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sábado, 18 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24076: In Memoriam (469): Manuela Gonçalves (Nela) (Castelo Branco, 1946 - Caldas da Rainha, 2019), professora aposentada, cooperante, esposa do ex-alf mil, Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60, 1969/70, vítima de mina A/C , em 13/11/1969, na estrada São Domingos-Susana


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Rio Cacheu > 1981 > A caminho de Ingoré... A Nela, turista, de perfil...Aqui com os filhos 
.


Guiné-Bissau > Bissau > 1982 >  A Nela, cooperante,  e os filhos...


Cortesia do seu blogue Viagens, Fotos e Palavras 
(https://viagensdanela.blogspot.com/)


1. Há muito que não tínhamos notícia da nossa amiga Manuela Gonçalves (Nela), que residia as Caldas da Rainha, professora do ensino secundário, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes (o segundo, por ordem cronológica) do Pel Caç Nat 60 (criado em São Domingos em 1968).

Foi a primeira, ou uma das primeiras mulheres, companheiras de camaradas nossos, a integrar a nossa Tabanca Grande. Não eram (nem são)  muitas, contam-e pelos dedos... O marido (o "maridão", como ela o chamava) foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1969/70): o Nelson Gonçalves foi vítima de uma mina anticarro, nas imediações de Nhambalá, na estrada São Domingos-Susana, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (*).

Infelizmente, confirmámos há dias que a nossa amiga, que estava reformada e era avó , já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves". Confirmámos a notícia noutra fonte: segundo a AgênciaNeves - Serviços Funerários, das Caldas da Rainha, a nossa amiga Nela, de seu nome completo, Maria Manuela Fernandes Gonçalves , nasceu a 12 de dezembro de 1946, em Castelo Branco,  e morreu, nas Caldas da Rainha, em 2 de setembro de 2019. Era casada com Nelson Gonçalves, mãe de Tânia Manuela Gonçalves e do  Nelson Alexandre Gonçalves.

Daí a razão de ser deste In Memoriam (**). 

Apaixonada por viagens à volta do mundo, escrevia no blogue Viagens, Fotos e Palavras, em 26 de janeiro de 2019: 

"Faltam-me Tantos Países Para Visitar....Visitei 37 países das Nações Unidas (19.1%) num total de 193"... (Do México ao Japão, da Guiné-Bissau à Suécia, do Brasil à Índia, de Marrocos à África do Sul, de São Tomé e Príncipe a Moçambique, do Reino Unido à Itália...).   Seria já uma despedida ?... Aliás, é em meados desse ano, 2019,  que os seus blogues ficam inativos.


2. A Nela manteve ao longo do tempo da sua vida ativa (e depois na reforma) diversos blogues (nada menos que seis) e seguia muitos mais (cerca de duas dezenas e meia), incluindo o nosso, blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné e o blogue do Pel Caç Nat 60, criado pelo Manuel Seleiro.

Na altura, em 1970,  a Nela, jovem estudante universitára, a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,  e então namorada do Nelson, viveu a guerra à distância, com a morte na alma (***)... 

Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com o marido e os seus dois filhos pequenos, em 1981, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Viveu lá, na Guiné-Bissau, em 1981/82 (***)... 

Mais tarde, no início de 2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente, e mais do que isso mantinha nessa altura o seu próprio blogue: Caminhos por onde andei...(infelizmente já descontinuado, não foi sequer capturado pelo Arquivo.pt) (****).
 
No seu perfil, no Bogger, definia-se nestes termos: "Mulher, sempre pronta a fazer malas e partir... com uma máquina fotográfica, uns livrinhos e, claro, de tenis... Também gosto de dar a minha opinião... e não prescindo dos meus direitos".

Era natural de Castelo Branco. Viveu e trabalhou nas Caldas da Rainha. Um abraço na dor ao marido (e nosso camarada Nelson Gonçalves, de quem não temos nenhum contacto), filhos  e restante família.

Requiescat in Pace, Nela!


(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [o NEpson Gonçalves] e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60,  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial.  A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



Sábado, Janeiro 7, 2006

Guiné- Bissau (1)

Esta noite, ao navegar pelos blogs que visito habitualmente, fui parar , através de hiperligações de posts, ao Blogue Fora-Nada, que reúne documentos e memórias de ex-combatentes da Guiné-Bissau!

Não fui combatente na Guiné, mas esses caminhos foram percorridos por mim de modo e tempo diferentes... Tornaram-se mesmo decisivos na minha vida de jovem estudante universitária rebelde , namorada de um alferes miliciano que para ali fora enviado para a guerra , mais tarde meu companheiro de vida (já lá vão 35 anos) e de mulher e mãe, que considerou importante ir para Bissau, como cooperante!

A Guiné dos aerogramas despertara um desejo imenso de conhecer a Guiné das bolanhas, das tabancas, dos mosquitos, dos rios e pântanos e das gentes que ali viviam, dos felupes, dos mandingas, dos papéis, de Amílcar Cabral, dos guerrilheiros do PAIGC...

Nunca tinha aceite a Guerra Colonial, mas uma vez que ela tinha entrado nas nossas vidas abruptamente e deixado incapacidades físicas ao maridão, senti uma vontade imensa de viajar para aquele pequeno país e conhecê-lo bem!

Era como que uma necessidade intrínseca de compreender bem uma etapa importante da vida vivida pelo companheiro de route!

Bissau, Bafatá, Mansoa, São Domingos, Ingoré eram locais que precisávamos (re)visitar.

E fomos lá! Também os nossos filhos nos acompanharam , crianças ainda, viram e pisaram as picadas que, anos antes, o pai cruzara, sempre alerta! Agora podíamos circular livremente, apesar do mau estado das estradas, mas em paz e liberdade!

Gostei da Guiné-Bissau! Voltar lá foi um modo de "exorcizar" fantasmas de guerra que habitavam a nossa casa! (...)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)


Foto nº 1A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > Março de 1970 > 1º cabo Seleiro à porta da sua morança. Faltavam-lhe dois meses para acabar a sua comissão de serviço... Mas só sairá da tropa em 1975... Uma mina vai-lhe mudar alterar completamente a sua vida e os seus sonhos...


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > 1970 1º cabo Seleiro à porta da sua morança, "cinco dias antes do acidente" (sic), com a mina que lhe roubou a vista e as mãos. (Claro que não foi em "acidente", foi "em combate"...)


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d >  Esta foto foi tirada junto à porta da arrecadação do velho quartel de S. Domingos. A foto mostra três minas A/P em situações diferentes. A primeira está fechada e pronta a ser acionada. A segunda está aberta, vê-se a dinamite e o mecanismo. A terceira está aberta,  vê-se todo o mecanismo desmontado."


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d >  A DO-27 na pista de São Domingos. Foi numa avioneta destas que veio a  enfermeira paraquedista (Maria) Ivone Reis (1929-2022):  foi ela quem assistiu os dois feridos da mina, em 11 de março de 1970, o Seleiro e o Guerra, na evacuação Ypsilon.

Escreveu o Hugo Guerra, hoje cor ref DFA: 

(...) "Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto… Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...) (*)


Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O Manuel Seleiro passou a ser nosso grã-tabanqueiro desde ontem. Já o devia ter sido há muitos mais anos... Mas só agora calhou falar com ele, ao telemóvel.  Senta-se  à sombra do nosso poilão, sob o nº 870 (**). E, como é da praxe, vamos publicar a seguir um texto dele, justamente aquele em que  relata as circunstâncias dramáticas da explosão da mina A/P que lhe roubou aos de vida e  os seus melhores sonhos. É um texto que um dia tem de figurar na antologia dos nossos melhores postes. Aqui reproduzido, com a devida vénia...

Quarta-feira, 10 de março de  2010 > Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P61: Aquele dia (Dez de Março de 70!)...

Quartel de S. Domingos. Sector Militar, de São Domingos: Algures nas matas da Guiné, junto a fronteira do Senegal. Decorria então o ano de 1970 na Guiné.

Destacamento de São Domingos, sete e trinta da manhã, o Pel Caç Nat 60 sai com destino à fronteira do Senegal, com o objectivo de pintar os marcos que faziam a divisão da fronteira Guiné/Senegal...

Às dez e meia da manhã, volvidos os primeiros vinte quilómetros, já em plena mata, há uma chamada de atenção, alguma coisa se passa. Os homens passam a palavra até chegarem à minha secção. Sou informado que, na frente, foi detectada uma mina anti-pessoal. Os homens ficam nervosos.

Quando cheguei ao local da mina, o alf mil Hugo Guerra 
[foto à esquerda ] nforma que vai tentar levantar a mina, Decorridos alguns minutos pergunto ao alf mil Hugo Guerra como iam as coisas, ao que ele me responde que estava nervoso.

O alf mil Hugo Guerra dá a ordem para que a mina seja desactivada. Tomei o lugar dele junto da mina.
Procede-se à segurança do local para que as coisas decorram sem incidentes. Mando afastar os homens a uma distância razoável, processo que requer muita atenção.

Procede-se à desminagem do local, o momento de muita tensão... O passo seguinte é desmontar o sistema da mina, que é constituido por dinamite e o detonador, este o mais perigoso, que requer particular cuidado...

O inevitável aconteceu, a mina estava armadilhada e explode. Gritos, confusão, leva algum tempo até os homens se recomporem.

No momento tudo ficou em silêncio depois as vozes de algums soldados Que se aproximavam. Senti umas mãos que me seguravam, era o enfermeiro José Augusto, que me prestava os primeiros socorros, colocava os garrotes para parar as hemorragias, o soro e uma injecção para as dores.

Alguns homens preparavam uma maca, com as camisas e uns paus para me transportar, fizeram cinco quilómetros comigo através da mata serrada. O alf mil Hugo Guerra sai ferido com alguma gravidade…
Como estava relativamente perto de mim foi atingido por estilhaços.

Pelo Rádio foi pedido ao quartel de São Domingos para mandarem viaturas ao nosso encontro para chegar mais rápido à pista onde deveria estar uma avioneta à espera. 

Assim foi, quando chegámos à pista já lá estava avioneta, fui entregue à enfermeira paraquedista (quero aqui prestar a minha homenagem a estas Mulheres, em particular à enfermeira Ivone Reis; estas Mulheres muitas vezes corriam riscos quando tinham de socorrer os feridos em pleno combate)...

Meia hora depois chegam à Base Aérea e fui levado para o Hospital Militar de Bissau. Já no hospital, foram feitas as primeiras intervenções cirúrgicas, provavelmente devido às anestesias perdi a noção do tempo, e do local onde me encontrava.

Num momento de lucidez ouvi passos, que se aproximavam perguntei onde me encontrava. Foi me dito que estava no hospital de Bissau, perguntei quando ia para Lisboa. A resposta foi... "amanhã".

No dia seguinte 
 [quinta-feira, 12 de março de 1970 ]pela manhã, tive a visita do Governador da Guiné, o general António de Spínola. Que deixou palávras de consolo e rápidas melhoras, e um elogio pelo dever de servir a Pátria...

Nesse mesmo dia à noite saí da Guiné no avião militar. Cheguei a Lisboa no dia treze de Março por volta das cinco da manhã, caía uma chuva miudinha.

As macas eram muitas pois este avião militar fazia o transporte de Angola, Moçambique, e Guiné, Em Lisboa as ambulâncias faziam o percurso de noite para não chamar a atenção dos lisboetas.

Nesta altura já estava internado no hospital Militar, na Estrela. Serviço de cirurgia plástica. Quero aqui informar que logo que dei entrada neste serviço, entrei em coma... Só decorridos quinze dias recuperei a consciência.

A partir daqui foi um desencadear de acontecimentos, uns bons e outros maus. Descobri que não tinha uma das mãos, o braço esquerdo estava com gesso, e tinha os olhos com pensos, este foi o primeiro choque que sofri.

Os dias iam passando lentamente, até descobrir que estava cego... Mas o mais grave desta situação, a minha família não sabia que eu estava gravemente ferido no Hospital Militar, os serviços do Exército não comunicaram o facto à minha família. Os meus pais tiveram a informação por um amigo meu que por essa altura prestava serviço no Hospital Militar.

O tempo decorrido da minha chegada a Lisboa, até os meus pais terem conhecimento foi de 23 dias
... Nesse  ano de setenta completei vinte e quatro anos, estava na flor da idade, andei de serviço em serviço durante mais quatro anos [no total, 5 anos, mais 20 meses no TO da Guiné, de julho de 1968 a março de 1970 ]. 

Em 1975 sai do hospital Militar com a bonita recordação: cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda. Moral baixa, estado psicológico baixo. O Hospital Militar não dispunha de Psicólogos... (***)

PS - A data que consta no texto acima é a minha versão do acidente. A versão do alf mil Hugo Guerra aponta para o dia 13 de março de 1970. (*) 
[foto à esquerda: O Seleiro e o Guerra ].

Entrada para o Serviço Militar: 18 de abril de 67. Partida de Lisboa: 12 julho 1968 para a Guiné. Acidente na Guiné 10 de março de 1970. (****)

Manuel Seleiro, 1º cabo, DFA,

[Revisão / Fixação de texto / Negritos / Notas entre parênteses retos: LG ]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 50, 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA

(**)  Vd. poste de 
16 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.

(***) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24033: (De)Caras (194): O mecânico-desempanador Mota, da CCAÇ 3535 (Zemba, Angola, 1972/74), mais conhecido por "Matraquilho" (Fernando de Sousa Ribeiro)

(****) Também pelas minhas contas, e de acordo com a própria narrativa do Seleiro, o "acidente" foi a 11 de março de 1970, uma quarta-feira... Evacuados para o HM 241, em Bissau, os nossos camaradas partem em avião militar, para Lisboa,no dia seguinte, dia 12, à noite. Chegam a Figo Maduro, na sexta-feira, 13, às 5 horas da manhã.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24069: Blogues da nossa blogosfera (178): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte II: O fornilho que podia ter acabado em tragédia...



Guiné > Região de Cacheu > S.Domingos > 1969 > Equipa de minas e rmadilhas; CCAV Conpanhia 2539 (1969/71) e Pel Caç Nat 60 (1968/74). A pousar para a fotografia. Num dos raros momentos de descontração. Na foto estão alguns dos elementos do Pel Caç Nat 60,  dois elementos do Pel Daimler e, em primeiro plano,  o alf mil Paiva,  da CCAV 2539, mais o 1º cabo Seleiro (caçador), do Pel Caç Nat 60.


Guiné > Região de Cacheu > S. Domingos > 1969 >  CCAV  2539 e Pel Caç Nat 60 > Explosão controlada pela equipa de minas e armadilhas.


Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > Pel Caç Nat 60 > 3ª secção > Ao centro, na 2ª fila, o 1º cabo Seleiro (que foi ferido gravemente, em 13 de Março de 1970, juntamente com o alf mil  Hugo Guerra, quando tentavam levantar uma mina: um das muitas histórias de antologia que temos publicado no nosso blogue: ambos ficaram DFA)

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mais um poste do blogue Pel Caç Nat 60, Guiné, 68/74, que é editado pelo ex-1º cabo caçador Manuel Seleiro, DFA, natural de Serpa, a viver em Cascais (e a quem já convidámos para integrar a Tabanca Grande)... Reprodução com a devida vénia (*):

8 de outubro de 2010 > Pel Caç Nat 60 Guiné - 68/74 - P84: Podia resultar em (tragédia...)

Podia ter resultado em tragédia a montagem de um fornilho  no início da picada S. Domingos / Senegal. Foram necessárias três longas horas.

O fornilho tinha 5 metros de cumprimento, as cargas estavam com intervalos de dois metros . Ocupavam os dois lados da picada . O total de explosivos: 20 cargas de 500 gramas de TNT, duas granadas para armadilhas …

Foi aberto um buraco na picada de um lado e do outro com as seguintes dimensões: 40 por 20, as granadas,foram colocadas na horizontal e encaixadas nas paredes do buraco, onde foi introduzida uma pequena ripa de madeira, que estava colocada nas duas argolas das granadas 

O mais difícil ía começar agora… Era retirar as cavilhas de segurança ! A seguir era só fazer a camuflagem do local do fornilho. E depois levantar a segurança do pessoal .

Já com todo o mundo à distância, era o momento de eu retirar… E fazer uma última inspeção ao local do fornilho...  E depois retirar . 

No momento em que dei o primeiro passo fiquei sem pinga de sangue… Tinha colocado o pé em cima do fornilho onde estavam as duas granadas, foram momentos dramáticos…

Todo o pessoal olhava para mim ! Já se deram conta de que o fornilho não tinha sido acionado ?!

Depois foi tudo uma questão de tempo, e tirar o pé de dentro do buraco .

PS - Ah! Já me esquecia, foram utilizados 20 detonadores e vários metros de cordão detonante.

1.º Cabo Manuel Seleiro (Caçador), DFA
Pel Caç Nat 60, Guiné 68/70

[Revisão / Fixação de texto: LG ]
 ___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 15 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...

Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...



Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > > Estrada São Domingos - Susana - Varela >  Nhambalã > 13 de novembro de 1969 >  O 1º cabo caçador Manuel Saleiro, que era o "sapador" do pelotão, aqui levantando uma mina anticarro... Foi desativada sem problemas... Mas a 30 metros havia outra... 


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel  Caç Nat 60 (1968/70) >  Estrada São Domingos - Susana - Varela > Nhambalã > 13 de novembro de 1969  > O alf mil Nelson Gonçalves, cmdt do Pelotão, e o 1º cabo Manuel Seleiro, junto da primeira mina A/C. 


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > E
strada São Domingos - Susana - Varela >  Nhambalã >  13 de novembro de 1969 > O 1º cabo Manuel Seleiro, que fazia parte da equipa de minas e armadilhas


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) >Estrada São Domingos - Susana - Varela  >    Nhambalã > 13 de novembro de 1969 > Este é o buraco provocado pela segunda  mina anticarro, e o estado em que ficou a viatura onde seguia o alf mil Gonçalves.


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > S/d > S/l > Legenda lacónica: equipa de minas e armadilhas... O Manuel Seleiro pode ser o primeiro do lado direito, em primeiro plano.

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Os créditos fotográficos das fotos de 13/11/1969 devem ser atribuídos ao fur mil Moreira, que vive hoje em Riba D' Ave. Ele foi o fotógrafo que estava lá, nesse dia fatídico de 13/11/1969. Em Nhambalã (n0me de uma localidade no setor de São Domingos). No blogue do Pel Caç Nat 60 as estão em formato reduzido, sem edição.



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Susana (1953) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Susana e Nhambalã, na estrada de São Domingos-Susana-Varela

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Não é frequente encontrar-se, na Net, uma página ou um blogue dedicado a um Pelotão de Caçadores Nativos.  Uma agradável surpresa é o https://pelcac60guine.blogspot.com/ (Guiné. Pel Caç Nat 60). 

O criador e administrador do blogue é o 1º cabo Manuel Seleiro, DFA, natural de Serpa, a viver em Cascais,  e, como tal, fã  (com uma página de divulgação) do Cante Alentejano.  

Fundado em 2009, o blogue do Pel Caç Nat 60  tem cerca de 2 centenas de postes. Ainda está ativo, se bem que o maior número de postes se encontre no período de 2009-2015. Tem mais de 55 mil visualizações de páginas e 14 seguidores. 

Fica aqui o convite para o Manuel Seleiro, que segue o nosso blogue, para integrar de pleno direito a nossa Tabanca Grande. (**)

O 1º cabo caçador Manuel  Seleiro foi ferido, juntamente com o alf mil Hugo Guerra, na explosão de uma mina A/P, em 13 de Março de 1970. Os dois foram evacuados para o HMP, em Lisboa.  Ambos são DFA.

O Hugo Guerra é membro da nossa Tabanca Grande e já nos contou aqui a história atribulada da sua vida, incluindo o acidente, grave, com a mina que estava a ser desativada pelo Manuel Seleiro (***).

O Pel Caç Nat 60 tem cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue. 


Blogue do Pel Caç Nat 60 (1968/74), da autoria de Manuel Seleiro

História da unidade: 

(i) o Pel Caç Nat 60 foi formado a 7 de Maio de 1968, em S. Domingos; 

(ii) esteve com a CCS/BCaç 1933, CCaç 1790, CCaç 1791, em São Domingos, de maio a fins de novembro de 1968; 

(iii) o pessoal seguiu depois  para Ingoré, ficando adido à CCaç 1801 de novembro de 1968 até agosto de 1969; 

(iv) de regresso  a S. Domingos, em agosto de 1969, fica  adido à CCav 2539;

(vi) ficaria aquartelado em S. Domingos e Susana, até ao ano de 1974; 

(vii) o primeiro comandante  foi  o ex-alf mil  Luís Almeida, rendido pelo ex-alf mil Nelson Gonçalves (ao tempo do BCAV 2876, São Domingos, 1969/71); 

(viii) a 13 de novembro, de 1969 a viatura em que seguia  o Nelson Gonçalves, acionou uma mina A/C,  sendo este sido ferido com gravidade, e helievacuado para o HM 241 e depois para o HMP; 

(ix) de novembro de 1969 a janeiro de 1970, o pelotão foi comandado pelo ex-fur mil  Rocha

(x) em janeiro de 1970 o ex-alf mil Hugo Guerra comandava o pelotão,  sendo ferido no dia 10 de março,  quando o 1º cabo Manuel Seleiro desativava uma mina anti-pessoal.(...)


2. Tomamos a liberdade de reproduzir aqui, com a devida vénia,  um dos postes deste blogue, respeitante ao dia em que o alf mil Nelson Gonçalves foi gravemente ferido na estrada São Domingos-Susana, em Nhambalã, em 13 de novembro de 1969, quando a viatura em que seguia acionou uma mina: evacuado para o HM241 (e depois o HMP), foi-lhe  amputada uma perna (*).


São Domingos, 13-11-69

O Pel Caç Nat 60 e um pelotão da CCAV  2539 saíram numa coluna auto para uma missão a Susana/Varela.

A coluna era comandada pelo alf mil Nelson Gonçalves,  do Pel Caç Nat 60, encontrava-se na terceira viatura que era um Unimog novinho em folha, tinha uma semana...

No dia 13 de novembro (não sei se era sexta feira!)   
[por acaso, era um quinta-feira... Editor LG ]... O soldado Guilherme que fazia anos nesse dia teve uma sorte incrível, Três minutos antes da mina anticarro ter sido accionada,  o Guilherme ia a falar com o alferes Gonçalves junto à roda que accionou a mina anticarro.

Por um daqueles mistérios que ninguém sabe explicar,  o Guilherme avançou uns cinco metros para a frente da viatura,  Assim escapou a morte certa...

A primeira mina anticarro foi descoberta e foi desactivada pelo 1º cabo Seleiro, que está na foto com o alferes Gonçalves. A segunda mina anticarro estava a uns trinta metros   mais á frente num local que escapou aos homens das picas. 
[ Ou estava a 300 metros ? .. Editor LG ] (*)
.
Era uma ligeira subida onde o terreno era bastante duro, suponho que o que levou o IN a montar a mina naquele local foi que há algum tempo atrás caíra ali uma árvore de grande porte. Como havia vestígios de alguns ramos e folhas secas, era portanto o local certo para colocar a mina...

Na altura da explosão houve uns momentos de supresa, a reacção foi atirarmo-nos para o chão... Passados os primeiros minutos que antecedem o choque da explosão, esperávamos que houvesse uma emboscada...

Não foi o caso, a minha secção vinha na última viatura. Montada a segurança,  socorreu-se o alf mil Gonçalves que estava gravemente ferido, creio que a secção que ia na GMC na frente da coluna éra comandada pelo fur mil Félix Dias, da CCAV 2539,  que seguia com o alf mil Gonçalves para São Domingos...

Nós ficámos no local da viatura acidentada, decorridos uns dez minutos ainda não sabíamos do Gama, o condutor da viatura, perante o nosso espanto vimos sair do mato um homem mais parecido com um sonâmblo e a sua cara estava mascarrada, o seu olhar ausente,  o seu andar mais parecia um autómato,  foi preciso muito tempo para que falasse, mas não sabia o que se tinha passado ali... Este homem levou muitos dias para recuperar totalmente.

O Guilherme,  o soldado de transmissões, quando se apercebeu no que lhe podia ter acontecido,  chorava.

Nós só saímos do local cerca das 17h33 com a viatura acidentada para o quartel de São Domingos.

Manuel Seleiro
Primeiro Cabo

[Revisão / Fixação de texto / título / Notas em parênteses retos: LG ]

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)



(...) Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.(...)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24066: Notas de leitura (1556): Em "A Minha Guerra a Petróleo", por António José Pereira da Costa; Chiado Editora, 2019 - "Cerca das 281330AGO71", uma memória de guerra, uma apreciação de um facto (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Mansabá ea lgumas das tabancas (Mansomine, Manhau, Mantida, etc.) desactivadas no tempo da CART 2732 dentro da sua zona de acção, que a Leste, terminava na bolanha de Manhau (Vd. poste P12150, de Ernesto Duarte)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


N
o meu primeiro comentário no Poste 24063, fiz referência ao infortúnio que atingiu o então Cap Faria Monteiro, comandante da CART 3417, quando pisou uma mina antipessoal ali para os lados de Manhau.

No seu livro "A Minha Guerra a Petróleo", o nosso camarada António José Pereira da Costa, Cor Art Ref, faz referência este incidente nas páginas 159 a 167, porque o Cap Monteiro era, e é, seu amigo. Porque a narrativa está muito pormenorizada e fiel ao acontecimento, pelo menos nas horas difíceis passadas em Mansabá e em que eu e os meus camaradas tivemos a nossa modesta intervenção, não resisti a transcrever aqui no Blogue o capítulo na íntegra. Só espero que o nosso esforço tenha minorado a extensão dos ferimentos sofridos pelo Cap Monteiro.

A propósito, o livro "A Minha Guerra a Petróleo" ainda pode ser adquirido, tendo um custo actual de 14,00€, através da WOOK, por exemplo.
São 187 páginas de leitura interessante complementada com algumas fotos.

CV
********************

Cerca das 281330AGO71[2]

Este texto não é só mais uma memória de guerra, uma apreciação de um facto que veio ter comigo. Será a maneira como observei algo que sucedeu a outra pessoa e a memória que disso guardei, influenciada por situações que vivi antes e depois. Julgo que este texto pode ser considerado uma homenagem.

Saindo de Mansabá em direcção a nascente encontrávamos três pequenas localidades abandonadas: Mansomine, Manhau e Mantida. No tempo da paz eram servidas pela estrada que seguia para Banjara - esta já a mais de 18 km de distância - e que, na altura em que por ali andei, também já fora abandonada. Não pertencia ao nosso sector. Era apenas algo de que se falava...

Nos patrulhamentos que realizávamos naquela direcção, marcou-me especialmente a visão do quartel de Manhau, abandonado e destruído. Segundo apurei, fora um destacamento da Companhia de Mansabá, ocupado quinzenalmente por um grupo de combate e um pelotão de milícia com umas condições de vida muito más e para onde era necessário levar tudo, até a água, numa viatura-tanque. Qual seria a vantagem táctica de uma posição com aquelas características? Como tantos outros "quartéis da malta", acabara abandonado e destruído "à granada de mão", por volta de 1966.

Naquela altura, ainda se reconheciam as duas fiadas de arame farpado, agora ferruegnto e quebrado aqui e além, vagamente esticado entre as últimas varas que o tinham suportado. O cavalo-de-frisa ainda se mantinha de pé, mas inútil não chegava a vedar o acesso ao interior da área quadrada, que deveria ter tido cerca de trinta a quarenta metros de lado. No interior, nenhuma construção ou mesmo restos do que pudesse ter sido uma, eram identificáveis com clareza, mas no exterior, o sistema de iluminação continuava bem representado por alguns postes: uns já caídos, outros resistindo às intempéries numa posição quase vertical. Cada poste não era mais do que um tronco de palmeira cravado no solo, ao qual havia sido adossado pela geratriz um "abat-jour" cilíndrico deveras original.

Era constituído por um bidon vazio que tinha sofrido umas pequenas, digamos, adaptações. Uma das tampas - a que ficaria para baixo - fora removida, mas a outra apenas havia sido separada da superfície lateral do cilindro em pouco mais de metade do perímetro. Depois de aberta a geratriz oposta à que fora pregada ao poste, um petromax ficava pendente da face inferior da tampa, no interior do cilindro. Julgo que assim se pretendia preservar o candeeiro dos ventos e das chuvadas, mantendo o perímetro do aquartelamento iluminado. Sempre que um dos Petromax fraquejasse, o "electricista de noite" tinha uma tarefa a cumprir. Considero este abat-jour mais uma prova do "desenrascanço nacional" e do engenho (que não arte) dos Portugueses.

Todavia, o sistema fornecia pouca iluminação para que os defensores pudessem observar a área circundante da posição. Em compensação, o In dispunha de uma visão privilegiada sobre ela, a algumas centenas de metros de distância. Agora, olhar para este "quartel" era contemplar uma espécie de peça de arqueologia militar, que entristecia se procurássemos saber o que levava a que o destacamento fosse construído, sabe-se lá com que esforço, e depois abandonado. Depois deste, era a tabanca de Mantida, onde os militares que guarneciam Manhauiriam buscar laranjas de boa qualidade e correndo os inerentes riscos. Era uma lenda, mas para que tenha surgido é necessário que, pelo menos uma vez, lá tenham ido...

Devo ter ido a Manhau e Mantida duas ou três vezes, mas para além da visão das ruínas do quartel, tenho a imagem de uns dois metros de estrada onde a erva não tinha crescido, passado mais de um ano. Tinha sido ali... segundo se dizia e eu acredito, pois - soube dpois - que, além da mina que vitimara o Monteiro, havia mais três que o furriel de minas e armadilhas tinha detonado.

Eu estava em Bissau com a Bateria Ati-aérea, quando o Joaquim Evaristo me deu a notícia. O Monteiro[4] tinha pisado uma mina anti-pessoal. Há notícias que não podem ser dadas de outra maneira: de modo brutal e com uma frase curta e, como todas do mesmo tipo, de significado imediatamente dedutível. Não sei porquê, mas não fui logo ao Hospital. O Joaquim foi e, pouco tempo depois, só medisse:
- Está sem um pé.

Logo que me foi possível fui ao Hospital e localizei-o. Estava num quarto, deitado na cama com uma perna esticada e a outra erguida e apoiada em algo que se parecia com uma almofada...

Fiquei sem saber o que dizer, mas o silêncio de poucos segundos tornou-se impossível de suportar. Nestes momentos, sabemos que é necessário dizer ou fazer qualquer coisa, mas não temos a ideia do que possa ser. Se calhar, concentramo-nos em nós e no que sentimos, quando deveríamos considerar que o ferido ou o doente grave que ali está é que deverá estar antes de tudo.

Tartamudeei qualquer coisa, nem sei o quê. Depois tentei saber como as coisas tinham sucedido. A estrada abandonada ainda conservava as rodeiras, as marcas dos pneus das viaturas que por ali tinham passado. E foi ao movimentar-se pela área entre rodeiras que encontrou a mina.

Por outras experiências que tive, sei que a surpresa inicial deu lugar ao espanto e à pergunta feita a si mesmo:

- O que sucedeu?

Depois é uma mistura de dor sentida e uma vontade de sair dali, de tudo aquilo que não seja verdade e de um turbilão de perguntas que acabam por se redizir a uma certeza: "Estou gravemente ferido. Isto também me aconteceu a mim".

- A mim? Porquê a mim?

Os outros têm muito que fazer. A nós, nada mais resta do que aguentar a dor e sentir revolta contra a falta de sorte e a irreversibilidade da situação

Dez dias depoi de ter completado 24 anos!...

À chegada dos reforços vindos de Mansabá, os enfermeiros da sua Companhia já tinham garrotado a perna e metido o soro, procedimentos habituais nestas situações. Agora eram sete quilómetros em coluna, de regresso ao quartel, num percurso em que se queria evitar solavancos, sempre excessivos para quem sofre. Porém, nesse dia chovia e, devido à pouca visibilidade, os helicópteros não voavam. Podia ser que as condições melhorassem, mas há dias em que nem os astros ajudam. Cerca das cinco da tarde confirmou-se que o héli não viria e não houve outra solução que não fosse a evacuação, em coluna auto. A espera inglória na enfermaria foi angustiante. Uma tortura que nada justificava. 

Por fim, o pessoal de enfermagem "depositou" a maca numa das viaturas e a coluna partiu em marcha moderada. Seria uma viagem até Mansoa e daí, em ambulância, até ao hospital. Todavia a viagem de Mansoa a Bissau "não estava prevista" e a coluna por ser de quase cem quilómetros, até Bissau, debaixo de chuva intensa. Já tinham passado bastantes horas e o sofrimento físico e psicológico somavam-se, numa aritmética de revolta sem fim, que só terá tido uma paragem pelas seis e meia da tarde à entrada do Hospital Militar de Bissau. Tinham decorrido cinco horas.

Ouvi a descrição do Monteiro e, não podendo ou não sabendo, dizer mais, respondi-lhe que agora "era necessário reagir". No segundo imediato apercebi-me da agressão que tinha cometido. Há coisas que, mesmo que se pensem, não se dizem e o Monteiro fez-mo sentir respondendo-me.
- Reagir? Reagir, reages tu que tens duas pernas. Agora eu só tenho uma...

Fiquei sem palavras. Uns instantes de silêncio depois, despedi-me e deixei o quarto. Além do monte de gaze que marcava agora o fim da perna fiquei impressionado com a cor das gengivas que o ferido apresentava. Brancas. Disseram-me que era do soro que lhe fora ministrado, durante muito tempo. Por mim, penso que era um indício de anemia pela perda de sangue.

Poucos dias depois, voltei com o major Gaspar, nosso amigo e meu segundo-comandante. Ainda estou para saber o que o terá levado a aparecer, naquele dia, com as fitas das condecorações e com o brasão do Regimento de Artilharia n.º 3 (de Évora) sua unidade habitual. Era à tarde e os feridos e doentes tinham sido postos na varanda do hospital, talvez numa tentativa de lhes melhorar a disposição, se tal fosse possível...

A conversa foi curta e eu8 procurei ficar calado. O nosso amigo, talvez por ser mais velho, parecia ter maior capacidade de diálogo, mas, ao fim de alguns minutos, o silêncio acabou por surgir. O Monteiro disse, de repente e num tom que parecia subtil, mas que comportava uma crítica muito amarga e contundente:

- O meu major está muito bonito, com as condecorações!

Com o sol já baixo, ficou-me a imagem do major Gaspar com os olhos marejados, a dizer, como se se justificass:

- Calhou. Isto não é nada. Já estavam postas nesta camisa quando a vesti hoje.

Não arranjo melhor expressão para descrever a nossa saída da varanda: "Fugimos"

E chegou a véspera da evacuação para Lisboa.

De novo, o major e eu fomos ao hospital. O jantar já fora distribuído há muito e os corredores estavam desertos e escuros. Eu tinha para mim que seríamos recebidos com frieza, se não mesmo com agressividade. Porém, ao entrarmos no quarto, fomos saudados com alegria e boa disposição. Era a saída da Guiné, o retorno à "Metrópole" e à família. Era o fugir dali, um lugar onde não pertencia, para um sítio onde poderia reencontrar os seus, aqueles que havia deixado pouco mais de dois meses antes.

Fiquei surpreendido por falarmos com certo à-vontade e eu, já não me lembro a propósito de quê, disse qualquer coisa como:

- Pois é, a vida está má!

O Monteiro tratou-me pela alcunha e comentou:

- Boa piada PK! Boa piada! Olha, que até o meu coto se ri!... - e, agarrado à perna, abanava-a com as mãos.

Foi então que concluí que uns produtos daqueles que tiram as dores e dão boa disposição, talvez euforia, deveriam ter andado por ali, misturados na sopa ou mesmo em todo o resto do jantar.

O Gaspar, por seu turno, aproximou a orelha do coto entrapadíssimo e, pedindo-lhe que ligasse o transmissor, comentou a qualidade da música que estaria a ouvir.

Mais uma vez fiquei sem saber o que dizer. Não me lembro se saí por minha iniciativa, por não poder suportar o surrealismo daquela cena, ou se fui levado pelo final da visita, decretado pelo meu segundo-comandante, para meu alívio, confesso.

A partir daqui e ao longo da minha vida, fui recordando duas situações que desenterrei na memória e que envolviam pernas, as pernas do Monteiro. Uma ainda na Academia e outra já quando éramos oficiais.

Nunca tive grande jeito para um qualquer desporto em especial. Contudo, um dia descobri o basquetebol. Achei-o curioso, mas cedo concluí que deve ser dos jogos de bola mais difíceis de praticar. Ou seria "o árbitro" que me perseguia? Certo é que, sempre que eu tocava na bola fazia falta, "por passos". E não havia maneira de aprender a técnica. E aquela regra é tão apertada, convenhamos!...

Apesar disto, não desisti e resolvi aprender com o Monteiro. E uma das coisas que ele me ensinou foi que, ao receber a bola com ambas as mãos, eu deveria escolher um "pé-eixo" que, a partir daí não poderia mexer. Era como se estivesse soldado ao chão. Pelo menos, foi o que entendi. Acabei por desistir da aprendizagem, mas mantive o gosto pela modalidade, graças às indicações do meu improvisado mestre.

Recordei também a cena na Sala de Oficiais da Escola Prática de Artilharia para onde o nosso curso de tenentes tinha sido enviado para o Curso de Promoção a Capitão, que, depois, não valeu. Mas isso já são questões laterais. Uma manhã, no rádio da sala passava "Les Champs-Elysées", na voz de Joe Dassin. Bela melodia e letra curiosa e bem construída Andávamos pelos nossos vinte e dois a vinte e cinco anos e fôramos musicalmente educados na música europeia. Tínhamos cinco anos de francês, no ensino secundário, e numa música como aquela era fácil encontrar encanto. Imediatamente constituimos uma libha de seis ou sete bailadores com as mãos apoiadas no ombros do que nos ficava ao lado. Depois, em sincronismo, atirávamos alternadamente a perna direita para a esquerda e a perna esquerda para a direita, ao rítmo da música, uma gajice própria dos jovens que éramos, apesar de já todos termos um ano de África, em Angola, em Moçambique ou na Guiné para onde partíramos três e só dois haviam voltado. Naquela idade, ainda tínhamos uma certa garridice que permitia enfrentar o futuro com certo ânimo e confiança, mesmo tendo já adquirido uma certa (má) experiência da vida e sabendo que os tempos que se avizinhavam tinham tudo para ser de provação. A dada altura alguém comentou:
- Olhem só para isto! Os futuros comandantes das companhias de Artilharia que irão para o Ultramar!...

O grupo desfez-se, de imediato. Caíramos em nós. No fundo, éramos oficiais respeitáveis e conscientes dos nossos deveres e não podíamos permitir-nos a brincadeiras como aquela...

Depois da evacuação para Lisboa, tive notícias dispersas do Monteiro, até nos encontrarmos na AM na celebração dos trinta anos do nosso curso. Nessa altura, disse-me que era professor. "Professor", mas com P Grande. Por mim pensei:

- Ainda bem! Nem outra coisa era de esperar de um Homem da minha geração!

Mem-Martins, 10 de Agosto de 2018

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Notas do autor:

[2) - Esta é a maneira de referir nas comunicações militares ou em documentos escritos, algo que sucedeu cerca das 13 horas e 30 minutos do dia 28 de Agosto de 1971. Fica assim constituído o chamado "grupo data-hora".

[3] - Naquele tempo, nas unidades tipo Regimento da Metrópole, havia um "electricista de dia" nomeado por escala.

Guiné 61/74 - P24065: A nossa guerra em números (22): De um total de 1570 minas e outros engenhos explosivos implantados pelo PAIGC (de 1972 a 20 de abril de 1974), mais de três quartos foram neutralizadas pelas NT, com destaque para as minas A/P

Fonte: Relatório da 2ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 1Jan73 a 150ut74, citado por CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pág. 497.


1.   A propósitos das minas e outros engenhos explosivos usados na guerra do ultramar / guerra colonial (*), escrevemos:

(...) "As minas (A/C e A/P) e armadilhas (fornilhos, etc.) foram um dos "ossos mais duros de roer" na guerra que tivemos de enfrentar no TO da Guiné... Não sabemos quantas foram montadas, identificadas e levantadas... De um lado e do outro... Impossível haver estatísticas. Mas foram dezenas e dezenas, senão centenas, de milhares, ao longo dos anos, as minas que montámos, de um lado e do outro, para provocar baixas no campo do inimigo e desmoralizá-lo... Uma "arma suja", nesta e noutras guerras...

Pior ainda, não sabemos quantas foram accionadas pelas nossas viaturas, ou pelos nossos pés... Nem o número de mortos, feridos e incapacitados, provocados por estes engenhos mortíferos... Falamos de minas terrestres, mas também as havia aquáticas" (...)

Pedro Marquês de Sousa (em comentário de ontem, no Facebook da Tabanca Grande Luís Graça), escreveu:

(...) Durante o ano de 1973 foram detectadas 750 minas implantadas pelo PAIGC. Em Moçambique esta ameaça (minas) era ainda maior do que na Guiné, pois no mesmo ano (1973) temos o registo de mais de 2000 colocadas pela FRELIMO das quais 665 foram detonadas pelas nossas tropas (uma média de 55 minas detonadas por mês)" (...). (Ver livro do autor, ten cor na reserva, "Os números da Guerra de África", Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pp.174 , 184 e 185.

2. Veja-se o nosso poste P23450 (**):

Pedro Marquês de Sousa, no seu livro "Os números da Guerra de África"(Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.), dá-nos algumas "dicas" sobre o consumo de minas A/C e A/P por parte das NT em Moçambique:

(i) para o ano de 1972, aqui vai um resumo das quantidades das principais munições e granadas fornecidas, em milhares de unidades (por arredondamento por excesso ou defeito) (adaptado por nós, op cit, pág. 301):

Munições 7,62 mm > 2152,3
Granadas de mão defensivas > 4,2
Granadas de mão ofensivas > 41,8
Granadas de morteiro 60 mm > 6,3
Granada de morteiro 81 mm > 5,7
Minas A/P (antipessoais) > 43,2

(ii) estranhamente, os consumos de minas nos anos de 1970 e 1971, em milhares, são muito díspares:

Minas A/C: 0,5 (1970) | (-) (1971)
Minas A/P:1,3 (1970) | 50,7 (1971)


Obviamente, as NT usavam muito mais das minas A/P do que as minas A/C...

Quanto aos prémios, na década de 1970, os valores já eram outros. Diz o Luís Dias [ex-alf mil Inf, CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), o nosso especialista em armamento]:

(...) Segundo corria no meu tempo, o que rendia eram as minas A/P a 1000 pesos, a mina A/C a 3000 pesos e as rampas de foguetões ou os foguetões 120 mm a 5000 pesos.(...) (**).


3. Ainda relativamente ao TO da Guiné, temos alguns dados referentes aos últimos anos da guerra, e às minas implantadas (pelo IN) e neutralizadas (pela NT) (vd. quadro acima).

Nos anos de 1972, 1973 e 1974 (até 30 de abril), o PAIGC implantou  1570 minas e engenhos explosivos, com destaque para as minhas A/P (sete em cada dez):

  • minas A/P: 1132 (72,1% do total); neutralizadas: 80,2% (quatro em cada cinco);
  • minas A/C: 381 (24,3% do total); neutralizadas: 74,8 % (um em cada quatro);
  • outros engenhos explosivos: 57 (3,6% do total); neutralizadas: 35,1% (um em cada três).
Total (minas e outros engenhos explosivos )minas aquáticas, armadilhas e outros): 1570 (100,0%); neutralizados: 77,6% do total (quase quatro em cada cinco).

De um total de 1570 minas e outros engenhos explosivos foram neutralizadas, pelas NT, 1218  (77,6%), o que é um "score" notável.

Houve, por certo, muito mais minas e armadilhas que ficaram por detetar,  e que provavelmente fizeram ainda vítimas (nomeadamente entre civis e animais) muito depois da guerra ter acabado.  

De qualquer modo, estes números  (***)tem de ser lidos no contexto do agravamento da situação político-militar no CTIG. Segundo o relatório da 2ª Rep/CCFAG, acima citado:

(...)  "O ano de 1973, juntamente com os primeiros meses de 1974 até ao 25 de Abril, constituem um período de nítido agravamento da situação militar, económica e político-subversiva no território da Guiné.

Este estado de coisas reflectia a agudização do problema colonial português, especialmente no plano internacional. Os movimentos emancipalistas, em particular o PAIGC, recebiam apoios ou ajudas de toda a ordem, cada vez mais generalizados, com destaque para os que eram canalizados através da ONU e OUA.

(...) As forças do PAIGC não só revelaram uma notável capacidade de manobra e confirmaram o extraordinário potencial de combate que lhes era atribuído, como alteraram profundamente o seu conceito de manobra no TO, passando da actuação dispersa em superfície para a concentração maciça de meios sobre objectivos definidos, normalmente distantes uns dos outros, com o propósito de hipotecar as reservas das NT no local oposto onde pretendia exercer o esforço. (...) (Negritos nossos).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24063: Roncos que davam prémios (em dinheiro)... mas podiam custar a vida: a deteção e levantamento de minas...

(**) Vd. poste de 22 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23450: A nossa guerra em números (18): o consumo de munições e granadas pelo exército

(***) Último poste da série > 8 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23505: A nossa guerra em números (21): o esforço financeiro global, de 23 mil e 900 milhões de euros (em valores de 2008), dividiu-se por Angola e Moçambique (25%) e pela Metrópole (75%)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24063: Roncos que davam prémios (em dinheiro)... mas podiam custar a vida: a deteção e levantamento de minas...

Guiné > Região do Cacheu > Chão felupe > 1974 > BART 6522/72 (1972/74) > Deteção e levantamento de minas A/P. António Inverno, (*)

Foto (e legenda):  © António Inverno (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > A primeira mina A/C detetada e levantada: na imagem o alf mil Nelson Gonçalves e o 1º cabo Manuel Seleiro.

Foto (e legenda): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC colocando uma mina", Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral, disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43786 (com a devida vénia)

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  O rebenta-minas com rodado duplo à frente e sacos de areia na cabine, sem tejadilho... Uma GMC, adaptada, com 12 rodas...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. As minas (A/C e A/P) e armadilhas (fornilhos, etc.) foram um dos "ossos mais duros de roer" na guerra que tivemos de enfrentar no TO da Guiné... Não sabemos quantas foram montadas, identificadas e levantadas... De um lado e do outro... Impossível haver estatísticas. Mas foram dezenas e dezenas, senão centenas, de milhares, ao longo dos anos, as minas que montámos, de um lado e do outro, para provocar baixas no campo do inimigo e desmoralizá-lo... Uma "arma suja", nesta e noutras guerras...

Pior ainda, não sabemos quantas foram accionadas pelas nossas viaturas, ou pelos nossos pés... Nem o número de mortos, feridos e incapacitados, provocados por estes engenhos mortíferos... Falamos de minas terrestres, mas também as havia aquáticas... 

As minas eram o terror de quem fazia colunas logísticas, de quem tinha que se deslocar por picadas (intransitáveis no tempo das chuvas...), de quem fazia operações no mato e tinha que se aproximar de alvos do inimigo... Era o terror de guias e picadores, dos condutores dos "rebenta-minas" (que seguiam à frente das colunas logísticas)... Mas também da população: muitas tabancas, em autodefesa, bem como destacamentos e aquartelamentos das NT, eram cercadas  por campos de minas... 

Enfim, toda a gente tem histórias de minas e armadilhas, teve camaradas que morreram ou ficaram feridos com o accionamento de minas, A/C ou A/P, mas também conheceu camaradas que foram heróis, sobretudo a leventar minas: sapadores ou graduados (alferes e furriéis) com o curso de minas e armadilhas que se tirava em Tancos, se não erro...

O tema está bem documentado no nosso nosso blogue. Temos cerca de 220 referências sobre minas e armadilhas (**)... 

O que toda a gente também sabe é que as minas também davam... "patacão", desde que fossem identificadas e levantadas, ou só identificadas e destruídas... A partir de 22/9/1967, uma mina anticarro (desde que detectada e levantada/capturada com todos os seus componentes) valia tanto como um canhão s/r, um LGFog (RPG 2 ou 7), morteiro pesado ou médio, ou seja, 2 contos (o que equivaleria, a preços  de hoje,  a 771 euros). A mina ou "fornilho, antipessoal, só valia metade, mil escudos... (Afinal, uma GMC, um Unimog ou uma Berliet sempre valia mais do que um homem.)

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Capitulo IV - Ano de 1964 

Anexo n° 1 - Normas para a atribuição de prémios pela captura de material ao inimigo

(CIRCULAR N° 2219/B DE 25 DE Abril da 2ª- Rep/QG/CTIG)

1. Pela captura ao lN de pistolas, espingardas, pistolas metralhadoras e morteiros serão atribuídos prémios, desde que a sua apreensão se verifique nas seguintes condições:

a. Em acções de combate (sob o fogo do lN);

b. Como consequência directa de acções de combate.

Não é atribuído qualquer prémio ao material dos tipos indicados que seja simplesmente encontrado (inclui-se aquele que tenha sido abandonado pelo lN devido ao funcionamento de armadilhas montadas pelas NT).

2. Serão também atribuídos prémios pela captura de minas ou armadilhas  apess [antipessoal, A/P]  e minas ou fornilhos acar [anticarro, A/C].

A designação "fornilho", além do seu significado clássico, engloba também as cargas explosivas convenientemente preparadas e prontas a serem accionadas.

Terão a designação de fornilho acar [A/C]  ou armadilha apess [A/P] consoante a respectiva quantidade de explosivos e o fim a que se destinam.

A estes materiais serão atribuídos prémios nas seguintes condições:

a. Detectado e capturado com todos os seus componentes;

b. Detectado e destruído.

3. Os prémios a atribuir são os seguintes:










4. A atribuição de prémios individuais é dificil, além de se considerar passível de afectar a disciplina e a eficiência operacional das unidades, pelo que se considera excepcional.

Aos Comandos de Batalhão competirá definir, para cada caso, se o prémio deverá ser atribuído individual ou colectivamente.

5. Os Comandos de Batalhão, para os fins de atribuição de prémios, informam o QG das condições em que se verificou a apreensão de material (1.a. ou 1.b. e 2.a. ou 2.b.).

6. Os Comandos de Batalhão devem enviar ao QG, mensalmente, a relação do material apreendido.

7. Modelos para a relação a que se refere o número anterior.







8. A presente Circular substitui a de referência, n° 1843/B de 02Dez63.


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2014), pp. 288/289.


Capítulo I - Ano de 1967 (...): Directivas do Comandante-Chefe

Directiva para "Atribuição de prémos a militares e CIVIS por apreensão de material de guerra ao inimigo" do Comandante-Chefe de 22 de Setembro (referência ao oficio n° 1042/B, do SGDN, 2.ª Rep, de 31 Mar67). Esta directiva substituiu a distribuída com o n° 1980 em 101200Jul67.

" 1. Com vista a conseguir um procedimento uniforme nas Províncias Ultramarinas da Guiné, Angola e Moçambique quanto aos prémios a atribuir a militares e civis por apreensão de material de guerra ao inimigo, Sua Ex". o Ministro da Defesa Nacional, por seu despacho de 07Mar67, determinou o seguinte:

a - Os prémios devem ser iguais nas diferentes Províncias Ultramarinas e para os três Ramos das Forças Armadas;

b - Os prémios por captura de material inimigo devem ser atribuídos quaisquer que sejam as circunstâncias em que esta se efectue;

c - O montante dos prémios deve ser igual para militares e civis;

d - Deve ser também recompensado quem fornecer elementos que conduzam à captura de material do inimigo. O montante para cada caso deve ser fixado pelo Comando-Chefe;

e - No caso de apreensão do material levada a efeito por um grupo de civis ou unidade militar, a repartição do prémio pelos seus componentes ficará ao critério do Comando-Chefe;

f - Os prémios a atribuir deverão ser os constantes da tabela que a seguir se indica:


 [Tabela e negritos: editor LG ]


2. Os comandos dos três Ramos das Forças Armadas da Guiné, o Comando da Polícia de Segurança Pública da Guiné, a Organização Provincial de Voluntários, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado e os Serviços de Administração Civil da Província, devem fazer entrar em vigor, em 22/9/67 a tabela de prémios estabelecida pelo despacho de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional referido no número anterior. [...]"

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 47-48

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7480: Estórias avulsas (46): Desminagem entre S. Domingos e Susana (António Inverno)

(**) Ver uma pequena amostra de postes:

4 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

8 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4304: (Ex)citações (27): Lembrando a memória de meu tio Manuel Sobreiro, morto por uma mina (Nelson Domingues)

4 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"

4 de janeiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12540: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (5): Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 de Agosto e terminado a 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE), em Tancos


11 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14993: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (15): De 19 a 22 de Junho de 1973