram a reivindicar a redução de impostos, a nacionalização do comércio para restringir o acesso de comerciantes estrangeiros, a denunciar casos de corrupção no aparelho administrativo e os excessos no plano militar. A Liga foi-se progressivamente politizando, denunciando o papel dos mercenários recrutados por Teixeira Pinto e as suas prepotências nas campanhas militares. Quando foi proibida em 1915 e a sua direção encarcerada, a Liga era uma organização autónoma reunindo pela primeira vez degredados políticos, comerciantes e diferentes estratos profissionais. Falhara a tentativa de reconciliação do projeto português de “nacionalização” da Guiné com o ideário republicano e liberal. O investigador observa que os grupos sociais ditos “civilizados” constituíram um nó de alianças entre comerciantes e proprietários (ponteiros) e trabalhadores dos portos e funcionários públicos. A repressão destes movimentos de contestação criou uma diáspora dos seus associados. Observa igualmente a importância do grande fluxo de imigrantes cabo-verdianos na Guiné, portugueses perante a lei, tal fluxo teve implicações para a vida política e associativa do território.

Os movimentos independentistas irão surgir em finais nos anos 1940, registam-se diferenças entre caminhos nacionalistas guineenses e posições pan-africanas. O grupo de civilizados tinha-se ampliado, recorde-se que era pelo comércio nos chamados centros comerciais mas sobretudo nas lojas de mato que se estabeleciam os contatos entre a população “civilizada” e a indígena, num contexto completamente distinto à situação vivida no tempo da Liga Guineense. Foram razões de ordem económica que ditaram mudanças, primeiro a mancarra e depois o arroz. As populações sentiram o peso desta política encetada a seguir à crise no mercado internacional das oleaginosas. As populações nativas não ficavam associadas às empresas constituídas pelos “civilizados”, exploravam as suas próprias culturas, negociavam depois os preços com os intermediários das grandes e pequenas casas, era uma economia de troca direta e sobressaiam práticas abusivas dos cipaios, agentes omnipotentes e despóticos. E cedo se desencadearam conflitos entre comerciantes e a população, a extorsão aos indígenas iria tornar-se num problema que encontrou por vezes políticos de envergadura pela frente, caso de Sarmento Rodrigues. Os movimentos independentistas atraíram sobretudo operários, artesãos e empregados do comércio, na sua maioria vindos de Bissau e de Bolama. Em 1948 surgiu o Partido Socialista da Guiné. A formação de organizações políticas de cariz nacionalista acontece em 1955 com a fundação do MING – Movimento para a Independência da Guiné, por Amílcar Cabral que no ano seguinte irá apoiar a criação do PAI – Partido Africano da Independência, posteriormente PAIGC, em 1960. Este surto independentista precisa de ser situado no contexto do nacionalismo pan-africano, fortemente inspirado por Kwame N’Krumah, as coligações de forças tiveram vida precária. A FLING – Frente para a Libertação e Independência da Guiné Portuguesa é criada em 1962 por grupos oposicionistas baseados no Senegal, integrava cinco partidos. E diz o investigador que neste ambiente extremamente divisionista reivindicava-se a herança política da Liga Guineense. Um dos maiores pontos de divergência entre movimentos – além da questão da autonomia versus independência total e a melhor forma de lá chegar – revelou-se a questão da ligação entre a luta anticolonial na Guiné e nas ilhas de Cabo Verde. Esta associação estratégica dos destinos da Guiné e Cabo Verde, protagonizada pelo PAIGC, provocaria várias cisões nos vários movimentos e coligações, tudo irá desaguar na secessão do PAICV – Partido Africano da Independência de Cabo Verde a seguir ao afastamento do primeiro presidente da Guiné independente através de um golpe de Estado.

(Continua)
Kumba Yala
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21670: Notas de leitura (1330): A Operação Tridente: Quando o delírio se disfarça de objetividade na reportagem (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14212: Notas de leitura (676): “Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
Não é incomum confundir-se panegírico com biografia política, e as consequências são sempre lastimáveis quando o biografo mete no altar o biografado, remetendo para a sombra tudo quanto possa dar polémica ou contestação.
O pano de fundo é pobre, nunca se substantiva o que se passa em Cabo Verde antes da independência, e se o tal espírito de unidade tinha aqui pés para andar, base cultural, etc. Nunca se perceberá qual o pensamento ideológico que norteia Carlos Veiga, só se fala em democracia liberal, em Estado de Direito e mudança para a liberdade.
O PAIGC de Cabo Verde é sempre uma entidade soviética, um filho espúrio de Moscovo.
Temos aqui um livro pobre, que não ajuda Cabo Verde e ainda menos Carlos Veiga.

Um abraço do
Mário


Carlos Veiga, Cabo Verde, o PAIGC e a Guiné

Beja Santos

“Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009, é o panegirico do criador e animador do Movimento para a Democracia, de Cabo Verde, e ainda hoje figura influente da corrente liberal sempre em oposição ao PAICV. O seu autor é uma figura do PSD que não esconde admiração incondicional pelo percurso do biografado. Acontece que o estilo da biografia tem regras precisas ao nível do rigor, da isenção, da formulação do juízo crítico e da contextualização. Nuno Manalvo leu pouco e estudou pouco sobre a contextualização, os antecedentes histórico-políticos do objeto de estudo. E o resultado ressente-se, a biografia de Carlos Veiga deixa em branco acontecimentos, factos e situações que não enobrecem o biografado.

O autor procura em pinceladas largas mostrar o que há de mais saliente e emblemático na luta do PAIGC e como esta influiu na criação da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Perfila Amílcar Cabral e traça as grandes linhas do programa político do PAIGC. Nada do que diz é inovador mas de um modo geral está acertado: luta acesa e em crescendo na Guiné, muita vacilação e pouco entusiasmo em Cabo Verde. Sobre este território, observa: “Em Cabo Verde, a luta pela independência continuava na clandestinidade, centrando-se sobretudo em São Vicente, pela mão de um grupo liderado por Manuel Rodrigues e do qual faziam parte Luís Fonseca, Dina Salústio, entre muitos outros. Apesar das várias prisões efetuadas pela PIDE e que conduziram inevitavelmente ao campo do Tarrafal, a luta na clandestinidade foi evoluindo. Desde 1963 que se traçavam vários planos para o início da luta armada em Cabo Verde, mas só em 1968, com a chegada de Jorge Querido ao território, o assunto começa a ganhar forma”. Retrata a influência dos jovens cabo-verdianos na vida do PAIGC na Guiné. Houvera, entretanto a decisão de estender a guerra de guerrilha a Cabo Verde. Spínola trará não só o projeto da Guiné Melhor como apostou muito na guerra psicológica, jogou-se a fundo nas tensões entre guineenses e cabo-verdianos. Assassinado Cabral, o partido junta toda a energia numa habilidosa escalada militar e política que se salda na perda da supremacia aérea portuguesa e na declaração unilateral da independência.

Revertendo para Cabo Verde, diz o autor que o projeto da independência conhecia já por essa época esmagador acolhimento. E então cita Carlos Veiga: “Para a juventude de Cabo Verde, o reconhecimento do PAIGC adivinha do facto de terem sido eles a lutar pela independência de armas na mão. Mais de 90 % da população colocou-se ao lado do PAIGC, em função de legitimidade que lhe reconhecia pela via da luta armada”. Na sequência do 25 de abril, apareceram teses alternativas às defendidas pelo PAIGC: a União Democrática de Cabo Verde (UDC), cujo programa político defendia uma via gradual de conquista para a independência e que teve uma fraca aceitação; e a União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV), que se opunha à unidade de Cabo Verde com a Guiné-Bissau, defendendo a independência, mas em separado, das duas colónias portuguesas. Em agosto de 1974, chegaram a Cabo Verde os primeiros responsáveis do PAIGC, numa delegação chefiada por Silvino da Luz e composta por Osvaldo Lopes da Silva, João José Lopes da Silva e Corsino Tolentino. Ficamos a saber que o PAIGC em Cabo Verde é a força dirigente da sociedade, tem um entendimento soviético da política e do mando.

Carlos Veiga licenciou-se em Direito, em Lisboa, tinha péssima impressão do Estado Novo mas iniciou a sua vida profissional no então Ministério do Ultramar, no Bié, em Angola. Cumpre o serviço militar obrigatório também em Angola. É nesta fase que se apercebe das atrocidades cometidas pelo Estado Novo. Dá uma explicação cândida porque descobriu a política tão tarde: a sua primeira ligação era a de estudar e ser bom estudante e por isso nunca se abriu a ideias radicais e acrescenta que “aqueles que tiveram oportunidade de vir estudar para Lisboa, ainda para mais num curso como o de Direito, eram rapidamente rotulados entre os estudantes cabo-verdianos como burgueses e, consequentemente, pouco credíveis aos olhos dos despojados revolucionários”. Em Angola Carlos Veiga teve simpatia pelo MPLA e colaborou ativamente com a sua implementação. Em janeiro de 1975, regressa a Cabo Verde, passa a colaborar com o PAIGC, a ele aderiu. Cedo passou a desconfiar da cartilha soviética, da idolatria, detestou o controlo da comunicação e da perda da independência da justiça. Não pactuou com os abusos políticos nem com as prisões arbitrárias. Considera que o PAIGC em Cabo Verde, a partir de 1977, entrou numa fase endofágica, fez as suas purgas, apareceram à luz do dia divisões de fundo. Carlos Veiga era Procurador-Geral da República, entretanto o seu irmão José Tomás rompeu com o PAIGC. Em 1980, foi aprovada a primeira Constituição da República, onde se opta por uma economia nacional independente, privilegiava-se a estatização. Carlos Veiga tinha feito parte de uma comissão que elaborou um texto constitucional baseado nos princípios de um constitucionalismo democrático, foi recusado.

Dá-se entretanto o afastamento de Luís Cabral pelo golpe de Nino Vieira, em novembro de 1980. Os efeitos do golpe acabaram com o sonho unionista, em Cabo Verde ficou-se a saber que houvera a abertura de valas comuns onde tinham sido enterradas as vítimas das execuções em massa. O PAIGC de Cabo Verde tornou-se em PAICV, ideologicamente radicalizado, lançou-se na reforma agrária, alargou o descontentamento. No fim da década, sentiu-se a necessidade de uma mudança profunda. Ainda em 1988, o PAICV lança as bases programáticas para uma verdadeira mudança na orientação económica do país. Nunca, em circunstância alguma, nesta biografia política, iremos conhecer a família ideológica de Carlos Veiga. Ele é a favor de um Estado de Direito, das liberdades políticas, da economia de mercado, do respeito pelos carenciados, vai bater-se pela construção de um regime democrático e pluralista. Se é da direita conservadora ou da direita liberal, se o seu pensamento é dos liberais democratas ou do centro-esquerda é mistério nunca desvendado. Página sim, página não, o biógrafo fala numa substituição de tudo quanto é soviético, marxista, monolítico, estalinista, dirigista. O Movimento para a Democracia é apresentado como um partido da liberdade, irá ganhar duas eleições consecutivas e depois será de novo afastado pelo PAIGC. O biógrafo fala aqui e acolá em dissidências dentro do partido, nunca saberemos o porquê e as consequências. Carlos Veiga é citado abundantemente pelos seus esplendidos resultados na governação, não haverá uma só palavra sobre as razões do seu afastamento e como, nas eleições presidenciais, onde foi candidato, há uma explicação para o facto de ter perdido as eleições nos círculos eleitorais estrangeiros.

Esta biografia parece um conto de fadas. Não há uma análise profunda entre os nexos causais dos combatentes cabo-verdianos da Guiné e como assimilaram, desde a primeira hora da independência, pessoas como Carlos Veiga, era um estranho partido da família soviética. Nunca saberá onde falhou Carlos Veiga e porque razões o seu partido perdeu as eleições legislativas e outras. O biógrafo embandeira em arco: “O percurso político de Carlos Veiga assenta na conceção de vitórias graduais, de um responsável reformismo político, até à consagração de uma democracia de corpo inteiro em Cabo Verde”. Com a mesma determinação de Winston Churchill, parecido com Barack Obama, Washington, Lincoln.

Ganhou o panegírico, perdeu-se a oportunidade histórica de conhecer mais a fundo o que se passou em Cabo Verde da colónia para o país independente, ficou sem saber o que distanciava o cabo-verdiano do guineense e como a democracia liberal foi bem acolhida e depois punida. Paciência.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14064: Notas de leitura (659): “Cabo Verde e Guiné-Bissau: Da democracia revolucionária à democracia liberal”, por Fafali Koudawo, INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 2001 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
É sempre bom saborear um exercício de grande aplicação e de análise talentosa.
O doutor Fafali Koudawo é nome sonante na investigação guineense e devemos-lhe esta primorosa análise comparativa das primeiras eleições legislativas pluralistas em Cabo Verde, em 1991, e as que ocorreram em 1994, na Guiné. Nas primeiras, o PAICV perdeu-as, nas segundas, o PAIGC saiu vitorioso, obteve uma maioria absoluta no Parlamento.
Este minucioso estudo reflete dois percursos de liberalização política com dois desfechos radicalmente diferentes. E ponto curioso, podemos ver as raízes do mal que então, como hoje, a Guiné-Bissau enferma.

Um abraço do
Mário


Cabo Verde e Guiné-Bissau: Da democracia revolucionária à democracia liberal

Beja Santos

“Cabo Verde e Guiné-Bissau: Da democracia revolucionária à democracia liberal”, por Fafali Koudawo, INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 2001, é um ensaio de leitura obrigatória para entender o que distinguiu as eleições ocorridas em 1991 em Cabo Verde das eleições guineenses de 1994. Fafali Koudawo, doutor em ciências políticas e diretor de pesquisa no INEP, dá-nos uma rigorosa e bem desenhada análise de dois percursos de liberalização política que tiveram desfechos radicalmente diferentes.

Primeiro, Cabo Verde e a abertura que pôs termo ao monolitismo. O PAICV começou muito cedo a mostrar os seus limites no contexto cabo-verdiano. Logo em 1979, a chamada “crise dos ministro trotskistas”, no ano seguinte, em Bissau, deu-se a rutura dos partidos chamados irmãos, e com ele o fim do projeto do Estado binacional. O PAICV nunca descurou a diáspora, foi-se adaptando aos diferentes contextos que enfrentava o país: a reforma agrária, a reforma da administração pública, a reforma do sistema económico, abrindo-se ao setor privado. Em janeiro de 1990, o primeiro-ministro Pedro Pires reconhece que havia uma evolução das mentalidades e vinha denunciar os aspetos, a seu ver negativos, de tais evoluções, sobretudo o egocentrismo. Extrai ensinamentos dos acontecimentos políticos da Europa de Leste, o PAICV decidira a abertura ao pluralismo político, curiosamente a posição mais conservadora veio dos jovens do partido, julgavam-se guardiães do templo da democracia nacional revolucionária. Tratava-se de um partido único que agia com realismo, não queria escapar a uma transição pacífica para o multipartidarismo, ao longo do ano foram aprovados os textos jurídicos que deram moldura à mudança de regime. Em janeiro de 1991, o Movimento para a Democracia, único partido da oposição legalizado, saiu vitorioso. Que explicação Fafali Koudawo veio a encontrar para esta evolução? A vontade de adaptação foi apoiada do topo, começou em Aristides Pereira. O PAICV confiava na liberalização para uma nova relação de forças sociais e confiava na fidelidade popular. Pedro Pires fazia o seguinte balanço: “Fizemos um percurso de pelo menos quinze anos. Desse percurso de quinze anos estão à vista os resultados. Resultados políticos, económicos e sociais. Nós pensamos que em Cabo Verde construímos coisas novas. Temos muito que perder se não fizermos as coisas de acordo com a lei e no quadro das instituições existentes no país”.
Um analista conceituado, José Vicente Lopes, escrevia ao tempo: “Quando se analisa, em última instância, o processo de construção, reformulação e por vezes destruição do Estado nos nossos cinco PALOP, conclui-se que Cabo Verde era, no início dos anos 90, o que não só conseguira preservar o que herdara, mas também fora capaz de acrescentar uma importante mais-valia ao património recebido da situação anterior, em termos de administração do Estado”. O PAICV não admitia o desgaste do poder, parecia insensível às manifestações da degradação do clima social durante a segunda metade dos anos 1980. Se bem que monolítico e paternalista, o PAICV possuía diálogo interno e capacidade para sanar esses mesmos conflitos. Para Fafali Koudawo havia uma causa mais longínqua para esta derrota, o facto do PAIGC se ter apoderado de Cabo Verde com um comportamento hegemónico, desconhecendo então as realidades de Cabo Verde, confrontando-se com a Igreja Católica, enfim, ingenuidades que deixaram sequelas e que levaram à fatura de 1991.

Segundo, a transição política na Guiné-Bissau é um enredo de equívocos ou pouco esclarecidos ou que deixaram rastos de rancor. Por detrás do Movimento Reajustador do 14 de novembro de 1980 estão lutas fratricidas entre a ala militar e a direção política do PAIGC; contradições entre guineenses e cabo-verdianos em relação ao projeto de Estado binacional; dificuldades nascidas da passagem da teoria do Estado revolucionária à prática administrativa num contexto mal preparado para tal experiência. Depois do 14 de novembro deu-se uma desagregação da herança do período de libertação, tornou-se claro que o PAIGC não se adaptava ao credo fundador: um Estado com dois países; uma economia estatizada eficiente; e uma democracia nacional revolucionária imbuída no sentimento das massas. Aos poucos tudo foi caindo no abandono. A viragem na política económica, timidamente, deu-se a partir de 1983, era só o reconhecimento de que o país estava numa crise económica profunda. Ademais, com o 14 de novembro, acendeu-se o poder pessoal a que alguém chamou o bonapartismo presidencial. O PAIGC fez tudo reactivamente para não perder o controlo de monolitismo mas o adensar da crise económica falou mais alto. E por etapas ziguezagueantes, ocorreu a transição. A carta dos 121, publicada em junho de 1991, para a pedir a democratização interna do PAIGC, acabou por exacerbar contradições no seio do partido, apareceu uma Comissão Multipartidária de Transição no ano seguinte e foi criada depois uma Comissão Nacional de Eleições. Mas surgiu areia na engrenagem, em 17 de março de 1993, morre o major Robalo de Pina, homem de confiança do presidente Nino Vieira, anos mais tarde, o antigo presidente Luís Cabral declarou numa entrevista à rádio Renascença que teria sido Nino Vieira quem abatera o major no gabinete presidencial, que dali saiu embrulhado num tapete. E teceram-se vários rumores acerca das razões desta execução. O acontecimento deu origem à prisão de dirigentes da oposição.

As primeiras eleições pluralistas tiveram lugar em julho e agosto de 1994. O PAIGC ganhou. O candidato presidencial Kumba Yala bem protestou: “No interior do país, o PAIGC aproveitou a miséria para distribuir géneros alimentares e materiais de construção, aliada a uma forte pressão dos militares e paramilitares”. Resultados ambíguos, tudo ficou na mesma até que soltou a tampa um conflito aparentemente anódino ou pouco relevante: o tráfico de armas no Casamansa e a destituição de Ansumane Mané. Levavam-se anos de uma questão mal resolvida dos antigos combatentes da guerra da libertação; tornara-se escandaloso o fosso entre uma categoria de antigos combatentes privilegiados próximos dos círculos do poder político e a grande maioria dos antigos combatentes proletarizados; anos perdidos numa contínua má governação, uma ineficiência crónica na utilização dos recursos, uma permanente opacidade na gestão dos bens públicos, etc., etc.

A guerra civil veio demonstrar o elevado sentido de respeito pela soberania, os guineenses pegaram em armas e puseram em fuga senegaleses e guineenses de Conacri. Mas a legitimidade do poder ficou profundamente abalada, Ansumane Mane parecia um novo candidato bonopartista e Kumba Yala revelou-se um populista que em pouco tempo descontentou tudo e todos.

Em jeito de síntese, o autor esmiuça com rigor e apuro as diferenças nestes dois processos de liberalização, deixa bem claro que houve dois contextos de transição com resultados dispares, faz uma leitura atenta do papel dos emigrantes, dos emergentes partidos oposicionistas e como houve um choque entre duas lógicas de poder e mesmo dois tipos de legitimidade: a legitimidade das armas e a legitimidade das urnas.

O ensaio incontornável que nenhum historiador poderá ignorar para o estudo daquele tempo… onde radicam os mesmos padecimentos de que continua a sofrer a Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14050: Notas de leitura (658): “A Enfermeira Chinesa”, de Rui Coelho e Campos, Sítio do Livro, 2014 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9904: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (22): Havia mais "PALOP" (entendimentos) antes das independências

1. Mensagem do nosso camarada António Rosinha, (ex-Fur Mil em Anagola) topógrafo na TECNIL na Guiné-Bissau, depois da sua independência, com data de 11 de Maio de 2012:

Havia mais "PALOP" (entendimentos) antes das independências

Guerra colonial portuguesa, Guerra do Ultramar, Luta de Libertação Nacional de Angola, Guerra de Independência da Guiné-Bissau, Luta de libertação de Moçambique, sem falarmos nos casos de São Tomé e Cabo Verde, são tantos os nomes da guerra da geração dos que nasceram nas décadas de 40 e 50 do século passado, que todos os nomes se podem ajustar a cada circunstância.

Mas se quisermos balizar a guerra entre as datas que provocam a frase “para Angola e em força” de Salazar, até à entrada de Marcelo Caetano no Chaimite de Salgueiro Maia, então se quisermos ser realistas com a história, foi como “Guerra do Ultramar”, nome com que no continente e ilhas era alcunhada a guerra pelos soldados que embarcavam no continente e ilhas, a caminho das colónias.

Mas para os movimentos que lutaram contra os que iam do continente e ilhas e imensos que eram naturais das colónias, essas datas dizem muito pouco, pois eles próprios, que são vários movimentos, cada qual tem as suas datas, ignorando mesmo as datas importantes dos outros movimentos irmãos.

E exigem para cada um, o seu próprio protagonismo, e hoje, até fazem por ignorar os feitos dos “irmãos” e assumiram as suas próprias datas comemorativas, exclusivas e isoladas uns dos outros, quando na realidade foi em conjunto que trabalharam.

Esta é uma realidade que se quer varrer para debaixo do tapete pelos 5 PALOP, que estiveram sempre associados na luta contra o colonialismo português, e hoje quase se ignoram.

Claro que podem ser encontradas razões para esse afastamento entre os governos MPLA/FRELIMO/PAIGC/PAICV
(Não incluo aqui São Tomé nem a UNITA nem FNLA nem RENAMO porque estes foram secundarizados por aqueles).

É que o protagonismo dos dirigentes desses movimentos “vitoriosos” que se relacionavam entre si a nível internacional, era tão excessivo que apagaram o sacrifício que os povos sofreram, tanto dos que acreditaram nesses movimentos como aqueles que ainda hoje não acreditam.

E como esses dirigentes, que se conheciam todos uns aos outros e se entendiam bem, eram tão poucos que rapidamente foram sendo apagados e excluídos politicamente e até eliminados fisicamente alguns, e hoje “desconhecem-se” mutuamente, após as independências e as vicissitudes que se seguiram, porque os dirigentes que “sobraram” eram desconhecidos uns dos outros.

Ao contrário do que se passava no tempo colonial, que havia uma união entre os principais protagonistas da luta anti-colonial, e mesmo entre eles e a oposição política portuguesa metropolitana, e agora não há CPLP nem PALOP “que lhe valha”, e é uma pena que a tal elite tradicional que existia se tenha apagado tanto, embora fosse previsível que tal acontecesse.

Era uma mais valia enorme para todos os 5 PALOP, pois havia muito entendimento entre eles e é a união que faz a força, pode ser que um dia reapareça essa união que existiu, o que parece difícil.

A conjugação de esforços e entendimento entre os dirigentes dos referidos movimentos era tal que no caso de Amílcar Cabral é considerado nos relatos históricos como co-fundador de MPLA, angolano, e do PAIGC.

E após as independências, no caso da Guiné é bem conhecida a colaboração de guineenses e cabo-verdianos do PAIGC que se prolongou durante bastantes anos, e acabou essa colaboração com maus resultados para o futuro da Guiné.

Mas sabemos que não era a colaboração que estava errada, mas as políticas “importadas” e completamente erradas e contrárias ao espírito dos povos e que não diziam nada às pessoas, e que acabaram num virar de costas, mau para todos.
(Absurdos como ideologias guevaristas em balantas, Ganguelas e macuas ou beirões e algarvios, nem em Cuba foi bom)

Ainda no caso da Guiné, conhecemos no tempo de Luís Cabral, um angolano como ministro do governo guineense, Mário Pinto de Andrade, que foi, durante a luta anti-colonial um dos presidentes do MPLA.

Mas como todos os casos semelhantes a Mário Pinto de Andrade, que já era um “exilado” de Angola, tornou-se exilado também da Guiné, foi péssimo a fuga dos mais informados.

E foram milhares de angolanos, guineenses, e de todos os PALOP, que se “exilaram” em Portugal, no Brasil e por todo o lado. Por cá, ainda há quem chame a alguns de retornados. Mas periodicamente, durante estes 38 anos de independências, os mais informados vão-se afastando dos seus países.

Embora muitos países em África descolonizada tenham problemas semelhantes, no caso das ex-colónias portuguesas têm uns problemas específicos, à vista de todos.

Menciono dois:

Um desses problemas mencionava-o Samora Machel numa visita a Portugal num discurso com Ramalho Eanes, presidente, dizia Samora que: “…todos têm pai, só nós (moçambicanos) não temos pai", referia-se à colaboração dos vizinhos com a Inglaterra. (neocolonialismo???), chame-se o que se queira, mas da parte de Portugal era impossível impor-se à “bola de neve” que esses movimentos criaram, que até os próprios dirigentes esmagou.

O outro enorme problema específico é o êxodo quase total da tal elite que Amílcar falava como a “burguesia “ que corria o risco de se suicidar, mas que tanta falta fazia viva, mas bem viva, porque eram patriotas, bem formados e formavam uma sociedade sã e adaptada aos vários ambientes étnicos, religiosos e culturais e já não se consideravam nem eram vistos pelas etnias, como simples colonos, embora a maioria fossem brancos ou mestiços e muitos eram negros já desintegrados da respectiva etnia.

Não se suicidou, mas exilou-se contra a vontade da maioria deles que não viram maneira de contrariar as forças internacionais, tremendamente malignas para todas as etnias africanas, que a “demagogia das independências” atraiu naquele momento errado.

Claro que esta gente que (conheci e fui colega de centenas) teve que se “exilar”, também deita muitas culpas para cima da tropa e dos políticos tugas, por certas coisas correrem tão mal.

Mas para a “morte ter desculpa”, quando vemos as revoluções e os massacres por motivos étnicos, religiosos, fronteiriços ou políticos em África, se for nas ex-colónias portuguesas pode-se dizer que a culpa foi do atraso em que Portugal deixou aqueles territórios, noutros casos fica à responsabilidade da ONU, essa abstracção.

Quando digo que havia mais PALOP (entendimento) entre aqueles cidadãos desses futuros países, havia mesmo uma irmandade tão saudável e até com alguma rivalidade competitiva e orgulho na própria terra que era entusiasmante e saboroso conviver e assistir ao entusiasmo daquela gente, antes do terrorismo do Norte de Angola e mesmo depois.

Mas há certos motivos para explicar a diminuição de um sentimento “PALOP”, mas deixo para momento mais propício,

Claro que a Europa colonialista cansada da guerra da Índia, da guerra da Indochina, da 2.ª Grande Guerra, optou por ver os outros em guerra, sozinhos.

Alguns de nós portugueses, assim como em tudo, seguimos sempre a Europa um pouco mais atrasados, tinha que ser.

Um abraço e coragem para os editores “editarem sempre”
António Rosinha
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9655: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (211): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte III)