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quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24559: Convívios (969): CCAÇ 3398 (Buba, 1971/73): Cinquentenário do regresso (1 set 1973): Freiriz, Vila Verde, a "terra dos lencinhos dos namorados", 2 de setembro de 2023 (José da Silva Lourenço / Joaquim Pinto Carvalho)


Inscrições até ao dia 19 de agosto: telem 916 653 615 (José da Silva Lourenço)





1. Mensagem que nos chegou ontem, às 21h19, da parte do nosso amigo e camarada Joaquim Pinto Carvalho, que tem mais de 60 referências no nosso blogue, e é membro nº 633 da Tabanca Grande, foi alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73); natural do Cadaval, é advogado, poeta e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã; é autor de uma brochura com a história da unidade, a CCAÇ 3398, distribuída no respetivo XXV Convívio, realizado no Cadaval, em 18/9/2021.


Assunto - Convívio da CCAÇ 3398, em 2 de setembro de 2023

Olá! Mando-te anúncio do convívio que fiz e digitalização da carta qu recebi do organizador. Vê se dá para aproveitar alguma coisa para colocares no blogue.
Obrigado

Um abraço, J. Pinto de Carvalho



Vila Verde, no distrito de Braga,  é a terra dos lenços dos namorados... "Amor juro ser / Sempre tua até morrer / Garda bem este lencinho / Nele tens  o meu saber."

domingo, 26 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)



Ana Ferreira Carneiro, na sua casa da Madalena, Vila Nova de Gaia, em 19/6/2019, no dia do casamento do filho mais novo, mas já com o diagnóstico da doença, a mielodisplasia, que deveria estar na origem da sua morte, quatro anos depois,  em 24 de março de 2023.


Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

A Tabanca de Candoz ficou mais pobre, a partir de anteontem,  com a morte da "Nitas"... Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 15/1/1947 - Porto, 24/3/2023)

A engenheira técnica Ana Carneiro, carinhosamente conhecida por "Nitas", formou-se em 1973 e trabalhou desde então, e durante quatro décadas, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto, no departamento de Engenharia Química, Laboratório de Tecnologia Química. Fez parte, já reformada, de vários grupos musicais (coros e cavaquinhos). Era irmã da Alice Carneiro e cunhada do nosso editor Luís Graça. Era casada com o Augusto Pinto Soares, "Gusto", economista, e gestor, reformado, mãe do médico José Soares e do inspetor tributário Luís Filipe. Tinha dois netos. Morava na Madalena, Vila Nova de Gaia. As cerimónias fúnebres realizaram-se em dois locais: (i) igreja do Padrão da Légua, São Mamede de Infesta, Matosinhos, com velório a partir das 18h00: missa de corpo presente às 10h00, amanhã, sábado; (ii) seguindo depois o féretro para a sua terra natal, que ela tanto amava; o corpo desceu à terra por volta das 15h00, no cemitério da freguesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.





 

Marco de Canaveses >  Paredes de Viadores >  Festa da família Ferreira >  7 de setembro de 2013 > Juntou mais de 100 pessoas. A festa realiza-se há cerca de 30 anos. A última tinha sido em 2011. 

Neste vídeo mostra-se a exibição de um grupo de mulheres da família que cantam lindamente os tradicionais cantaréus da região do Douro Litoral (que só podem ou devem ser cantados pelas mulheres, e estão hoje praticamenmte extintos, o termo aliás nem sequer está, lamentavelmente,  grafado pelo Dicionário Periberam da Língua Portuguesa): "Nitas", Mi, São (mulher do maior violonista da região, Júlio Veira Marques, também presente na festa, nosso camaradas da CCAÇ 1418, Bissau, Bula, Buruntuma, Camajabá, Ponte Caium e Fá Mandinga, 19654(/67)... e Dolores Carneiro... A "Nitas" está de óculos escuros e xaile tradicional.

Vídeo (1' 59''). Alojado em You Tube / Luís Graça (2013) (*)

1. Oração fúnebre dita da missa de corpo presente, igreja do Padrão da Légua, Matosinhos, dia 15 de março de 2023, cerca das 11h00 (**):

Querida Nitas:

Hoje há lágrimas e suspiros. Hoje é o dia mais triste das nossas vidas. Agora que partiste para a tua última viagem, aquela que não tem retorno, há um nó na garganta que nos sufoca e não nos deixa dizer tudo o que nos vai na alma.

Sabes, na hora da morte dos que nos são queridos, as palavras de pouco nos servem de consolo. Escrevi-te tantos sonetos, quadras e outros textos poéticos, ao longo da tua vida, por ocasião dos teus aniversários e em outros momentos felizes que passámos juntos no seio das nossas famílias… Mas ficou, afinal, tanto por te dizer e partilhar contigo!...

Contra toda a evidência médica, fomos resistindo à ideia de te perder e fomos sempre alimentando a luzinha que, embora muito trémula, ainda era visível ao fundo do túnel, há uns meses atrás. Mas tu sabias que a vida te estava a escapar… não obstante a dedicação e a competência dos “anjos”, que no Hospital de São João, cuidaram de ti, a começar pelo teu hematologista, dr. Ricardo Pinto.

Recordo o que me escreveste, há um ano, agradecendo as palavras que eu te mandei, em meu nome e da tua mana Alice, por ocasião dos teus 75 anos. “Querido Luís: Quando partirmos para o outro lado do rio de Caronte, como tu dizes, o que fica para a posteridade, é o que tu escreves agora para nós… Tantas e tão lindas recordações. De nós pouco fica… Obrigada mais uma vez, a todos, por todo o carinho que recebo.” (Fim de citação).

Não, Nitas, de ti fica muito. Antes de mais, fica, em nós, uma saudade imensa. De ti, fica o teu sorriso luminoso, a tua grande bondade, a contagiante alegria de viver, a tua beleza interior, a tua gentileza, a tua fotogenia, o carinho com que tratavas as tuas plantas e flores na Madalena e em Candoz, o prazer com que ias para o coro e o cavaquinho, o orgulho, a ternura e o amor que tinhas  pelo teu marido, Gusto, e pelos teus filhos Luís Filipe e José Tiago, o desvelo e o carinho que manifestavas pelos teus netos, e as tuas noras e a tua grande família: manos, cunhados, sobrinhos, etc.

Fica o exemplo extraordinário de abnegação e de resistência que deste ao longo de quatro anos de luta contra uma doença crónica degenerativa, cruel, irreversível, incurável, injusta. Tu não merecias este desfecho.

E fica o teu Gusto, sempre discreto mas eficiente e presente, sempre a teu lado, nos piores e melhores momentos, o Gusto, o teu grande companheiro de jornada, de estrada, o grande amor da tua vida. Fica o seu exemplo, para todos nós, de um extraordinário cuidador. Sem um ai, sem um ui, escudando-se muitas vezes na sombra, fora das luzes da ribalta, sem procurar protagonismo. Porque ele sabia que tu farias exatamente o mesmo por ele. Essa, sim, é uma grande prova de amor.

Fica ainda o exemplo do resto da tua família, que esteve sempre a teu lado, que soube ser carinhosa, fraterna e solidária na grande provação que foi a tua doença. Sem esquecer os teus bons amigos e antigos colegas, do ISEP - Instituto Superior de Engenhria do Pporto e dos grupos do coro e do cavaquinho…

Na tua morte, querida Nitas, todos morremos um pouco contigo. Falo em meu nome, em nome dos meus e dos teus, e de todos os demais que muito te amaram e que te vão recordar pela vida fora. Prometemos nunca te esquecer enquanto ainda tivermos do lado de cá do rio. Também já temos a moeda para dar ao barqueiro Caronte que nos há levar ao teu encontro, na outra margem. Até lá vamos falando contigo, mesmo por entre lágrimas e suspiros. Recusamos dizer-te adeus, até sempre. Apenas, adeus, até um dia destes, querida Nitas!

Luís Graça


2. Letra da canção do cancioneiro minhoto, "Ó Farol de Montedor",  interpretado por um coro "ad hoc" (sem acompanhamento instrumental),  Cemitério de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 25 de março de 2023, 15h00

Ó Farol de Montedor


Instrumental 
 

Ó farol de Montedor, ó ai, ó ai,
Ó farol de Montedor,
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai

Instrumental

Eu perdi o meu amor, ó ai, ó ai
Eu perdi o meu amor, 
Às escuras não no acho, ó ai, ó ai
À escuras não no acho, ó ai, ó ai

Instrumental

É noite, e o sol já está posto, ó ai, ó ai
É noite, e o sol já está posto 
E o meu amor que não vem, ó ai, ó ai
E o meu amor que não vem, ó ai, ó ai

Instrumental

Ou o mataram a ele, ó ai, ó ai
Ou o mataram a ele, 
Ou ele matou alguém, ó ai, ó ai
Ou ele matou alguém, ó ai, ó ai

Instrumental

Ó farol de Montedor, ó ai, ó ai
Ó farol de Montedor,
Iça a bandeira de luto, ó ai, ó ai
Iça a bandeira de luto, ó ai, ó ai

Instrumental

Foi-se embora o meu amor, ó ai, ó ai
Foi-se embora o meu amor, 
Tenho pena, choro muito, ó ai, ó ai
Tenho pena, choro muito, ó ai, ó ai

Instrumental

 Ó farol de Montedor, ó ai, ó ai,
Ó farol de Montedor,
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai


(Vd. aqui a interpretação do Coro Académico da Universidade do Minho com o Grupo de Música Popular da Universidade do Minho: Ó farol de Montedor - Trad. do Minho / harm.: Mário Nascimento XIII Encontro de Coros Universitários - 2017)

3. Joaquim Costa comentou na Tabanca Grande Luís Graça, com data de 24 de março último:

Amigo Luís, é nestes momentos que as palavras nos faltam para exteriorizar a tristeza que nos aperta o coração, pelo amigo que perde alguém muito querido.

As minhas condolências a toda a família e amigos da minha colega Eng Tec, que não tive o prazer de conhecer mas que com certeza nos cruzámos nos corredores do então IIP - Instituto Industrial do Porto (hoje ISEP)

Um grande abraço deste amigo que muito te considera.

Joaquim Costa

______________

Notas do editor: 

(*) Vd. 24 de setemebro de  2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24076: In Memoriam (469): Manuela Gonçalves (Nela) (Castelo Branco, 1946 - Caldas da Rainha, 2019), professora aposentada, cooperante, esposa do ex-alf mil, Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60, 1969/70, vítima de mina A/C , em 13/11/1969, na estrada São Domingos-Susana


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Rio Cacheu > 1981 > A caminho de Ingoré... A Nela, turista, de perfil...Aqui com os filhos 
.


Guiné-Bissau > Bissau > 1982 >  A Nela, cooperante,  e os filhos...


Cortesia do seu blogue Viagens, Fotos e Palavras 
(https://viagensdanela.blogspot.com/)


1. Há muito que não tínhamos notícia da nossa amiga Manuela Gonçalves (Nela), que residia as Caldas da Rainha, professora do ensino secundário, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes (o segundo, por ordem cronológica) do Pel Caç Nat 60 (criado em São Domingos em 1968).

Foi a primeira, ou uma das primeiras mulheres, companheiras de camaradas nossos, a integrar a nossa Tabanca Grande. Não eram (nem são)  muitas, contam-e pelos dedos... O marido (o "maridão", como ela o chamava) foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1969/70): o Nelson Gonçalves foi vítima de uma mina anticarro, nas imediações de Nhambalá, na estrada São Domingos-Susana, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (*).

Infelizmente, confirmámos há dias que a nossa amiga, que estava reformada e era avó , já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves". Confirmámos a notícia noutra fonte: segundo a AgênciaNeves - Serviços Funerários, das Caldas da Rainha, a nossa amiga Nela, de seu nome completo, Maria Manuela Fernandes Gonçalves , nasceu a 12 de dezembro de 1946, em Castelo Branco,  e morreu, nas Caldas da Rainha, em 2 de setembro de 2019. Era casada com Nelson Gonçalves, mãe de Tânia Manuela Gonçalves e do  Nelson Alexandre Gonçalves.

Daí a razão de ser deste In Memoriam (**). 

Apaixonada por viagens à volta do mundo, escrevia no blogue Viagens, Fotos e Palavras, em 26 de janeiro de 2019: 

"Faltam-me Tantos Países Para Visitar....Visitei 37 países das Nações Unidas (19.1%) num total de 193"... (Do México ao Japão, da Guiné-Bissau à Suécia, do Brasil à Índia, de Marrocos à África do Sul, de São Tomé e Príncipe a Moçambique, do Reino Unido à Itália...).   Seria já uma despedida ?... Aliás, é em meados desse ano, 2019,  que os seus blogues ficam inativos.


2. A Nela manteve ao longo do tempo da sua vida ativa (e depois na reforma) diversos blogues (nada menos que seis) e seguia muitos mais (cerca de duas dezenas e meia), incluindo o nosso, blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné e o blogue do Pel Caç Nat 60, criado pelo Manuel Seleiro.

Na altura, em 1970,  a Nela, jovem estudante universitára, a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,  e então namorada do Nelson, viveu a guerra à distância, com a morte na alma (***)... 

Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com o marido e os seus dois filhos pequenos, em 1981, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Viveu lá, na Guiné-Bissau, em 1981/82 (***)... 

Mais tarde, no início de 2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente, e mais do que isso mantinha nessa altura o seu próprio blogue: Caminhos por onde andei...(infelizmente já descontinuado, não foi sequer capturado pelo Arquivo.pt) (****).
 
No seu perfil, no Bogger, definia-se nestes termos: "Mulher, sempre pronta a fazer malas e partir... com uma máquina fotográfica, uns livrinhos e, claro, de tenis... Também gosto de dar a minha opinião... e não prescindo dos meus direitos".

Era natural de Castelo Branco. Viveu e trabalhou nas Caldas da Rainha. Um abraço na dor ao marido (e nosso camarada Nelson Gonçalves, de quem não temos nenhum contacto), filhos  e restante família.

Requiescat in Pace, Nela!


(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [o NEpson Gonçalves] e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60,  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial.  A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



Sábado, Janeiro 7, 2006

Guiné- Bissau (1)

Esta noite, ao navegar pelos blogs que visito habitualmente, fui parar , através de hiperligações de posts, ao Blogue Fora-Nada, que reúne documentos e memórias de ex-combatentes da Guiné-Bissau!

Não fui combatente na Guiné, mas esses caminhos foram percorridos por mim de modo e tempo diferentes... Tornaram-se mesmo decisivos na minha vida de jovem estudante universitária rebelde , namorada de um alferes miliciano que para ali fora enviado para a guerra , mais tarde meu companheiro de vida (já lá vão 35 anos) e de mulher e mãe, que considerou importante ir para Bissau, como cooperante!

A Guiné dos aerogramas despertara um desejo imenso de conhecer a Guiné das bolanhas, das tabancas, dos mosquitos, dos rios e pântanos e das gentes que ali viviam, dos felupes, dos mandingas, dos papéis, de Amílcar Cabral, dos guerrilheiros do PAIGC...

Nunca tinha aceite a Guerra Colonial, mas uma vez que ela tinha entrado nas nossas vidas abruptamente e deixado incapacidades físicas ao maridão, senti uma vontade imensa de viajar para aquele pequeno país e conhecê-lo bem!

Era como que uma necessidade intrínseca de compreender bem uma etapa importante da vida vivida pelo companheiro de route!

Bissau, Bafatá, Mansoa, São Domingos, Ingoré eram locais que precisávamos (re)visitar.

E fomos lá! Também os nossos filhos nos acompanharam , crianças ainda, viram e pisaram as picadas que, anos antes, o pai cruzara, sempre alerta! Agora podíamos circular livremente, apesar do mau estado das estradas, mas em paz e liberdade!

Gostei da Guiné-Bissau! Voltar lá foi um modo de "exorcizar" fantasmas de guerra que habitavam a nossa casa! (...)

sábado, 26 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"


Rui Alexandrino Ferreira (Angola, Sá da Bandeira, 
h0je Lubango, 1943 - Viseu, 2022) (*)





Guiné > Região de Tombali Aldeia Formosa > CCAÇ 18 (jan 197/set 72) > 1971 > Os primeiros foguetões 122 a serem capturados aos guerrilheiros do PAIGC. No foto, ao centro Cap Mil Rui Ferreira, comandante da CCAÇ 18, com dois dos seus homens, guineenses: o furriel mil Aristóteles Tomé Pires Nunes  e o furriel  mil Carlos Solai Só. Foto, com a devida vénia, reproduzida de "Quebo: nos confins da Guiné", Coimbra, Palimage, 2014, pág. 107. 




Capa do livro "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).
Um exemplar deste segundo livro do Eui Alexandrino Ferreira, foi-me gentilmente ofertado pelo Manuel Gonçalves, ex-alf mil mec auto, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), Reproduzo aqui a sua dedicatória: "Tendo estado em Aldeia Formosa com o autor, quero partilhar com o meu ilustríssimo amigo Luís Graça alguma dessa vivência. Manuel Gonçalves, s/d  [2022] ".



1. Em homenagem ao nosso ten cor inf ref Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022), deixamos aqui a sua versão sobre os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971,  sob a forma de confrontos armados, opondo militares, guineenses, da CCAÇ 18, a camaradas, metropolitanos da CCS e da CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, jul 1971 / set 1973).  O Rui Alexandrino Ferreira estava então na sua segunda comissão no CTIG, desta vez a comandar a CCAÇ 18 (de janeiro de 1971 e setembro de 1972).

Trata-se de um excerto do seu livro "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014). Com a devida vénia aos herdeiros do autor e à editora, a Palimage. É também uma homenagem à sua esposa, a quem dedica (a ela e às filhas) este livro, com palavras  de enorme ternura e humanidade que merecem ficar aqui registadas no nosso blogue:

"Este livro  (...) é principamente dedicado à minha esposa, que continua a ser dos meus sonhos o mais lindo, pro quem tive a ousadia de pedir a Deus: "Senhor! Cuida bem dela. Dá-lhe uma velhice calma e sem abrolhos, que a compense da imensidão de sacrifícios que por mim temfeito. Quando a tiveres de a chamar a Ti, não o faças sem primeiro o teres feito a mim, pois  sem ela nem o mundo seria o mesmo, nem a  minha vida teria qualquer sentido" (pág. 19).

Chama-se a atenção para o facto de haver outras versões dos acontecimentos a seguir relatados: vd. por exemplo, o testemunho do soldado do pelotão de morteiros que estva a altura em Aldeia Formosa, Joaquim dos Reis Martins ("Quebo: nos confins da Guiné", op cit, 2014,  cap 12º, ponto 10.5. A Revolta dos Militares Nativos, pp. 330-335); ou ainda a versão do nosso camarada Manuel Gonçalves, já aqui citado (**). 



Capítulo décimo primeiro – A noite dos horrores, ou o conflito armado entre metropolitanos e africanos e ainda a morte de Virgolino Ribeiro Spencer (pp. 197 – 202)


Por Rui Alexandrino Ferreira 



(...) Se durante a permanência do [BCAÇ] 2892, a coexistência entre brancos e africanos decorreu de forma natural, (…) dentro do aquartelamento e da povoação [de Aldeia Formosa] (…), com a chegada do [BCAÇ] 3852 tudo se tinha modificado.

(…) Sucedia que entre os fulas, para publicamemte mostrarem a grande amizade que os unia, estes se passeavam de mão dada. Tal facto foi originando alguns piropos da parte dos soldados metropolitanos, que foram agravando com o correr do tempo.

Longe de qualquer prática homossexual, que aliás não foi detetada nenhuma, na CCAÇ 18, durante todo o tempo em que lá estive (…). Os militares do [BCAÇ] 3852 pareciam, a este respeito, estar desinformados, pouco mentalizados, como se fosse coisa de que nunca tivessem ouvido falar.

Foram-se assim agravando as relações. E, se não me custa aceitar que havia alguns militares da [CCAÇ] 18, que estariam mais perto dos ideais do PAIGC, e atentos a uma oportunidade para lançar uma confusão, tal não me parece ter sido esse o presente caso.

Confusão que acabou por acontecer na noite da consoada de 1971. Foi seguramente, se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida.

E tudo começou por uma violenta discussão entre africanos e metropolitanos no bar do Cabo Verdiano, envolvendo o campeonato de futebol da primeira divisão. Do Benfica ao Sporting (…), foi subindo de tom e passou para o futebol de Aldeia Formosa, onde tinha recentemente terminado o campeonato inter-unidades.

E assim, normalmente, acabava por vir a lume a minha própria pessoa. Não sendo efetivamente um elemento muito disciplinado, usando e abusando da força que então tinha, era extremamente corajoso, lutador e, sem ser violento, impunha o físico, nunca tirava o pé do sítio onde metia e raramente perdia um confronto a dois.

Tendo sido injustamente expulso durante um desafio por um furriel árbitro que, na busca de protagonismo, não encontrara melhor solução que me pôr fora de campo, ordenei então à equipa da 18 que abandonasse o terreno, pois o futebol para nós tinha acabado naquele momento.

Foi um alvoroço. Chamado às preces
 [ou à pressa ?]    o comandante [ten cor inf António Afonso Fernandes Barata], [este ] ordenou-me que fizesse reentrar o pessoal no campo, ao que lhe respondi que nem pensar.

− Então mando-os eu entrar – retorquiu.

−Essa é que eu gostava de ver, entrar um que fosse, depois de eu ter dito para o não fazerem.

− Então, eu prego-lhe uma porrada.

− E eu preocupado com isso, seguramente viu daqui para melhor, porque não há nada mais perigoso em matéria operacional do que uma companhia africana. E venha quem os ature.

− Mau…, então vamos conversar. O que é o senhor quer ?

− Mande substituir o árbitro.

E assim foi feito (…).

Do futebol se passaram às malévolas insinuações, se julgaram ações, se estabeleceram suposições, numa alusão a eventuais práticas homossexuais, metendo pelo meio o uso dos balandraus, alguns ricamente costurados, que os fulas usavam em ocasiões especiais, mas que efetivamente mais pareciam vestimenta de mulher.

E tudo acabou num confronto físico, quando um soldado africano enfiou pela cabeça abaixo de um soldado africano uma cadeira. Criadas fixaram assim as condições para o pandemónio que se seguiu.

Impotente para reagir fisicamente, dada a diferença de arcaboiço, o soldado africano foi a casa buscar a arma. Os soldados metropolitanos refugiaram-se no quartel e os africanos instalaram-se numa casa fronteiriça a este, de onde desencadearam o ataque.

A notícia chegou como uma bomba à tabanca da [CCAÇ ] 18 [fora do quartel, onde ficavam o comandante e os demais graduados da companhia].

− Nosso capitão, o pessoal está todo aos tiros uns aos outros.

(…) Desatmado, usando, tal como me encontrava, as calças do camuflado e uma t-shirt branca, dirigi-me rapidamente ao local do conflito.

Já então o tiroteio era verdadeiramente infernal. Os soldados metropolitanos tinham começado a responder de dentro para fora do quartel. Tendo feito rapidamente um balanço à situação, só havia um solução: terminar imediatamente com a troca de tiros, antes que a situação ficasse incontrolável.

Identificando-me e ordenando, tão alto quanto consegui, que pusessem fim ao tiroteio, avancei direto à casa onde se encontravam entrincheirados os soldados da 18.

Os tiros passaram por mim zumbindo, dilagramas iam rebentando um pouco por todo o lado. E fosse por intervenção divina, por interferência de Nossa Senhora de Fátima que protege os portugueses quando estes se encontram em más situações, ou pela intervenção que era conferida pelo amuleto que me fora dado pelo Cherno Rachid Jaló, não sofri nem a mais ligeira beliscadura.

Continuando a avançar em direção à casa, consegui que os meus soldados a abandonassem e assim se findou o tiroteio. No rescaldo, e num balanço final, tinha um dos majores um dos lados da cara completamente esfacelado, por se ter mandado abaixo do jipe que estava a ser atacado.

Mais grave, estava o Virgolino Ribeiro Spencer, um dois furriéis da 18, que transitava de boleia na motorizada do Ganga, outro furriel da mesma 18, que era avançado de centro da seleção da Guiné (…)[com família no Pilão]… [E a propósito do Pilão], ainda estava bem presente na mente de todos a morte de quatro elementos da polícia militar, vítimas de uma granada que lhes meteram dentro do jipe.

Virgolino Ribeiro Spencer foi inacreditavelmente atingido por uma bala que, tendo feito ricochete no farolim, o foi apanhar naquele exíguo pedaço do seu corpo, que não estava protegido pelo corpo do Ganga. (…)

Evacuado para Bissau, na madrugado do dia seguinte, morreu um dia depois [na realidade, umas três semanas depois, em 15 de janeiro de 1972]. Para o seu velório e enterro, Spínola mandou-me buscar a Aldeia Formosa.

Foi mais uma noite de profundo desgaste psíquico, físico e mental. Com o calor que se fazia sentir, o corpo já tinha começado a decompor-se. A família, num cantochão, misto de prece e oração, lamentava em conjunto a sua morte. Toda a noite, sem descanso, sem tréguas, sem intervalos. De madrugada, [eu] tinha os nervos arrasados. O enterro constituiu mais uma provação.

Mas voltando a Aldeia Formosa e à noite das facas longas, findo o tiroteio e após ter passado pela enfermaria, dirige-me à sala de operações onde se encontrava reunido o comando do batalhão. O comandante propôs-me então que se esquecesse o que se tinha passado, não informando Bissau do sucedido.

Ao que lhe respondi que não precisava ele de se preocupar em prestar qualquer esclarecimento, pois a essa hora já por toda a cidade de Bissau se sabia o que se tinha passado, com base no agente da PIDE, em Aldeia Formosa.

− E mais, temos de nos preparar para amanhã receber a visita de Spínola.

E assim foi. Formadas as unidades, Spínola determinou que os comandantes das companhias fizessem sair os cabecilhas. E quando viu que os elementos da 18, que tinha mandado sair, estava um cabo com uma cruz de guerra (que ostensivamente colocara), dirigiu-se-me dizendo que não era forma de tratar um herói nacional. Ao que eu respondi:

−Que em matéria de cruzes de guerra, ele ainda ficava a perder comigo.

A verdade é que Spínola estava absolutamente determinado a arranjar alguém que arcasse com as culpas e, se eu não lhe tenho respondido com a mesma arrogância, ele tinha-me passado por cima.

Embarcados os elementos que tinham sido dados como cabecilhas, Spínola regressou a Bissau.

De seguida, mandou quês e apresentasse em Bissau o comandante do [BCAÇ] 3852 e enviou, para Aldeia Formosa, o brigadeiro Ramires, comandante do CTIG, que, tendo como escrivão o major Carlos Azeredo, elaborou o auto respetivo. (Aliás, Carlos Azeredo conhecia muito bem Aldeia Formosa, pois tinha aí comandado um COP).

Ouvidos exaustivamente todos os possíveis intervenientes, foi o comandante punido. Salvo erro, com 12 dias de prisão disciplinar, findos os quais, foi mandado regressar à Metrópole.

No rescaldo, a vida regressou a uma efetiva normalidade, melhoram as relações entre militares, e eu sentia que o grosso que tinha que fazer naquela comissão já estava feito.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Parênteses retos / Negritos , para efeitos de publicação deste poste:  LG]

2. Comentário adicional do editor LG:

Chama-se a atenção para o facto de haver outras versões dos acontecimentos acima relatados, que podem divergir, nalguns aspetos circunstanciais ou até essenciais, da versão do Rui Alexandrino Ferreira. Costuma dizer-se que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto. Neste caso, ver por exemplo:

(i)  o testemunho do soldado do pelotão de morteiros que estava a altura em Aldeia Formosa, fotógrafo amador, e amigo do coamndante da CCAÇ 18, de seu nome Joaquim dos Reis Martins: ele próprio doou sangue para fazer uma transfusão ao furriel Spencer, assistido de imediato pelos quatro médicos do batalhão, por sorte todos reunidos nesse dia festivo em Aldeia Formosa: levado de helicóptero para o HM 241, logo no dia seguinte de manhã,   foi recuperando dos ferimentos de bala; mas terá morrido de uma hepatite no hospital (in "Quebo: nos confins da Guiné", op cit, 2014,  cap 12º, ponto 10.5. A Revolta dos Militares Nativos, pp. 330-335).

(ii) ou ainda a versão do nosso camarada Manuel Gonçalves, já aqui citado (**):. 

(...) Oficialmente, o exército considerou a  (...) morte   [do furriel mil Spencer] como "acidente". Na realidade, ele terá sido assassinado, quando circulava pela tabanca com a sua motorizada. Era um guineense, de origem cabo-verdiana,  sendo natural de Nª Sra. Natividade, Pecixe, Cacheu.

Era o único militar, ao que parece, que possuía uma motorizada  [o alf mil João Marcelino, da CCS, também tinha uma Honda, não sei se nessa altura, se mais tarde... LG] . 

Para o Manuel Gonçalves, terá sido morto mais provavelmnete morto por alguém da sua própria companhia. a CCAÇ 18,  As praças da CCAÇ 18 viviam na tabanca, estando por isso armados.

A haver crime. não se apurou o móbil do crime, nem se identificou o autor do disparo.. Pode-se pôr a hipótese de vingança ou racismo. Esta história acabou por ser um "pretexto" para uma "insubordinação militar", com o pessoal da CCAÇ 18,  a revoltar-se e virar as suas armas contra os "tugas" da CCS/BCAÇ 3852.

Foi preciso mandar avançar uma Panhard para serenar os ânimos... Isto passa-se na véspera de Natal, na noite de Consoada, 24/12/1971. O Spencer, evacuado para o HM 241, em Bissau, acabou por não resistir aos ferimentos, três semanas depois. (...)

Há outras referêcncias a estes acontecimentos da noite de Natal de 1971 em depoimentos prestados no livro do Rui Ferreira por militares que o conheceram e que com ele conviveram em Aldeia Formosa, quer pertencentes à CCAÇ 18 quer ao BCAÇ 3852. Não vamos, por ora, citá-los. Os seus depoimentos são importantes para se melhor conhecer o homem e o militar que foi o Rui Alexandrino Ferreira.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da sérue > 24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23813: In Memoriam (462): Rui Alexandrino Ferreira (ex-Sá da Bandeira, Lubango, 1943 - Viseu, 2022), ten cor inf ref, ex-alf mil inf, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67); ex- cap mil, CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, 1970/72); autor de 3 livros de memórias: Rumo a Fulacunda (2000), Quebo (2014) e A Caminho de Viseu (2017)

(**) Vd. poste de 12 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19006: (De) Caras (120): A morte do fur mil, da CCAÇ 18, Virgolino Ribeiro Spencer, em Aldeia Formosa, em 15 de janeiro de 1972... Acidente ou homicídio na Consoada de Natal de 1971 ? A versão do Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73).

sábado, 6 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23501: In Memoriam (443): Maria Aldina G. O. Marques da Silva (Fafe, 1946 - Lourinhã, 2022), esposa do Jaime Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72): o funeral é em Fafe, amanhã, domingo, às 12h00


Lourinhã > Ribamar > Porto Dinheiro > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > O Jaime e a Dina, ambos professores, já então reformados, e dividindo o seu tempo entre a Lourinhã e Fafe. Ela era de Fafe, ele, do Seixal, Lourinhã. Em Fafe o Jaime Silva foi autarca, tendo tido o pelouro da cultura e desporto no respetivo município. O casal vivia nos últimos anos no Seixal, Lourinhã.  E, apesar da doença que a afetava, a Dina ainda acompanhava o marido e convivia com os amigos, até 2019. Sempre impecavelmente cuidada, resguardada  e protegida  pelo seu "anjo da guarda". 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Lourinhã > Praia da Areia Branca > 7 de julho de 2018 > Dina e Jaime

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Lourinhã > Seixal > 17 de julho de 2019 >   A Dina, na festa do 73º aniversário do Jaime


Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. A Dina acaba de morrer esta noite. De seu nome completo, Maria Aldina Gonçalves de Oliveira Marques da Silva, nascida em 24 de fevereiro de 1946, em Fafe. Há dois anos e tal, desde o início da pandemia de Covid-19, que estava internada, no Lar Vida Maior, na Maceira, união das freguesias de A-dos-Cunhados e Maceira, Torres Vedras,  Sofria, há mais de dez anos, de uma doença crónica degenerativa, a doença de Alzheimer (perda progressiva da função mental, caracterizada pela degeneração do tecido do cérebro). 

O corpo seguiu hoje para a sua terra natal, Fafe, Depois do velório, será celebrada amanhã, dia 7, missa de corpo presente às 12 horas, na Igreja Matriz  de Fafe. Os seus restos mortais ficarão sepultados no cemitério local. 

 Deixa viúvo o nosso amigo, conterrâneo e camarada Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo) (com sede em Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã).

Tinha 76 anos. O Jaime foi um herói e um santo, e um exemplo para todos nós, cuidando dela de modo inexcedível, ao longo de mais de uma dezena de anos. Ela era de Fafe, professora do ensino secundário, depois de ter leccionado antes na Lourinhã, como professora do ensino primário nos primeiros anos da década de 1970. O Jaime viveu em Fafe  durante cerca de 4 décadas, fez lá sua vida, como professor de educação física, e foi autarca com o pelouro do desporto e cultura. O casal tem dois filhos, ambos doutorados, e um neto.

Vou dar ao Jaime, que eu tratao como mano, um abraço solidário na dor, que espero seja partilhado pelos membros do blogue onde ele tem bons camaradas e amigos. Chegou ao fim o sofrimento da família. É altura agora de fazer o luto e guardar, para a posteridade, as melhores memórias de uma vida, cheia de alegrias mas também de tristezas. E deixo aqui, no blogue dos amigos e camaradas da Guiné, dois textos dedicados a ambos, um escrito há quatro  anos por  oacasião do 72º aniversário da Dina, e outro mais recente (e inédito),  um poema escrito para ser cantado, com a música da chilena Violeta Parra, por ocasião 
do 76º aniversário do Jaime, em 17/7/2022.


2. “A balada do amor” foi uma gracinha do Luís Graça, uma pequena homenagem à Dina e ao Jaime, em dia de festa de 72º aniversário da Dina, em 24 de fevereiro de 2018, celebrada no Restaurante Braga, Vimeiro, Lourinhã,,,

"Porque recordar é preciso, é viver duas vezes!",  disse eu nesse dia. E lembrei, perante os presentes (dezenas de familiares e amigos), o seguinte:

(...) "Conheço o Jaime há mais tempo do que a Dina, mas conheci a Dina primeiro que o Jaime, pelo mero acaso das circunstâncias: eu tinha vindo da guerra da Guiné, um ano antes, em março de 1971; o Jaime acabou a sua comissão de serviço militar em 1972 mas ficou em Angola até 1974; a Dina viera trabalhar para a Lourinhã e cá acabou por deixar o seu coração . (...)

(...) A verdade é que, um belo dia, roubou-nos o Jaime e levou-o para Fafe… Felizmente, para nós, seus familiares e seus amigos quase quatro décadas depois, ela devolveu a "encomenda" (o Jaime, claro, inteiros e  mais ou menos bem conservado) à sua origem, à sua terra natal. Mas para que não se perdesse, pelo caminho, acompanhou-o e por cá, pelo Seixal da Lourinhã,  tem ficado…

(...) São dois grandes amigos, nossos, meus e da Alice, as duas são nortenhas, e nós dois sulistas… (com u). E tem sido um privilégio conviver agora mais, com eles, nestes últimos anos.

Permitam-me, pois, estas liberdades poéticas que resultam da cumplicidade da amizade, e têm o propósito de homenagear, de maneira singela, neste dia, dois grandes seres humanos, numa fase da vida deles, em que mais do que nunca precisam dos nossos miminhos e carinhos.

Pessoalmente fico muito feliz por ver aqui a sua grande família, toda junta, a nortenha e a sulista, a de Fafe e da Lourinhã, Irmãos, cunhados, filhos, genro e nora, sobrinhos, sem esquecer o ai-Jesus que  agora é neto, o rei David, e todos os demais amigos do peito.

Aqui vai a melhor prenda que eu lhes posso dar, a eles e a todos vós, e que são os meus versinhos (...) Neles vão todo o meu afeto, a minha amizade e  o meu apreço por este casal de professores, cuja vida foi (e é) uma grande lição de grandeza humana, generosidade e amor. (...)

Não se assustem, são apenas 12 quadras, de sete sílabas métricas, 48 versos, que o tempo e a inspiração não deram para mais…


Balada do amor: para a Dina & o Jaime

1. 
Hoje há festa no Vimeiro,
Faz anos a nossa Dina,
E o Jaime é o primeiro
A saudar sua … menina.

2. 
A saudar sua menina,
Que de Fafe é cidadã,
E que, lesta e ladina,
Veio cedo p’ra… Lourinhã.

3. 
Veio cedo p’ra Lourinhã,
Terra de mouro encantado,
E sem ter um grande afã,
Encontrou um bravo… soldado.

4. 
Encontrou um bravo soldado
Que lá da guerra voltava
E que logo foi emboscado,
Quando as feridas… sarava.

5. 
Quando as feridas sarava,
Mais da alma que do corpo,
Logo a Dina lhe ensinava
Que o amor é um… heliporto.

6. 
Que o amor é um heliporto,
Em Fafe, terra afamada,
Onde há cultura e desporto,
… “Mas só volto mulher… casada!”

7. 
“Mas só volto mulher casada,
Com a bênção dos meus pais,
Trata lá da papelada,
Que eu tenho pressa… demais”!

8. 
Que eu tenho pressa demais,
Ó meu querido paraquedista,
E até escrevo p’rós jornais,
Que és bom rapaz e… sulista.

9. 
Que és bom rapaz e sulista,
E melhor apessoado,
Cuidado, cortam-te a crista,
Se fores mal… comportado.

10. 
Se fores mal comportado,
Lá na festa de Antime,
Nunca s’rás avô babado,
De um neto como o … David.

11. 
De um neto como o David,
Que há de ser um campeão,
Já veste calções e bibe,
É do amor uma lição.

12. 
É do amor uma lição,
Este par Dina & Jaime,
Parabéns, chicoração,
E eu acabo… “just in time”!

Luís Graça

Lourinhã, Vimeiro, restaurante Braga, 24 de fevereiro de 2018.

3. Homenagem ao Jaime, por ocasião do seu 76º aniversário natalício (17 de julho de 2022)

Gracias a la vida, Jaime…

Gracias a la vida que te ha dado tanto…
Deu-te uma família, tão linda e querida,
E de quem bem cuidas, com enlevo e encanto,
Mesmo que, por vezes, de alma sofrida.
... Gracias a la vida que te ha dado tanto!

Gracias a la vida que te ha dado tanto…
Das boas e más memórias da infância,
Mais do seminário, da guerra... e nem santo,
Nem herói te fez a tua circunstância.
...Gracias a la vida que te ha dado tanto!

Como é bom chegares à idade serena
Em que todo o sonho não é pesadelo,
Tudo afinal ainda vale a pena.
E como é bom, Jaime, ouvires este canto,
Sentindo este verso como vero e belo:
Gracias a la vida que te ha dado tanto!

Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Lourinhã, 
em data a anunciar (a surpresa, por parte dos amigos, sendo a ideia inicial da sua filha Sofia,  estava prevista  para o dia 24 de julho de 2022, um semana depois da festinha em família, mas o aniversariante ficou de cama com a Covid-19, e a filha partiu para o Norte com o rei David...)

Letra: Luís Graça / Joaquim Pinto Carvalho / Rogério Ferreira

Música: Adaptada,  com a devida vénia, da canção Gracias a la vida (1966), da chilena Violeta Parra (1917-1967)

Voz:  Rogério Ferreira / Acompanhamento à viola: Joaquim Pinto Carvalho e Rogério Ferreira

__________


Nota do editor:

Último poste da série > 5 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P22496: In Memoriam (442): ex-alf mil médico Francisco Pinho da Costa (1937-2022), CCS/BCAÇ 1888 (Fá Mandinga e Bambadinca, 1966/68); oftalmologista, tinha 85 anos, vivia em São João da Madeira

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23212: 18º aniversário do nosso blogue (8): No tempo em que os telegramas eram de mau agoiro e as mães que os recebiam nem sempre sabiam ler... (José Teixeira)

 

Cópia do telegrama, emitido em 8 de fevereiro de 1970


1.  Nos anos 60/70, durante a guerra do ultramar / guerra colonial, as famílias dos combatentes o que mais temiam era o fatídico telegrama a anunciar a desgraça de uma morte, em combate, acidente ou doença,  ou de um desaparecimento, na sequência de uma operação, "lá longe onde o sol castiga(va) mais", a muitos milhares de quilómetros de casa...

O conteúdo do telegrama era seco, lacónico, impessoal, brutal... Como este que em tempos aqui reproduzimos:

(,,,) "Sua Excia Ministro Exército tem pesar comunicar falecimento seu filho furriel miliciano fulano ocorrido no dia tal Guiné por motivo combate defesa da Pátria Sua Excelência apresenta mais sentidas condolências, Comandante Depósito Geral de Adidos, Lisboa". (...) (*).

Os mensageiros da desgraça não tinham sido treinados para dar notícias más. Era o carteiro, da vila ou da aldeia, ou de bairro, na cidade,  conhecido de toda a gente, quem levava a casa a carta ou o aerograma do contentamento, mais frequente,  mas também o telegrama, mais raro nessa época, e que, para os pobres,  só podia ser de mau agoiro... 

Um ou outro militar, por razões práticas e sobretudo de economia de tempo mandava de vez em quando à família uma mensagem telegráfica,  tranquilizadora,  a dizer que estava tudo bem... Ou a dar os parabéns por um aniversário. Ou que tinha chegado bem mas já estava cheio de saudades.

Um amigo meu, paraquedista, que esteve no Norte e depois no Leste de Angola, quando regressava à base em Luanda, passava pela estação dos Correios,  e mandava para a família um  telegramas SDS  (ou "telegrama de saudação de texto fixo"), pré-codificado, um serviço criado em 1942 pelos CTT e depois atualizado em 1961 (**)-

Com o triunfo da Internet, o telegrama é um serviço que os Correios, em muitas partes do mundo, já não prestam ou que  tende a desaparecer.

De qualquer modo, o telegrama, no ato de receção, era sempre algo que podia desencadear ansiedade ou até medo,  pela incerteza do seu conteúdo, origem e motivo. E pior ainda quando o destinatário não sabia ler... Como é o caso desta história, de grande ternura, que aqui se (re)conta (***).



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé ( infelizmente já falecida), filha do valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, preso e assassinado pelo PAIGC depois do fim da guerra


Foto (e legenda): © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. O autor, José Teixeira, membro da nossa Tabanca Grande, desde praticamente a primeira hora (vd. poste P 350, de 14/12/2005) (****), não precisa de apresentações, tendo sido um dos criadores da Tabanca Pequena de Matosinhos. 

O pretexto para esta reposição da estória nº 39, para além da celebração do Dia da  Mãe, em 1 de maio de 2022, é a passagem do 18º aniversário do nosso blogue (*****).


Estórias do Zé Teixeira (39) > O medo do terrífico telegrama


Naquele dia 8 de fevereiro de 1970, uma mãe esquecida do quadragésimo oitavo aniversário preparava o almoço para os três filhos. Um quarto estava ausente na Guiné. Este, tinha feito 23 anos dois dias antes.

Era comum juntar-se a família no dia oito e cantarem-se os parabéns em duplicado. Apenas se mudavam as velas no bolo que aquela mãe, analfabeta, cozinhava com todo o carinho.

Seriam umas onze da manhã, quando o carteiro bateu à porta. Trazia um pequeno papel rectangular dobrado em quatro e tinha como destinatário o nome daquela mulher.

D. Rita,  assine aqui em como recebeu.

 Mas… eu não sei assinar  –retorquiu  aquela mãe, com o coração já em sobressalto.

Uma vizinha prontificou-se a assinar,  a rogo. O carteiro foi-se embora e aquela mãe tremia de medo, com a mensagem que supunha vir dentro do malfadado papel.

 
– Ai que o meu filho morreu!   foi o seu primeiro pensamento.

Largou os chinelos. Com o papel junto ao coração,  desata a correr descalça, rua acima,  até ao emprego da filha, a cerca de dois quilómetros.

Chega ao destino esbaforida e sem forças, as lágrimas correm-lhe pela face. Pede para lhe chamarem a filha. Queria ser ela a primeira a saber da sorte do seu filho.

Ao ver a filha ao longe grita:

 Ai, Lai, que o teu irmão morreu!

–  Morreu nada, minha mãe.

– Morreu, morreu. Chegou agora o telegrama.

A filha abre o terrífico papel:

"PARABÉNS PELO SEU ANIVERSÁRIO"
. Assina: "Armanda".

– Oh minha mãe, então você não se lembra que faz hoje anos?! É um telegrama da Armanda, a namorada do seu filho, a dar-lhe os parabéns.

 É isso que diz aí?

–  É minha mãe. É o que está aqui escrito.

 
– Graças a Deus!!!

Aquela mãe, era a minha mãe... E eu dou Graças a Deus por poder contar, hoje, esta pequena, mas verdadeira história.

Zé Teixeira

 [Fixação / revisão de texto / título do poste: LG]
__________

 Notas do editor:

(*) 16 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19983: (Ex)citações (354): Como é que a máquina burocrática do exército fazia chegar, à família, a notícia funesta da morte ou desaparecimento em combate de um militar ? O caso do sold at cav nº 711/65, José Henriques Mateus, desaparecido no rio Tompar, afluente do rio Cumbjiã, no decurso da Op Pirilampo, em 10/9/1966 (Jaime Silva, seu colega de escola, no Seixal, Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)

(**) Vd, poste de 25 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14931: Recortes de imprensa (74): Informação Oficial, publicada no jornal "A Província de Angola", sobre o desastre do Cheche aquando da travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (José Teixeira / José Marcelino Martins)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22648: Humor de caserna (42): "Então, Jau, o que é que aconteceu ao teu belo cabelo?" (pergunta a esposa do Capitão, na messe do Quartel de Baixo, Nova Lamego)..." Sinora, Jau cá sabe, mas agora tá manga de furido!" (respondeu o Arfan Jau, no seu melhor português tripeiro) (Valdemar Queiróz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, 1969/70)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé , Sori (Jau ou Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta, irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português.-

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A (des)propósito de se levar as nossas senhoras (, quem era casado, de papel passado...) para o "mato" (e nem todos os "resorts turísticos" do CTIG aceitavam senhoras, casadas, e muito menos grávidas), o Valdemar Queirós conta-nos esta história simplesmente deliciosa (*):

Sobre o Capitão  Miliciano Analido Aniceto Pinto,  da nossa CART 2479/ CART 11 (1969/70) ter a sua esposa a viver com ele, em Contuboel,  não tenho dúvidas nenhumas, eles viveram juntos em Nova Lamego. 

Já quanto ao estar grávida em Contuboel,  não tenho a certeza absoluta, mas de facto o que se passou com o soldado básico, tinha a sua lógica, digamos básica: "Prá mulher do capitão que está prenha,  houve evacuação para a metrópole,  e pra mim não, já vamos ver..." - disse ele antes de dar um tiro no pé.

É uma pérola rara o diálogo entre a esposa do capitão e o Arfan Jau,  soldado fula da nossa CART 11.

O Arfan Jau, do meu Pelotão, um dos recrutados em Contubel, era um mancebo corpulento e bom lutador, levou uma carecada por ser refilão com o alf mil Pina Cabral que o deixou desprestigiado para lutar. 

O Arfan veio duma pequena tabanca e não falava português nem sequer crioulo, mas lá foi aprendendo com os soldados metropolitanos algumas elementares palavras de português, na maioria palavras do léxio do Norte do país.

Em Nova Lamego, oficiais, sargentos e a esposa do capitão almoçávamos todos juntos na messe, numa bela varanda do edifício do nosso Quartel de Baixo. Certo dia, durante o almoço, apareceu o Arfan Jau para falar com o fur mil  Macias e educadamente tirou o quico, ficando de careca à mostra.

− Então,  Jau, o que é que aconteceu ao teu belo cabelo ? . perguntou a esposa do Capitão.
Sinora,  cá sabe, mas agora tá manga de furido  respondeu humildemente o Arfan,  com as mãos agarrando o quico.

Foi um silêncio geral por uns segundos e, a seguir,  uma explosão de gargalhadas.

− Manga do furido!  repetiu  o Arfan Jau (, o que será feito dele ?) ...

De facto, ele ainda não tinha aprendido bem a falar à moda do Porto. (**)

A esposa do Capitão, com problemas nas pernas devido aos mosquitos, ainda por lá ficou uns tempos, mas com as nossas constantes saídas em intervenção,  ela já nem foi connosco para Paúnca,  regressando à metrópole. 

2. Comentário de LG (*)

A nossa memória é altamente seletiva (e, por isso, traiçoeira...), não é sinóptica, é sequencial mas errante... Estive em Contuboel, de 2 de junho a 18 de julho de 1969, na altura do Valdemar (que já lá estava há 3 ou 4 meses), mas não me lembro do capitão dele nem da esposa, grávida... Lembro-me, isso sim,  do rio Geba, da praia fluvial, da rua principal de Contuboel, das malditas tendas de campanha onde destilávamos litros e litros de suor... Lembro-me das "mais belas tabancas da Guiné", mandingas, cheias de poilões e de "gente feliz sem lágrimas"... Falei no meu diário do "oásis de paz de Contuboel"... E quando a deixei, escrevi: "Capri, cést fini", as "férias", a "dolce vita",  acabaram...

E lembro-me, bem, de ouvir um tiro à noite, quando um desgraçado (creio que um soldado básico) se automutilou, dando um tiro no pé, só para ser evacuado para a metrópole. O Valdemar faz referência a esta cena, que a mim me marcou, mas não outras... Porquê? (***)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste d e20 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22646: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VIII: Contuboel , Fajonquito e Sonaco. Gravidez da Otília (Jan - ago 1966)

(**) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18318: Humor de caserna (41): Em dia de namorados: a história do Pequenitaites e outros camaradas avantajados... Ou quando os homens (e as mulheres...) não se medem aos palmos... (Virgílio Teixeira / Luis Graça)


(***) Vd. também poste de 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16633: (De)caras (49). O 'embarazo' das esposas... O campeão de luta fula, Arfan Jau, do 4º pelotão, respondendo à moda do Porto à senhora do capitão, intrigada com a carecada que ele havia apanhado: 'Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo, manga de fodido'... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné 61/74 - P22646: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VIII: Contuboel , Fajonquito e Sonaco. Gravidez da Otília (Jan - ago 1966)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Rio Geba > 1969 > Uma belíssima foto de uma lavadeira, em contraluz. O Valdemar Queroz atribuiu os créditos fotográficos ao seu "irmão siamês" Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Cândido Cunha / Valdemar Queiroz (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (*).

Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).

Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (**)



Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)


Diário de Guerra


por Cristóvão de Aguiar


(Continuação)

Contuboel, 12 de Janeiro de 1966


Ontem o nosso batalhão, Sete de Espadas [,BCAV 757, Bafatá, 1965/67] , so­freu dez mortos numa emboscada [, em Sare Dicó, na estrada Fajinquito-Canjambari]  Tinha ficado com o meu pelotão na base, para montar a segurança e dar apoio logístico, quando, pouco depois de terem par­tido para uma operação no mato do Caresse, terra-de-ninguém e de muita pancada, se ou­viram grandes rebentamentos na direcção que tinham tomado. 

Uma hora e pouco mais tarde, chegou uma viatura com os mortos a trouxe-mouxe sobre o estrado da carroça­ria. Ti­nham morrido ali como tordos, de­pois de os guerrilheiros te­rem lançado algumas gra­na­das defensivas para o interior da GMC. 

Fiquei encar­regado de transportar aquela carne humana para Fa­jon­quito, sede de uma compa­nhia tam­bém pertencente ao nosso bata­lhão.



Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/599 mil > Posição relativa de Sare Dico, na estrada entre Fajonquito e Canjambari, ondee forma mortos em combatem no dia 11/1/1966, dez militares da CCS/BCAV 757 (Bafatá, 1965/67).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Fajonquito, 13 de Janeiro de 1966


Enquanto o capelão procedia às exéquias fú­nebres e rezava missa campal por alma dos dez mortos irreconhecíveis, safei-me, re­voltado, para um canto solitário, longe de toda aquela cruel comédia desumana. E pe­guei da esferográfica e do meu caderninho e fui escrevinhando:

O VISIONÁRIO

Rasguem-se as corti­nas do sacrário,
Onde ficou Jesus aprisionado
Tal como há dois mil anos no Cal­vário
Pregado num madeiro, ensanguentado...

Era Sua Pala­vra pão sagrado
E o gentio que escutava o Visionário
De tal arte ficou maravi­lhado
Que O elegeu seu re­volucionário...

Depois, o tirano, opressor do povo,
Julgando apagar esse Sol novo
Mandou matar o vate desordeiro...

Crucificaram-no então no Calvário:
- Está agora a ferros num sacrário,
Não vá Ele tornar-se guerrilheiro...


Bissau, 17 de Janeiro de 1966

Vim ao aeroporto de Bissalanca esperar a Otília, que vem passar uns meses comigo nesta guerra. Se calhar, foi uma loucura da mi­nha parte. Sem dúvida que foi. E egoísmo. Chame-se-lhe o que se quiser, mas, an­tes de morrer, gostava de deixar descendência. Ficámos instalados no Grande Hotel de Bis­sau, que só tem grandeza no nome.


Contuboel, 19 de Janeiro de 1966


Acabámos de chegar de Bissau, eu e minha Mulher. A nossa casa é um espaço vago, quarto e corredor, que me cedeu o Chefe de Posto e que fica contíguo ao edifício. Não há água nem electricidade. Alumiamo-nos a petro­max. A água virá todos os dias do quartel, que fica a meia dúzia de pas­sos, para um barril que coloquei na extremidade do corredor oposta à porta de en­trada, onde, com um reposteiro, fiz um pequeno compartimento que vai servir de cozinha.

Antes de minha Mulher chegar, arranjei o nosso quarto o melhor que pude: consegui uma cama de casal, pus cortinas nas janelas, cujo pano comprei no comércio do libanês e que um alfaiate indígena depois talhou, acertou e coseu, mandei fazer uma mesa de boa ma­deira africana. 

Este é que é verdadeiramente o chamado amor e uma ca­bana.


Contuboel, 14 de Fevereiro de 1966

A Otília está grávida, pelo menos tem to­dos os sintomas de uma mulher nesse estado: enjoos, vómitos. Se for mesmo ver­dade, isto significa que, se me for desta para melhor com um qualquer tiro desgo­vernado, já deixo rastro atrás de mim. Um filho engendrado na guerra!

Contuboel, 16 de Março de 1966

Fomos hoje a Fajonquito, povoação a mais de vinte quilómetros de distância, onde também se encontra uma Companhia de Ca­çado­res. A Otília foi comigo, a fim de consultar o médico, meu companheiro da República Corsários das Ilhas, em Coimbra, e muito nosso amigo. 

A Otília queixa-se das pernas, parecem picadas de mosquitos, mas não são. O Ormonde de Aguiar, assim se chama o meu velho companheiro de Coimbra, disse que se tratava de uma qualquer doença de pele e deu-lhe uns medicamentos para o efeito.


Contuboel, 7 de Abril de 1966

Quando vou para o mato por dois ou três dias, a Otília não tem medo de ficar sozinha em casa. É mesmo uma mulher de armas! Fica bem guardada pelas sentinelas que os cipaios fazem dia e noite ao Posto Ad­ministra­tivo, além de ter o quartel à mão de semear. O medicamento que o Or­monde lhe recei­tou fez muito bom efeito: já não tem nada nas pernas.


Contuboel, 23 de Abril de 1966

Faz hoje um ano que desembarcámos em Bis­sau. Não me esqueci de des­carregar a cruz na casa do calendário. Esta é já a tricen­tésima, sexagésima sexta, se me não engano. Esta­mos já a dobrar o cabo tormentó­rio. A partir de agora, começa o tempo a de­s­cer. É a altura de se principiar a ter muito cuidado com a vida, que a morte gosta de pregar partidas nestas ocasiões lembra­das.

Sonaco, 30 de Julho de 1966

O meu pelotão foi finalmente destacado para aqui, que, no meio deste inferno, é um lugar sofrível. A Otília prefere aqui estar. Temos uma espécie de casa de paredes de adobes e coberta de colmo, mesmo ao lado do quartel, mais fresca do que a de Contuboel. Da porta de trás da casa, dou as minhas ordens ao pessoal da cozinha sobre a ementa do dia. Temos aqui uma pista térrea onde poisa uma Dornier com facilidade. É lá que treino a minha con­dução no jipe que per­tence ao destacamento.


Sonaco, 9 de Agosto de 1966

A Otília fez hoje anos e por isso houve rancho me­lhorado. Dormimos com as janelas das traseiras abertas por via do calor e do peso da humidade. Para evitar que os mosquitos e outra bicheza, aqui aos milhares, mordam a gente, mantemos aceso um repelente do qual se evola uns fuminhos cujo odor intenso os afugenta. 

O pior são os gatos que vêm ao cheiro da comida e fa­zem, por vezes, uma estreloiçada de me pôr maluco. Ando com os nervos em franja, por isso qualquer barulho, por mais pequeno que seja, põe-me transtornado. Uma noite destas fui acor­dado e apanhei tal susto que peguei logo da espingarda, encostada à parede, à ilharga da cama do meu lado, acordei a Otília, disse-lhe que ia disparar, que se não assustasse, poisei o cotovelo esquerdo na sua já proeminente barriga, apoiei o cano da arma na mão canhota meio em concha, encostei a coronha ao ombro direito, fiz pontaria e dis­parei, uma, duas vezes. 

Matei um gato e os ou­tros desape­garam-se. A Otília não me disse sequer uma palavra mais azeda e tinha toda a ra­zão para o fazer. Virou-se para o ou­tro lado e principiou logo a dormir.

(Continua)
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Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021

(**) Último poste da série > 16 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22634: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VII: Contuboel e Dunane (entre Piche e Canquelifá) (Out - dez 1965)