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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19273: (Ex)citações (346): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte II -Tenho saudades do meu Caco Baldé


Capa do livro"Voando sobre um Ninho de Strelas", de António Martins de Matos (Lisboa: BooksFactory,  2018, 375.pp.)


António Martins de Matos, ex-ten pilav, 
Bissalanca. BA 12, 10/5/1972 - 4/2/1974;
 ten gen ref.
1. Continuaçã da publicação de algumas notas de leitura do livro  "Voando sobre um Ninho de Strelas", do ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande (desde 2008, com 90 referências no nosso blogue), amanhã,  3ª feira, dia 11, às 18h00, em Lisboa  (*). 

Seleção,  da responsabilidade do nosso editor, de algumas frases e pequenos excertos, dando um a ideia do conteúdo, memorialístico, do livro (**)

‘Não tenhas medo, pá [, cabo mecânico,], estás a voar com um piloto dos jactos!’ (p. 143).

‘Meu tenente, os fios das antenas dos rádios lá dos FTs vêm presos à cauda do avião, DO-27]’… Desculpem lá o incómodo, (...) oxalá o correio tenha valido a pena (p. 144).

A área que me tinha sido atribuída para patrulhamento e identificação de eventuais alvos era a zona Norte da Guiné. Fiz inúmeros voos de DO-27 sobre o Morés e a Caboiana, às voltas e mais voltas e à procura das tais “áreas libertadas”, nunca tive qualquer problema e… nunca as vi. (…) Tínhamos uma regra que, pelos vistos, o PAIGC respeitava (quem tem c…, tem medo), se disparassem um tiro contra uma aeronave não demorava mais de quinze minutos até essa área ser completamente bombardeada. Era assim em toda a Guiné, fosse no Choquemone, Morés, Caboiana ou Cantanhez (pp.145/146).




Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > A mesa dos "pilotaços", Miguel Pessoa e António Martins de Matos, dois ex-ten pilav, da Esquadra de Fiat G-91 "Os TIgres",  Bissalanca, 1972/74.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Em 25 de março de 1973, nas imediações de Guileje, foi abatido o primeiro avião [por um Strela]. Era tripulado pelo tenente Miguel Pessoa (Fiat G-91, nº 5413), a Esquadra [121, ] passou a contar com apenas 3 pilotos (p. 147).

(...) A morte do tenente coronel Almeida Brito[, em 28 de março de 1973,] foi um duro golpe no moral dos pilotos, já que, para além de ser o piloto mais experiente na Guiné, era igualmente o nosso Comandante (p. 150).

A morte do tenente coronel Almeida Brito incomodou-me na altura, voltou a incomodar-me quinze anos depois e… ainda hoje me incomoda (p. 151).

Durante a manhã de 6 de abril de 1973 foram abatidos o furriel João Baltazar (DO-27) e o major Rolando Mantovani (T-6), tendo igualmente desaparecido o furriel Fernando Ferreira (DO-27) (p.152).

No dia seguinte vários acontecimentos ocorreram: (i) um piloto de Fiat G-91 “adoeceu” (…), dos 6 pilotos que a Esquadra devia comportar, já só restavam dois, um capitão (comandante da Esquadra) e um tenente; (ii) um piloto de AL-III arranjou uma maneira simples de terminar a sua Comissão de Serviço, estava a limpar a pistola, ela disparou-se, um tiro numa perna; (iii) alguns dos pilotos de AL-III recusaram-se a voar enquanto não lhes fosse explicada que arma era aquela (p. 152).

(…) De súbito e sem que ninguém o esperasse, apareceu nas Operações do GO12 um documento de origem americana com a T.O. (Technical Order) do míssil soviético SA-7 Grail, designado com o código NATO de ‘Strela’. Nunca acreditei em milagres, mas que os há… há (…) (p. 152).

Foi preciso morrerem pilotos, mecânicos, enfermeiros, militares do Exército, para que finalmente soubéssemos que arma nos alvejava e pudéssemos estudar as respetivas contramedidas (p. 153).

Com a aplicação das contramedidas estudadas (e não obstante o PAIGC ter disparado cerca de 60 mísseis), a FAP apenas teve mais um avião abatido, a 31 de janeiro de 1974 (, Fiat G-91, nº 5437), na região de Canquelifá-Copá, tendo o piloto sido recuperado na manhã seguinte (p. 157).

No meu entender o míssil Strela influenciou de algum modo a guerra mas não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe querer dar (p 157).


(...) O que perturbou a atuação da FAP não foi o míssil em si mas sim o período em que desconhecíamos que arma era aquela, que foguete era aquele que nos perseguia (p. 13).

Por mim, (…) a arma que mais influenciou a guerra na Guiné, não foi o Strela, arma de defesa antiaérea, mas sim… o morteiro 120 mm (p. 158).

Também tínhamos uma outra maneira de demonstrar que continuávamos a voar, na volta das missões [, incluindo o ataque a bases como Kambera, em território da Guiné-Conacri, finalmente com a autorização de Spínola] passarmos uma rapada sobre os telhados de Bissau só para animar a malta… Grande gozo nos dava, passar a raspar os telhados da cidade a 400 Kts (740/km hora). O ‘Caco’ logo nos proibiu tal manobra (…) (p.162).




Cor pilav Manuel Bessa Rodrigues de Azevedo (1938-2014) 

Blé [, capitão Bessa], eu sei que, lá por
onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade. Um dia, os da Tertúlia, que ainda estamos cá em baixo, vamos visitar-te. (…). Prepara-te, vai ser uma festa de arromba!!! Até sempre, companheiro(p. 171).

O “randar fantasma”… Também me constou que o homem que zelava pela sua manutenção acabou por ser promovido a “gerente de messe” (p. 184).

A Operação Ametista Real foi um marco importante na história da Guiné, mas não foi tão limpa quanto se propagandeou no briefing nem à posteriori, já que, ao contrário do que tinha sido prometido, alguns dos Comandos Africanos foram mortos e deixados no terreno. Pior,alguns foram deixados feridos e abandonados, vindo a ser executados no próprio local pelos guerrilheiros do PAIGC (p. 189).


“Não é minha intenção julgá-lo [, ao comandante do COP 5 que deu ordens para abandonar Guileje,] mas confesso que me incomoda as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi. A sua retirada, apresentada por alguns como uma manobra bem executada, não foi mais que uma simples fuga, tivesse o Guileje efetivamente cercado, e teria sido o maior desastre das nossas forças em África” (p. 200).

(…) A minha homenagem ao BCP 12 (CCP 121, CCP 122 e CCP 123). Sem eles, Gadamael tinha seguido o destino de Guileje (p. 203).

Há muitos anos que continuo a ver e ouvir os “meus fantasmas”, em fuga de Gadamael, a pedirem-me ajuda e… continuam mortos e entalados no tarrafo do rio Cacine (p. 204).

Uma nova verdade aflorava, como se costuma dizer, clarinha para militares. Não iria ser por culpa dos homens no terreno que a guerra iria ser perdida mas sim pelas manobras e omissões político-militares das cúpulas em Lisboa (p. 210)

Na Força Aérea sempre foi assim, “serviço é serviço, conhaque é conhaque” (p. 216).

‘Em vez de andarmos à procura das formigas, o melhor será encontrarmos o formigueiro’. Estava lançado o mote para destruir Kandiafara (p. 223).

A mais famosa e importante base de apoio do PAIGC acabara de ser destruída [em 19 de setembro de 1973, data em que Spínola já tinha partido e o novo Com-Chefe ainda não tinha chegado]. E tinham razão os da Força Aérea, o novo comandante chefe [, general Bettencourt Rodrigues,] nunca mais nos deixou ir ao estrangeiro (p. 229).



Tenho saudades dos bons tempos passados na Guiné (p. 13)


Tenho saudades do meu Caco Baldé (p. 239)

Amo a minha Força Aérea (p. 299)
______________


quarta-feira, 11 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18834: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (56): Entre 1394 e 1974, a História de Portugal deve ser reescrita e ir para o Museu?


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > 3 de Março de 2008 > A estátua de Diogo Gomes, agora "em depósito" na antiga fortaleza portuguesa do Cacheu... Seis séculos de história para um "canto", que nem sequer é museu...

Já vai em mais de cem o número de académicos que são contra a possibilidade de Lisboa vir a ter um "Museu das Descobertas". Numa carta, que o Expresso publica abaixo, historiadores, especializados na história do império português , e cientistas sociais explicam porque é que um museu dedicado à expansão portuguesa nunca deverá ter esta designação. A ideia de criar na capital uma instituição como esta foi defendida no programa eleitoral de Fernando Medina, eleito presidente da câmara de Lisboa. Os signatários da carta consideram o nome "Museu das Descobertas" um erro de perspectiva. A lista de signatários não tem parado de aumentar desde que a carta foi tornada pública,na última quinta-feira. Aos portugueses juntaram-se desde então investigadores vinculados às universidades de Harvard, Yale, e UCLA, nos Estados Unidos, ao Collège de France, Sorbonne, EHESS, Paris e a EPHE, Paris, às principais universidades brasileiras, São Paulo, Universidade de Campinas, Universidade Federal da Baía, Universidade Federal Fluminense, o University College London, UK, ou a Universidad Complutense de Madrid- 
[Expresso, 12 de abril de 2018 >  A controvérsia sobre um Museu que ainda não existe. Descobertas ou Expansão?]


Foto: © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de António Rosinha

Data: 9 de julho de 2018 às 23:04

Assunto: Entre 1394 e 1974 da História de Portugal deve ser re-escrita e ir para o Museu?

Luís, como está na ordem do dia, e se não for excessivo, aproveita.
Abraço, António,


2. Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (56): Entre 1394 e 1974, a História de Portugal deve ser reescrita e ir para o Museu?


[ António Rosinha, foto acima, à direita, 2007, Pombal, II Encontro Nacional da Tabanca Grande]

(i) beirão, tem mais de 110 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como  autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos';

(x) ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]


Mas não no Museu das Descobertas, porque estas só podem ser consideradas até Magalhães com a volta ao mundo, 1521, 127 anos a viajar e a ligar terras e continentes desconhecidas entre si e localizá-los no mapa.

Segundo alguns portugueses, desde o nascimento do Infante Dom Henrique até ao General Spínola, 580 anos, todos os heróis nacionais desse período, com estátuas, bustos ou referências em ruas e praças, deviam ser "recolhidos", senão apagados da história como heróis, porque acham que a história está a ser mal contada.

 E, sendo assim, tal como fizeram os guineenses que levaram as estátuas dos heróis portugueses para a fortaleza de Cacheu, era de sugerir, digo eu, que cá, na ex-Metrópole, se fizesse um Museu na fortaleza de Sagres, onde tudo começou.

Talvez não coubessem todos, desde o próprio  Dom Henrique um sem vergonha, sonhador, mas talvez  a culpa foi da mãe que até era inglesa,  até ao Camões um gabarola, e um Cabral que até se enganou no caminho porque se fiou no GPS que estava desactualizado.

E o Marquês onde o Benfica festeja à volta do leão, que mandou os jesuítas para lá do Atlântico, pregar para outra freguesia, esse ia também para Sagres.

Nem os santos escapavm, até São Francisco Xavier que foi convencer gente que vacas não são sagradas e que toucinho faz uma rica banha, esse também não escapava.

Quem vai para Sagres é tambem o Gama que viciou os europeus na canela e no açafrão e outras drogas.

Mouzinho que embarcou Gungunhana e a família para a Metrópole, e não naufragou, será uma das figuras principais no museu.

Enfim, se misturarmos numa mesma casa desde o Henrique, o navegador, e o Gama e Bartolomeu Dias e Cabral, junto com Salvador Correia de Sá e outros brasileiros mais uns tantos cabo-verdianos e angolanos que  atravessaram o Atlântico com escravos para o Brasil e juntarmos ainda  outros como o próprio Eusébio e todos os Magriços do Estado Novo, que inovaram com futebol luso-tropical na Europa, moda que pegou (França e Inglaterra), então ficamos sem saber como havemos de chamar a esse museu.

Mas Museu das Descobertas é que não pode ser chamado como tal.

 Passámos mais anos a caminho e a viver nos trópicos do que quietinhos no nosso cantinho.

Seriam 580 anos da nossa história que  foram uma mentira, porque  nos primeiros127 anos já estava tudo descoberto, reconhecido e identificado e mapeado, o resto 353 anos,  foi conquista e colonização.

E só teríamos 274 anos em que fomos verdadeiramente Portugueses ou Lusitanos, e não Luso-Tropicais.  

Temos que perder complexos e não somar complexos a mais complexos. Descobertas foi uma coisa, conquistas foi outra. E escravatura foi ainda outra, e todas estas coisas devem ser tratadas no seu devido lugar (museu).

Como os portugueses mais recentes,  africanos, que à maneira americana se dizem afro-descendentes, e não sei se indianos e chineses descendentes também se queixam que os herois portugueses das Descobertas e das conquistas não são os seus heróis, talvez a maioria dos portugueses se interrogue se não será também descendente dos milhares de escravos e escravas e voluntários e voluntárias que se fixaram durante 580 anos neste cantinho de heróis, e aí ficamos na dúvida sem saber o que fazer a tanto herói.

E mais uma coisa, toda a Europa está numa transição tal, que há países europeus a temer que a maioria dos seus cidadãos  venham um dia a ser "afro-descendentes" e aí também os heróis "mudam de figura".

Já há muitos anos os romanos lutaram contra cartagineses que chegavam de elefante, agora lutam contra quem chega de bote.

A história universal pode ter muitas leituras, mas ninguém culpe os navegadores, porque "navegar é preciso".

Um abraço
António Rosinha
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18559: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (55): 25 de Abril: somos ingratos?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15750: Questões politicamente (in)correctas (47): o menino guineense, fumador passivo, o militar, inveterado fumador, e o neto holandês que quer que o avô chegue aos 100 anos: "Oh opa, was je in de oolog in Guinee. Wie waas in Guinee leven tot 100 jaar" (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) > O fur mil Valdemar Queiroz, com um menino ao colo, e a fumar...


Foto: © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


 1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: 14 de fevereiro de 2016 às 03:22

Assunto: O Menino e o fumo dum cigarro


Quando o meu filho mostrou, pela primeira vez, ao meu neto, esta fotografia do avô na guerra na Guiné, o meu neto disse:

De opa's roken net de jongen [ o avô está a fumar junto dum menino!]. 

O meu neto é holandês.

Evidentemente, estávamos em 2009 e o meu neto achou estranho que se fumasse junto dum menino, em 1969.

...Fumar um cigarro é como sentir uma alegria que não fica só em nós......

... Quem me dera fumar dois cigarros, num fim de tarde, em Nova Lamego, ou até três, também, em Canquelifá.

... Quem me dera fumar uns cigarros em Guiro Iero Bocari, com 24 anos, ou já 25. .....

E durante mais de 35 anos continuaram as cigarradas até 2010.

Tinha que dar, no Hospital Amadora-Sintra, com internamento, muito debilitado durante 35 dias, com uma DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica,

Nuca mais fumei, mas continuo a ter grandes dificuldades em me deslocar pra qualquer lado com obstrução respiratória.

Tenho que me aguentar, vou-me aguentar.

E o meu neto holandês (agora): 

Oh opa, was je in de oolog in Guinee. Wie waas in Guinee leven tot 100 jaar.

Ele diz mais ou menos isto: quem esteve na Guiné vai viver até aos 100 anos.

Merecemos, vamos lá ver se aquele menino, agora com mais ou menos 46 anos,  que nos viu fumar, também vai testemunhar.

Valdemar Queiroz

______________

Nota do editor:

Últimos postes da série:

15 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14617: Questões politicamente (in)correctas (46): "Não sou 'tuga', sou português"... (António J. Pereira da Costa) / "Confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por 'tuga' pelos guineenses" (Francisco Baptista)...

24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11864: Questões politicamente (in)correctas (45): Os dois príncipes: o filho de Kate Middleton e o filho da Fatwa de Catió... (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52)

7 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11538: Questões politicamente (in)correctas (44): Há um provérbio fula que diz: "Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos" (Cherno Baldé)

24 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10632: Questões politicamente (in)correctas (42): As trocas de comissões, por dinheiro, durante as guerras coloniais (Zeca Macedo, EUA, ex-2º ten, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

5 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11864: Questões politicamente (in)correctas (45): Os dois príncipes: o filho de Kate Middleton e o filho da Fatwa de Catió... (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52)

1. Mensagem de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, úlltimo comandante do Pel Caç Nat 52 (1972/74):

 Data: 23 de Julho de 2013 às 16:30

Assunto: Os dois principes

Caros camaradas, estive ao serviço entre 1972 e 1974 na Guiné. Primeiro na CCAÇ. 4740 e depois no Pel Caç Nat 52 que desmobilizei e onde terminei a comissão já após o 25 de Abril.

Sou habitual visitante do blogue. Conheci pessoalmente o camarada Luis Graça no almoço de 2012 em Monte Real embora sejamos originários da região Oeste, ele da Lourinhã, eu da Marteleira.

Nunca escrevo sobre a Guiné porque não acho suficientemente relevantes os factos que ocorreram e dos quais fui testemunha e actor, não por falsa modéstia ou qualquer outra razão, mas porque não os considero interessantes para a comunidade que frequenta o blogue, mas guardo com enorme carinho e saudade aquela terra e aquele povo com quem tive o privilégio de servir e que quanto mais tempo passa e mais a tecnologia nos inunda e consome, mais apreço tenho pela sua cultura e tradições, sobretudo no que concerne ao respeito pelos homens grandes, pelas crianças e pelos seus mortos e história.

Hoje entro em contacto convosco porque perante o espectáculo mediático do nascimento real em Inglaterra me vieram imediatamente à memória as crianças da Guiné que cresciam sem os mais elementares cuidados de saúde, sem escola, sem nada a não ser o carinho das mães que estavam sempre presentes e mesmo quando se atiravam ao pilão para moer o arroz, ou na bolanha para lavar a roupa, os seus bebés estavam colados ao corpo na mochila dos seus panos. Por isso escrevi um pequeno texto de saudade e lamento por aquela terra e suas gentes que vos envio e que ponho à vossa disposição para que possa ser ou não publicado.


Um abraço, Luís Oliveira

2. Os dois príncipes
por Luís Oliveira

Em Londres, milhares de pessoas aguardaram à porta do Hospital de St Mary e posteriormente junto ao palácio de Buckingham pelo anúncio do nascimento do primeiro filho de Kate Middleton e William. A expectativa foi criada e alimentada por jornais e televisões de todo o mundo que ocuparam horas de transmissão e páginas de jornais, para além das empresas de apostas que irão ganhar milhões com o evento.

O neófito de 3,8 Kg e a mãe foram assistidos por um ginecologista, um obstetra e ainda um consultor neonatalogista e felizmente tudo correu muito bem apesar dos cuidados que o início da gravidez exigiu.

Felizmente esta criança irá ter sem qualquer restrição todos os cuidados de saúde, terá acesso às melhores escolas que oferecerão uma educação reservada aos eleitos e tem no futuro o sucesso garantido, mesmo que, com tudo o que lhe é oferecido se venha a revelar um homem limitado ou mesmo um imbecil.

Em Catió, Fatwa que pilava a vianda foi abrigada a suspender os seu trabalho pelas dores de parto, o bebé estava mesmo a chegar. As vizinhas Cadija e Binta correram a ajudar e Aliu nos seus 2,1 Kg, soltou o seu primeiro choro perante o desconforto do mundo em que terá de viver. 

Obama não mandou as felicitações para Fatwa e talvez Aliu não venha e ter fome, talvez venha a frequentar uma escola e aprender a ler e se tiver saúde nunca irá necessitar de médicos ou hospitais. Terá futuro na bolanha a cultivar arroz, ou com uma HK 47 ao serviço dos senhores da guerra e agentes do tráfico ou com muita sorte em Portugal num clube de futebol profissional. Será este o seu futuro mesmo que dotado um mente brilhante e inteligência superior.

O seu destino está traçado, mas mesmo com a ausência dos jornais, do público e das apostas nunca deixará de ser um príncipe porque mais que tudo é uma criança e mais um ser humano que os seus semelhantes ignoram.

Luís Oliveira

(Foto: Carlos Vinhal)

3. Comentário de L.G.:

Meu caro acamarada e conterrâneo Luís Oliveira:

Acabo de regressar de Luanda, depois de um dia cansativo: levantei-me às 5h30, cheguei ao ao aeroporto às 7h00 e... embarquei no Airbus 340, do TP 288, às 13h00... Coisa rara, hoje (ou melhor, ontem, 23,) o  cacimbo afectou o tráfego aéreo, atrasando os voos que levariam a casa umas largas centenas de desvairadas gentes que por aqui andam na labuta da vida ou que muito simplesmente vieram á FILDA 2013, a cada vez mais anaimada Feira Internacional de Luanda:: portugueses ("tugas"), chineses, cubanos, brasileiros...

Durante uma semana, de 17 até 23 do corrente,  não vi nem editei o nosso blogue. O Carlos Vinhal segurou a barra. 

Tudo para te dizer que fiquei sensibilizado e feliz pelo teu mail que acabo de ler e que me apresso a publicar, pela sua atualidade e oportunidade... Se me permites um comentário, veio-me à memória o provérbio ou ditado popular alentejano: "A rica teve um menino, a pobre pariu um moço"... Isto diz tudo sobre a distância, não apenas física como simbólica e cultural, que existe entre Londres e Catió, entre a Kate e a Fatwa... O menino nasce com 3,8 kg, o moço com 2,1 kg...Os dois são príncipes, mas o Aliu será, com todas as probabilidades, um "príncipe do nada", se conseguir ultrapassar a terrível barreira dos 5 anos...

Faço questão de, mais uma vez, te pedir que aceites o meu convite para te juntares à  grande fanília da Tabanca Grande, passando a seres o membro  nº 625 do blogue.  Permito-me discordar da tua opinião segundo  a qual as tuas memórias pessoais da Guiné seriam irrelevantes para a historiografia da guerra colonial...  Não são, pelo menos não são para mim e para todos aqueles que passaram por Bambadinca e tiveram o privilégio de conhecer os bravos do Pel Caç Nat 52... Ora, tu foste muito simplesmente o último comandante desta subunidade, composta por camaradas guineenses... E do Pel Caç Nat 52 estão cá, na nossa Tabanca Grande, não só o seu primeiro comandante, o Henrique Matos,  como também outros que se lhe seguiram, o Beja Santos e o Joaquim Mexia Alves...

Estou demasiado cansado para a esta hora fazer o teu poste de apresentadação. Mas estou seguro que  nos vai honrar com a tua presença. De resto, já cumpriste as nossas regras básicas, que é o envio de 2 fotos + 1 texto ou história,

Um abraço. Espero poder encontar-te em agosto na Praia da Areia Branca, na Marteleira ou na Lourinhã. LG

PS1 -  Vejo que também estás no Facebook.

PS 2 - Na Ilha de Luanda, e sempre que lá estou, não posso deixar de pensar nos meninos angolanos (e de toda a África, em particular da África lusófona) que aprenderam a fintar a morte...Vejam-se aqui dois poemas meus, já antigos, de outras viagens:

Os meninos da ilha de Luanda

Luanda (re)visitada

(...) Na praia dos pescadores
Há meninos, brancos e pretos,
Pé descalço e calças rotas,
A chutar a bola às balizas da sorte.
Poderão não vir a ser uns senhores,
E sorrir como o Mantorras,
O rosto espalhado em outdoors pela cidade.
Mas contarão, decerto, aos seus netos
Como souberam fintar a morte
Desde a mais tenra idade. (...)

_______________

Nota do editor:

Último poset da série > 7 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11538: Questões politicamente (in)correctas (44): Há um provérbio fula que diz: "Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos" (Cherno Baldé)

terça-feira, 7 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11538: Questões politicamente (in)correctas (44): Há um provérbio fula que diz: "Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos" (Cherno Baldé)

1  Comentário de Cherno Baldé ao poste P11459 (*)

Caro amigo Paulo Salgado,


Eu li com muita atenção a tua reacçãoà minha provocante frase sobre o comportamento sexual dos soldados portugueses durante a guerra na Guiné e no entanto, não dei conta em nenhum momento que tivesses desmentido a minha afirmação.

No meu comentario eu falei de "superioridade racial", não sei se isto quer dizer "ser racista". E esta aparente superioridade não fui eu que a inventei, encontra-se, de forma explicita ou naão, em todos os textos legislativos da antiga administração colonial e era perfeitamente normal que certos soldados fizessem uso de um estatuto que a lei lhes outorgava.

O que defendes, e nisso estamos de acordo, é que não se deve generalizar. Pois claro, ai de nós,  Guineenses,  se os casos referidos representassem a regra e não a excepção.

Há um provérbio Fula que diz que: Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos; quando se fala dos mal comportados, os bem comportados sentem-se indignados. Foi o que aconteceu agora contigo, suponho e com muitos outros que não quiseram expor-se abertamente no blogue.

A mim me parecia evidente que o facto de ser membro, "amigo", mesmo que off-sider, como alguém já me chamou, de um bloque de antigos soldados portugueses que combateram na Guiné e o único Guineense que aqui se atreve a escrever no seu esforçado pretuguês, queria significar que não penso mal dos portugueses nem considero que todos tiveram, no passado, um comportamento indigno. E, se tiverem a paciência de revisitar os postes com textos da minha autoria, verão que tentei, no máximo, ser fiel à linha das minhas memórias de criança que passou uma boa parte da sua vida (1968/74) metida no meio dos soldados metropolitanos.

Mas, acontece que na guerra, na tropa como na vida, nem tudo é perfeito e vocês,  portugueses, não são uma excepção. Havia soldados bons, no sentido mais lato da palavra, até muito melhores que os nossos, na maioria dos casos, mas também havia um pouco de tudo, sem falarmos dos casos mais sórdidos que, naturalmente, não faltaram.

Se, de uma forma ou outra, as minhas palavras foram motivo de ofensa ou de indignação para algumas pessoas, apresento as minhas sinceras desculpas porque não foram intencionais. Não obstante, não retiro nada do que disse por corresponder, na altura, aà minha percepção pessoal e ao sentimento partilhado de toda uma comunidade à qual pertencia e que era obrigada a assistir, impávida e impotente, a muitos actos de atropelo e de abusos justificados por uma guerra que, também eles não queriam.

Felizmente, para mim, há portugueses e antigos combatentes como o amigo C. Martins que me compreendem e sabem que eu não inventei nada e que sou assim mesmo, uma pessoa que pensa com a sua cabeçaa e fala de uma forma directa, muitas vezes, para a sua própria desgraça.

Um grande abraço ao Paulo e a todos os amigos da TG.

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito).


PS - Importa assinalar que, como sinal dos tempos, tenho constatado, com muito agrado, que a nova geração de portugueses e europeus, em geral, agora tem uma postura muito diferente pois nota-se que, para além do mútuo respeito, há alguma reciprocidade nos sentimentos.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 24 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)



Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) > O alf mil cav, op espe,  Paulo Salgado, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho. Professor primário, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde. E particular motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade. Irei encontrá-lo, mais tarde, no início dos anos 80, em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública. Mas só depois da criação do blogue, é que demos conta que éramos também "camaradas da Guiné" e tínhamos uma "paixão comum por África"... Faz parte da Tabanca Grande desde fevereiro de 2006, se não erro (LG).

Foto: © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Paul Salgado [, transmontano de Moncorvo; administrador hospitalar reformado; consultor, especialista em gestão de serviços de saúde, cooperante na Guiné-Bissau e em Angola; ex-Alf Mil, CCAV 2721,Olossato e Nhacra, 1970/72]:


Enviado: quarta-feira, 24 de Abril de 2013 10:50
Para: Luís Graça; luigracaecamaradadaguine@gmail.com
Assunto: Racismo

Caro Luís,
Esta minha maneira de ver sobre o que o Cherno Baldé pensa peca por tardia. mas vai a tempo. Seria de analisar este assunto com mais profundidade. Ou não?

Paulo Salgado,  com uma saudação.


Caros Tertulianos,

«Aos soldados apeteciam-lhes fazer sexo e descarregar suas baterias com as nativas e mais nada, pois a mentalidade colonial de superioridade racial debaixo dos seus camuflados não lhes permitia ter outra forma de ver as coisas e de se relacionar com o nativo, "indígena" logo inferior" (Cherno Baldé dixit).

É o Cherno Baldé, "menino e moço de Fajonquito", que escreve esta frase, ou é o Dr. Cherno Baldé, homem grande e pai de família? Obrigado, amigo e irmão, pelo teu depoimento sobre a situação em Fajonquito nos últimos anos da guerra, no que diz respeito às relações entre a tropa e a população local.»  [vd.comentário ao  poste P11360]


Estão acima uma afirmação do Cherno Baldé e uma pergunta e comentário àquela, do Luís Graça.

Em primeiro lugar, devo afirmar aqui categoricamente que as palavras do Cherno Baldé encerram alguma coisa de verdade: pois não é certo que, cercados por arame farpado, muitas vezes (ou quase sempre), com população do lado dos tugas, ou não, muitos soldados e muitos graduados tinham necessidades fisiológicas que, certamente aproveitando-se da situação de "superioridade" material (que não psicológica, friso bem isto: que não psicológica), mantinham relações sexuais com algumas bajudas? E também não é verdade que a masturbação era prática corrente? Quem pode escamotear esta verdade?

Mas já discordo abertamente do Cherno Baldé quando faz a afirmação, diria gratuita, da tal "superioridade racial", de atitudes com "mentalidade colonial".

É verdade, caros tertulianos, que havia comportamentos aparentemente racistas, todavia não dos soldados em geral, repito: não dos soldados em geral. Claro que  praticavam actos que não abonavam nada; claro que quem tinha algum dinheiro no bolso, apesar da miséria do pré recebido mensalmente, abusava dessa materialidade. O que é manifestamente um ultraje à relação entre homem e mulher, se forçada – como creio que era, em muitas situações, exactamente por causa dessa materialidade.

Mas confundir estas situações vivenciadas pelos militares – que queriam ardentemente que o tempo passasse – com racismo, com atitudes colonialistas, é uma ofensa. Eu tomo-a como ofensa. Eu sei que a maioria dos militares da minha companhia não era racista (não digo todos, porque seria colocar as mãos no lume). Sinto-me ofendido pela generalização que o caro Cherno Baldé faz.

Se formos verificar a História, se a analisarmos bem, o Cherno Baldé encontrará sempre atitudes de indignidade e de ultraje em momentos de guerra. Para não ir mais longe e mais lá atrás: nas invasões francesas a Portugal, os militares franceses, roubaram e saquearam, violaram, maltrataram, mataram; e nos últimos anos, o que tem acontecido em vários países de África?

Não defendo os militares que se comportaram mal. O que não posso crer é que se diga que, enquanto militares na guerra colonial, que mataram e foram mortos, fossem racistas. Não eram. Na sua grande maioria.

Uma saudação tertuliana, caros Cherno e Luís.

Paulo Salgado
(ex-alferes, hoje com 66 anos)
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10632: Questões politicamente (in)correctas (42): As trocas de comissões, por dinheiro, durante as guerras coloniais (Zeca Macedo, EUA, ex-2º ten, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10632: Questões politicamente (in)correctas (42): As trocas de comissões, por dinheiro, durante as guerras coloniais (Zeca Macedo, EUA, ex-2º ten, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

1. Do nosso camarada Zeca Macedo, que vive nos EUA, e que foi 2º tenente fuzileiro especial, DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74)

Luís:

Aquando das minhas últimas férias em Portugal [, em outubro passado,]  tive a oportunidade de falar com um ex-soldado que esteve em Cacine durante a guerra. Disse-me ele que "fui parar à Guiné por troca." 

Explicou-me que por ser de famílias pobres aceitou ir para a Guiné, por troca com um soldado que tinha sido para lá mobilizado. Disse-me que na altura era uma quantia boa, mas não me quis dizer quanto.

Passados mais de 40 anos "continua cheio de raiva" por tal ter sido permitido e que a chance de ser morto poderia ser  vendida. 

Embora tivesse ouvido falar de tal "sistema",  nunca conheci nenhum dos "trocados", pois na Marinha tal prática não existia. 

Procurei no nosso blogue, mas não encontrei nenhuma referência às trocas por dinheiro. Será que algum tabanqueiro passou por tal situação e gostaria de o abordar aqui no blogue?

Um abraço amigo,
José J. Macedo, DFE 21

Guine 73-74 
_____________

Jose J. Macedo, Esquire
Law Offices of Jose J. Macedo
392 Cambridge Street
Cambridge, MA 02141
Tel. (617) 354-1115
Fax (617) 354-9955
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

1. Mensagem do António Rosinha, de 13/1/2007, que esteve para ser publicada na série Questões politicamente (in)correctas, sob o poste P1426, e que por qualquer razão (falha técnica ou erro humano, os dois bodes expiatórios do costume) não o foi... 

O poste  [ Guiné 63/74 - P1426: Questões politicamente (in)correctas (17): A origem da palavra Turra (António Rosinha)] estava em rascunho, em fase de edição, creio até que chegou a ser publicado... O nº 17 da série acabou por ser atribuído a um poste do Amílcar Mendes (*). E o texto do Antº Rosinha acabou por ir para ao "limbo" (, mas não para o lixo)... Cinco anos no limbo!...  Fomos recuperá-lo. Vê agora a luz do dia, com outra numeração por causa da cronologia... . Com o nosso pedido de desculpas ao Antº Rosinha (que está connosco, de pleno direito, desde 29 de novembro de 2006) (**) e,claro,  também aos nossos leitores. Na numeração dos nossos postes fica em branco o nº 1426... (LG)


2. A origem da palavra Turra,
por António Rosinha

Tuga, portuga, caputo, chicoronho, cabeça de porco, baranco, chindele, e por fim cubano, já ouvi esses nomes dirigidos a mim e a outros,  ao vivo e a cores. In loco. Nem todos eram depreciativos, mas alguns eram. Logo que sejam ditos em português, ou crioulo, madeirense ou carioca ou baiano, para mim é fabuloso.

Isto tudo para dizer qual o mês e o ano em que surgiu uma palavra que para muita gente não tem justificação: TURRA (terrorista) e a sua motivação. Pois, apesar da muita informação descarregada neste Blogue, penso que esta explicação que vou dar, e é dos livros, não foi lida aqui.


15 de Março de de 1961. Pois houve um movimento, União dos Povos do Norte de Angola, UPNA, depois UPA, depois FNLA, que provocou actos de terrorismo, contra brancos, mulatos, negros que não fossem Bacongos (***), que a par de outro terrorismo que se desenvolvia nos vizinhos Congo Belga, Ruanda e Burundi, explica uma grande parte do apoio popular que o Governo Português teve em todas as frentes, que sem esse apoio não aguentaríamos...13 longos anos.

Para quem assistiu "tudo a meter o rabo entre as pernas"e a fazer as malas, eu não era excepção, e saber que o 1º classificado do meu pelotão do CSM, angolano, mestiço, uma simpatia, já na sua actividade civil, foi na leva, toda a gente tinha alguém conhecido que tinha morrido (nem descrevo os processos usados, e depois a reacção).


Para quem assistiu, ficou no ar a palavra terrorismo (TURRA). E por uns pagam outros. Foi tão revoltante que todos os mestiços, negros assimilados com estudos que já enchiam as repartições e escritórios, brancos angolanos, guineenses e moçambicanos de várias gerações, e que todos eram pela independência das colónias - não o escondiam, tanto na tropa como no desporto como no ambiente profissional (posso noutro ambiente mencionar nomes públicos, vivos uns e falecidos outros)- , todos se viraram contra as independências de qualquer maneira, e não alinharam com Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Chipenda, etc. Até porque todos os vizinhos independentes viviam em constantes matanças étnicas.(Será que acabou?).

A origem da palavra foi só esta, e justificadíssima. Essa palavra foi aproveitada para todos os fins. Muitos conhecem esta história,  concerteza. Outros, verifico que não (****).
________

Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

Último poste da série > 15 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)
(**)  Vd. poste de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(***) Etnia do norte de Angola, que outrora (antes da conferência de Berlim, de 1885, que retalhou o continente africano pelas principais potências coloniais europeias, era o povo que vivia no Reino do Congo):

(...) "A luta anticolonial divide-se em três grupos que refletem diferenças étnicas e ideológicas: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), multirracial e marxista pró-URSS, com predomínio da etnia quimbundo; a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), anticomunista, sustentada pelos EUA e pela República Democrática do Congo (ex-Zaire), com base na etnia bacongo (norte do país); e a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), com forte presença da etnia ovimbundo (centro e sul), inicialmente de orientação maoísta, que depois se torna anticomunista e recebe o apoio do regime sul-africano do apartheid. Independência" (...).

Fonte: Sítio brasileiro Mulheres Negras: do umbigo para o mundo > Angola

Segundo o sítio da CIA, com dados estatísticos sobre Angola,  
os bacongos representariam 13% da população. Restantes: Ovimbundos: 37%; quimbundos: 25%; mestiços: 2%; Europeus: 1%; outros: 22%. [Consult. em 4/11/2012].

(***) Vd. também a opinião do linguista Rui Ramos, colaborador do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:


(...) [Pergunta] Li algures que a palavra tuga era pejorativa. Não a encontro em nenhum dicionário mas de facto tornou-se conhecida pois foi o nome dado à Selecção Nacional aquando do Mundial 2002.  A pergunta é: a palavra existe? E é pejorativa? Manuela Couto, Portugal
[Resposta] A palavra «tuga» é de facto pejorativa. Surgiu em contraponto à palavra «turra» («terrorista») que os colonos portugueses em África usavam para designar os que, com armas, se opunham ao colonialismo. 

Surgiu na década de 60, já em plena luta armada de libertação nacional. Eu próprio a usava, já inserido na luta clandestina do MPLA em Luanda, para falar dos «soldados portugueses em Angola». «Turra-Tuga» é uma dicotomia que faz parte integrante da luta anticolonial e que, já se vê, define o «lado mau» da luta.

Por isso eu desde o início considerei que a palavra tinha sido muito mal escolhida para a selecção portuguesa devido à carga guerreira, colonial e incivilizada, porque parece homenagear um dos períodos mais tristes da História de Portugal.

Em sentido mais amplo temos a expressão «pula» (os imigrantes africanos tratam, invariavelmente, os brancos por esta palavra) (*****). 
Rui Ramos (2003) (...) 



(*****) Vd. poste de 26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

(...) Pula. Pessoa branca (pejorativo). O mesmo que braga, cangando, tuga.(...)

O termo "turra" já está  grafado nos dicionários de língua portuguesa (por ex., o Priberam) como substantivo, com o significado de "guerrilheiro dos movimentos independentistas africanos nos tempos da guerra colonial portuguesa".

Vd.  também a Infopédia:  Turra, forma de turrar;

(i) turra, nome feminino: 1. popular, pancada com a testa; cabeçada; marrada; 2. figurado,  teima; birra; disputa (...)

(ii) turra, nome masculino: gíria, depreciativo, nome atribuído pelos militares portugueses aos combatentes independentistas africanos, durante a guerra colonial portuguesa;
(iii) andar às turras, andar desavindo

(Derivação regressiva de turrar) (...)

domingo, 15 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)

1. Texto de Carlos Geraldes, membro da nossa Tabanca Grande, de 69 anos, residente em Viana do Castelo, ex-Alf Mil, CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66):


A Guerra Colonial: Todos Querem Ser Heróis! (*)

E nem se lembram de que tudo partiu de uma mentira, com mais de quinhentos anos. Mentira piedosa dirão alguns, mentira necessária, dirão outros, mas na verdade não passou de uma redonda e grosseira mentira, repetida vezes sem conta! Foi a nossa epopeia!

– Mas descobrimos novos mundos!
– Como? Não existiam já antes?
–  Desbravámos novos caminhos, novas rotas! Evangelizámos!
– Mas onde plantámos os nossos Padrões (quais marcos de propriedade), e nos estabelecemos com fortificações, não foi para mais facilmente assaltar, roubar e reduzir à mais cruel escravidão outros seres humanos como se fossem gado para exploração, abate e consumo?

 Desde tempos imemoriais que a regra foi sempre a mesma. Quem tinha a força tinha o direito. E como povo “civilizado” que éramos (!?) considerávamo-nos também superiores aqueles que não tinham os nossos costumes e que até nem praticavam nem conheciam a nossa religião. Eram os “infiéis, os gentios, gente bárbara e sem a alma que apenas a fé cristã proporcionava aos convertidos, conforme então piamente se acreditava.

E a pretexto que era urgente converter essas multidões de gentios, aproveitava-se, já agora também, para os aligeirar dos bens que possuíam e até de outras riquezas que eles nem sabiam serem objecto da nossa cobiça, só porque nos considerávamos com muito mais direitos a essas riquezas do que eles. Assim devastámos tudo o que de tentador se nos aparecia pela frente. Ouro, pedras preciosas, especiarias, minério, tudo era avidamente carregado a bordo de caravelas, naus, e todos os navios mercantes que vieram depois. Como paga deixávamos algumas bugigangas, espelhos, facas, aguardente… e os nossos rudes costumes também, nunca conforto e civilização!

Mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, já dizia o poeta sábio. E os povos das nossas colónias ganharam coragem e sublevaram-se. Veio por isso a guerra colonial.

Dos altares da Pátria teceram-se louvores, cânticos e hinos aos soldados que rumaram em armas para as terras africanas. A juventude de um povo analfabeto e desinformado, cego e magnetizado por tanto aparato, seguia como uma legião de cordeiros para uma matança sem fim à vista. Quando lá chegavam, com as G-3 em riste, assaltavam as tabancas, as moranças, correndo pelas picadas mais distantes, disparando a torto e a direito. O que é que interessava uma ou duas centenas de pretos a mais ou a menos? Ninguém lhes pedia contas disso, só tinham de lhes dar uma “ensinadela”, de os meter na “ordem”. Estavam “superiormente” autorizados a matar, dizimar, desfazer tudo quanto lhes desse na real gana. Não era a ali a África selvagem, o lugar de todos os infernos, o cenário perfeito onde os brancos podiam praticar impunemente todas as espécies de atrocidades? Então…?

Inchados de orgulho pateta, contam como eles trataram como “vinha vindimada” as terras dos “pretos”, como corriam atrás das raparigas de impudicos peitos nus, como suaram as estopinhas, mergulharam na lama até aos peitos, passando pelos maiores perigos e tormentas, como só eles passaram!

Mas não admitem, nunca, como tremeram de medo no meio da escuridão da mata e que, sempre que sentiam as “costas quentes”, também fizeram o gosto ao dedo, só para aliviar um agora denominado de “stress” (para não lhe chamarmos “pura selvajaria”), chacinando velhos, crianças e mulheres indefesas, galinhas, cabras, vacas e, até morros de “baga-baga” tudo varrido na frente, com umas boas rajadas da velha G-3, tiros de “bazooka” ou granadas de morteiro atiradas ao acaso.

E agora, porque voltaram, até já se julgam heróis, apenas porque também lá estiveram. Só porque fizeram aquela viagem por um mundo que não entendiam, escondidos atrás de uma arma, cumprindo “ordens” que não compreendiam nem discutiam, julgam ter direito a um estatuto de heróis!

Periodicamente, os que ainda restam dessas “expedições” reúnem-se para confraternizar à mesa de um qualquer restaurante. Pançudos, com os ralos cabelos já esbranquiçados exibindo, por vezes, as velhas boinas das “Campanhas de África”, contam chalaças marialvas, recitam os nomes das velhas armas que usaram, riem-se e choram com saudades dos tempos que já lá vão. No fim fazem juras e saudações militares. Qual Vietname, qual carapuça! Ninguém é mais digno de crédito e admiração do que eles!

.../...

Ao chegar a casa, dão um beijo na mulher, calçam as pantufas e com um profundo suspiro de alívio e sentimento do “dever cumprido”, ficam para ali a “ruminar” o inevitável Telejornal, porque a seguir vai dar a bola!

E não é que agora, vêm todos dizer que foram uns heróis?!

Carlos Geraldes
carlos.geraldes@live.com.pt

2. Nota do editor L.G.:

Este texto, com data de 7 de Julho,  vem no contexto de algumas reacções à publicação do conto do Mário Cláudio, Para o livro de ouro do Capitão Garcez.

O Carlos queixou-se de ter sido "silenciado"... Ora não é prática nossa silenciar ninguém, muito menos um camarada que costuma cumprir com lealdade e fair play as regras de convívio do nosso blogue, e é um activo colaborador. O que aconteceu é que os editores foram de certo modo surpreendidos pela "crueza" da sua linguagem e pelas considerações (menos felizes) que faz da generalidade dos antigos combatentes da guerra colonial... Ora essa generalização é abusiva, meu Caro Carlos, na falta de um verdadeiro retrato, sócio-antropológico,  a corpo inteiro,  da nossa geração que combateu em África...

O próprio autior entendeu meter esse texto, inicialmente na gaveta,  por o achar "um pouco forte"... Três meses depois de o terescrito, decidiu reenviá-lo em 7 de Jullho...

Arrefecida, entretanto, a polémica à volta do conto do Mário Claúdio, perdeu-se a oportunidade (editorial) de publicar o texto do Carlos Geraldes... Mas, enfim, nunca é tarde para o fazer... O texto fica postado (bem como as explicações das a seguir pelo autor):

Olá queridos amigos:

Tenho estado de facto a "hibernar" se bem que a estação não seja muito propícia a isso.

Fui despertado pela "polémica" sobre um belíssimo texto, inédito (?), de Mário Claudio, escritor que mal conheço, apenas pela notoriedade que lhe advém dos inúmeros trabalhos que publicou e consequentes prémios arrecadados. Aliás, sinto até um certo orgulho por me ter cruzado com ele duas ou três vezes numa pastelaria em Paredes de Coura, onde ele, me parece, deve ter residência temporária. Facto que muito enobrece tais idílicas e serenas paragens do nosso Minho profundo. Mas nunca me atrevi a falar-lhe, nem sabia tão pouco que também tinha estado na Guiné a cumprir o serviço militar.

Estamos todos de parabéns, portanto. A Tabanca Grande ficou MAIOR!

Quanto à tal "polémica", deixem que vos diga que não vale nada! Até faz lembrar as "bacocadas" à volta da obra do Saramago. Como sempre, quando a caravana passa, ficam cães a ladrar. Não é que não tenham o direito de ladrar. É a maneira de eles se expressarerm e, o direito à livre expressão, foi uma das mais importantes conquistas de Abril. Mas atenção à responsabilidade! Responsabilidade para com os outros, para os que estiveram, os que estão e os que estarão nesta terra que nos criou. Responsabilidade pelo futuro que construímos com os nossos exemplos pois isso, infelizmente, ainda não é muito perceptível pela maioria. Apenas nos interessamos pela notoriedade de aparecer, de dizer coisas, muitas delas toscamente apreendidas, imitadas sem delas nos apercebermos totalmente, sequer. E assim se cria agora esta estéril "polémica" que já cheira a coisa morta logo à nascença.

Nos princípios deste ano tinha escrito um pequeno texto, inspirado num comentário pouco abonatório sobre o nosso blogue.  Declarava alguém que a existência deste e de outros blogues do género, só serviam para certos indivíduos fanfarrões se virem pavonear de hipotéticos feitos nas guerras de Àfrica.

Como achei, depois, que o texto estivesse um pouco forte, guardei-o na gaveta. Mas agora perante as palavras de Mário Cláudio e as consequentes reacções, vou servir-me dele como mais uma testemunha de defesa do "réu", embora nunca tivesse sido para aqui chamado, apenas porque assim sempre foi a minha percepção da realidade vivida na Guiné.

Também eu fui testemunha (ainda nos benévolos tempos de 1964/66) do ambiente denso que a guerra arrastava atrás de si. Nunca a leitura de Joseph Conrad me parecera tão real ("O Coração das Trevas"). Estavamos ali a viver num cenário quase idêntico, emoções de tal maneira semelhantes, que a nossa mentalidade ia-se moldando a pouco e pouco à tenebrosa lógica da guerra com as suas obscenas crueldades tornadas puras banalidades. O acto de maltratar outro ser humano, mutilá-lo, matá-lo, esventrá-lo, esmagá-lo contra uma parede, trazia tanta impacto moral, tanto remorso, como matar um insecto importuno. E além disso até era um acto legal! A guerra tudo justifica!

Matar uma jovem mãe, com um tiro certeiro de G-3 que a atravessasse de lado a lado e esmigalhasse também a cabeça do bebé que ela transportava à costas numa fuga alucinada, era um acto merecedor de aplausos pela pontaria certeira do bravo soldado ansioso de mostrar uma valentia que nunca iria ter de outro modo.

Quem falou mais nesse crime? E em muitos outros que se seguiram? E os prisioneiros mantidos em Nhacra ( a "idílica" Nhacra!) dentro de uma jaula de arame farpado? E o prisioneiro morto com um canivete sucessivamente espetado no pescoço, só para o calar, na atrapalhação de uma noite de operação em território IN?

Bom, a guerra tem os seus fantasmas e é bom que os saibamos enfrentar de uma vez por todas.

Hoje parece que lidamos ainda com essas recordações, como se se tratassem de bilhetes postais de um passado heróico, feliz e distante. Por isso me repugnam certas basófias, certas festanças e jantaradas como se quisessem comemorar factos gloriosos do nosso passado comum. Feitos glorificados por uma "história" embelezada por uma certa doutrina política e nada interessada em mostrar a pura realidade.

Desculpem-me este desabafo mal amanhado, mas assim de repente é o que sinto cá por dentro.

Um grande abraço. Viva Àfrica, viva a Humanidade!
Carlos Geraldes

PS. Em Anexo envio o tal texto escrito em Abril deste ano [A guerra colonial: todos querem ser heróis]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4357: Questões politicamente (in)correctas (39): Havia racismo nas Forças Armadas Portuguesas ? ... E no PAIGC ? (Nelson Herbert)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2229: Questões politicamente (in)correctas (35): RTP: o (im)possível debate sobre a guerra (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem recente do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil - e grande fadista! - que, na Guiné (1971/73), pertenceu a três unidades: CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa). Caros Luís e Camaradas da Guiné:

Em 17 deste mês enviei o mail abaixo. Como não obtive qualquer resposta e o assunto me parece ser actual, fiquei na dúvida se o receberam.

Sei muito bem que nem todos os mails que enviamos são objecto de publicação e, seja qual for o critério dos editores, concordo à partida desde já com eles.

Sei que este assunto é polémico mas também sei que se não enfrentarmos as coisas que vivem nas nossas vidas, dificilmente alcançaremos a paz sobre o nosso passado.

Nós não fomos políticos, fomos apenas os soldados que foram chamados a combater pela sua Pátria, independentemente da razão ou não razão da mesma. Em todas as guerras há sempre diversas visões e a maior parte delas colidem umas com as outras. Para termos paz, pelo menos eu, não podemos atribuir virtudes só a um dos lados e o outro ser o condenado.

Por isso falo em termos militares, puramente militares, pois apenas vejo, (parece-me), grandes feitos de um lado, e defeitos do outro, ao qual eu pertencia.

É muito dificil explicar onde quero chegar, e sei, repito, que o assunto é polémico, mas não há dúvidas que falta essa análise sem vergonhas, nem sentimentos de culpa.
Estarei enganado? É possivel, mas a verdade é que sempre me incomodou dar certas coisas como adquiridas, por isso digo que se calhar ainda é cedo para uma análise desapaixonada deste ponto de vista.

Repito que nada disto implica com a condenação da guerra, (esta e qualquer outra), que ainda bem terminou e nunca devia ter acontecido.

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real
Tel: +351 244 619 020 / fax: +351 244 619 029


2. Mernsagem de 17 de Outubro, enviada pelo Joaquim Mexias Alves:

Assunto: Prós e Contras

Caro Luís e Camaradas da Guiné:

Também assisti ao [programa] Prós e Contras, mas confesso que me começou a faltar a pachorra e fui-me deitar.

Como o Luís, também acho que aquele formato de programa, já não dá. Fico sempre com a impressão que o programa se podia chamar "Fátima e os seus convidados", pois a maior parte das vezes ela fala mais que os convidados e constantemente interrompe o discurso e linha de pensamento dos mesmos.

Bem esta é a minha apreciação, outros verão de modo diferente!

Quanto ao debate: Apesar de já ter passado muito tempo, provavelmente ainda é pouco, porque se nota que as paixões estão à flor da pele. Ou seja todo o debate está eivado de política e por isso mesmo muitas vezes carece de objectividade.

Claro que seria difícil falar de uma guerra destas sem falar da política ou do ponto de vista político, mas a guerra não se resume apenas à política.

Passaram a maior parte do tempo a discutir se a guerra era do ultramar, se colonial, se de libertação.Ora, abóbora, conforme o pensamento de cada um ela terá a designação que cada um lhe quer dar: (i) Do ultramar, porque uns acreditavam ou queriam acreditar servindo os seus interesses, que aqueles territórios eram parte integrante do "todo nacional"; (ii) Colonial por aqueles que viam ou queriam ver, servindo os seus interesses, aqueles territórios como colónias; (iii) De libertação por aqueles que, sendo desses países a fizeram, porque aqueles que sendo desses países os apoiaram, mas lembrando que alguns, sendo desses países, com ela não concordavam, e por isso não seria para eles de libertação.

Como foi chamada a guerra das Malvinas? Do ultramar pelos ingleses, colonial pelos argentinos, de libertação pela população, ou alguma população?

Não me parece que isso seja muito importante, pelo menos para mim não é.

Agora pode-se discutir esta guerra do ponto de vista político, do ponto de vista militar e do ponto de vista politico-militar.

Naquele debate parece-me ter-se discutido apenas do ponto de vista político e, como tal, deu em nada. Acaba por se ver e ouvir sempre os mesmos a dizerem as mesmas coisas, citando outros, mas sem grandes provas que eles o tenham dito, servindo-se de frases muitas vezes tiradas de contexto, etc, etc.

E os milicianos? E aqueles que não eram militares profissionais e oriundos de diversos pensares e vivências? O que pensam eles? Alguém viu? Alguém sabe? Alguém quer saber?

Afinal quem fez a guerra, na sua esmagadora maioria, foram os militares de carreira ou os milicianos?

Com isto não estou de modo nenhum a colocar de lado os militares profissionais, que os há e muitos, cheios de competência e dignidade, e que me orgulho de ter servido sob o seu comando.

Mas a verdade, e é a minha opinião, é que a maior parte tenta sempre demonstrar que a guerra estava perdida, e isso cheira-me muitas vezes a uma qualquer justificação!

Claro que a guerra estava perdida! Estava perdida politicamente, como qualquer guerra daquele tipo, e pelo desgaste e a pressão internacional, estaria também perdida militarmente, pois demorasse o tempo que demorasse acabaria na independência daqueles povos.

Mas agora, e era isso que gostava de ver debatido com verdade e sem paixões políticas e outras, verdadeiramente porque se diz que a guerra estava perdida militarmente na Guiné?

É uma afirmação permanente, com a qual eu não concordo, e até agora ninguém me demonstrou o contrário.

Com isto não quero dizer que não fico muito feliz com a independência da Guiné, (gostava de ver um país próspero e um povo feliz), mas sim que se pode analisar a situação, não por dois ou três lugares ou acontecimentos, mas pelo todo.

Vejamos a titulo de exemplo:

Estive de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 na Guiné e durante esse tempo, que eu saiba, não houve nenhuma emboscada ou ataque a qualquer coluna na estrada Bambadinca/Xitole, ou Bambadinca/Bafatá, ou Xitole/Saltinho, ou, julgo eu, Bafatá/Gabu (Nova Lamego)

Não houve, que eu me lembre, qualquer ataque a barcos no Geba, entre o Xime e Bafatá.

Em Mansoa estávamos a abrir a estrada de Jugudul, (salvo o erro), Portogole e a mesma avançava, claro que com algumas acções de guerra, mas nada que a impedisse.

Montei várias vezes protecções a colunas na estrada entre Mansoa e Mansabá, na zona do Morés e as colunas passaram sem incidentes.

Isto são só alguns exemplos que logicamente não retratam também o que se passava em toda a Guiné, mas parece-me que os trágicos episódios de Gadamael, Guileje e Guidage acabaram por determinar essa informação que a Guerra estava perdida militarmente.

Em muitas guerras, em muitos lugares, ao longo da história do mundo, se perderam algumas praças, mas não se perdeu a guerra.

Em Angola a guerra estava perfeitamente controlada e isto penso que é opinião geral. Em 74 e 75 fiz milhares de quilómetros no interior de Angola e nem um pequeno incidente aconteceu. Assim o esforço militar que se estava a fazer em Angola, podia ser desviado em parte para a Guiné, mormente Força Aérea com outras capacidades, o que poderia mudar muita coisa na Guiné.

Com isto não estou a dizer que queria que a guerra continuasse! Não, nem tal me passa pela cabeça, ainda bem que acabou, para todos nós, Guineenses e Portugueses!

Apenas quero dizer que, na minha opinião, a guerra militarmente não estava perdida, ou pelo menos ainda não mo conseguiram demonstrar.

Sei que esta é uma abordagem polémica, e que a análise que aqui faço, (se é que se pode chamar análise a este arrazoado de ideias), não demonstra coisa nenhuma, mas talvez suscite discussão sã sobre os méritos ou deméritos das Forças Armadas Portuguesas, às quais pertencemos, embora alguns dos seus elementos nos queiram esquecer.

Agora, Luís, deixo-te isto escrito para fazeres o que quiseres, no sentido de que só com serenidade, com distância política e emocional é possível fazer uma verdadeira discussão e análise ao que foi a Guerra da Guiné.

Eu sinceramente não sei se tenho essa distância, sobretudo emocional, para me abalançar à discussão. Mas se não formos nós que estivemos no terreno, quem o fará?

Abraço forte do camarigo [camarada e amigo]
Joaquim Mexia Alves

PS - Ah, não revejo o texto, não me apetece, e se calhar se o revir já não o mando.
Perdoem-me também qualquer imprecisão de tempos e lugares, mas a memória já não é o que era.


3. Comentário de L.G.:

O direito à palavra é a regra de ouro da nossa tertúlia! Obrigado, Joaquim, e desculpa o atraso. Deixa-me só dizer-te duas ou três palavras, de amizade e de camaradagem:

(i) Percebo o teu desconforto: como é que vais justificar os três anos da tua vida numa tropa, "tão comprida e tão cumprida", como a tua, como a minha, como a nossa, que até meteu uma guerra pelo meio...

(ii) Concordo contigo: um debate a preto e branco sobre essa guerra só pode levar ao seu enviesamento e emprobrecimento... Debates como os do Prós e Contras são uma armadilha letal, são um espectáculo deprimente... Eu recuso-me, não os vejo, não sou masoquista, não sou maniqueísta...

(iii) Resta-nos fazer as pazes connosco próprios, encontrando entre os velhos camaradas, o maior denominador comum, que são as nossas (contraditórias mas não necessariamente antagónicas) vivências...

(iv) Não escondemos - a generalidade de nós, milicianos e soldados do contingente geral - que partimos com a morte na alma... Parafraseando a letra do teu belíssimo fado da Guiné: Lembras-te bem daquele dia / Enquanto o barco partia / E tu morrias no cais // Braço dado com a morte / Enfrentavas tua sorte / Abafando os teus ais... Impossível esquecer a tua condição de português, mas também acreditando no futuro e na história: Que o suor do teu valor / Que vai abafando a dor / Que te faz manter de pé, // Seja massa e fermento / Desse nobre sentimento / Que nutres pela Guiné.

sábado, 18 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2057: Questões politicamente (in)correctas (32): O monumento em Barcelos aos mortos do Ultramar (Luís Carvalhido)

O Luís Carvalhido, membro da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG), foi soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74). É natural de (e residente em) Barcelos. Pertence à nossa tertúlia desde Abril de 2005, tendo entrado pela mão do Sousa de Castro, do mesmo batalhão (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74).

Foto: Jornal de Barcelos. 9 de Julho de 2003 (com a devida autorização) (1)


1. Mensagem do nosso camarada Luís Carvalhido, com data de 14 de Julho:


Assunto - Barcelos Popular, 27/06/2007, página 5

Meu caro Luís:

Na data supra referida o Director do jornal Barcelos Popular, no seu editorial, fez uma análise medonha ao comportamento dos veteranos de guerra, nas províncias ultramarinas.

Segue a resposta que amanhã lhe vou entregar em mão. Se achares de interesse, podes redestribuir.

Um abraço,
Luís Carvalhido

2. O editor do blogue mandou-lhe, entretanto, a seguinte mensagem, em resposta ao camarada Luís Carvalhido:


Luís: Não tens cópia, em suporte digital, do editorial em causa ? Fui ao sítio do jornal mas não consegui localizar o dito editorial. Eles chegaram a publicar a tua resposta ? Se sim, diz quando, em que data...

Temos que ser objectivos e imparciais, publicando os dois pontos de vista... Não gostaria que isto parecesse uma polémica local, paroquial, no contexto de Barcelos (cidade, de resto, de que eu gosto, tal como toda a região)...


Tens que me dizer o que se passou exactamente: Barcelos inaugurou um monumento aos mortos do ultramar, o jornal (que é ideologicamante mais próximo da esquerda, é isso ?) não gostou e desancou... Tu respondeste, usando o trocadilho e a ironia (director inferior / geração superior)... Enfim, para garantir o pluralismo, eu preciso da outra peça... Pode ser ? Um abraço do Luís Graça e dos co-editores, CV e VB.


3. Em 27 de Julho último, o Carvalhido eslcareceu as minhas dúvidas:


Meu caro Luís:

Para que entendas a questão: Em Barcelos criou-se uma comissão para a feitura de um monumento ao combatente, vulgo veterano de guerra.

Este Director, presumivelmente homem de esquerda, contra a qual nada tenho, malha em tudo aquilo que lhe parece espiga, caindo na tentação de misturar alhos com bogalhos. Nada disso me importa desde que os factos relatados coincidam com total verdade e imparcialidade histórica.

Em nome de coisas que assisti na Guiné, tal como vós aliás e em nome do princípio de quem não esteve lá não pode saber nem pode sentir, considerei importante vir a terreiro dar a minha humilde opinião.

Como saberás, para nós nesta causa não deve existir esquerda nem direita, mas tão sómente aquilo que cada um perdeu... aquilo que cada um sentiu... mas muito mais importante: aquilo que cada um ainda não esqueceu.

Um abraço do companheiro ao dispor, relançando daqui o apelo a qualquer um de vós que por perto passe não hesite em me contactar. Estarei sempre disponível para um abraço.

Em breve recebes tudo aquilo a que me estou a referir.

Um abraço

Luis Carvalhido

4. Nova mensagem do nosso camarada de Barcelos:


Caro Luís:

Tal como combinado sou a enviar o artigo [editorial de 27 de Junho de 2007, publicado na página 5, sob o título Guerra Colonial: o último dos monumentos] que me levou a ir ao Barcelos Popular, entregar em mão aquela resposta que te enviei. Segue, noutro email, a resposta que adequei ao Jornal de Barcelos, uma vez queo Director editorialista [do Barcelos Popular] não foi capaz de me dizer nada, ou de escrever nada daquilo que eu lá deixei.

Um abraço
Luis Carvalhido

5. Artigo de opinião enviado pelo Luís Carvalhido ao Barcelos Popular ( auto-intitulado "semanário regional, democrático e independente "):

Um Director inferior faz parecer inferior uma geração superior

Senhor director do Barcelos Popular, li o seu editorial de 27 de Junho findo [vd. imagem em anexo, em cópia digitalizada do polémico artigo]. Devagar, devagarinho, como mandam as regras, tentei entender as suas críticas, à feitura do tal monumento que classifica de várias maneiras, todas elas muito pouco abonatórias.

Naturalmente que a sua opinião face ao monumento não me incomoda muito, até porque não faço parte da Comissão Organizadora. No entanto, como homem da tal ocupação, já não posso calar-me ao ler tamanhas obscenidades, provocadas a meu ver, por uma enorme falta de conhecimentos da realidade, ou por qualquer tipo de obaudição. Naturalmente que se fosse uma pessoa qualquer, não perderia tempo com a questão mas como o senhor é um ilustre Director, de um jornal da cidade, não posso deixar de lhe perguntar algumas coisas importantes, para depois lhe poder dar outras informações mais próximas da realidade.


Que idade tinha em 1961, no início da guerra colonial? E que idade tinha em 1974, data em que a mesma acabou? Era filho de uma família rica? Que formação política tinha nessa ocasião? Naturalmente que lhe faço estas perguntas porque penso, que foi um dos que fugiu graças ao poder económico da família.

Não quero crer que seja mais um daqueles que em Abril ainda andavam com as fraldas sujas e que pouco tempo depois já arvoravam em pseudo qualquer coisa. Já agora, antes de lhe dizer o que representa o monumento, porque me parece que o senhor Director nunca terá investigado o suficiente acerca do assunto, ou então terá lido aqueles que escrevem o que o momento dita, permita-me que lhe diga que fui um SOLDADO deste país e que prestei serviço na Spinolândia de Janeiro de 1972 até Abril de 1974.

Por este tempo de aprendizagem, atrevo-me a deixar-lhe outro tipo de informações que não contêm qualquer saudosismo bolorento. Inicio esta lição, dizendo-lhe que um batalhão com cerca de seiscentos homens apenas tinha cerce de dúzia e meia de SOLDADOS do quadro. Sendo assim e se ainda se lembra da regra de três simples, pegue num milhão de homens e veja quantos são os tais que mataram sadicamente, acobertados pela cédula salazarista.

Depois, senhor Director, deixe-me dizer-lhe o que pode representar o tal hediondo monumento: ele simboliza enaltecimento ao tal milhão de oprimidos que não tinham condições económicas para fugir.

Sim, senhor Director, ou será que já se esqueceu que éramos um povo pobre e que muitos, desse tal milhão, viviam na miséria? O senhor não, de certeza, por aquilo que as suas palavras deixam entender. Ele também simboliza a perda dos melhores anos da vida de um jovem; tempo de procura e tempo de decisões.
Embora só sejam cerca de onze mil os oficialmente reconhecidos, o monumento, senhor Director, também representa aqueles que caíram, vitimados pela tal opressão e pela falta de meios de fuga. Ele representa coxos, cegos, manetas e amputados da mente, vítimas para a vida inteira de outro tipo de opressão.

E não estarão lá representadas as mulheres e os filhos daqueles a quem ofende? Não serão estas mulheres e estes filhos tão sofredores, como aqueles que aprecem em primeiro plano? E, se o senhor soubesse um pouco de nada, disto, perceberia que esse monumento também lembra, pelo menos na nossa memória, os soldados africanos que tombaram do outro lado e do nosso lado. Mas isso, senhor Director, só nós é que sabemos porque o senhor e os outros não aprenderam.

Eu sei que isto já vai longo e eu teria muito, mas mesmo muito mais, para dizer se não soubesse o quanto é difícil arranjar um cantinho de opinião no seu jornal. Eu sei, que a si, tudo isto lhe parecerá pouco e eu até o compreendo, mas espere até lhe dizer o que representa o monumento. Ele representa um milhão de mães Portuguesas que não tinham dinheiro para mandar fugir os filhos e que sabiam menos de objecções de consciência que o senhor Director e os outros politicamente instruídos.

E para não mencionar muitas outras coisas, deixe só lembrar-lhe que o monumento também representa aqueles que, a um tempo, matavam e estropiavam; no outro, abriam estradas, construíam hospitais, ensinavam a ler e a escrever Português, curavam feridas, davam vacinas e praticavam medicina.
Não queremos branquear nada, senhor Director, e tal como o senhor não desejo a guerra. O monumento também afirmará isso, mas esta é a nossa história que só peca pela falta de qualidade com que os intelectuais deste país a escrevem ou a pintam. E já agora, para terminar, deixe lembrar-lhe, que o senhor, ao chamar a Câmara para o assunto, cometeu um erro, mais um, pois devia lembrar-se que também ocupa o lugar de director de um jornal, porque existem assinantes, pelos quais não demonstrou qualquer respeito, uma vez que usou o seu poder para entrar pelas casas dentro, ofendendo muitos que nelas moram.

Envergonhemo-nos, sim: da sua pequeníssima e pobre análise à questão e da utilização medíocre que deu à página cinco do Barcelos Popular da data supra referida.

Luís Carvalhido – Guiné 1972 / 1974

_________________________________________________

Excertos do editorial do director José Santos > Guerra colonial: o último dos monumentos


A iniciativa de construir, no concelho, um monumento de homenagem aos ex-combatentes nas antigas colónias não é nova nem tampouco inédita no nosso país.

De facto, em muitas outras terras de Portugal (…) , esta mal disfarçada intenção de branquear um passado de crime e ocupação selvagem que a todos nos devia envergonhar, tem sido intencionada omitida a pretexto de um alegado tributo aos que ingloriamente tombaram no campo de batalha (…).

Para este peditório não damos. Mesmo que por detrás do movimento barcelense se encontre gente de bem e imbuída das melhores intenções. E a Câmara – eleita em regime democrático – tem a obrigação de obstar à concretização de 8uma obra que (…) só nos envergonha.

______________
Nota de L.G.:

(1) Vd. 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

Meu caro Luís.
Na data supra referida o Director do jornal Barcelos Popular, no seu editorial fez uma análise medonha ao comportamento dos veteranos de guerra, nas províncias ultramarinas.
Segue a resposta, que amanhã lhe vou entregar em mão. Se achares de interesse, podes redestribuir.

Um abraço

14/7/07

Um Director inferior, faz parecer inferior uma geração superior.

Senhor director do Barcelos Popular, li o seu editorial de 27 de Junho findo. Devagar, devagarinho como mandam as regras, tentei entender as suas críticas, à feitura do tal monumento, que classifica de várias maneiras, todas elas muito pouco abonatórias. Naturalmente que a sua opinião face ao monumento não me incomoda muito, até porque, não faço parte da Comissão organizadora, no entanto, como homem da tal ocupação, já não posso calar-me ao ler tamanhas obscenidades, provocadas a meu ver, por uma enorme falta de
conhecimentos da realidade, ou por qualquer tipo de obaudição. Naturalmente que se fosse uma pessoa qualquer, não perderia tempo com a questão mas como o senhor, é um ilustre Director, de um jornal da cidade, não posso deixar de lhe perguntar algumas coisas importantes, para depois lhe poder dar outras informações mais próximas da realidade.
Que idade tinha em 1961, no inicio da guerra colonial? E que idade tinha em 1974, data em que a mesma acabou? Era filho de uma família rica? Que formação politica tinha nessa ocasião? Naturalmente que lhe faço estas perguntas porque penso, que foi um dos que fugiu graças ao poder económico da família. Não quero crer, que seja mais um daqueles, que em Abril ainda
andavam com as fraldas sujas e que pouco tempo depois, já arvoravam em pseudo qualquer coisa. Já agora, antes de lhe dizer o que representa o monumento, porque me parece que o senhor Director nunca terá investigado o suficiente acerca do assunto, ou então terá lido aqueles que escrevem o que o momento dita, permita-me que lhe diga que fui um SOLDADO deste país e que prestei serviço na Spinolandia de Janeiro de 1972 até Abril de 1974. Por este tempo de aprendizagem, atrevo-me a deixar-lhe outro tipo de informações, que não contêm qualquer saudosismo bolorento. Inicio esta lição, dizendo-lhe que um batalhão com cerca de seiscentos homens apenas tinha cerca de dúzia e meia de SOLDADOS do quadro. Sendo assim e se ainda se lembra da regra de três simples, pegue num milhão de homens e veja quantos são os tais que mataram sadicamente, acobertados pela cédula salazarista.
Depois senhor Director deixe-me dizer-lhe o que pode representar o tal hediondo monumento: ele simboliza enaltecimento ao tal milhão de oprimidos que não tinham condições económicas para fugir. Sim senhor Director, ou será que já se esqueceu que éramos um povo pobre e que muitos, desse tal milhão, viviam na miséria? O senhor não, de certeza, por aquilo que as suas palavras deixam entender. Ele também simboliza a perda dos melhores anos da vida de
um jovem; tempo de procura e tempo de decisões. Embora só sejam cerca de onze mil os oficialmente reconhecidos, o monumento senhor Director, também representa aqueles que caíram, vitimados pela tal opressão e pela falta de meios de fuga. Ele representa coxos, cegos, manetas e amputados da mente, vitimas para a vida inteira de outro tipo de opressão. E não estarão lá representadas as mulheres e os filhos daqueles a quem ofende? Não serão
estas mulheres e estes filhos tão sofredores, como aqueles que aprecem em primeiro plano? E, se o senhor soubesse um pouco de nada, disto, perceberia que esse monumento também lembra, pelo menos na nossa memória, os soldados africanos que tombaram do outro lado e do nosso lado. Mas isso senhor Director, só nós é que sabemos porque o senhor e os outros não aprenderam.
Eu sei que isto já vai longo e eu teria muito, mas mesmo muito mais para dizer se não soubesse o quanto é difícil arranjar um cantinho de opinião no seu jornal. Eu sei, que a si, tudo isto lhe parecerá pouco e eu até o compreendo, mas espere até lhe dizer o que representa o monumento. Ele representa um milhão de mães Portuguesas que não tinham dinheiro para mandar fugir os filhos e que sabiam menos de objecções de consciência que o senhor Director e os outros politicamente instruídos. E para não mencionar muitas outras coisas, deixe só lembrar-lhe que o monumento também representa aqueles, que a um tempo, matavam e estropiavam; no outro, abriam estradas, construíam hospitais, ensinavam a ler e a escrever Português, curavam
feridas, davam vacinas e praticavam medicina. Não queremos branquear nada senhor Director, e tal como o senhor não desejo a guerra. O monumento também afirmará isso, mas esta é a nossa história, que só peca pela falta de qualidade com que os intelectuais deste país a escrevem ou a pintam. E já agora, para terminar, deixe lembrar-lhe, que o senhor, ao chamar a Câmara
para o assunto, cometeu um erro, mais um, pois devia lembrar-se que também ocupa o lugar de director de um jornal, porque existem assinantes, pelos quais não demonstrou qualquer respeito, uma vez que usou o seu poder para entrar pelas casas dentro, ofendendo muitos que nelas moram.
Envergonhemo-nos sim: da sua pequeníssima e pobre análise à questão e da utilização medíocre que deu à página cinco do Barcelos Popular da data supra referida.

Luís Carvalhido – Guiné 1972 / 1974