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sexta-feira, 24 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14927: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (11): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho de 2015: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista - Parte II: Fogo à peça!... Oxalá, inshallah, enxalé a gente se possa voltar a encontrar para o ano!



Vídeo (0' 35''). Alojado no You Tube > Luís Graça



Vídeo (2' 00''): Alojado em You Tube > Luís Graça


Lourinhã, Vimeiro > 18 de julho de 2015 > Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808) e mercado oitocentista > O "valente soldado" Eduardo  Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro, amigo e camarada... No "bar do soldado 1808",  depois da "batalha"...

Foto e vídeos: © Luís Graça (2015) Todos os direitos reservados.


1. Lourinhã, Vimeiro > 18 de julho de 2015 > Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808) e mercado oitocentista.(*`)

O nosso grã-tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira e o seu grupo de recriadores históricos do Vimeiro, tiveram  o seu "batismo de fogo" no "assalto à igreja", reconstituição que se realizou no dia 18/7/2015, sábado. Nesse dia, também se realizou, pelas 16h00, a cerimónia de homenagem aos combatentes junto ao Padrão Comemorativo da Batalha do Vimeiro.

Na véspera, dia 17, 6ª feira, já se tinha efetuada, às 22h00,  a encenação, prevista no programa,  “A corte que parte e o invasor que chega” (referência à partida da corte para o Brasil em 1807; por  um triz, o destacamento avançado das tropas napoleónicas, comandadas por Junot, não apanhou a rainha, o príncipe regente, demais família real e o seu séquito de cortesãos e cortesãs... Daí a expressão popular "ficar a ver navios"). (**)

O forte dos 3 dias foi a reconstuição da batalha do Vimeiro, ao meio dia de domingo, dia 19, em campo aberto (evento a que não assistimos) (***)... 

A reportagem completa dos 3 dias de festa está aqui disponível, por iniciativa do Município da Lourinhãfotos (131) e vídeos (4).

Parabéns ao nosso grã-tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira, voluntários locais e demais lourinhenses ( a começar pelo muncipio e a Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro) que deram corpo e alma a esta iniciativa, de interesse histórico, cultural e turístico.  Alguns aspetos relacionados  com a segutança de pessoas e bens terão de ser melhor acautelados em futuras recriações, como já tive ocasião de  transmitir pessoalmente ao Eduardo... (LG).

PS - Parabéns também aos nossos novos grã-tabanqueiros Helena ("do Enxalé") e Álvaro Carvalho que aguentaram,  de pé firme, estes três dias... O Álvaro, num gesto generoso, fez uma completíssima reportagem (fotos e vídeos) que vai pôr à disposição do Eduardo... A  Maria Helena vai-nos mandar fotos digitalizadas do seu tempo de menina e moça no Enxalé, algumas das quais me trouxe para mostrar... O casal vive entre as Caldas da Raínha e a Amoreira de Óbidos...

Oxalá, inshallah, enxalé a gente se possa voltar a encontrar para o ano!
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Notas do editor.

(*) 19 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14898: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (8): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho de 2015: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista - Parte I: Com o nosso 1º cabo Eduardo Jorge Ferreira, promovido a sargentos por feitos heroicos em campanha...

(**) "Ficar a ver navios", não obter o que se deseja, ver as suas suas expectativas goradas ou frustradas, esperar inultilmente.... É uma expressão, ao que parece, muito mais antiga... A sua origem muito provavlemenmte remonta ao tempo em que os armadores portugueses, e os populares (com destaque para as mulheres), na época Descobrimentos e das grandes viagens marítimas, tinham por costume ficar no alto de Santa Catarina, em Lisboa, à espera do regresso das caravelas e das naus que vinham das Índias, da África ou do Brasil. Outra hipótese tem a ver com o mito sebastiânico, o rei (o "Desejado") que haveria de regressar numa manhã de nevoeiro , depois do desastre de Alcácer Quibir (em 1580)...

No caso da partida da corte para o Brasil (que implicou na prática a primeira e única transferência, na história,  da capital de um império para a sua colónia...), estamos a falar de uma diferença de horas... Junot não conseguiu aprisionar o príncipe regente Dom João (filho de Dona Maria I, e futuro rei de Portugal), como estava nos seus planos: a corte embarca, no rio Tejo,  a 27 de novembro de 1807, mas a frota só parte a 29, por causa da falta de ventos...Junot, vindo do Ribatejo, entra em Lisboa às 9h00 da manhã do dia 30...

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14905: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (10): Não, nunca percebi para que serviam os CTT no CTIG... Notícias de Alhandra, da minha família, por ocasião da tragédia, as grandes inundações, de 25 para 26 de novembro de 1967, que atingiram a Grande Lisboa, recebi-as através de telegrama militar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)






As notícias, mesmo censuradas, da tragédia que se abateu sobre a grande Lisboa na noite de 25 para 26 de novembro de 1967... Capas do Diário de Lisboa. Cortesia da Fundação Mário Soares > Fundo:  DRR - Documentos Ruelle Ramos



1. "Bate-estradas" do Mário Gaspar (*)


[ Mário Gaspar, foto atual à direita; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:



 Data: 18 de julho de 2015 às 01:04

Assunto: Os CTT para Telefonar

Comrades:

Nos dias 19 e 20 de Novembro de 1967, participei na "Operação Raiana. Missão: Executar um golpe de mão ao acampamento de Boror. Não se chegou a descobrir o objectivo. No dia 26 de Novembro, dormindo na cama ao lado do Furriel Mecânico José Manuel Guerreiro Justo, e tendo este comprado um rádio onde ouvíamos somente Guiné Conacri, mexendo por mero acaso nos botões, oiço uma rádio portuguesa, dando notícias da nossa terra.

Contente, mas logo amargurado quando tenho conhecimento não existirem notícias animadoras. Pelo contrário acontecera uma tragédia, as inundações da Grande Lisboa, com indicações de muitos mortos e feridos e o dramatismo de algumas povoações terem sido tragadas pelas enxurradas e inundações (**).

Tudo se iniciara por volta das 19 horas. Parecia mais tratar-se de um milagre, estar a escutar, e com nitidez notícias de Portugal, nós escondidos naquele recanto no sul da Guiné – ouvi falar em Alhandra – povoação em que vivia, portanto terra onde viviam os meus pais e igualmente um irmão. Falavam para além de Lisboa escutava os nomes das vilas, entre outras de Odivelas, Loures, Alenquer, Vila Franca de Xira, Povos, e muito mais.

Parecia estar a ser atacado pelo PAIGC. Então escutava o nome de Alhandra. Recordava os anos passados, em que as cheias levavam água ao interior da vila. Cheguei a andar de botins altos e alguns barcos percorrem as ruas mais encostadas ao Tejo. Durante anos acostumei-me à ideia de ver todas as portas dos rés-chão tapadas com tábuas seguras com lama. Falava-se em enxurradas de lama que soterraram terras.

Fiquei atordoado, e resolvi falar com o Comandante da Companhia o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha. Fiquei admiradíssimo depois de contar o que se passava, tendo dito não ter notícias da família e saber que Alhandra tinha alguns mortos, o Capitão disse para ir com ele e enviámos um telegrama para os meus pais. Desconhecia essa possibilidade. Mas foi verdade.

Depois de sofrer,  recebo então um Telegrama onde a minha mãe dizia para estar sossegado por a água não ter chegado a atingir a casa. Na Praça 7 de Março em Alhandra está marcada a altura das águas neste dia fatídico para inúmeros portugueses. Portanto a minha casa, embora não tenha chegado ao 1.º andar, esteve muito perto. Curioso, nunca perguntei como a minha mãe se deslocou aos Correios,  se era uma zona inundadíssima. Recebi o tal telegrama, desta vez o sistema funcionou. O rádio de plástico do meu amigo algarvio, de Loulé,e Furriel Miliciano Justo, foi justo em informar-me desta tragédia. Ainda o ouvimos, mas depois voltam músicas de Guiné Conacri e muitas mornas e coladeras.

Notícias? O correio atrasado. Muito atrasado sem justificação. Isolados, com o mato à vista, paliçadas, abrigos e arame farpado. Telefonar? Telefonava na esquina da morança do Mamadu? Ou no Baldé? O meu telefone era a cerveja, falava dela, falava com ela e palava por causa dela. O que ingeri devia dar inundação se o seu líquido colocado numa piscina Olímpica.

Tive azar e sorte também. O azar é para esquecer, a sorte foi ter dinheiro para gozar licença na minha terra. Gozei mesmo, gastei bem, não me arrependo. Para mim a licença de Setembro/ Outubro de 1967 foi uma coroa de glória. Já estava em guerra, sabia o que ela era. Para mim era a despedida. Aproveitei aqueles 35 dias como os derradeiros dias da minha vida. Chegado a Bissau, escrevi quando se falava já naquela que seria a "Operação Revistar", para alguém – possuo essa carta mas não lhe toco mais – pois escrevi isto: – "Estou farto de Bissau, aqui só se fala em guerra". O que significa que antes desejava a guerra do que falar dela. Fui, entrei em Gadamael numa avioneta, mas nem vi os Correios, nem muito menos o telefone. O único privilégio que gozei, nos domingos ia até o Posto Rádio saber notícias do futebol em Alhandra. Na Aldeia Formosa estava o meu amigo Cordeiro, era radiotelegrafista e sabia o resultado do Alhandra.

Acho que fomos muito maltratados por não haver vontade de dar uma resposta adequada a nós que estávamos desterrados nos confins do mundo, antes, no cu do mundo. Muito pouca vontade, depois com a agravante de sermos obrigados ir buscar o Correio a Sangonhá para nos castigarem com patrulhas, quando nas vésperas tínhamos patrulhado a zona. Éramos uns imbecis e com a agravante de não termos a equivalência à tropa de elite – "Os Especiais". Olha porra! Mas sou também "Especial", "Tropa Especial", até tinha uma treta que se lia: – "Minas e Armadilhas".

Lembro-me dos Correios de Bissau, existia de facto a possibilidade de se pernoitar na cama de uma das suas funcionárias. No guiché assustei-me e desisti dessa noite entre lençóis. Foram poucos os dias de Bissau. E mesmo na cidade nunca fiz um telefonema. Fui ameaçado de castigo. Em Setembro de 1967 um Senhor Coronel disse-me após dois ou três dias seguidos no Café Benfica, estava fardado:
– Onde está, em que quartel?

Respondi-lhe que estava "no mato, em Gadamael Porto". Insistiu:
– Quem é o seu Comandante de Companhia?

Como não havia telefone em Gadamael, só respondi que era o Capitão Mansilha. Respondeu conhecê-lo e enviou cumprimentos. E se não fosse da Companhia… Estava tramado. Logo de seguida, na Agência de Viagens Sagres, estava eu e o meu amigo Jorge a tratar da documentação para entrarmos de licença, era no dia seguinte. Entraram três Capitães, passado algum tempo, berrou um deles:
– Os nossos Furriéis desconhecem os postos! Não cumprimentam? – Respondi:
– Então bom dia!

O meu amigo Jorge, a uns dias de concluir a comissão, após o almoço de despedida, trazia um garrafão de 5 litros de verde. Mesmo defronte do Hotel Portugal, completamente embriagado, agarra nas divisas e pisa-as. Aparece a Polícia Militar, comandada por um Furriel Miliciano. Segue na nossa direcção. Olho para o Jorge e para o Furriel da PM e digo-lhe:
– Vai-te embora, nada vistes, vira as costas.

Olha para mim… Respondo:
– Olha para a esquerda! – E à esquerda, e na esplanada, toda a CART 1659 se colocou de pé. A PM desandou. Não usávamos o telefone, que no mato não existia.

Cumprimentos aos Camaradas Combatentes.

Mário Vitorino Gaspar

____________


(**) Vd. entre outros recortes de imprensa:

DN - Diário de Notícias > 25 de novembro de 2007 

Nunca choveu tanto como em 67
por KÁTIA CATULO

(...) Cheias de 1967 - Memória. Mais de 700 pessoas terão morrido nas cheias que, no dia 25 de Novembro de 1967, apanharam desprevenidas as populações que viviam na região da Grande Lisboa. DN ouviu os relatos dos sobreviventes que têm memórias tão vivas como há 40 anos.

Cinco horas de chuvas torrenciais mergulharam a Grande Lisboa na maior inundação que a região alguma vez conheceu. Faz hoje 40 anos que as cheias de 1967 provocaram mais de 700 mortos e cerca de 1100 desalojados em Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer. A enxurrada matou famílias inteiras, arrastou carros, árvores e animais e destruiu pontes, estradas e casas.

A chuva atingiu entre as 19.00 e a meia- -noite do dia 25 de Novembro as zonas baixas dos quatro concelhos da Grande Lisboa, mas só na manhã seguinte é que os portugueses se depararam com a verdadeira dimensão da tragédia. Urmeira, Póvoa de Santo Adrião, Frielas - povoações da bacia do rio Trancão-, e a Quinta dos Silvados, em Odivelas, foram os aglomerados urbanos mais atingidos. As casas eram de madeira e centenas de moradores foram engolidos pelas águas.

Lisboa, por seu turno, ficou irreconhecível. A Avenida de Ceuta, em Alcântara, esteve submersa e o mar de lama desceu até à Avenida da Índia. A água entrou em todas as bifurcações, subiu e desceu escadarias, derrubou as portas de tabernas, lojas e rés-do-chão, arrastando mesas, cadeiras, bilhas de gás, contentores e bidões da estação ferroviária.

Perto das 23.00 a chuva caiu ainda com mais força e as enxurradas atingiram um carro que circulava na Rua de Alcântara, encurralando os três ocupantes. O repórter do DN que na altura acompanhou as inundações, em Alcântara, conta que um soldado mergulhou nas águas e conseguiu retirar os três passageiros, minutos antes de o carro ser arrastado. Interrupções no trânsito sucederam-se desde a Avenida 24 de Julho ao Campo Pequeno, da zona do aeroporto da Portela à Avenida Almirante Reis, da Baixa a Santa Apolónia. Na Praça de Espanha e na Avenida da Liberdade, só se passava de barco e, na estação de caminhos-de-ferro, centenas de pessoas ficaram retidas nas carruagens porque a água submergiu as linhas.

O regime salazarista tentou minimizar os impactos das chuvas, mas as suas repercussões atravessaram fronteiras e desencadearam um movimento de solidariedade internacional. Chegaram donativos dos governos britânico e italiano, do Principado do Mónaco e até o chefe do Estado francês, o general De Gaulle, contribuiu com uma "dádiva pessoal" de 30 mil francos (900 euros, no câmbio da época). O apoio em meios sanitários veio de França, Suíça e sobretudo de Espanha, que ofereceu mil doses de vacina contra a febre tifóide. (...)

domingo, 19 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14899: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (9): Viagens (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. No seu bate-estradas do dia 14 de Julho de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos de viagens.


VIAGENS

As viagens dão o prazer dos momentos agradáveis em que são realizadas e deixam na mente do viajante todas as impressões sensoriais e cognitivas que os sentidos recolhem. O viajante que regressa já não é o mesmo que partiu.

As nossas vidas são marcadas pelo movimento. Nos primeiros meses de vida é quase nulo, mas à medida que os meses passam os nossos membros vão ganhando músculo e nós vamos ganhando autonomia para nos deslocarmos, primeiro de rastos ou de gatas e na fase seguinte começamos a dar os primeiros passos. Não tarda, com poucos anos de vida vamos correr e saltar como cabritos endiabrados.

As viagens das nossas vidas estarão prestes a começar. Na minha meninice e juventude conheci muitos homens em Brunhoso que andaram milhares e milhares de quilómetros a maior parte a pé, outros a cavalo, dentro da área de 20 quilómetros quadrados que tinha o termo da aldeia.
Os trabalhos agrícolas sem recurso a máquinas e as várias colheitas, ao serviço deles ou de uns e outros a isso os obrigavam. O mar era uma miragem de que ouviam falar mas onde não tinham pernas para chegar.

Antes dos anos sessenta somente alguns tropas tinham a possibilidade de fazer essa longa viagem até ao litoral, da qual se iriam vangloriar para toda a vida. Tinham visto o mar imenso!
As únicas viagens de lazer que se permitiam fazer, era irem a pé ou a cavalo das "bestas" de quando em quando às feiras de Mogadouro ver sobretudo a feira dos animais, bois, vacas, cavalos, burros, mulas. Nesse tempo a feira do gado, em Mogadouro, estendia-se por vários hectares e era considerada uma das maiores feiras, senão a maior, do Norte, de gado bovino.
Iam também por vezes às romarias das terras próximas, onde muitas vezes tinham parentes. As minhas viagens fora da povoação começo a fazê-las com a Alice, uma jovem, "criada" dos meus avós maternos, que tinha o namorado a fazer a tropa na Índia. Com ele estava outro vizinho meu.

Para Brunhoso as viagens de ida e volta deles foram viagens épicas. O sentimento das gentes seria um pouco comparado ao que sentiam os portugueses dos séculos dos descobrimentos quando os seus jovens, comandados pelos grandes navegadores, arriscavam as vidas nessas viagens longínquas. A minha memória de menino transmite-me a impressão que a aldeia festejou o regresso dos dois heróis, que não foram à Lua, pois a Lua em algumas noites parecia tão grande e tão perto da aldeia, só iluminada por ela. Os heróis da terra vinham das Índias, dessas terras do fim do Mundo, depois duma longa viagem de dois meses e depois de uma ausência de três anos. Eram, da terra, mas vinham diferentes, tinham visto os mares imensos, terras longínquas, homens e mulheres doutras raças, cores e credos. As pessoas olhavam-nos nos olhos a tentar decifrar toda a sabedoria que os viajantes trazem das longas viagens por mundos desconhecidos.

As minhas viagens com a Alice, muito próximas da aldeia, eram para mim, nos meus quatro ou cinco anos de idade, para levar os cordeiros e as ovelhas paridas para um pasto melhor, viagens muito importantes e reveladoras. Nunca mais as esqueci. Através dos nossos anos, dos meus e da Alice, ficámos sempre amigos, gosto sempre de a encontrar, de ver o brilho dos olhos dela e o tratamento carinhoso que me dá, quase igual ao de antigamente. Pouco tempo depois passei a ir com o meu padrinho, que era também meu tio-avô com as vacas e os vitelos para os lameiros. Era solteiro, um bom homem, trazia sempre castanhas piladas nos bolsos que me dava de vez em quando. Éramos ambos um pouco distraídos de tal forma que por vezes chegávamos a casa sem as vacas pois elas tinham-se perdido de nós ou nós delas.

Um pouco mais tarde, não muito, passei a ir sozinho com as vacas e os vitelos para os lameiros, contava as horas não pelo relógio, que não tinha, mas pela altura do sol. Para entreter as horas desses dias longos e parados, quando não havia outros vaqueiros por perto, sonhava. Um dia sonhei que todo o lameiro estava coberto de moedas para eu comprar rebuçados e balões. Sonhos de garoto, de garoto guloso.

Com nove anos, antes da escola primária, às 9 horas da manhã, passei a ter que ir todos os dias a Remondes, quer chovesse, quer nevasse, aldeia a cerca de 3 quilómetros buscar leite de vaca, pois em Brunhoso não havia vacas leiteiras e a minha mãe tinha tido uma doença nos peitos e não podia alimentar um menino que tinha nascido. Nessas viagens antes da escola terei andado dois anos ou mais, pois um ano depois desse irmão nasceu uma irmã. Eram seis quilómetros divertidos de caminhada, antes da escola, que fazia na companhia de duas primas e um primo que também tinham irmãos pequenos a precisar desse leite. Tantas viagens, tantas caminhadas que fiz pelos campos e florestas de Brunhoso, à azeitona, à cortiça, a lavrar as terras, a buscar o trigo, a tratar das hortas. Muitas vezes aborrecido e já cansado, farto dessas actividades monótonas e repetitivas.

Hoje reflectindo, olhando para trás, penso que se continuasse nessa vida e não tivesse a tentação dos livros e do conhecimento talvez fosse mais feliz. Os livros nunca nos dão respostas satisfatórias, quando nos respondem a uma interrogação, criam logo duas ou três. Pela curiosidade intelectual nunca atingimos a paz ou o nirvana, pois por esse método, umas respostas conduzem-nos sempre a outras perguntas. Será que Fernando Pessoa, através do seu heterónomo Alberto Caeiro, o poeta do Guardador de Rebanhos, atingiu a paz que dá a vida simples e dura dos campos. Talvez, no breve tempo em que se identificou com esse heterónimo, pois Fernando Pessoa era um espírito inquieto e irrequieto.

Dele e de Camões, os maiores génios da poesia portuguesa, ficou-nos, de Camões, entre outras obras "Os Lusíadas", esse grande hino a esses bravos marinheiros, que fizeram os descobrimentos, e a todo o povo português e, de Pessoa, entre outras "A Mensagem" esse canto sublime com que saudou esses heróis planetários que o levou a sonhar, tal como o Padre António Vieira e outros na realização do Quinto Império de Portugal.

Em termos históricos, depois da Idade Média, já na Idade Moderna, somos o povo que pela coragem e pelos conhecimentos náuticos adquiridos mais contribuiu para alargar o mundo através das viagens pelos mares imensos para além do "mare nostrum" dos romanos, dos gregos, dos fenícios, dos cartagineses e doutros povos das margens do Mediterrâneo. Nós portugueses mostrámos a este pequeno mundo europeu e mediterrânico, que a terra era grande e os Oceanos navegáveis eram imensos. Os nossos navegadores, em condições precárias, aventuraram-se pelo Atlântico, pelo Índico e pelo Pacífico, nessas frágeis caravelas. Até hoje chegam-nos sobretudo a fama dos vencedores, os que foram atingindo objectivos, faltam-nos muitas vezes os que morreram ao tentar atingi-los. A história dos descobrimentos, é uma história de naufrágios, guerras, derrotas, tentativas e sucessos. É a História Trágico-Marítima, da coragem dum povo que abriu as rotas dos mares a toda a humanidade, é a história de um pequeno povo que para viver e se impor perante as nações teve sempre a coragem de enfrentar a morte. Povo que sempre soube levantar a sua bandeira bem alto para se defender de todos os domínios das potências estrangeiras e dos vendilhões da Pátria. Povo que elegeu como seus grandes heróis os grandes poetas Luís de Camões e Fernando Pessoa, pois sabe que a sua grandeza está na alma das suas gentes e a alma dos poetas é que sabe interpretar o seu sentir colectivo.

A caravela foi uma embarcação criada pelos portugueses e usada durante a época dos descobrimentos nos séculos XV e XVI. Era uma embarcação rápida, de fácil manobra, capaz de bolinar e que, em caso de necessidade, podia ser movida a remos. Com cerca de 25 m de comprimento, 7 m de boca e 3 m de calado deslocava cerca de 50 toneladas, tinha 2 ou 3 mastros, convés único e popa sobrelevada. As velas latinas (triangulares) permitiam-lhe bolinar (navegar em ziguezague contra o vento).
Com a devida vénia a Os Descobrimentos Portugueses

Não podemos esquecer Fernão Mendes Pinto, o autor dum grande livro muito lido em toda a Europa, nos séculos dezoito e dezanove, "A Peregrinação". O autor faz uma descrição de todas as suas aventuras pelo Oriente e no final tal como o Velho do Restelo dos Lusíadas, prevê a derrocada do Império por corrupção, abusos e vícios vários.
Ontem como hoje tantos pecados que ninguém sabe corrigir. Esse homem, marinheiro, guerreiro, viajante incansável do mundo quase desconhecido do Oriente, frade, escritor foi um português como tantos, espalhados pelas cinco parte do Mundo, com o gosto das viagens, da aventura, do desconhecido. Para quem ainda não está de todo contaminado pela música comercial anglo-americana, recomendo o álbum de música portuguesa do Fausto Bordalo Dias "Por Este Rio Acima" inspirado na "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto, que canta tão bem as suas aventuras e desventuras. Todo o álbum tem letras e músicas que a mim me encantam. Fausto além de ser um grande cantor e músico, também é um grande poeta. Gosto particularmente da canção "Quando às vezes ponho diante dos olhos" em que o aventureiro, já depois do regresso, parece relembrar, em resumo, toda a sua vida agitada, por esses mares e terras do fim mundo, ao serviço de muitos senhores, de muitas causas e à procura dalgum significado para a sua vida.
Há uma grande nostalgia nesse balanço do passado que ataca muito os homens quando se aproxima o fim da vida.

De 1961 a 1974 voltou a ser tempo de muitas viagens para a África do Ocidente e do Oriente. Tantos navios partiram dos cais de Lisboa carregados com tantos homens que poderiam produzir tanta riqueza nos campos ou nas fábricas, isto falando como um economista ou um tecnocrata que nunca fui.
Nesses cais de partidas, cais dos lenços brancos de despedidas, uns diziam adeus à terra, outros diziam adeus à juventude e aos seus ideais. Alguns com medo, outros com curiosidade de descobrir essa África quente e misteriosa, todos iriam saber que existe a palavra saudade e que é bem portuguesa. A grande maioria voltou, alguns inválidos, outros menos feridos, mas quase todos a lembrar o cheiro da pólvora, o troar das bombas e com a triste lembrança de alguns camaradas que por lá caíram, em combate ou em acidentes.

Embarque de militares para África. Lisboa - Cais da Rocha Conde Óbidos - 18 de Agosto de 1965> Embarque, no T/T Niassa, do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para o TO Guiné.
© Foto: Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados.

Falando em viagens, não posso deixar de falar nas minhas poucas viagens, mas tão agradáveis, familiares, turísticas e afectivas.
Foi no ano de 2000, estive com a família mais próxima em Nova Yorque, à porta das Torres Gémeas, a pensar se devíamos subir lá ao alto ou não. O preço pareceu-nos caro e para nosso desgosto e para a maior parte da humanidade as Torres foram derrubadas por terroristas assassinos, cerca de um ano depois.

As Torres Gémeas do World Trade Center
Com a devida vénia à Wikipédia

Nos quinze dias que estivemos na América, alguns em Richmond, essa antiga capital aristocrática da Virgínia, que foi também capital americana dos Estados Confederados. É uma cidade histórica, dividida por uma ponte sobre um rio que delimita a parte velha e comercial, histórica e mais pobre, e a parte rica das grandes mansões com jardins e relvados enormes a contorná-las. Nessa zona enorme de ricaços brancos, existem inclusive grandes moradias senhoriais que foram compradas na Europa e reconstruídas lá.

Tivemos uma boa guia que morava em Richmond e que teve a amabilidade de nos guiar também por outras terras. O litoral da Virgínia, Washington, Baltimore, Newark e Nova Iorque. Washington, a capital dos palácios enormes de granito com muitos arcos, colunas e ogivas, que os americanos construíram para imitar a antiga Roma Imperial. Uma cidade grandiosa mas que achei uma cópia demasiado pomposa dessa Roma antiga e a denunciar os mesmos propósitos imperiais.

 Richmond
Com a devida vénia a iScrap App

Nova Iorque seduziu-me, tão bela, mais bela do que os filmes, e são tantos que a retratam. Em Nova Iorque senti-me dentro de um desses filmes. Para mim essa grande cidade pelas suas longas avenidas, pelos edifícios a rivalizar em altura e elegância, foi a revelação de um segredo que eu não suspeitava. A moderna arquitectura dos arranha-céus fazem de N. Y. uma cidade moderna e ao mesmo tempo histórica pela beleza e harmonia das suas construções, que muitas cidades têm tentado imitar neste e no século passado. Nova Iorque pareceu-me a capital do Mundo, uma torre de Babel moderna, onde todos os povos se cruzam com simpatia cada qual com o seu linguajar próprio.

Paris, outro destino turístico e familiar, tem a beleza das grandes capitais medievais e modernas da velha Europa. Um dia conduzidos a pé (grande caminhada!) pela nossa guia, que tinha mudado de país, visitámos uma grande parte dos seus monumentos, pois eles estão situados, não longe do Sena, sobretudo na margem esquerda. Outros mais afastados ou de visita mais demorada, como o Louvre, Notre Dame de Paris, Versailles e outros ficaram para outros dias. Paris pela sua monumentalidade, pela sua história e pelo lugar central que ocupa, é para mim a capital da Europa, e pela cultura francesa e latina em que fui criado, continua a ser, para mim, a capital espiritual e cultural do Mundo.

De Munique que visitamos muitas vezes em viagens afectivas e donde voltamos sempre enriquecidos com mais conhecimentos de toda a Baviera e até da Áustria, de Munique, cidade, gosto imenso de Marianplatz, a sala de visitas da cidade, sempre com muita gente, bávaros ou turistas de muitas origens. Gosto do rio Isar e das suas margens calmas onde por vezes gosto de fazer umas caminhadas, gosto do English Garten, um parque verde e muito arborizado, enorme, onde corre um ramal de água, desviado do Isar, com um grande caudal. Gosto muito de um restaurante num 5.º andar, em frente a Marienplatz onde já fomos por vezes levados pela nossa simpática guia.
Há ainda outros restaurantes bons, onde fomos todos, de que não recordo os nomes. Sei que um era indiano. Perto de Munique, a poucos quilómetros, sessenta talvez, começam os Alpes Bávaros, com alguns lagos de águas claras e límpidas na sua base. É sempre agradável seja Verão ou Inverno visitar esses lagos de águas azuis e tranquilas, esses montes com escarpas que apontam o céu, com mais ou menos neve, conforme as estações do ano, com tanta beleza que se estende a todos eles quer em Passau, quer em Salzburg, já na Áustria, como a outras localidades.

Salzburg, a terra de Mozart esse grande compositor, é uma cidade tão bem construída e enquadrada nessa paisagem alpina de picos escarpados, com neve a tentar esconder-lhe a dureza das arestas afiadas da pedra. Para a impressão no viajante atingir o máximo só faltam os acordes de uma Sinfonia de Mozart a sobrevoar os montes e a entrarem suavemente nos seus ouvidos à medida que pelos olhos vai sentindo o encantamento causado pela paisagem.

Salzburg, a terra de Mozart
Com a devida vénia a Tripadvisor

Passau, na Baviera, a cidade dos três rios, é diferente de Zalzburgo, mas não lhe fica atrás em graça e beleza. A cidade forma uma pequena península comprimida pelos rios Danúbio dum lado e o Rio Inn do outro, tanto um como o outro rios de grande caudal. Rios que se vão encontrar e misturar as águas na parte final da cidade. Por sua vez o rio Ilz, um rio com menos caudal, vai lançar as suas águas no Danúbio, à vista da cidade, muito pouco antes dos dois maiores rios se encontrarem.
Com tantos espelhos de água e com os Alpes carregados de neve a refulgirem e a reflectirem-se também nessas águas imensas, Passau vai deixar sempre marcas que não se apagam na alma de ninguém.

Regensburg uma cidade média com arquitectura mais antiga e moderna, bem combinada é também banhada pelo grande Danúbio que lá corre com grande caudal, Nuremberg com um centro antigo, medieval e bem conservado, fomos lá num dia muito frio, bebi lá vinho quente com rum que me aqueceu cá dentro o corpo e a alma. Era o tempo das Feiras do Natal.

Este é um resumo possível, que já vai muito longo, de algumas viagens que fiz com a família, mais ou menos alargada, conforme os dias livres de cada um.
A última viagem que fizemos nos arredores de Munique foi ao castelo de Neuschwanstein, esse castelo erguido em cima de penhascos dos Alpes Bávaros por Luís II da Baviera, esse rei poeta ou louco e megalómano. Construção grande em comprimento e altura do edifício e sobretudo das suas torres. Destaca-se pela beleza arquitectónica bem enquadrada na natureza que o rodeia.

Castelo de Neuschwanstein
Com a devida vénia a Wikipédia

Hoje olhamos para esse castelo de lenda e ficamos a pensar nas feiticeiras e fadas, nas bruxas más, nas princesas e belas adormecidas dos nossos contos de meninos, e quase somos levados a acreditar que elas vivem nesse Castelo e que Luís II da Baviera, esse rei que teria tanto de louco como de menino, continua a viver lá com elas.

Boas viagens para todos!

Um abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14898: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (8): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho de 2015: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista - Parte I: Com o nosso 1º cabo Eduardo Jorge Ferreira, promovido a sargentos por feitos heroicos em campanha...

Guiné 63/74 - P14898: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (8): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho de 2015: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista - Parte I: Com o nosso 1º cabo Eduardo Jorge Ferreira, promovido a sargentos por feitos heroicos em campanha...



Vimeiro, 18 de julho de 2015 > Mercado oitocentista > 
Atuação dos gaiteiros da Freiria

Vídeo alojado em Luís Graça > You Tube.



Foto nº1 > A Alice e o 1º cabo Eduardo Jorge Ferreira, "patrão" da reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808) e mercado oitocentista,. que se está a realizar este ano, no Vmeiro, Lourinhã (17-19 de julho)


Foto nº 2 >  A> Alice, o Álvaro Carvalho e a Helena do Enxalé (que vieram das Caldas da Rainha de propósito para assitir ao evento e fazer, o Álvaro, vestido de frade fransciscano, a cobertura fotográfica)


Foto nº 3 > A "tomada da igreja": reconstituição 


Foto nº 4 > A "artilharia francesa",,,


Foto nº 5 > À esquerda, o nosso 1º cabo, do RI 19, Eduardo Jorge Ferreira, que foi promovido a sragento por feitos valorosos em combate,,,

Lourionhã, Vimeiro > 18 de julho de 2015 > Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808) e mercado oitocentista...

Fotos ( e legendas): © Luís Graça (2015) Todos os direitos reservados.
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sábado, 18 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14896: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (7): E o amor não tem cor - poema de José Teixeira, Fermero da CCAÇ 2381

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2015:

E como o amor não escolhe cor, junto um poema soltado ao vento há muitos anos que poisou na minha mente, empurrado pelo tempo que nos tornou velhos e de consciência tranquila... ou não, porque o amor, esse, aconteceu, não tenho dúvidas. 
E este tempo de férias é bom para re(viver). 

Abraços 
Zé Teixeira


E o amor não tem cor

Tinha uma pele de uma suavidade intensa,
Pigmentada com laivos do sangue
Que a impregnava e, transformava o negro, negro,
Numa coloração rosada; divinal para os meus olhos sedentos
E coração inflamado de amor.

Assim era a pele daquela jovem africana,
De corpo esbelto e seios firmes.
E o Sol incidindo sobre ela os seus raios doirados,
Dava ainda mais beleza àquele corpo
Talhado por mão divina em noite de lua cheia.

Meu coração deixou-se encandear,
Meus dedos, agilmente, procuraram os pomos ardentes
Que lhe saltavam do peito descoberto,
Atraídos pelo sorriso cativante e acolhedor
Que me devorou as entranhas,
Na ânsia de neles encontrar a chave da porta do futuro.

Um olhar, profundo e firme
Vindo de uns olhos amendoados e de um negro cativante
Disse-me que estava a ser ousado em demasia,
Enquanto duas mãos firmes me retinham o gesto,
Deixando-se ficar entrelaçadas nas minhas mãos atrevidas.

Perdi-me na prisão dos seus braços
E fizemos das nossas vidas o mais belo templo do amor.

José teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14885: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (6): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte III): Álvaro e Helena do Enxalé, sejam bem-vindos à Tabanca Grande!...Oxálá / inshallah / enxalé nos possamos voltar a reunir mais vezes para partilhar memórias (e afetos)... Vocês passam a ser os grã-tabanqueiros nºs 695 e 696

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14885: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (6): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte III): Álvaro e Helena do Enxalé, sejam bem-vindos à Tabanca Grande!...Oxálá / inshallah / enxalé nos possamos voltar a reunir mais vezes para partilhar memórias (e afetos)... Vocês passam a ser os grã-tabanqueiros nºs 695 e 696



Foto nº 1  - O grupo dos tabanqueiros de porto Dinheiro... Falta o fotógrafo, o Álvaro Carvalho


Foto nº 2  > De pé o Álvaro Carvalho... Sentados, Luís Graça, João Crisóstomo e o António Nunes Lopes (está convidado para integrar a nossa Tabanca Grande, mas não tem endereço de email, aguardo o da esposa)


Foto nº 3 >   João, Luís e António Lopes,  falando do Xime


Foto nº 4 > A Alice a Helena


Foto nº 5 > Luís, Helena e Eduardo: folheando um livro sobre a Guiné-Bissau, editado a seguir à independência, e que a Helena trouxe consigo



Foto nº 5 > Alice, Helena, Luís, Eduardo e Vilma (que ainda não fala português: entendemo-nos em inglês e francês)


Foto nº 6 > Três grandes amigos: João, Horácio e Milita


Foto nº 7 > Luís e João... Raramente o nosso editor aparrece aqui nas fotos de convívios, descontraído, sem máquina fotográfica... Nada como ter um fotógrafo de serviço... E que fotógrafo!


Foto nº 8 > A Dina e o Jaime



Foto nº 9 > Restauarante O Viveiro

Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Restaurante O Viveiro > Convívio anual da Tabanca de Porto Dinheiro. Régulo:  Euardo Jorge Ferreira, (*)

Fotos: © Álvaro Carvalho (2015)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Seleção de um lote de 100 fotos [, além de vídeos...] que o Álvaro e a Helena Carvalho, nos enviaram com a seguinte mensagem simpatiquíssima:

Tabanca do Porto Dinheiro, passaremos a chamar-lhe ponto de reencontro, dos sentimentos sinceros da Amizade.

A Helena do Enxalé e o Álvaro partilharam com excelentes seres humanos uma tarde onde os temas foram variados. À Vilma e ao João Crisóstomo pediuos-lhes o favor de serem sempre felizes... extensivo a todos.
Enfim recordar também é viver.

Um Abraço ao Grande Régulo Eduardo que se portou à altura, bem escolhido pelo Luís Graça.

Um Fraterno Abraço a toda a "equipa" presente que vamos  citar pela ordem da foto de grupo, acima publicada: da esquerda para a direita, António Nunes Lopes, João Crisóstomo, Helena do Enxalé, Vilma Crisóstomo, Dina, Milita (primeiria fila); Eduardo Jorge Ferreira, Maria Alice Carneiro, Alexander Rato ], presidente da junta de freguesia de Ribamar,], Horácio Fernandes e Jaime Bonifácio Marques da Silva (segunda fila).

Álvaro e Maria Helena
 


2. Comentário de LG:

Obrigado, Álvaro e Helena, pela completíssima e competentíssima cobertura fotográfica da reunião da Tabanca do Porto Dinheiro. Oxala/inshallah/enxalé nos possamos voltar a reunir, mais vezes, nesta ou noutras tabancas. O que vai acontecer seguramente a avaliar pela composição da nossa mesa.. Mais uma vez se comprova que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande. (Tabanca Grande é o nome da nossa comunidade virtual e real, de amigos e camaradas da Guiné, espalhados pelos quatros  do mundo, Portugal, a Gun+e.Bissau e a diáspora lusófona).

Tiro o quico, à boa maneira da tropa, à espantosa naturalidade e grande generosidade com que vocês, Álvaro e Helena, se juntaram a nós, como se nos conhecêssemos há décadas e fôssemos velhos e bons amigos de há muito... É fruto deste sortilégio, desta magia, que é a "nossa" Guiné, essa terra verde e vermelha (e por extensão a Africa lusófona), que nos marcou a todos/as, nos tocou a todos/as, de diferentes maneiras, e cujo espírito procuramos reviver, preservar e promover, sentando-nos à sombra de um secular, protetor, fraterno, simbólico poilão, o poilão da nossa Tabanca Grande...

O Álvaro e a Helena passam, a partir de hoje, a constar na lista alfabética dos membros da nossaTabanca Grande, cujo nº se aproxima já dos 700 (mais do que um batalhão!) e donde já constam, além do meu nome, os nomes do Eduardo, do João, do Jaime, do Horácio, e da Alice... (Vd. fiolha de  rosto do blogue, coluna do lado esquerdo).

Não é preciso "curriculum vitae", civil ou militar, bastam os dois amarem aquela terra e já terem bebido a água do Geba.. Eu mesmo faço questão de os apresentar, formalmente...

Como eu gosto de dizer, não é (felizmente!|) o Panteão Nacional, é melhor... é a nossa Tabanca Grande. O nosso objetivo é muito simples, é o de partilhar memórias (e afetos). E, por outro lado, muito sinceramente, penso que vale muito mais um camarada vivo (e quem diz camarada diz amigo), do que um herói morto...

Nenhum deles é camarada, mas são amigos da Guiné. Os camaradas tratamo-los por tu, o Álvaro e Helena, sem terem sido "tropa", merecem o mesmo tratamento: do general ao soldado, do almirante ao marinheiro, tratamo-nos todos por tu, porque é mais prático e desinibidor... Aqui não há títulos, académicos, sociais, profissionais, tirando os velhos postos do tempo da tropa (que nos ajudam a identificar a malta9... Trato, de resto, a maioria dos amigos da Guiné por tu como sinal de distinção e porque faço questão também que me tratem por tu...

Álvaro e Helena, sejam bem vindos, a esta e às demais tabancas sob a "jurisdição" da Tabanca Grande...

Que Deus, Alá e os bons irãs vos/nos protejam, a todos/as!... Luis



Guiné-Bissau > O Enxalé... In šāʾ Allāh (em árabe: إن شاء الله, [in ʃæʔ ʔɑlˤˈlˤɑːh]),  romanizado como Insha'Allah ou Inshallah ou Inshalá, é uma expressão árabe que quer dizer  "se Deus quiser" ou "se Alá quiser". Deu "oxalá" (em português) e "ojalá" em castelhano.(Fonte: Wikipedia). Parte do coração da Maria Helena ficou lá, no Enxalé...

Infografia; Blogue Lu+is Graça & Camaradas da Guiné (2015)


PS - A Maria Helena Carvalho, mais conhecida por Helena do Enxalé, nasceu na Guiné, em 1951 (**). O pai, natural de Seia, o "Pereira do Enxalé",  Amadeu Abrantes Pereira era uma figura muito conhecida e respeitada no território. Instalou-se estrategicamente no Enxalé, na margem norte do Rio Geba, frente ao Xime. Lá tinha uma destilaria de aguardente de cana. Fez uma escola e construiu uma pequena capela. Amílcar Cabral foi visita da casa. bem como o poderoso régulo do Enxalé, Abna Na Onça. capitão de 2ª linha.  E alguns futuros guerrilheiros do PAIGC tiveram o Pereira como patrão. 

Em 1962, e com o início da guerrilha, o Pereira mudou-se para Brá. No Enxalé, a dificuldade maior era a livre circulação e o abastecimento da matéria.priama, a cana de acúcar. Em 1958, se não erro, a Helena vem para Bissau e depois segue para a metrópole para poder estudar. Voltava à Guiné nas férias grandes. Foi educada por uma madrinha. Em 1974, com 23 anos, e já casada com o Álvaro, assiste ás festas da independência, sentindo-se perfeitamente em casa... 

Entretanto, a mºae já tinha morrido e o pai acabava de falecer, algumas semanas antes, em agosto de 1974....Voltaria mais tarde à Guiné-.Bissau, creio que em 1989,  para tratar de assuntos da família, incluindo o património edificado no Enxalé e em Bissau. Das coisas mais bonitas que lhe aconteceram  e que ainda hoje recorda com orgulho e emoção foi verificar como o nome da  sua família era respeitada pelas gentes do Enxalé: (i) o régulo veio com uma petição escrita para ela dar autorização aos habitantes locais para poderem  continuar a colher os  citrinos que continuavam a nascer na ponta; (ii) uma bajuda veio-lhe entregar as chaves de casa...

O casal vive e trabalha nas Caldas da Raínha. O pai do Álvaro era ourives. Ele mantém o negócio, que agora já passou para a terceira geração. Adora cicloturismo (apesar de um grave acidente que teve há anos) e fotografia. Tem "slides" da independência da Guiné-Bissau que me prometeu mostrar  um dia quando passar lá por casa... Entretanto a Helena foi adoptada  pela "rapaziada" que passou pelo Enxalé, nomeadamente a CCAÇ 1439 (1965/67) (*). Foi ela que organizou,, este ano, o convívio anual da companhia. É uma mulher de armas!...


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Notas do editor;:


Guiné 63/74 - P14883: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (5): Somos cada vez menos, mas bons... Convívio anual do pessaol da CCAÇ 617, a que se juntou a CCAÇ 619 e o Pel Mort 942., Azeitão, Setúbal, 30/5/2015 (João Sacôto)


XII Encontro anual do "veteraníssimo" pessoal da CCAÇ 617, a que se juntou a CCAÇ 619 e o Pel Mort 942 (CatióIlha do Como e Cachil, 1964/66), > Vila Nova de Azeitão, Setúbal, 30 de maio de 2015... Sentados, em primeiro plano, dois camaradas da Tabanca Grande: o Carlos Alberto Cruz (à esquerda) e o João Sacôto (à direita)


Foto: © João Sacôto (2015). Todos os direitos reservados.


1. Foto enviada pelo João Sacôto, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com o seguinte comentário: 

Luis: Se for viável, gostaria que publicasses esta fotografia, tirada no almoço deste ano de pessoal que chegou à Guiné em Janeiro de 1964 (51 anos passados, somos cada vez menos). Foi o o XXII almoço da CCaç 617. Como somos poucos, juntamo-nos cada vez mais. [O convívio foi para os lados de Azeitão, Setúbal],

Um abraço,
JS

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14882: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (4): Os amigos e amigas que nos ligaram ao nosso mundo (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2015, onde nos fala dos amigos que,  de alguma maneira, foram o suporte moral de muitos de nós, combatentes, enquanto em campanha.

Caríssimos
Não foram apenas a família e as namoradas que nos ligaram ao mundo do lado de cá da guerra, como podem ver nos anexos.

Abraços
Zé Teixeira


OS AMIGOS E AMIGAS QUE NOS LIGARAM AO NOSSO MUNDO

Alguma coisa se tem escrito sobre as noivas e namoradas que viram os seus “amores” partirem para Guerra Colonial. Seguiam-se normalmente cerca de dois anos de separação em que o amor e os afectos eram alimentados pelas cartas e “bate-estradas”,  vulgo aerogramas. Tempo de sofrimento. Tempo que nunca mais passava.

Um camarada meu recebia um montão de cartas sempre que a avioneta chegava com notícias frescas. A sua namorada assumiu o compromisso de lhe escrever todos os dias e ...ele correspondia de igual modo. Teve azar o Miguel. Uma mina traiçoeira roubou-lhe uma perna. Os seus gritos de dor eram entremeados com gritos de desespero porque pensava que ela, a sua querida, não ia querer um manco como marido. Felizmente o drama acabou bem. Hoje são um casal feliz.

E, quantas vezes, o tempo que teimava em não passar, fazia arrefecer o calor desse amor jurado e selado com beijos de saudade. Namoradas que, cansadas de esperar, por quem nunca mais chegava, mandaram o parceiro dar uma volta ao bilhar grande, para desgosto e sofrimento deste. O contrário, creio bem, que também aconteceu.

Os que conseguiram vencer esta difícil etapa tiveram com certeza uma recompensa proveitosa.
As madrinhas de guerra e o seu excelente papel no apoio aos seus afilhados. Algumas, deixaram-se apanhar pelo “cupido” e transformaram-se com o andar dos tempos em namoradas e até esposas. Outras, assumiam o papel de madrinhas de guerra como uma missão humana quando não patriótica. Elas eram raparigas novas cheias de vida, quantas vezes com compromissos de namoro assumidos com outro, eram mulheres casadas e até velhinhas.

Recordo o caso da madrinha de guerra de proveta idade, já avó e viúva que decidiu entrar nesta roda. Deu o seu nome a uma revista fofoqueira da época e lá lhe apareceu um candidato. Ao fim de algum tempo o “atrevidote” pediu-lhe uma fotografia, que teimava em não chegar. Depois foi mais longe e pediu em namoro. Claro que recebeu uma carta da senhora a dizer que aceitava o seu pedido de namoro.

Aproveitou para lhe enviar uma fotografia pessoal e informou-o do seu estado civil. Calculem o estado de espírito com que ficou o nosso camarada.

Havia ainda os amigos e amigas, sem qualquer rótulo, que nos acompanharam com a sua palavra escrita, naquele tempo de sangue, suor e lágrimas.

Há dias em conversa com uma amiga e esposa de um camarada combatente na Guiné, ao tempo, estudante na ESBAP – Escola Superior de Belas Artes do Porto, hoje uma conceituada pintora da nossa praça, disse-me ela que, em determinado ano escolar, os rapazes da sua turma desapareceram. Apenas ficou um porque era deficiente motor. Os outros “voaram” todos para a Guerra Colonial. A turma ficou vazia. A colega e amiga, tomou a iniciativa de manter uma ligação de carinho e amizade com os desventurados estudantes que desde há vários anos eram os seus amigos do dia-a-dia, assumindo o compromisso de lhes escrever a contar as novidades da escola e da terra. A linguagem que utilizou foi a que eles como estudantes de Belas artes melhor entendiam. O desenho com arte e imaginação, como se pode ver nas imagens.

Um dos colegas com quem ela se correspondeu, muitos anos depois, recordou esta forma de estar e devolveu-lhe com carinho alguns dos belos desenhos que recebera na selva africana, que aqui se reproduzem.

Eu fui dos que tive a sorte de ter alguém que de vez em quando me presenteavam com notícias frescas do meu País. Muito lhes devo pela sua presença fraterna e amiga que de vez em quando, dava sinais de vida, a lembrar-me que eu não estava só. A sua forma de escrita era diferente. Liberta de sentimentos amorosos e preocupações, enviavam notícias, comentários, contos e ditos, enfim!
Transportavam-me de novo ao meu mundo.

Acabada a guerra. Regressado ao ninho de afectos. Abraços distribuídos. Algumas cenas do outro mundo, contada. E a vida recomeçou. Cada um de nós seguiu o seu caminho. A amizade e a gratidão, essas ficaram cá dentro de nós, estejam eles ou elas onde estiverem.

Nunca mais pensei nesses amigos e amigas como os tais que se preocuparam com o meu bem-estar durante a guerra. Apenas a amizade ficou mais solidificada.

José Teixeira





(Cortesia de uma amiga que, ao tempo da guerra colonial, era estudante de belas artes. JT)
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Nota do editor

Primeiros postes da série:

26 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

terça-feira, 14 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14874: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (3): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte II): João Crisóstomo e António Nunes Lopes, do mesmo pelotão, da CCAÇ 1439, encontram-se 50 anos depois e falam, com emoção e dramatismo, da violenta emboscada que uma vez sofreram em Darsalame (Baio), no subsetor do Xime



Vídeo (7' 31''). Alojado em You Tube > Luís Graça 

Lourinhã > Ribamar > Praia de Porto Dinheiro > Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > (*) O João Crisóstomo e o António Nunes Lopes encontram-se ao fim de 50 anos... Pertenceram à mesma companhia e ao mesmo pelotão... E evocam aqui, com uma espantosa precisão de detalhes, e grande emoção,  uma dos mais duros episódios de guerra por que passaram, em 1966, em Darsalame (Baio), na zona de Baio/Buruntoni, no Xime, que o PAIGC sempre "controlou" durante toda a guerra, e onde era inevitável haver "contacto" com as NT... Qual o nome verdadeiro do místico soldado, de alcunha "Penálti", de aqui se fala ? Pode ser que alguém saiba mais sobre este homem, que foi herói e desertor...

João Crisóstomo, que é natural de uma freguesia vizinha, A-dos-Cunhados, do concelho de Torres Vedras, fez-se à vida depois do regresso da guerra. Andou pela Europa e Brasil, até se fixar em 1975, nos EUA, onde hoje vive (em Nova Ioprque) e que é a sua segunda pátria.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Susetor do Xime > Carta do Xime  (1961) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa do Xime e Darsalame (Baio) onde o pelotão do João Crisóstomo (alferes) e do António Nunes Lopes (furriel) sofreram uma violenta emboscada, em 1966, e tiveram um comportamento heroico... Na zona de Poindom / Ponta do Inglês, havia população que cultivava as bolanhas, na margem direita do R Corubal e que "apoiava" a guerrilha... Também eu ali conheci o inferno, três ou quatro anos mais tarde, em 1969/71... (LG).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).


Praia de Porto Dinheiro

por Luís Graça (*)


Finisterra,
pórtico do tempo,
és gare, 
és algar,
porto dos portos das Atlântidas perdidas!

Foste estaleiro de vasos de guerra,
galeões, naus e caravelas
por haver ou nunca havidas,
diz o livro antigo do almoxarife.

Hoje não se constroem mais catedrais,
nas tuas fossas submarinas,
nem moinhos de vento,
nos teus corais de recife,
nem traineiras de grosso cavername,
nas rampas das tuas arribas fósseis.

Dóceis
são as ondas do teu mar com que afagas
a pele 
e apagas
a púbis das raparigas.

Praia de  Porto Dinheiro:
o irresistível apelo das algas
que são as hormonas do mar,
espigas, valquírias, ninfas, najas, canibais,
que vêm do fundo dos tempos imemoriais
para seduzir os filhos dos homens,
inebriar as suas almas,
enlear os seus corpos.

Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
e rasgam a colina de neblina, 
por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários,
monstros e mostrengas,
dinossauros,
loucos menestréis,
contadores de lendas,
mouras encantadas,
mercadores, invasores, conquistadores,
vikings, vírus,
e os bretões com o seu barco a vapor,
o Bateau ivre.

É de lá que vêm os portadores da peste, da fome e da guerra…
Mercator ergo pestiferus,
mercador logo portador da peste,
de que Deus nos livre!

Deste nomes de fêmeas
aos teus barcos
que são machos,
máquinas fálicas
de lavrar e violar
o vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.

Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
emparedam vivas as gentes, ribeirinhas,
na canícula desta tarde de verão
em que esperamos em vão
as hordas bárbaras,
ou tanto faz,
os soldadinhos de chumbo do Napoleão,
os mercadores fenícios,
ou as legiões romanas,
devidamente equipadas 
e alinhadinhas,
nas suas galeras feitas de legos.


Não sabemos quem devemos mais esperar,
se Drácula ou Drake, 
disfarçado da pérfida deusa Europa,
o deslizamento das placas tectónicas,
a erupção do teu gigantesco dinossauro,
o cobrador de impostos

em nome das tribos teutónicas, 
Moisés e a tábua dos dez mandamentos,
a bela e frágil deusa Atena,
o profeta Jesus Cristo 
ou o profeta Maomé,
o último guru do Vale da Sílica, 
ou simplesmente o carteiro 
que nos há-de trazer a carta a Garcia,
com a solução alquímica da vida,
o elixir da juventude,
o algoritmo da felicidade,

a chave do Euromilhões
ou a password do sítio
da gruta de Alibabá e os 40 ladrões.

Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
depois de saborear uma sopa de navalheiras,
e comer uma posta de arraia frita,
recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos,
arrebanhados em terra 
para a demanda, por mar,  das Índias…
E aqui penso em como o mundo às vezes é tão simples,
se descartado das métricas todas
com que nos lixam a vida 
e nos roubam o sonho e a poesia: 
a econometria,
a sociometria,

a psicometria,
a biometria…

Dizem que aqui reinou o rei Midas,
o mesmo que transformava lagostas e algas
em barras de ouro.

Porto Dinheiro,
dos casais por detrás das tuas colinas,
até ao mar imenso,
por aqui andaram, labutaram, penaram, 
amaram, lutaram e naufragaram 
os nossos antepassados


Um dia há de desaparecer nas Américas
o teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval,
nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia,
longe, muito longe do teu porto de abrigo.

Maldita pátria,
mil vezes amada, 
e outras tantas odiada,
querida mátria
que tantos filhos pariste,

cruel frátria
que tantos irmãos rejeitaste!


Luís Graça

Lourinhã, Praia do Porto Dinheiro, 18/8/2011



(...) À memória dos meus antepassados Maçaricos,
marinheiros, mareantes, navegantes,
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos

Ao António Fernandes (Patas),
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69). (...)