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segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24786: Agenda cultural (843): Doclisboa - 21º Festival Internacional de Cinema: 25 de outubro, 4ª feira, às 10h30, na Culturgest, Pequeno Auditório, projeção do documentário português (119'), "Fogo no Lodo", filmado na aldeia de Unal, a sul de Buba, seguida de debate com os realizadores, Catarina Laranjeiro e Daniel Barroca


Fotograma do filme "Fogo no Lodo", 
de Catarina Laranjeiro e Daniel Barroca (119 minutos)



 

21º Doclisboa | Competição Portuguesa | Fogo no Lodo | Catarina Laranjeiro, Daniel Barroca | 119'

Trailer do filme | 1' 27'' (Cortesia de Doclisboa > You Tube


1. A sugestão chega-nos por mail de hoje do Patrício Ribeiro, âs 10h05:

Recomendo verem no cinema, Culturgest, dia 25, realizado pela Catarina Laranjeiro e Daniel Barroca, o documentário "Fogo no Lodo", feito no sul da Guiné, sobre a tabanca de Unal, a sul de Buba; sobre a realidade atual da tabanca, o que passaram na guerra colonial, e a cultura do arroz de bolanha.

Ontem tive oportunidade de o ver no cinema S. Jorge, em Lisboa.

Abraço, Patrício Robeiro.


2. Sobre o evento, reproduzimos aqui o destaque lhe é dado na página oficial do IHC - Instituto de História Contemporànea, da FCSH/NOVA (Faculdade de Cièncias Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa):


Out 14, 2023 : Destaque, notícias > Catarina Laranjeiro 

Fogo no Lodo, realizado por Catarina Laranjeiro e Daniel Barroca vai estrear no Doclisboa — 21º Festival Internacional de Cinema, no dia 22 de Outubro, no Cinema São Jorge, estando a concurso na Competição Portuguesa.

O documentário retrata a localidade guineense de Unal, uma aldeia de cultivadores de arroz, cuja população desempenhou um papel crucial na luta de libertação contra o colonialismo português, na Guiné-Bissau, os primeiros a envolver-se na luta armada, mobilizando espíritos ancestrais, os Irãs. 

Ainda hoje, cada gesto do ciclo do arroz é assombrado pela memória da guerra, trauma também inscrito nos seus rituais, corpos, paisagem e música. Fogo no Lodo é, assim, uma abordagem envolvente a uma complexa dinâmica onde formas religiosas e turbulências políticas se cruzam e fundem, para reivindicar o futuro desta comunidade na Guiné-Bissau contemporânea.

Os realizadores, em nota de imprensa, contam que “a experiência histórica da aldeia de Unal no decorrer da guerra de libertação contra o colonialismo português na Guiné-Bissau foi o que nos levou a realizar o documentário”. 

O “interesse comum sobre a complexa experiência humana da guerra através do cinema, naquela geografia específica do sul da Guiné-Bissau” foi o que juntou Catarina e Daniel, neste projecto conjunto. 

“O filme tornou-se um projeto mais amplo sobre a memória da guerra de libertação, a atual tensão entre a comunidade e o estado, a complexa diversidade religiosa, e o trabalho nos arrozais que é um dos pilares económicos da comunidade.”

Além da sessão de estreia, na manhã do dia 25 de Outubro haverá uma outra projecção do documentário, desta feita na Culturgest, à qual se seguirá a sessão inaugural do ciclo 2023-2024 da Oficina de História e Imagem do IHC, onde o público terá a oportunidade de conversar com Catarina Laranjeiro e Daniel Barroca sobre o processo de realização deste projecto que também foi de investigação.

O filme foi produzido por Rui Ribeiro, Elsa Sertório e Ansgar Schaefer (Kintop), com produção executiva de Catarina Laranjeiro e financiamento do ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual (Ministério da Cultura).
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24772: Agenda cultural (842): Pré-apresentação do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", prefaciado pelo Prof. Júlio Machado Vaz

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24769: Agenda cultural (841): Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo - A Guerra Colonial: Conversa/debate com escritores - Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado; moderador António Lopes (Paulo Cordeiro Salgado)


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de hoje, 18 de Outubro de 2023:

Meus caros Luís e Camaradas de redação do Blogue,
É com muita satisfação que apresento este registo.
Satisfação dupla: por um lado, pelo envolvimento nesta comemoração, fazendo parte da comissão executiva; por outro, ter ao meu lado, para conversar, o Mário Beja Santos, além do moderador António Lopes, também ele militar na reforma (não foi à guerra porque ainda era jovem) e editor sediado em Carviçais, Torre de Moncorvo.
O texto é um pouco longo, mas é assim, Luís e Caros Camaradas.

Mantenhas
Paulo Salgado



COMEMORAR O CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL EM TORRE DE MONCORVO
A GUERRA COLONIAL: CONVERSA/DEBATE COM ESCRITORES

Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado

Moderador António Lopes

Sinopse de ideias para a conversa

Escrever sobre a Guerra Colonial é algo que pode ser levado a cabo sob diversos aspetos e formas.

Quanto a mim, que não pretendo ser herdeiro de qualquer tradição de «melancolia épica, natural acompanhamento do interminável crepúsculo que nos caracteriza», como refere Eduardo Lourenço na sua obra “A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia” (Gradiva, 3.ª edição, 2004), o que me mantém motivado a escrever foi, e é, o trazer memórias que me ajudaram a crescer e que me têm acompanhado ao longo de uma vida que vai sendo longa. Os tempos passados estão ainda presentes, são o “hoje”. Que reflexo no futuro?

Digo e escrevo com franqueza: às vivências pessoais sofridas na Guerra Colonial, tenho feito juntar o Outro, sendo que este Outro se encontra expressivamente e impressivamente ligado aos vários momentos que, apesar de decorridos em tempos diferentes, estão interligados. Guerra e Raízes – os domínios da minha escrita. O “eu” como ator/narrador, e o “Outro”, como construtor de histórias que se prolongam em mim por diversas formas.

O centro da nossa História, feito de descobertas e de conquistas ao longo dos séculos XV a XVII, feito de encontros e desencontros igualmente durante os séculos seguintes, passou a ser, nas décadas sessenta e setenta, a Guerra. Não uma guerra com caravelas e naus à procura das especiarias e escravos, quase sempre em confronto, algumas vezes em encontros amigáveis com gentes com que nos deparámos, que tinham o seu próprio processo histórico, mas uma guerra agora feita com espingardas e morteiros e obuses e fiats e bombardeamentos e napalm. O que foi uma presença quase planetária, de proselitismo religioso, de comércio afanoso, de poder a estabelecer nem que fosse à força, de curiosidade científica, também, passou a ser uma humilhante saída da aventura do que restava do mundo que percorremos, por incapacidade de compreendermos o processo histórico.

Não sou historiador, nem sociólogo, nem antropólogo, nem psicólogo; sou apenas alguém interessado em factos históricos de que procuro, quer algumas figuras maiores, porque a elas se encarregaram os estudiosos de engrandecer e historiar, quer, sobretudo, personagens menores, ou “arraia miúda” – como lhe chamava Fernão Lopes, esse mestre iniciador, entre nós, da História Viva – e a que Herculano quase três séculos mais tarde apelidava de História da Verdade.

São os meus camaradas que calcorrearam os trilhos, as picadas, as matas, as zonas pantanosas;
são os meus camaradas que vieram do norte e do centro e do sul deste Portugal simultaneamente querido e amordaçado – quase sempre desconhecedores do que andavam a fazer nas matas, vales, planuras, rios e montes de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, regressando alguns, infelizmente, em caixas de pinho como canta o poeta Zeca Afonso;
são as aldeias sem gente, fugida para o longe, para o lado de lá, queimadas as suas tabancas; são as crianças sem pais;
são as mães sem eira nem beira que choram, aqui, neste rincão do sudoeste europeu, e as que lá sofriam com as bombas e com a fome, desesperadamente afastadas dos seus;
são os combatentes pela libertação que deixaram terras por arrotear e se lançaram na aventura de ter como seu o chão que pisam.
São os adeuses nos barcos que levavam os jovens como eu para o inferno das Kalashnikov e dos morteiros e mísseis.
São as cartas e os aerogramas enviados, e as cartas e os aerogramas que traziam esperanças e sonhos de regresso.
Mas são também os reis e conquistadores e frades que navegaram e caminharam pelos mundos, no que foi uma epopeia narrada em Os Lusíadas.
São ainda os chefes que reclamavam, enganados na sua mentalidade serôdia, uma Pátria multirracial do Minho a Timor.
São estas personagens que entram na minha narrativa, que, por certo, fica aquém da prosa estritamente historiográfica.
São igualmente as raízes que me sobraram da infância e juventude. Eis o que agora vos devolvo nos meus livros, porque já me fora entregue pelo Outro. É que tudo se passou como se nada tivesse importância: o mar que nos banhou ao longo de aventuras e desventuras, as andanças de homens e mulheres calcorreando as partes de África, dos Brasis, e do Oriente, e o que vivido foi por muitos de nós destas gerações, mancebos de sessenta e setenta, a morte rondando debaixo dos pés, ou na ponta das espingardas – um verdadeiro desassossego, diria Pessoa…eu gritava (como outros): não quero morrer, não quero morrer, não quero morrer. O acaso, ou talvez as circunstâncias, me levaram às terras da Guiné-Bissau vinte anos depois da guerra, em trabalho de cooperação e, mais tarde, a Angola e Moçambique e S. Tomé e Príncipe – desta maneira, as minhas crónicas são um ir e vir pelo “hoje” e pelo passado – uma mistura só conseguida graças à capacidade que a escrita tem, antecedida pelo pensamento. As multiplicidades psicológicas e existenciais do Outro, os encontros com o Outro, fixaram-se na minha obra, estão vivas. A vida é isto: é ternura, é carinho, é solidariedade, é beleza, é fealdade. Agarrei-me a tudo (a quase tudo), e os dedos empurraram-me para a escrita…

Não pretendo ter na minha escrita qualquer «fixação hipnótica», como escreve Eduardo Lourenço, na obra acima referida. Senti, durante a presença no espaço e no tempo de guerra, guerra dura de que senti, chorando, a morte nos braços, que ruía por completo o Império, se Império Português houve. E, pasme-se, senti, igualmente, que restavam resquícios de um certo “modo português de estar no Mundo”, traduzido especialmente na “pretidão de amor”, expressão que Camões utilizou e viveu, experienciada por mancebos, militares e civis, que se acolhiam, no intervalo de combates, nos braços quentes das jovens mulheres, dando corpo, físico e mental, à teoria lusotropicalista de Gilberto Freire, aproveitada de forma conveniente pelos senhores pensantes antes da eclosão da guerra colonial, que, aliás, se adivinhava.

Mas, afinal, o que é escrever? Afinal, o que é escrever sobre “este” passado histórico, tão recente e tão distante, olhado e compreendido de formas diferentes? Tenho sempre dúvidas: as que decorrem de questões estéticas e éticas. Estéticas, porque há sempre um receio de que não seja bela a manifestação do que escrevo; éticas, porque o discurso que utilizo me coloca perante questões da vida, das mais simples às mais elevadas. Falar do Outro é sempre muito complexo, por estarmos permanentemente a entrelaçar Estética e Ética.

Nas minhas obras já publicadas, por certo outras virão, encontram os leitores uma narrativa que se baseia na História, mas exibe ficção, que mais não seja por razões éticas. Os meus Amigos, o Rogério Rodrigues e o Mário Tomé, que prefaciaram e ou apresentaram dois dos meus livros, juravam, com a bondade que os caracteriza, que estas narrativas continham em si a dimensão nobre de “contos históricos” – porventura serão. Pareceu-lhes, creio, um desejo, um desafio, lúdico, o meu.

Em “Guiné – Crónicas de Guerra e Amor” e “Milando ou Andanças por África”, também em “7 Histórias para o Xavier”, permanecem fixamente factos e personagens, com que deparei nas minhas leituras e minhas diversas passagens por África, e nas Raízes do meu canto aldeão transmontano – o Larinho, aldeia do concelho de Torre de Moncorvo, que entregou a Salazar e Caetano três soldados…
Neste momento, para eles a minha saudade e admiração. O meu respeito.

Paulo Cordeiro Salgado

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Nota do editor

Vd. poste de 17 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24765: Agenda cultural (840): Síntese da minha comunicação destinada à conferência "Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril", realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24765: Agenda cultural (840): Síntese da minha comunicação destinada à conferência "Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril", realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo (Mário Beja Santos)


A juventude moncorvense compareceu em força num dos painéis
Presentes: coronel Vasco Lourenço, general Alípio Tomé Pinto e o presidente da edilidade, Nuno Rodrigues Gonçalves. Sentado, e diligentemente a escrever, o nosso confrade Paulo Salgado, moderou a sessão António Lopes, oficial do Exército aposentado

Imagens cedidas pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, a quem agradecemos


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Do programa da conferência não falo, veio publicado no blogue. O que me foi pedido prendia-se com a análise da literatura da guerra colonial, mau conhecedor das literaturas referentes aos teatros angolano e moçambicano, fui-me reportando ao que conheço da realidade da literatura guineense.

Como estas comunicações não dão para divagar, há que encontrar um ritmo que possa cativar um público transversal, por isso achei por bem falar da abrangência da literatura e suas manifestações; enfatizar a variedade topográfica que gerou singularidades quanto à Guiné, Angola e Moçambique, se bem que, haja um enquadramento que vai do embarque ao desembarque e que toca a todos, e mesmo nesse itinerário um relato de alguém que viveu em destacamento naturalmente que se distingue de quem foi fuzileiro ou paraquedista; procuro dar ênfase à questão do meio, como ele é preponderante na inquietação de um patrulhamento ou no fascínio de um esplendoroso palmar que surge inopinadamente; e há a questão do tempo da comissão, um relato de Álvaro Guerra, que combateu no início da luta armada distingue-se da história de um batalhão como o BCAV 2867, que combateu na região de Tite nos anos de 1969 e 1970, e que coteja os factos por ele percecionados com a documentação do PAIGC depositada na Fundação Mário Soares. 

E confesso que me desvelou o acolhimento de Paulo Salgado que me levou a visitar zonas extraordinárias do Baixo Sabor, deu-me matéria para falar de itinerâncias na região moncorvense.

Um abraço do
Mário


Síntese da minha comunicação destinada à conferência Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril, realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo

Uma guerra colonial que gerou investigação e largas memórias de diferente ficção

Mário Beja Santos

1. Era inevitável: uma guerra vivida em três frentes, de 1961 a 1975, iria implicar estudos historiográficos, socioeconómicos, abordagens militares, diferentes domínios de investigação, nomeadamente no campo universitário, dando origem a uma vasta multiplicidade de teses e obras destinadas a um vasto mercado, desde o estritamente militar ao do grande público. 

Por natureza, e mercê do olhar ideológico, será também motivo de contínuos trabalhos, recorde-se que há omissões graves no campo da investigação que importa colmatar: por exemplo, não há ainda nenhum estudo aprofundado sobre os quatro anos (1964-1968) da governação de Arnaldo Schulz;

2. Mas nem só da investigação vive o homem: há um rol infindável de manifestações literárias: conto, novela, romance, poesia, literatura memorial, reportagem, propaganda para captar populações ou a favor da política do Estado Novo, justificando a gradual intervenção militar, mesmo quando esse regime apresentava tal intervenção como “ações de polícia”;

3. Como é natural, dada a variedade topográfica das três frentes, gerou-se uma literatura com particularidades/especificidades. Há, contudo, questões e conceitos que se podem apresentar como padronizados: 
  • as despedidas aquando do embarque; 
  • a viagem tormentosa, com as praças metidas em porão; 
  • o estado de nervosismo e a expetativa do que se vai encontrar pela frente; 
  • a chegada, o embate com o clima; 
  • a deslocação para um lugar ainda desconhecido; 
  • a adaptação ao meio, por vezes uma intensa participação em obras para melhorar o nível do conforto; 
  • a tensão nos patrulhamentos, procurar ver o que se esconde no capim; 
  • o sobressalto da mina antipessoal e mina anticarro; 
  • os primeiros contactos com a guerrilha; 
  • o comer mal, a vigilância noturna, as flagelações, etc., etc.. 

Não são situações padronizadas, são quadros de referência do itinerário da comissão, obviamente com cambiantes, é bem provável que um paraquedista, um fuzileiro, um comando, estejam dominados por outras referências, as operações têm um peso dominante na literatura que eles elaboram;

4. As particularidades decorrem do meio, como é óbvio: 
  • o território da Guiné depende das marés altas e baixas (o território tem uma superfície de 36.125 km2 numas alturas, noutras 28.000 km2); 
  • é território sulcado por rias e braços de mar, tem de facto só dois rios, o Geba e o Corubal;
  •  há o tarrafo, que pode ser um inimigo natural implacável, no mínimo intimida, ande-se por terra ou por água; 
  • há as florestas-galeria, por vezes caminha-se de gatas, surgem inesperados contratempos, podem ser as abelhas, um porco do mato que se atravessa à frente da patrulha, e que provoca pânico; 
  • há a estação das chuvas, que nos faz adoecer, que aumenta os casos de malária…
  • como é evidente, há a ligação entre o militar e as populações, a solicitação do médico ou do enfermeiro ou do maqueiro, angariar professor para a criançada ou para os soldados iletrados; fica-se aterrado quando se vê um leproso ou um ser humano com elefantíase...

 Tudo isto é matéria que aparece na correspondência do militar para a família e amigos e entra nas obras literárias, claro está;

5. Tal como os estudos historiográficos, a propaganda apologética, qualquer obra de ficção tem de ser dimensionada pelo tempo em que foi escrita e publicada. Da análise que faço à literatura da guerra colonial da Guiné, consigo distinguir as seguintes fases:
  • as obras publicadas até 1974, nelas prepondera o heroísmo e a exaltação das qualidades do soldado português, há situações específicas como um diário que foi publicado no Jornal da Bairrada, em pleno Estado Novo, e quando o autor, também durante esse regime deu corpo a um livro, este foi apreendido pela censura (Tarrafo, de Armor Pires Mota); 
  • há literatura encriptada, é o caso das obras de Álvaro Guerra; com o 25 de Abril, o azimute muda de direção, crescem as críticas à guerra, há mesmo assassinatos de caráter, e nesta literatura tantas vezes contundente surgem obras que hoje merecem atenção nas universidades, é o caso do romance Lugar de Massacre, de José Martins Garcia; 
  • tenho para mim que é nas décadas de 1980 e 1990, quando o antigo combatente passa a ter mais disponibilidade e serenidade face aos acontecimentos vividos, que vão surgir obras de inegável valor no campo romanesco; 
  • é na viragem do século que faz aparição a literatura memorial, hoje a vanguarda desta ficção, é um amplo leque que vai da poesia popular, passando pelos diários, recordações fragmentadas, singelas histórias de unidades militares, e muito mais.

6. Tudo conjugado, temos o campo da investigação, o ensaio antológico, a análise política; e, na sequência diacrónica a literatura da guerra colonial tem de ser apreciada no tempo em que foi escrita e no território em que se combateu. É de uso indispensável, doravante, para ser compatibilizada com o que dizem os factos históricos, pois há imensos relatos que podem servir de contraponto ou validação de documentos: dou o exemplo dos depoimentos de antigos combatentes do BCAV 2867, que combateu na região de Tite (sul da Guiné) nos anos de 1969 a 1970, e que aparecem ao lado de documentação do PAIGC depositada na Fundação Mário Soares.

Poderá dizer-se que na sua generalidade esta literatura não prima pela grande qualidade, mas há um acervo de obras (e noutras capítulos ou parágrafos) que farão obrigatoriamente parte do que melhor se tem escrito na nossa contemporaneidade.

É a análise destes pontos que pretendo fazer e debater neste auditório. 

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24753: Notas de leitura (1624): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2022:

Queridos amigos,
Descritas as revoltas em Angola desde a rebelião da baixa de Cassange até ao caos sangrento após a insurreição de 15 de março, o historiador Valentim Alexandre dá-nos um retrato das movimentações políticas em Angola, tanto das organizações dos colonos como dos movimentos de emancipação. A segunda parte da obra atende às pressões externas, ao novo quadro da Assembleia Geral da ONU, onde a administração norte-americana se mostrava inequivocamente adversa ao nosso colonialismo, o regime procura apoios externos, revelara-se-ão poucos, a despeito do comércio do armamento, parceiros fixe só serão encontrados na África do domínio branco, Salazar tem a consciência de que não pode bater as palmas ao apartheid. E entramos num vórtice das tensões entre militares, o historiador dá-nos uma narrativa bem impressiva de como foi desencadeado o golpe de Botelho Moniz e como o regime se defendeu. Na conclusão, fala-se detalhadamente da explosão nacionalista em África e como ela a prazo foi bem-sucedida, era um processo histórico inexorável.

Um abraço do
Mário



O início da guerra em Angola, os três primeiros meses (3):
Uma surpreendente obra de referência sobre a génese da convulsão anticolonial


Mário Beja Santos

Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril) por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de que possuí extenso e brilhante currículo, ainda há escassos anos nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial (1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o distanciamento que impõe.

Para concluir esta curta viagem em torno de uma obra que se tornou indispensável para o estudo dos primórdios da Guerra Colonial, passa-se em revista as movimentações políticas em Angola e as repercussões destas sublevações angolanas na vida política do regime, irão culminar com a Abrilada, um golpe palaciano falhado, a que se seguirá a declaração política de Salazar de se ir rapidamente e em força combater os focos subversivos. O autor recorda que as revoltas de 4 de fevereiro e 15 de março fizeram fervilhar iniciativas e movimentações entre a população branca, que se sentia ameaçada e não via nas instâncias oficiais a capacidade para dominar a situação, e elenca um conjunto de nomes de intervenientes, recorda que os relatórios da PIDE sublinhavam o clima de desconfiança e suspeição que se vivia em Angola. As estruturas da sociedade angolana mostravam-se paralisadas, numa enorme confusão, e a oposição angolana ao Estado Novo também mostrava incapacidade, tal como as autoridades, para combater a revolta, naquele exato período predominavam as milícias e ninguém as contestava – enfim, oposicionistas e nacionalistas brancos nada mais sabiam fazer do que atividades desgarradas. Terá sido a única exceção a recém-fundada Frente Unida Angolana “pela corrente nacionalista africana que se tinha afirmado politicamente nos últimos anos da década de 50 no distrito de Benguela”. Em 5 de abril, a Frente publicou o manifesto “À população de Angola”, apresentava-se como um movimento cívico, sem distinção de raças, tendo em vista a construção de uma sociedade multirracial. Houve igualmente uma reação das associações comerciais, apelando a Lisboa meios militares para fazer frente à gravidade do momento, sugeria mesmo o estudo imediato da transferência de todo o governo da nação para Angola. O contra-almirante Lopes Alves chega a Luanda a 24 de março, é um homem com pouca saúde, fala diariamente com Adriano Moreira, então subsecretário da administração ultramarina, não esconde a sua inquietação com a situação que se vive no Norte de Angola, pede tropas, armas e polícia. O seu ponto de vista sobre a génese da sublevação diverge da dos militares, estes diziam que todos os acontecimentos resultavam dos abusos nas relações de trabalho, especialmente no problema do algodão, Lopes Alves atribui mais importância à agitação lançada do exterior. E inopinadamente regressa a Lisboa a 2 de abril. O texto da exposição de associações económicas chegará ao conhecimento de Salazar. Este continua sem reagir.

Quanto às organizações políticas africanas, temos as declarações do MPLA e da UPA. Viriato da Cruz, figura preponderante do MPLA, revela que o partido se tinha até então abstido de qualquer ato de violência, mas esta linha de pensamento irá evoluir rapidamente com os atos subversivos. Mário Pinto de Andrade, então presidente do MPLA, revela numa conferência em Casablanca, em fins de abril, que o partido decidira passar à ação direta, estavam ao lado do povo em armas. O autor escreve: “Com a sua direção em Conacri, mal implantado no Congo ex-Belga, dizimado pela repressão policial em Luanda e áreas limítrofes, o MPLA tinha de facto grandes dificuldades em afirmar a sua ação no curso da rebelião desencadeada pela UPA no Norte de Angola. Em compensação, procurava ganhar apoios no exterior”. E dá-nos igualmente o quadro de ação da UPA, e de outras organizações de base étnica bacongo, o MDIA e a NGWIZAKO, com programas nada coincidentes, até porque a NGWIZAKO vinha lutando pela eleição do Rei do Congo. E há a questão do enclave de Cabinda, tinha à frente uma organização clandestina que se apresentava publicamente como um movimento de libertação do enclave.

O autor trata as pressões externas no palco da ONU, onde a nova administração de Kennedy em nada se revelava favorável à política do Estado Novo, montou-se em Portugal uma campanha antiamericana, o regime procurava apoios, encontrava poucos e de fidelidade duvidosa, intervinha mesmo no continente africano, só recebera atenção na África Austral, Salazar não tinha ilusões de que não se podia apresentar como apoiante do apartheid de Pretória; temos o quadro interno, naturalmente complexo, mas o regime não se sente ameaçado. É nesta atmosfera que surge a Abrilada, uma última tentativa nascida na cúpula militar do regime para destituir o ditador e mudar o curso dos acontecimentos.

As chefias militares cedo mostraram que não queriam só debater os programas de armamento e da resposta mais conveniente às sublevações angolanas, queriam debater as questões de política geral. O próprio ministro do Exército assinalou três questões críticas de índole política geral: a atmosfera internacional pouco favorável a Portugal, a existência da censura, criadora de mal-estar, a existência de pessoas ligadas à política do governo simultaneamente ligadas a empresas que afetavam os interesses económicos da Nação. Trata-se de um descontentamento em surdina que apanha transversalmente a cúspide militar, formam-se inevitavelmente grupos, um é polarizado pelo antigo presidente Craveiro Lopes, outro por Santos Costa, um indefetível de Salazar, as fações vão entrar em confronto. O general Botelho Moniz, um ministro que começara a sua carreira apoiando sem tergiversações Salazar revela-se crítico, pretende manter boas relações com os Estados Unidos, sucedem-se os textos, e para 27 de março marca-se o início da fase decisiva da Abrilada, ensaia-se que Américo Thomaz tome partido e demita Salazar, o autor esmiúça com rigor o golpe e o contragolpe, inevitavelmente Salazar ganha e os contestatários são afastados.

Em jeito de conclusão, o historiador recapitula os acontecimentos que levaram às diferentes sublevações, recorda o passado da história de Angola sempre marcado pela violência, também a génese das independências africanas, a ideia de defesa do Império como imperativo nacional, a fissura entre as Forças Armadas quanto à resposta adequada quanto ao despoletar dos nacionalismos africanos e lembra-nos como todas as insurreições em África irão marcar uma nova época de um continente cada vez mais liberto do colonialismo do século XIX.

De leitura obrigatória.


Holden Roberto
General Botelho Moniz
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24740: Notas de leitura (1623): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24599: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (8): Bonjour tristesse!


Foto: © Luís Graça (2011)

Contos com mural ao fundo (8) >   Bonjour tristesse!

por Luís Graça (*)



Nada fazia prever, quando o Teodoro nasceu, que estaria predestinado a ser padre. Pelo menos não havia nenhum sinal exterior dessa predestinação, desse chamamento de Deus.

− Nenhum rasto de estrela ou cauda de cometa a apontar para a minha casinha de xisto. (Apesar de tudo, sempre era melhor do que a loja da vaca e do burro, em cuja manjedoura nascera o Menino Jesus, em Belém.) − comentaria ele, com um misto de ironia e melancolia, mais tarde, em 2008, quarenta anos depois da sua partida para França, onde fixara residência. Nunca mais voltara à sua aldeia,  na Serra da Lousã, a não ser então, depois da reforma.

Vinha de uma família serrana, pobre e humilde.

− O meu pai não era carpinteiro como José, mas um simples cantoneiro de limpeza, assalariado da Câmara Municipal, pago à semana ou à jorna, já não me lembro bem ao certo. E tínhamos umas leiras, em socalcos, roubadas à floresta, onde os meus pais faziam a horta…

Tinha cabelo ruivo e olho esverdeado.

− Chamavam-me o “Rucinho”. Jesus era moreno, de olhos e cabelos pretos, como qualquer palestiniano, segundo rezavam os livros. − brincava ele, ao evocar os tempos em que andara  no seminário, chegando a subdiácono, e depois fora expulso,  ao se descobrir que "vivia amancebado e tinha fugido para França"...

Teodoro era oriundo da Beira Litoral. Nado e criado na Serra da Lousã, era o penúltimo de seis filhos, quatro rapazes e duas raparigas. Nasceu em meados de 1944, a nove meses do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa.

No início dos anos 50, já havia sinais, embora pouco percetíveis, de desertificação das aldeias das serras da Lousã e do Açor, fenómeno que se veio agravar a partir da década seguinte. E em 2008, na sua aldeia,  haveria apenas três ou quatro velhos, um dos quais tinha andado com ele na escola.

Nos anos 50 havia escola na sede da freguesia, num edifício construído pelo Estado Novo.

− E, claro, bandos de putos, de pé descalço, a cheirar a tojo, a urze, a resina e a fumo, uma das imagens poéticas que irei guardar de minha infância pobre, mas apesar de tudo livre e feliz.

O professor de instrução primária achava que era uma pena o seu melhor aluno perder-se nos caminhos da vida, o mesmo era dizer, nos trilhos da serra. Ou nas sete partidas da emigração. Afinal, o que é que poderia esperar do futuro se lá ficasse depois de tirada a quarta classe? 

− Quando muito, vir a ser lenhador ou ajudante de madeireiro como o meu mano mais velho, pastor de cabras ou ovelhas como o meu primo, talvez cantoneiro de limpeza como o meu pai, ou até na melhor das hipóteses guarda-rios  ou  guarda-florestal, com direito a farda, arma e licença de porte de arma, enfim, uma autoridade como sonhava a minha pobre mãe, que Deus já lá tem. Mas o mais provável era a fazer a trouxa e correr mundo, com aconteceria mais tarde com os meus irmãos e os meus vizinhos. 

E num aparte, acrescentou com tristeza:

− Coitada, morreu cedo, a minha mãe. E foi seguramente para o céu, mesmo não sabendo ler nem escrever.

Não, o seu destino seria mais nobre: “ Servir Deus na Terra, ser pastor de almas”… A expressão era do seu pároco, que fazia o favor de ser amigo da família e seu protetor. Mesmo franzino, o Teodoro já ajudava à missa, depois de feita a primeira comunhão.

O professor também achava que o seu “Rucinho” (era assim que o tratava com solicitude paternal) já estava predestinado ao magistério divino, embora tendo nascido numa família “pobre, mas honrada”.

− Sim, porque nem todos os pobres eram honrados, havia-os pobres e mal agradecidos − lembrava o professor nas aulas numa turma de pés-descalços.

Com uma cunha do seu amigo e condiscípulo de seminário, o bispo castrense, o seu querido aluno Teodoro haveria de entrar num bom seminário, de modo a fazer jus ao seu nome (do grego Théodoros, “dádiva de Deus”).

− Que seja tudo para glória de Deus e a bem da Nação ! − proclamou o mestre-escola, fazendo instintivamente a saudação romana, no final do seu discurso de homenagem e de despedida do Teodoro.

E, dirigindo-se diretamente ao “filho do cantoneiro”, fez questão de desejar-lhe um futuro auspicioso.

− E quem sabe se ainda não hás de chegar a cónego ou até bispo, honrando a tua família e a nossa terra… e, já agora, este teu humilde e dedicado professor ?!

Os pais do “Rucinho”, como ele era conhecido na aldeia, sorriam timidamente, disfarçando, mal, uma pontinha de natural orgulho, enquanto o pároco, impaciente, aguardava a sua vez de falar a seguir ao professor, perante a turma e o escasso povo que àquela hora ali se juntara, desbarretado e de pé, para ouvir dos caciques da terra a decisão sobre o futuro de um dos seus filhos.

O padre começou por se dirigir ao casal, pais do “feliz contemplado”:

− Queridos pais, não chorem a não ser de alegria. Para além da honra, é uma prova de gratidão. Dar um filho a Deus é retribuir-lhe o milagre da vida, e vós sois ricos, Deus deu-vos logo seis rebentos!

E, depois, virando-se para o “herói da aldeia” (o primeiro rapaz que saía para ir estudar):

− Meu menino, está decidido. Vais para o Seminário Menor,  da diocese de Lisboa. Eu e o teu professor chegámos à conclusão que era o melhor para ti.

Estava traçado o destino de Teodoro. E, a seguir, o padre aduziu algumas das razões da bondade da escolha. Por um lado, os pais não o podiam mandar para o liceu, e o mais perto era Coimbra. Por outro, nos seminários do Patriarcado de Lisboa, "comia-se bem":

−E tu, rapaz, estás a crescer, precisas de comer bem!

Toda a gente se riu. Mas o santo homem prosseguiu o seu discurso:

− Eles têm mais recursos do que a nossa diocese. Depois têm bons professores. E estão bem relacionados. Lisboa é a capital do império e é lá também que está o capital… Mas, não menos importante, são um rebanho que está sob o cajado de um bom pastor.

− … Sua eminência reverendíssima o Senhor Cardeal-Patriarca Dom Manuel II. Um dos grandes príncipes da Igreja Católica, Apostólica, Romana − atalhou o professor, interrompendo intempestivamente o representante de Deus.

Não perdendo o fio à meada, o pároco também reforçou a sua admiração pelo Cardeal-Patriarca Manuel Cerejeira:

− … que ainda poderá chegar a sentar-se na cátedra de São Pedro, se for esse o desígnio de Deus. Seria uma grande honra para Portugal e para a nossa Igreja!

O Teodoro não tugiu nem mugiu. Ainda não tinha direito à palavra nem estava pronto para tomar decisões sozinho. Mas, aparentemente, mostrava-se resignado com o destino que Deus e os seus representantes na terra lhe haviam talhado. Só disse, que sim, baixinho, que ia “ser um menino bem comportado para contento de todos”…

O professora preparara gratuitamente o Teodoro para o exame de admissão ao liceu, que ele fez com brilhantismo em Coimbra.  Quando o júri lhe perguntou pelos rios e serras de Portugal, não falhou nem uns nem outros, mesmo que só conhecesse um rio (o Mondego, além do Ceira, claro, que corria à sua porta), e uma serra, a sua, a da Lousã (e, muito ao longe, a Serra da Estrela, que era a mais alta de Portugal continental).

Estavam ali os dois velhos caciques da terra (faltava o terceiro, o regedor). Eram velhos amigos (ou estavam condenados a sê-lo):

− Se fossem bois, dificilmente formariam uma junta capaz de trabalhar em equipa sobre a mesma canga − recordaria muito mais tarde, com saudade, o Teodoro, quando soube da notícia da morte de um deles.

Na realidade, raramente estavam em sintonia, dadas as personalidades fortes de que eram dotados, e os estreitos horizontes em que viviam, emparedados entre serras desde os anos 30.

"Germanófilo" (a expressão era do Teodoro), o professor tinha seguido, com sentimentos contraditórios, entre a euforia e a depressão, os altos e baixos da sorte das armas na Segunda Guerra Mundial. E, na escola, todos os meninos haviam chorado a morte do Hitler. A bandeira nacional ficara a meia haste mais do que os três dias do luto nacional, decretado pelo Governo. Uma decisão “por conta e risco do professor”…

O padre não gostou, mas também não comentou. 

Afinal, cada um tinha a sua jurisdição. Cada galo no seu poleiro. E a Deus o que era de Deus e a César o que era de César. Dentro da igreja e no adro, mandava ele. 

 É verdade que não morria de amores pelo Hitler, só queria que a mortandade da guerra acabasse. E que os pobres dos refugiados pudessem voltar às suas casas, mesmo destruídas.

Naquele tempo, as notícias do horror de Auschwitz e dos demais campos de concentração ainda não tinham chegado à Serra da Lousã, mesmo que ali tão perto da cidade dos doutores (pelo menos em linha reta).

Mais do que o padre, o professor era "um indefetível de Salazar" (sic). E do Estado Novo. Mas já sem grandes ilusões... e sobretudo ambições políticas a nível pessoal, uma vez gorada a possibilidade de integrar em 1938 a lista única de deputados à Assembleia Nacional.

Fora injustamente acusado por inimigos políticos da Lusa Atenas (Coimbra), de na sua juventude, na escola do magistério primário, ter distribuído propaganda dos Nacional-Sindicalistas, o partido de Rolão Preto (que se situava à direita de Salazar, e chegou a ser seu rival e a estar preso e, a seguir, ser exilado. em 1934).

Ir para Lisboa e ser deputado era o seu sonho. 

Estava deveras  esperançado na cunha do Professor Bissaya Barreto, amigo do seu avô materno (ambos naturais de Castanheira de Pera). Membro da União Nacional, depois da cisão dos Integralistas Lusitanos, remeter-se-ia ao "autoexílio da Serra da Lousã" (sic), sentindo-se um lídimo e legítimo descendente dos Viriatos. E "pronto  a combater, com as armas da fé e da razão, os novos grandes inimigos da civilização cristã e europeia, a oeste o capitalismo americano e a leste o bolchevismo soviético".

Portugal felizmente tinha sido poupado à hecatombe, lembrava o pároco, graças ao "génio político e diplomático do Salazar, um beirão como ele" (citação do Teodoro).

Em 1954, o Teodoro tem 10 anos. O seu professor está, entretanto, com 45: solteiro, sem filhos, era um homem amargurado e precocemente envelhecido. Para mais um acidente há uns anos atrás, no tempo do irmão mais velho do “Rucinho”, havia manchado a sua carreira e quiçá a sua reputação.

Como era norma na época, vigorava na escola a pedagogia da violência e da dor, personificada na Santíssima Trindade: a menina dos cinco olhinhos, o ponteiro e a pesada manápula do/a professor/a. A um dos seus miúdos, o professor dera um chapadão. O aluno, “cábula”, de frágil constituição, e para mais “filho de fraca gente” (sic), desequilibrou se e bateu com a cabeça na esquina da carteira, revestida com cantoneira de ferro.

Ficou com um hematoma subdural, a que ninguém ligou. 

Nada que preocupasse o professor ou os pais. Nódoas negras no pescoço, braços e pernas era coisa que não faltava na "canalha".  Dias mais tarde caiu, na sala de aulas, no chão, redondo, inconsciente. Levado para casa, numa padiola, ficou de cama uns dias, com panos de água fria e rodelas de batata na cabeça.

Chamado à cama do doente, que gritava desalmadamente com dores agudas na cabeça e febre alta, o médico municipal torceu o nariz e achou por bem mandá-lo para o velho hospital universitário de Coimbra, onde pelo menos havia um aparelho de raio X. 

 Vinte e quatro depois, a criança morreria.

O inspetor escolar, vindo de Coimbra, lido o relatório da autópsia, e torcidos os fartos bigodes,  não estabeleceu nenhum nexo de causalidade entre a alegada bofetada do professor (falara com alguns alunos que haviam presenciado a cena, além dos pais), a queda do miúdo e a sua morte uns dias depois.

O professor foi ilibado, para bem da Nação e da corporação.

Mas o caso fora comentado na aldeia, nas redondezas e até na vila, para embaraço do professor (e do padre, que optou pelo silêncio cúmplice).  tanto mais que eles eram reconhecidamente as autoridades morais e espirituais daquela comunidade serrana. Acabou por prevalecer, como sempre, a velha lei do silêncio. Já que “na Serra da Lousã, desata a língua à noite e cala-te pela manhã”.

− E o próprio tempo encarregou-se de apagar a memória do pobre Inocêncio (era o nome do colega do meu irmão mais velho). Mas o meu professor, coitado, esse  nunca mais seria o mesmo.

"Roído pelo remorso", sentindo-se culpado, no seu íntimo,  pela morte do aluno, ajudou a pobre família a fazer o luto, deu-lhe inclusive algum apoio monetário, e sobretudo jurou a si próprio que nunca mais usaria a violência física nas aulas. 

 E cumpriu.

− Talvez isso ajudasse a explicar, pelo menos em parte, o carinho paternal que ele sentia por mim, e por mais um ou dois dos seus alunos, naturalmente, o reduzido lote dos melhores alunos, o “pelotão da frente”.

Nesse dia, no já longínquo ano de 1954, memorável para a aldeia, houve uma merendinha, ao fim da tarde. Cada família ofereceu um pouco do que tinha no fraco fumeiro (um enchido ou outro, guardado na talha de azeite) e na minguada salgadeira (onde se guardava então o porco, quem o criava e matava, e que era a "arca frigorífica dos pobres", muito antes da eletricidade chegar à serra) . E a mãe do Teodoro cozera pão com torresmos no forno. Assinalava-se assim festivamente o fim do ano escolar e a ida, para o seminário, do melhor aluno do mestre-escola.

O padre (“um homem simples, santarrão, mas bom garfo e melhor copo”, segundo o retrato feito pelo Teodoro), sorriu de orelha a orelha, feliz por ver o seu pequeno rebanho ali junto, aconchegado, e de barriga farta.

O mestre-escola tinha contribuído com algumas guloseimas para a "canalha", trazidas da vila. Ele era de Vieira do Minho, de uma família nobre, do lado do pai, “de boa cepa miguelista mas arruinada”.

Um e outro, o professor e o padre eram amigos, ambos monárquicos, mas nem sempre sabiam disfarçar as suas diferenças e desinteligências em questões de fé, de ciência, de história e até de política.

O professor às vezes gostava de lembrar por brincadeira (ou “por maldade” ?), a origem do padre. Era de Belmonte, terra de “judeus ex-comungados”, “marranos”, “cristãos novos”…

Mais subtil, o vizinho sorria com bonomia. Vingava-se chamando-lhe “camisa azul”, o que tinha o condão de irritar o antigo seguidor, “em má hora” (sic), arrependido, do Rolão Preto.

− Mas, no fundo, entendiam-se, estavam bem um para o outro e cultivavam uma relação de amor-ódio, exacerbada pelo celibato, a solidão e a miséria da aldeia, perdida na serra − concluía o Teodoro.

O professor era o único que tinha rádio, a par do homem da “venda”. 

E recebia alguns jornais e revistas da capital. Tirando o padre, o comerciante (um antigo combatente em França da Primeira Guerra Mundial, que também era o regedor), o carteiro, um ou outro guarda-florestal, ou até algum almocreve que se aventurava pelos caminhos da serra, com os sacos de sal para as salgadeiras (mas também com as notícias e os mexericos do exterior), não tinha ninguém com quem pudessem ter uma conversa, “decente, cristã e civilizada”. 

A "revolução nacional" ainda não chegara à aldeia, tirando o edifício da escola e o lavadouro público. Ao fim de semana, iam à caça. Era o seu único vício, para além da boa mesa. E a eles juntava-se por vezes o médico municipal, que morava na vila.

Depois de a sua mãe ter morrido, cedo, o padre passou a ter uma criada. Viúva, sem filhos, como convinha, mas que fazia a melhor chanfana da Serra da Lousã. Uma vez por outra, o padre e o professor iam à vila para tratar de assuntos de serviço. Deslocavam-se de motorizada, o professor, ou num velho Ford T, o padre. A estrada era macadamizada, cheia de buracos. O padre já se queixava muito da coluna, e agora só raramente dizia missa fora da sede da freguesia. E ainda tinha a secreta esperança de ver o seu "Teodorozinho" herdar-lhe o púlpito. Em tempos, na sua juventude, era o melhor pregador da Quaresma de toda Serra da Lousã e até da Serra do Açor. Mas, desgraçadamente, perdera o dom da palavra. E já ninguém o requisitava para as cerimónias da Semana Santa, fora da sua paróquia.

− Deus o dá, Deus o tira  − resignava-se ele.

− Coisas de velho! – rosnava a criada.

O Teodoro frequentava a casa paroquial nas férias. Seguramente era a melhor casa da aldeia e já tinha dado guarida ao bispo de Coimbra e a um ou outro lente da velha universidade de Coimbra, atraídos pelos bons ares da Serra, que faziam bem aos pulmões, pela caça e pela chanfana e pelo cabrito da “viúva do abade” (como galhofava o professor, não sem uma pontinha de ciúme),

O professor tinha casa de função, mas almoçava habitualmente na “venda”, o único estabelecimento comercial da aldeia, misto de pensão, casa de comidas, taberna, mercearia e posto dos correios. Fazia os melhores pratos de caça e de cabrito.

Defraudando logo no início as expectativas do mestre-escola e do padre, o seminarista Teodoro foi um aluno mediano. 

Fazia questão de justificar-se, com a adaptação a um ambiente completamente novo e estranho onde, no refeitório e nas aulas, se aprendia a comer de garfo e faca e a saber falar com os ricos. Escapava à tirania dos extremos, “os muito maus e os muito bons”, dizia ele.

Por outro lado, não pertencia ao grupinho dos “manteigueiros". os que "davam graxa aos padres” (sic). E que eram os meninos bonitos dos prefeitos e dos professores. Ali ninguém mais o tratava por “Rucinho” ou “Teodorozinho”. E a competição era grande pelas boas graças de Deus e dos seus poderosos representantes na terra.

Aos alunos com mau aproveitamento escolar, descartavam-nos logo ao fim do primeiro ou segundo ano. Punham-lhes lá fora o baú com os parcos haveres (lençóis, camisas, cuecas, botas…),  à porta do seminário, e recambiavam-nos de volta às agruras da vida nas suas aldeias ou vilas. Só lhes interessavam os bons e os muito bons alunos, os outros ficavam caros à Igreja da diocese e aos seus beneméritos (entre eles algumas senhoras piedosas, esposas de grandes agrários do Ribatejo que em dias de festa deixavam uma boa esmola ao senhor reitor).

De uma colheita de cem, talvez um chegasse à meta, ou seja, tivesse a graça divina de ser ordenado sacerdote.

− Meus filhos, sois muitos os chamados, mas poucos os escolhidos – resignava-se o venerando reitor a quem os seminaristas chamavam a “múmia”, de tão velho e mirrado… E de quem se dizia que era um heroico sobrevivente das lutas assanhadas da República contra o clero e os seminários.

O Teodoro era tímido e “tanso” (sic), mas vingava se no futebol. 

Era “sarrafeiro”, embora sempre leal, não se atirava para o chão quando perdia a bola, simulando uma falta. Era persistente, sabia sofrer, mostrava valentia, respirava saúde. A última coisa que o seminário queria era gente "fraca dos pulmões". Eram tudo qualidades que os “olheiros” dos professores e prefeitos valorizavam… 

Tinha "Bom" a comportamento. Também não era mau no latinório, sendo condição imprescindível para ingressar na teologia, no sétimo ano, o latim e o grego.

Aprendera cedo a andar em rebanho com as outras “ovelhas do Senhor”, procurando nunca se tresmalhar. Ou não tivesse ele também aprendido a apascentar as cabras do tio.

Pedia, por outro lado, ter sido selecionado para a “Schola Cantorum”, o coro dos meninos da igreja, constituído pelas melhores,  as mais puras vozes infantis ou "vozes brancas"... Era um lugar disputado porque um privilégio,,, Mas as hormonas do crescimento traíram-no.

− A minha voz já estava precocemente a mudar. Tinha boa voz, ouvido musical, assobiava muito bem, sabia imitar os pássaros, do pombo bravo ao rouxinol… Mas de que é que isso servia, todos esses saberes serranos,  a um futuro padre ?

Saber falar em público também era uma das qualidades apreciadas num sacerdote. Não era um dos pontos fortes do Teodoro. Faltava lhe também a sofisticação dos meninos da cidade, o seu ar serrano ainda se colava à pele, como a resina dos pinheiros quando andava à caruma. Também não escrevia muito bem, embora sem grandes erros de ortografia. Precisava de ler mais, recomendava-lhe o professor de português.

Não guardava, de resto, as melhores recordações dos primeiros anos do seminário, bem pelo contrário. Um dia havia de passar ao papel,  depois de se reformar,  as suas memórias de infância e adolescência.

Em 1957, aos 13 anos tinha apanhado a gripe asiática. 

Fecharam as portas do seminário, logo no início do ano letivo de 1957/58, mandaram toda a gente outra vez  para casa. Muitos anos depois, ainda não sabia como chegara a casa, na Serra da Lousã. A arder em febre,  fora levado para a aldeia no dorso de um burro com o pai pela arreata, depois de chegar de comboio, do ramal de Coimbra-Lousã. O padre, alertado pelo homem da “venda” (o único que tinha telefone), não podia ir buscá-lo no seu Ford T. A essa hora tinha um enterro de um vizinho de uma aldeia próxima.

Chumbou no 3º ano, por doença. 

Esteve na enfermaria, por diversas vezes, e teve que ser internado no hospital da misericórdia (com ida inclusive ao Hospital de São José, em Lisboa) sem os médicos atinarem com o raio da doença. Afinal, era uma doença do crescimento. Os padres deram-lhe a possibilidade de repetir o ano, depois de umas longas “ férias forçadas” na casa paterna,

1958 foi outro ano de terror, com o comício do general Humberto Delgado na praça defronte  ao seminário. 

Os padres puseram toda a gente encafuada na igreja, a rezar em voz alta, de mãos viradas para o céu. Uma cena lancinante ("hoje hilariante", recordava o Teodoro)... Mais tarde, o reitor, com um sorriso estampado na cara de múmia, deu no refeitório a grande notícia esperada e desejada pela Santa Madre Igreja: o senhor contra-almirante Américo Deus Rodrigues Thomaz era o novo presidente da República!

Contra todas as expectativas, o Teodoro chegou ao fim do curso de teologia e recebeu a ordem de subdiácono.

Era “lutador e marrão”, lembrava um dos seus condiscípulos e um dos raros amigos que conseguiu fazer ao longo daqueles anos todos.

Nunca teve propriamente uma crise de vocação. Teve naturalmente alguns momentos em que foi posta à prova a sua fé e, por tabela, a sua vontade de se dedicar inteiramente a Deus, o que significava não conhecer mulher, não se casar e não ter filhos.

Talvez a maior provação, que podia ter levado a uma grave crise, foi justamente, no início das férias grandes, no verão de 1958, aos 14 anos, depois do “grande susto das eleições do Humberto Delgado” (como ele recordava 50 anos depois)…

Esse momento (de dúvida, hesitação, provação ou tentação mais propriamente dita), ia-lhe custando caro, no final do 3º ano (que ele repetira, com sucesso). Já nas férias grandes, viajava ele de comboio, de regresso a casa na serra, devendo apear-se em Coimbra B e apanhar o ramal da Lousã.

Já era mais espigadote do que os outros miúdos. “Com 14 anos era já rapaz feito”. E não era mal apessoado, com ar de “irlandês” (quem sabe se descendente de algum dos pobres soldados levados pela corrente do rio Ceira, no combate de Foz do Arouce , em 15 de março de 1811, durante a retirada de Massena, no final da terceira invasão francesa).

− Mas, desembucha… Que desgraça, afinal, que é que te aconteceu ou que susto apanhaste?

− Vi o rabo a uma rapariga empoleirada na janela do comboio.... A dizer adeus,  muito efusivamente,  a alguém (talvez um rapaz, imaginava eu), que estava do lado de fora, na plataforma da estação…

− Onde ?

− No Entroncamento.

− E depois?

− Não tinha cuecas…

− Como assim ?

O Teodoro reconstitui-me esta “cena do pecado” de que ainda tinha uma viva memória, ao fim de meio século: ficou vermelho como um tomate saloio quando ela, que estava de costas, se voltou… e fez questão de se sentar, mesmo à sua frente. Percebeu que ele estava ruborizado, sorriu “matreira como o diabo” (sic). Estavam sozinhos os dois, cada um no seu banco de pau corrido, numa carruagem de terceira classe da CP - Caminhos de Ferro Portugueses.

− Então, ela levantou-se ligeiramente. Abanou o rabo, ajeitou a saia e, com as pontas de dedos, como se fossem pinças, foi-na puxando muito lentamente para cima, enquanto ao mesmo tempo afastava as pernas…

− Uma cena de sedução, altamente erótica, ó Teodoro! − comentei eu. – Uma sessão de strip-tease privativa para o padreco!

− Então ela diz-me candidamente: Bonjour tristesse ! (#)

Ele percebeu, com o seu já razoável francês do terceiro ano, que ela era francesa… Ficou tão envergonhado que não conseguia dizer-lhe mais nada do que um tosco, desajeitado “Excusez-moi, madame!” (queria dizer “mademoiselle”).

Ela notou que ele ficara tão perturbado que desatou a rir a bandeiras despregadas… E logo a seguir, tranquilizou-o num português do Brasil com “accent parisien”:

Joli garçon!... Não seja bobo, menino!... Meu nome é Carol. E o seu ?

Mais calmo, o Teodoro e ela foram a conversar como se já fossem “velhos amigos”, misturando palavras em francês e português… 

Ela era estudante, vinha para um curso de verão, já falava razoavelmente o português, tinha família no rio Grande do Sul, e queria ser tradutora-intérprete… Ele foi incapaz de dizer-lhe que andava a estudar para padre… Era mais velha do que ele talvez quatro ou cinco anos.

Saíram ambos em Coimbra B. E ela deu-lhe um beijo rechonchudo de despedida…Não usava batom, mas os seus lábios eram lava de vulcão!...

Que sortudo!... No comboio até à Lousã, não parou de saborear o prazer e a glória daquele efémero momento que ele bem gostaria de ter podido eternizar. Deu dois estalos na cara para se certificar de que não estava a delirar…

Mas à medida que se aproximava da serra da sua infância, era invadido pelas imagens do terror bíblico, a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, a ex-comunhão, os diabos pretos a chicotearem-no, as labaredas do inferno a reduzirem-no a cinzas…

Vade retro, Satanás! – gritou a plenos pulmóes, já cá fora, enquanto se metia a caminho, perfazendo os últimos quilómetros até casa, com a mala às costas, a suar como um touro.

Mal chegou, pediu intempestivamente ao pai para no dia seguinte ir roçar mato para castigar o corpo e “manter a mente sã”.

− Nunca falei disto a ninguém, a nenhum dos meus condiscípulos ou sequer amigos… Muito menos ao meu confessor e ao meu diretor espiritual que, felizmente, no ano seguinte,  já não eram os mesmos…

Mas nessas férias, "o raio do diabo, sob a forma da fogosa francesa, assombrou-o diversas vezes de noite"... Muitos terços lhe custou a penitència!

Continuou, entretanto,  a aprender a cultivar a doce mentira e o amargo cinismo da "santa casa".  Ao novo confessor, em Almada, só relatava os pecados veniais, os pecadilhos. Chegou ao fim do curso de teologia, ao 12º ano, aos 23 anos, subdiácono, com uma folha limpa. Só chumbara um ano, no 3º, por doença…

− Chegava ao fim (ou quase ao fim…) mas sem curriculum para poder aspirar um dia a ser cónego ou até bispo, como era desejo dos meus amigos e protetores, o padre e o professor da minha aldeia.

Foi um aluno médio em filosofia e em teologia.

− Havia gajos mais brilhantes do que eu.  que seguiram depois as suas vidas. Entraram no seminário e saíram quando melhor entenderam. Não desistiram nem foram expulsos, a meio do caminho. Entraram na universidade. Foram juízes, advogados, professores, um ou outro engenheiro ou médico. Nenhum quis ser padre, eu devo ter sido uma segunda ou terceira escolha de Deus. Refugo,  é o termo. Refugo de Deus.   Com direito a sotaina. negra como os corvos, e cabeção, como a coleira dos escravos.

O Teodoro não se sentia bem na sua nova pele.

O pai desgraçadamente morrera cedo de acidente de trabalho, na queda de uma ravina. Já não teve a alegria de o ver cortar a meta (cortar a meta não era bem o termo tinha chegado à praia depois de um longo naufrágio; não queria morrer na praia, para mais, não sendo marinheiro nem sabendo nadar, afinal, não passava de um serrano mal preparado para enfrentar por sua conta e risco o mundo e os seus perigos).

Tinha vivido numa redoma de vidro.

Pior do que isso, crescera no universo concentracionário do seminário, mesmo que, com o tempo e a influência do Vaticano II, a instituição se tenha aberto mais à sociedade civil.

Discutiu muito com o seu diretor espiritual sobre o rumo a tomar ao fim de 13 anos. As raízes da sua vocação sacerdotal vacilavam como o ainda frágil castanheiro que o seu pai plantara no logradouro da casa de xisto, quando ele entrara no seminário?

Como sempre, o diretor espiritual não lhe pediu opinião. Sentenciou, lacónica e algo ameaçadoramente.

−Farás um compasso de espera de dois anos até que Deus te ilumine o caminho.

− E se Deus, que tem tanto que fazer, se esquecer de mim, um ser insignificante ?!

− Os caminhos, o relógio e o calendário de Deus não são os nossos. Vai à luta, enfrenta e vence as tentações do mundo… Deus mandar-te-á chamar quando sentir que estás pronto… Está atento aos seus sinais.

Aos 23 anos, o Teodoro sentia-se "um soldado de Deus,  desarmado e desorientado". 

Na Serra não precisava de bússola sabendo onde o sol nascia e onde se punha... Sabia onde ficava o castelo de Arouce, onde ia “brincar às guerras dos cristãos e dos mouros”, enfim, conhecia todos os trilhos, como as palmas da sua mão, as árvores que tinham ninhos, os melhores castanheiros, as melhores fontes de água pura e cristalina… Mas o mundo era mais vasto do que a sua Serra. E sobretudo mais confuso e traiçoeiro.

Sair do seminário não lhe convinha. 

Em 1967, aos 23 anos, tinha pela frente uma pista cheia de obstáculos: a tropa, a guerra colonial, a incerteza do futuro. Sabia que dentro das quatro paredes, mesmo claustrofóbicas, do seminário, estava "são e salvo". E que se perdesse esse vínculo, quase feudal, mas umbilical, os padres mandavam-no  logo para a tropa. Como acontecera com todos os seus antigos condiscípulos (alguns tinha-se safado para França).

Com a tropa e com a guerra,  hipotecava o seu futuro durante pelo menos três ou quatro anos. 

E ele tinha ânsia de viver, como o pássaro da sua gaiola de menino e moço que tinhas ganas de voar e fugir daquela prisão para sempre. Mas o Cerejeira e o Salazar tinha-lhe feito a cama.

− Se não queres ser padre, meu sacana, tu que andaste a chular a Igreja, vais então combater pela pátria − pensava o Teodoro com os botões da sua sotaina.

Tomou então a decisão mais prudente: até 69, tinha carta branca do Seminário Maior. E ninguém lhe pedia contas.

− Eram já as ondas de choque do terramoto do Vaticano II. Ainda não era o ciclone do século, era pelo menos uma tempestade de verão. O Vaticano II estava a provocar estragos naquela casa. As deserções eram muita, aumentando de ano para ano. Ficavam "os santos, os beatos e os malandros" (os que só pensavam na melhoria das habilitações literárias…).

O único problema é que não tinha um chavo no bolso, precisava de comer. beber, dormir, viajar… Pedir aos seus irmãos, nem pensar, preferia rebentar de fome…

Ofereceu os seus préstimos a alguns párocos e paróquias das dioceses de Lisboa e Setúbal. 

 Tinha uma carta de recomendação, mas poucos sabiam o que fazer com um subdiácono (uma ordem maior, tal como diácono, padre ou bispo, mas que o papa Paulo VI acabou por abolir passados uns anos, em 1972). Tinha que ler o breviário, não podia casar, etc. Mas o que é que fazia um subdiácono, na prática ? Não muito mais do que um acólito… Podia  coadjuvar o diácono, ajudar à missa, ler a epístola, dar catequese, fazer formação cristã e pouco mais… Eram, além sido,  atividades não-remuneradas. Não podia administrar os sacramentos. Com uma “cunha”, talvez pudesse dar aulas nalgum colégio particular ou até explicações…

Numa das paróquias encarregou-se da folha dominical, tirada a “stencil”. Noutra, passou a coordenar a JOC, a Juventude Operária Católica. Era uma terra de fábricas e bairros de lata e aqui começou a sua perdição: enamorou-se da Josefina, uma militante jocista, para mais legalmente menor, ainda não tinha atingido a maioridade (naquele tempo, aos 21 anos). 

O Teodoro não estava, política, moral e intelectualmente preparado para lidar com os problemas dos jovens operários católicos. A sua realidade, a dura realidade fabril,  era-lhe estranha: os salários de miséria, as condições de trabalho, os horários, as prepotências das chefias diretas, o trabalho de sapa dos sindicatos ainda clandestinos, a subversão comunista, a injustiça social, a angústia juvenil, as pulsões do sexo, o despertar das mulheres, a revolução, a guerra (o Vietnam estava ao rubro, mas também a Guiné, aqui ainda mais perto…)

Havia um mundo a desmoronar-se lentamente, o mundo que ele conhecia. 

Fora educado na cartilha da santíssima trilogia, Deus, Pátria e Família. E também não estava preparado para receber a notícia, confusa, do acidente que vitimara Salazar e que vinha criar um grande ansiedade entre os portugueses, a respeito do futuro do regime e do país, para mais em plena guerra do ultramar.

Da doutrina social da Igreja, só conhecia, estranhamente, a “Rerum Novarum” de Leão XIII, em vigor, setenta anos depois. Os novos ventos do Vaticano II começavam a chegar a Portugal, ainda sob a forma de uma brisa, pouco ameaçadora para um clero conservador e sobretudo amordaçado.

Começava-se a ouvir falar de “padres operários”, semi-clandestinos, tal como de “católicos progressistas”, à revelia da hierarquia da Igreja e da polícia política.

Josefina, uma rapariga destemida, para não dizer ainda imatura, temerária, apaixonada, generosa e solidária “até demais”, espicaçava-o com a experiência de “padre operário” qne ele tinha que fazer, mesmo sem autorização dos seus superiores hierárquicos. Foi ela que o empurrou para a fábrica.

O subdiácono Teodoro ("tímido e tanso", repetia ele...)  lá se encheu de coragem e arranjou então maneira de ir trabalhar numa das fábricas da CUF, de adubos, no Barreiro, no setor de cargas e descargas.

Havia já falta de braços, com a guerra e a emigração. O posto de trabalho não exigia grandes qualificações. Era um trabalho sazonal (e braçal) que rapidamente seria  abolido com a automatização dos postos, passados uns tempos. Deu apenas como habilitações a 4ª classe, e fez questão de esconder a sua condição de subdiácono, para não levantar quaisquer suspeitas. Mostrou as mãos, que não tinham calos, o que intrigou o técnico de gestão de pessoal que lhe fez a entrevista de recrutamento,. Puseram-no a ler um excerto de um exemplar do “Avante” clandestino (!)… Percebeu a marosca, leu devagar, com erros, sem emoção, como se fosse um pobre diabo com a 4ª classe mal tirada… Agarrou-ser ao emprego, com unhas e dentes, era o seu ganha-páo. Mas saía derreado da fábrica.

Há uns meses que já morava com a Josefina numa casa atamancada, sem água nem esgostos (a não ser uma retrete).

Primeiro viviam como “irmãos em Cristo”, e depois já “em pecado”. No bairro, e por causa dos mexericos da vizinhança, não se deu a conhecer como “padre operário”. Tinha que andar de balde na mão, acarretando a água do fontanário público. Estranhavam, mas não diziam nada, a presença ali daquele "senhor bem parecido"...

Grávida (não usava nem sabia o que era a pílula), a Josefina, em pànico, arranjou maneira de ir ter com uma irmã em França. Recusou.se a fazer um desmancho.. O Teodoro foi encostado à parede: “Era a mulher da sua vida (a primeira de resto com quem tinha dormido) e a mãe do seu filho”-

− Não a podia abandonar!... 

E aí definitivamente morreu nesse dia o padre que ele ainda não era de corpo inteiro.

Tirou o passaporte, arranjou maneira de ir a um congresso da JOC Internacional, em Billancourt, a “cidade vermelha”, meteu-se no comboio para Paris. Morria de medo de a PIDE o poder intercetar em Vilar Formoso, por alguma denúncia ou algum passo mal dado. 

Ia “fardado de padreco” e, como era ruivo, não parecia que era portuguès. Até à fronteira não abriu o bico. 

Respirou fundo, de alívio, quando lhe puseram o carimbo no passaporte.

No seu compartimento ia um grupo de emigrantes portugueses que, passada a fronteira, abriram o farnel e o garrafão. Disse então as primeiras palavras de português, quando o convidaram a partilhar do farnel… Que era, de facto, padre e que ia a um encontro religioso em Paris. Foi recebido com palminhas nas costas. Comeu, bebeu, dormiu, ressonou. Achou mesmo que se “enfrascou”, não estava habituado àquele “carrascão” trepador…

Josefina (aliás, Joséphine), ansiosa, estava à sua espera. Já de barriga grande. 

Trazia um grupinho de jocistas portugueses e franceses, seus amigos.  Não fora o diabo tecê-las, cantaram apenas as primeiras estrofes da Marselhesas, nada de baladas do Adriano de Oliveira ou do Zeca Afonso… Era a senha (combinada por telefone) para reconhecer a "comissão de boas vindas":

Allons, enfants de la Patrie! / Le jour de gloire est arrivé, / Contre nous de la tyrannie / L'étendard sanglant est levé!...  

E a contra-senha, dita por ele próprio, em francês:

Monsier l’abbé, soyez le bien-venue chez nous! (####)

Na imaginação fértil da Josefina havia bufos da PIDE por todo o lado, em Paris…

Epílogo:

O Théo (como começou a ser conhecido entre os novos amigos da Josefina, aliás Joséphine) ficará por França o resto da sua vida.

A sua situação legal e canónica só ficou resolvida após o 25 de Abril de 1974. O Seminário Maior deu conta da sua falta quando o subdiaconato foi extinto pelo Vaticano, em 1972. Soube-se então que ele tinha “fugido” para França e andava “amancebado".

Mais grave ainda, fora dado como refractário pela tropa.

O Exército andava à sua procura. A GNR foi bater à porta da casa paterna. Em vão. Também não sabiam dele os irmãos e vizinhos, que a mãe, essa, estava já acamada, com uma doença incurável… Foi expulso do seminário e o ministério do interior cassou-lhe o passaporte..

A mãe morreria em finais de 1973, de cancro.

Ele não pôde vir ao seu funeral. Sentiu uma enorme revolta pela "madrasta da pátria", a terra  que o vira nascer.  Incompatibilizou-se, entretanto, com os irmãos por “questões de lana caprina”, a fraca herança dos pais (uma casa de xisto, uns barracos, umas leiras e um pinhal). Só voltaria à sua terra em 2008, já “retiré”, reformado,  aos 64 anos.

− Filho desnaturado, eu me confesso!...

Veio mostrar  a um dos filhos e a alguns dos netos a serra, a sua terra, o cantinho onde nascera....

Infelizmente já não a reconheceu, à sua aldeia. 

Acabara por ficar com a casa paterna, dando tornas aos irmãos, espalhados pelo mundo. Quis-se reconciliar com o passado. Com as economias de uma vida e algumas ajudas (nacionais e comunitárias), estava a pensar restaurar a casa, de acordo com um plano da câmara municipal. Mas o filho e os netos não acharam grande graça às casas de xisto. Aquilo parecia o Portugal dos Pequenitos que tinham visitado em Coimbra. A Disneilàndia em Paris, isso, sim, era um mundo... Além do mais, os putos não apanhavam a internet na serra... Todos foram unânimes em preferir um apartamento na Figueira da Foz, para grande desgosto do pai e avò Théo.

A sua aldeia estava agora “gentrificada".

E só ganhava alguma vida no verão, quando a gente de fora, que não lhe dizia nada (de Coimbra, Figueira, Aveiro, além de estrangeiros) vinha abrir as portas e as janelas das casas...

Gentrifiée, c’est çá ?!... Gen-tri-fi-ca-da… É o mesmo fenómeno que se verifica, no campo e na montanha,  em França, há muito mais anos…

Tinha-se separado da Joséphine, “a mulher da sua vida".

Vivia agora só. E já longe de Paris, que se tornara demasiado cara e complicada para ele, “que ia para velho”… O seu planeado regresso a Portugal seria adiado. Foi ao alto da serra dar uma vista de olhos: foi  uma dor de alma vê-la tão desfigurada pelos incèndios das últimas décadas. 

A sua vida em França não tivera nada de exaltante. 

Os franceses, no final dos anos 60, precisavam eram de trolhas para a construção civil e “des ouvriers spécialisés” (OS) para as linhas de montagem automóvel… Quando ele lá chegou ainda sonhava com um emprego limpinho, de fato e gravata, mesmo mal pago a mil francos… E os “padres operários” também morreriam cedo, com o fim das utopias do maio de 68 (que ele já não apanhou, nem sequer os restos das pedras da calçada). 

Continuou católico mas pouco. 

Foi fazendo filhos (quatro), com uma vidinha regulada pela tríade “metro-boulot-dodo” (casa-trabalho-casa). Âs vezes dava-lhe para procurar, entre a multidão, o rosto da Carol, a atrevida francesa que fez, com ele, "a viagem de comboio da sua vida", entre o Entroncamento e Coimbra. 

Só mais tarde, passados uns bons anos, é que descobriu, numa livraria parisiense, a romancista Françoise Sagan, a autora do “Bonjour tristesse!”… Muito provavelmente era o livro que a Carol tinha pousado no assento do comboio e que estaria  a ler durante a viagem…

Nunca me falou dos empregos que teve. 

Deixou Paris, por volta dos 40 anos de idade, veio mais para o “Midi”, o sul… E numa pequena cidade de província, com uma razoável comunidade de patrícios, montou um negócio por sua conta: uma loja de queijos e vinhos portugueses, "uma provocação para o chauvinismo dos franceses (que fazem gala de ter os melhores queijos e vinhos do mundo")… 

A princípio dava para as sopas, mas a pouco e pouco a qualidade do queijo da Serra e de alguns dos nossos vinhos DOC começou-se a impor-se… Ao fim de uns anos, não estava milionário mas vivia bem. Conseguiu pôr os filhos a estudar na universidade. Os netos nunca aprenderam a falar o português, não se reconheciam, por isso, na terra do avô e da avó (esta, da Estremadura).

Quando, no verão de 2008, se despediu da sua antiga aldeia (agora uma das famosas "aldeias de Xisto" da Serra da Lousã), numa tarde com um magnífico pòr do sol, mas com o pesado pressentimento de que nunca mais lá voltaria, lembrou-se de novo da frase da Carol / Sagan e, prafraseando-a, teve um ataque de choro, c0mpulsivo, exclamando, de braços abertos:

− Bonsoir... tristesse!!! (##)


© Luís Graça (2023)

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Notas do autor;

(#) Bom dia, tristeza 

(##) Boa tarde, tristeza! 

(###) Avante, filhos da Pátria, / Chegou o dia da glória, / Contra nós se ergueu / O estandarte ensanguentado da tirania. 

(####) Senhor padre, seja bem vindo à nossa casa.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24572: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (7): Sozinho, como um cão