terça-feira, 3 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1144: Geração Blogue? Eu, blogador, me confesso (Beja Santos)

Um tal g.g., guru da revolução da blogosfera... Giuseppe Granieri, italiano, nascido em 1968, autor de - entre outros livros recentes - La Società Digitale (2006) e Blog Generation (2005). Fonte: Blog Notes (2006) (com a devida vénia...) (LG)


Título: Geração Blogue
Autor: Giuseppe Granieri (1)
Editora: Presença
Local: Lisboa
Ano: 2006
Tema: Ensaio
Colecção: Sociedade Global
Nº na Colecção: 9
Preço c/iva: €12,50
ISBN: 9722335731
Nº de Páginas: 152
Data de lançamento: Agosto de 2006
Sinopse:
Apesar de ser um fenómeno relativamente recente, em poucos anos os blogues conheceram uma difusão extremamente célere na Rede, impondo-se como um novo modelo de comunicação que põe diariamente em contacto e em confronto pessoas e ideias, transformando a Internet numa imensa infra-estrutura de discussão, e criando uma comunidade cuja única regra é a relação.
Partindo destas características, Giuseppe Granieri procura responder a questões que relacionam os blogues, a informação, os media, a política e a democracia, e as regras que gerem e filtram todo este enorme ecossistema. Sustentado por exemplos concretos e actuais, este é um livro indispensável para compreender e acompanhar a revolução que os blogues estão a operar, em tempo real, no nosso quotidiano e que desafia a nossa visão do papel das novas tecnologias na sociedade num futuro não muito distante. (Fonte: Presença, 2006)


Blogosfera, o nosso lugar de conversa sobre uma dimensão do mundo que nos interessa ,
por Beja Santos


Caro Luís:
Acabo de ler Geração Blogue, por Giuseppe Granieri (Editorial Presença, 2006). Como sabes, dou matérias relacionadas com o lazer e a Sociologia do Consumo e o blogue, que interfere no consumo digital, é inescapável.

Gostaria de reflectir com os nossos tertulianos o estado desta entidade madura da Web, as interacções que comporta, até que ponto não praticando jornalismo informa-nos e até podemos sensibilizar os media (atenção, há jornalistas que são insignes bloguistas mas o contrário não é verdadeiro). Aqui vai o que ponho à discussão, sem detrimento de cada um tirar mais proveito da leitura do livro do que o meu arrazoado. E venham os comentários.

Primeiro, uma parte determinante do modo como vemos o mundo é hoje estranha às nossas experiências. Uma notícia da televisão não é comandável por nós e quando nos indignamos (caso dos cemitérios onde estão militares portugueses nas ex-colónias) é "por termos ouvido dizer". Antigamente também era assim (toda a mitologia nasce de uma narrativa de alguém que conta um conto e acrescenta um ponto).

Os media estabelecem a priori onde vão concentrar a atenção do público, o que pode levar um governo ou um gabinete de imprensa afecta ao governo a gerar factos novos que distraem a atenção dos diferentes públicos enquanto leis impopulares passam praticamente despercebidas. Um líder político pode fazer de manhã uma declaração bombástica que leva a reacções monumentais inesperadas, à noite dá parcialmente o dito por não dito, e no dia seguinte repõe uma parte da verdade, introduz elementos clarificadores e apresenta-se como vítima de interpretações soezes. Qualquer estudioso de comunicação conhece o elementar destas técnicas de manipulação.

Segundo, os blogues não têm nada a ver com esta realidade. Constituem o acesso mais simples e natural em que se oferece a um auditório uma partilha de opiniões e conhecimentos. Nenhum de nós sabe o material que vai encontrar no [nosso] blogue cuja coordenação cabe à abelha-mestra (neste caso, o Luís). Mandamos um documento, filmes, som, entrevistas (ou podemos mandar), o maestro põe a orquestra a funcionar, e quase em tempo real iremos funcionar como um anfiteatro onde se pode conversar segundo as regras que a comunidade (a tertúlia) decretou. Ao contrário do negócio dos media, por detrás de cada blogue está um indivíduo e o seu ponto de vista específico sobre o mundo.

Quando fui entrevistado sobre a decisão do actual governo em liberalizar os locais de venda dos medicamentos não prescritos, no dia seguinte fui massacrado e elogiado em vários blogues. É essa a missão da blogosfera: cada um publica a sua opinião sob a forma de breve comentário, artigo ou mesmo ensaio. Lançado no digital, os outros bloguistas fazem acrescentos, comentam ou fazem links ou mandam mails. É um mecanismo espontâneo em que uns filtram os conteúdos, outros produzem material novo de acordo com o sistema de leitura.

Terceiro, o sistema bloguista é muito rico, pela generosidade que instala, pelo turbilhão de contactos que fomenta, pela abertura às regras de conversação e por ninguém mandar em ninguém. Eu um dia fui contactado pelo Luís, aderi à envolvência e a certa altura acordei comigo próprio em fazer família nesta sala de conversa em que conheço alguns e desconheço muitos, o que não tem importância nenhuma, pois temos estórias para contar e neste caso a História somos nós.

Atenção que a blogosfera não é inofensiva, como os acontecimentos do 11 de Março em Espanha o demonstraram. O bloguista conhece as potencialidades da Rede e as suas conexões: sms, chats, sistema de mensagens, blogues e os demais instrumentos de comunicação que nos conectam. Então não é verdade que um senhor em França garante que Osuma Bin Laden está morto porque viu em blogues que lhe merecem confiança? Este ponto remete-nos para a questão do capital cultural e a especialização a que chegou o blogue.

Imaginem vocês que ando à procura de uma edição do Monte dos Vendavais de Emily Brontë, com prefácio de Albert Camus, edição da Portugália, início dos anos 60. Este livro faz-me presentemente falta para outra conversa que estabeleço no blogue (Operação Macaréu à Vista). Pois pode acontecer que outro bloguista generoso lance o apelo através de links ou mails e a certa altura me escreva e me diz assim: "Eh pá, não estejas num sufoco, tenho aqui o livro para te emprestar" (oxalá que isso acontecesse...).

Somos uma comunidade cognitiva mas também emotiva e confiamos que a nossa opinião precisa de ser efectivamente pública. No blogue, o que dizemos diz respeito a toda a colectividade, somos cúmplices na memória e na revisitação da nossa camaradagem. Mesmo que não escrevamos para o blogue, estamos dentro da atmosfera daquela sala e podemos dar o nosso palpite. Eu que perdi todos os meus papéis até Março de 1969, lembrei-me da história do Fernandes que apareceu em Missirá e logo a seguir um camarada de Mansoa, [o Aires Fernandes,] confirmou que o Fernandes [, o Atleta], está vivo e recomenda-se. A alegria que eu senti, pertence ao blogue.

Quarto, os blogues tendem para a perícia. Neste, por exemplo, a atmosfera é a Guiné, ontem, hoje e seguramente amanhã. Quem quiser estudar a história da Guiné pode contar connosco. Somos umas abelhas que trabalhamos com a abelha-mestra. Agimos por conta própria e se alguém nos pedir auxílio (localização de um militar, de material escrito, de um depoimento...) pode seguramente contar connosco. A tertúlia é descentralizada, no futuro podemos ser centenas de milhares que não saímos das regras acordadas: a questão central é a Guiné. Da Guiné já ninguém nos pode tirar.

Quinto, a blogosfera não é informação mas pode gerar informação. A partir do momento em que o bloguista é sujeito e discursa na praça pública onde gera alfabetização digital, a sua narrativa e os elementos que depõe podem ser, ou não, utilizados como jornalismo. Mas jornalismo e blogue são duas coisas distintas. Um jornal tem editor, fontes oficiais, reuniões diárias do corpo redactorial, é matutino, vespertino, hebdomadário. No blogue não é assim: eu não mando mas falo sempre por mim, sou eu a própria fonte de opinião e estou sempre motivado pela satisfação pessoal.
A mediaesfera (televisão, rádio, imprensa escrita...) pauta-se por regras de eficiência e age de acordo com os interesses económicos, a palavra remuneração tem o poder de uma alavanca. Nós aqui no blogue só recebemos a gratificação de nos sentarmos no anfiteatro e darmos os bons dias ou as boas noites. Somos indivíduos e não uma organização que deliberadamente vai mexer com a informação. Por isso, como diz Giuseppe Granieri, o blogue é uma nova aventura para o jornalismo.

Sexto, somos uma nova forma de participação popular, estamos juntos sem necessitar de exibir o nosso bilhete de identidade cultural: aqui não manda ninguém, chegámos por afecto, e se perdermos a transparência acontece-nos a pior das punições, que é o descrédito de ninguém nos prestar atenção. Como não se pode prever o futuro, é inútil fazermos prognósticos sobre o nosso lugar na Internet. Mas há depoimentos animadores. Ségolène Royal, que talvez venha a ser eleita Presidenta da República Francesa, escreveu um dia: "Levei toda a campanha eleitorial a fazer fóruns. Quando falamos com as pessoas, ao fim do dia estamos cansados mas cheio de ideias. Se continuamos a fazer política só entre nós, nunca chegaremos a nada". O nós também somos nós. De uma coisa estou certo: se os blogues evoluírem, nós, os camaradas da Guiné, assentaremos acampamento numa outra esfera digital. Tenho dito.

Obrigado, malta, pela atenção dispensada.

Mário Beja Santos

(ex-alf mil, cmdt do Pel Cacç Nat 52, Mansambo e Bambadinca, 1968/70,
assessor principal do Instituto do Consumidor).
____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. blogue de Giuseppe Granieri: http://www.bookcafe.net/blog/

Blog Notes, weblog de Giuseppe Granieri (em italiano)

Vd. também entrevista a este guru da blogosfera:

La Rivoluzione dei Weblog: intervista a Giuseppe Granieri (em italiano

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1143: Parabéns, comandante Pedro Lauret, é uma honra tê-lo a bordo (Paulo Santiago)

A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967.

Foto: © Lema Santos (2006)

O Paulo Santiago, no seu regresso à Guiné, em Fevereio de 2005.

Foto: © Paulo Santiago (2006)


1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1972/73) a Pedro Lauret (oficial imediato do NRP Orion, 1971/73). Embora privada, a mensagem faz parte das nossas memórias (individuais e colectivas) e diz respeito à nossa tertúlia. Ambos consentiram, na sua publicação:

Caro Comandante:

Acho ser uma honra ter um Tertuliano condecorado com a Ordem da Liberdade (1). Ainda que atrasados, os meus parabéns.

Fui um frequentador, sempre que ía a Bissau - em 72 fui algumas vezes -, do NRP Orion. Conheci o Comandante Rita uma noite em Bissau, não sei precisar quando e onde. Ficámos amigos, assim como do Ten RN Alves da Silva, o Eduardinho, engenheiro silvicultor. É estranho não me lembrar do Imediato daquele navio, possivelmente serias tu. Lembro o Imediato do Comandante Sarmento, não sei o nome, mas encontrei-o em Coimbra onde dava aulas na Faculdade de Ciências.

Voltando ao Orion. Depois de conhecer o Rita, mal chegava a Bissau, procurava logo saber se o navio estava no cais. Se estivesse, regressava ao mato com o fígado em péssimas condições. Em Janeiro de 72 vim do Saltinho de heli para Bissau, em trânsito para Bambadinca, encontrei o Rita que me pediu para lhe mandar fazer um anel em prata no ourives de Bafatá com o nome em caracteres árabes. Depois de feito, fui ao Xime entregá-lo ao Comandante Pires Neves que me trouxe umas botas de fuzo enviadas pelo meu amigo.

Nunca mais encontrei o Rita. Perguntei por ele, há anos, penso que ao Comandante Barreto de Albuquerque - não tenho a certeza-, que me informou ter o Rita sofrido um terrível desgosto com a morte da única filha, com um tipo de cancro raríssimo.

Gostava de encontrar o Comandante Rita. Se o encontrares, dá-lhe um abraço.

Vamos encontrar-nos em Montemor.

Um grande abraço do
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53)


Foto: © Pedro Lauret (2006)


2. Resposta do Pedro Lauret (actualmente, capitão-de-mar-e-guerra, na reforma)

Caro Paulo:

Fiz a minha primeira metade da comissão com o Rita, um grande homem e um grande comandante. Infelizmente o Rita faleceu há menos de um ano, também com um cancro. Morreu amargurado com a morte da filha. Ficou também muito desiludido por não ter chegado a almirante, o que pessoalmente considero uma grande injustiça. Em 1972 era eu o imediato da Orion, não nos encontrámos provavelmente por eu ter a minha mulher em Bissau e, logo que podia, ia para casa, claro…

A minha mulher é mais veterana que nós, pois o meu sogro era oficial do exército e em 1961 foi como 2º comandante do 114, o 3º batalhão a chegar a Angola, tendo estado empenhado nas operações em Nabuangongo. Fez a seguir outra comissão como comandante de batalhão em Cabinda. Por isso, a minha mulher tem 3 comissões!

Sou também muito amigo do Albuquerque que, infelizmente, também não está muito bem (coração).

O Pires Neves (hoje vice-Almirante) esteve depois comigo no gabinete do Pinheiro de Azevedo. O Sarmento, também vice-Almirante, está bem e vive agora retirado em Trás os Montes. O Alves da Silva não o voltei a ver.

No dia 14 vamos ter muito que conversar.

Um abraço
Pedro Lauret

PS – A Orion tinha a melhor garrafeira da Guiné e o Rita sabia fazer as honras da casa, não me admira dos problemas de fígado quando passavas pelo navio.



3. Comentário de L.G.:

Camaradas Pedro e Paulo:

Partilho, com o Paulo, a honra que tenho/temos de ter, nesta tertúlia, nesta caserna virtual, um camarada que lutou pela nossa liberdade e que foi merecedor de uma condecoração como a Ordem da Liberdade - Grande Oficial… Espero que esse facto não tenha passado despercebido ao resto da tertúlia…


4. Resposta do Pedro Lauret:

Caro Luís,

Agradeço as palavras que me dirigiste. Quando recebemos uma distinção como a Ordem da Liberdade (2), ficamos divididos entre a alegria pelo reconhecimento e por outro pensamos nos muitos que contribuíram, tanto ou mais que nós, e a quem não foi reconhecido o mérito.

Sinto especial responsabilidade pois sendo ex-combatente e colaborado directamente no 25 de Abril, tenho a noção clara que se criou uma relação incómoda entre a “guerra e a libertação” e, o que é mais grave, criou sobre os ex-combatentes um sentimento de inutilidade pelo sacrifício que foram obrigados a fazer. É necessário inverter este sentimento e dignificar gerações que muito deram para que finalmente fosse encontrada uma saída e uma solução.

Envio-te um texto NOTÁVEL do filho do nosso camarada Coronel Carlos Fabião que saiu numa pequena separata a ele dedicada no último número do Referencial, revista da A25A - Associação 25 de Abril. Podes publicar no blogue com as indicações do costume (3).

Sobre os mails com o Paulo, usa como entenderes. Achei piada ele ser visita do meu antigo navio e conhecer bem o Rita que era um homem excepcional.

Um abraço
Pedro Lauret
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra).

(2) A Ordem da Armada, 1ª Série, nº 21, de 24 de Maio de 2006 publica: Ordens Honoríficas Portuguesas: Alvará n° 26/2006, de 9 de Maio: Por alvará de 3 de Março de 2006: Ordem da Liberdade – Grande-oficial: Capitão de Mar e Guerra PEDRO MANUEL CUNHA LAURET.

(3) A publicar proximamente.

Guiné 63/74 - P1142: Um dia no mato: parabéns ao Vitor Junqueira pelo seu texto (Raul Albino, CCAÇ 2402)


O Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402 (Có/Pelundo, 1968/70): ontem e hoje...


Fotos: Raul Albino (2006)
Caro Luís,

Como prometido aqui vão em anexo duas fotografias tipo passe com a minha fronha, uma da época militar e uma actual.

O meu próximo contacto incluirá o meu primeiro artigo respeitante à CCAÇ 2402 (1).

Gostei imenso do artigo do Vitor Junqueira (2), especialmente na descrição da vivência dum militar no mato. Senti-me transportado para aquele local e aquela época.

Se bem que eu não tenha estado em Farim e o meu período de permanencia na Guiné tenha sido entre 68/70, a descrição que ele faz é muito fiel para muitos locais, épocas e intervenientes no teatro de guerra da Guiné.

No meu caso terei passado por quase todas as situações que ele descreve, só que numa data imediatamente anterior à dele. Por exemplo, invejei a descrição do armamento que transportavam para o mato, porque dois anos antes a penúria de armas era tal que para os grupos de combate sairem para o mato minimamente apetrechados, o quartel ficava, para sua defesa, com o morteiro 81 e pouco mais e só porque o morteiro 81 era muito pesado.

Em termos alimentares e de rotina, a descrição está um encanto e fez-me sonhar com aqueles tempos. Os meus parabéns pelo texto e pela forma narrativa alegre e bem disposta.

Até breve, se não for antes, Raul Albino.

____________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts de:

17 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1082: Notícias da CCAÇ 2402 e do BCAÇ 2851 (Raul Albino)

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)

(2) Vd. post de 23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P1141: As (des)andanças do TT Niassa em Dezembro de 1971 (Lema Santos)

Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; com : mais de 151 metros de comprimento, tinha arqueação bruta de c. 10.700 toneladas, uma potência de 6.800 cavalos e uma velocidade normal de 16,2 nós. Quanto a alojamentos, eram 22 em primeira classe, e 300 em classe turística, num total de 322 passageiros. (Quando transportavam tropas, a sua lotação quadruplicava...). O nº de tripulantes era de 132. Armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa . (LG) (1)

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004) (com a devida vénia...)

O nosso camarada Manuel Lema Santos é um enciclopédia viva no que diz respeito a tudo o move na água, em especial os navios (nunca digam barcos, por favor) da nossa gloriosa Armada (1).

Justificando, em tempos (6 de Julho de 2006), algum silêncio (intencional) da sua parte em relação às nossas blogarias, ele escreveu-me o seguinte, a título pessoal:

"Em paralelo com a minha actividade profissional estou a tentar, com outro camarada, levar a cabo uma modesta edição - a possível - sobre a dezena de LFG da Classe Argos (Orion incluída) que ao longo de mais de 56.000 horas de navegação asseguraram as linhas de comunicação fluviais na Guiné - e que outras havia? - coadjuvadas pelas LDG, LFP, LDM, LDP, DFE e CFE.

"Bastarão dois ou três nomes como Mar Verde e Tridente ou, noutra perspectiva, como Cantanhês, Cumbijã, Cafine e Gadamael ou Ganturé, para se ter ideia do que poderá ter representado a participação da Marinha em geral e LFG [lanchas de fiscalização grande] em particular.

"Claro que efectuando pesquisa, recolha de documentos, textos, relatos, etc. de tudo o que existe. É bastante pouco. Sonegado, desaparecido, espoliado, sei lá!

"Continuo a não compreender - até estou a ser repetitivo - como se encara a possibilidade de contribuir para a História recente da Guiné e de Portugal sem a participação da Marinha e da Força Aérea. Instituições diferentes, hierarquias diferentes, filosofias diferentes e até algumas condições diferentes, mas todos igualmente embarcados no mesmo mau navio.

"Em época, local e com conceitos errados, mas pessoas certas e capazes de cumprir as missões para que tinham sido incumbidas ao serviço de um País. Será apenas o futebol que faz cantar a este bom povo o Hino Nacional?"...


Seguramente que não, meu caro Lema Santos. É por isso que nós, que também fazemos parte desse povo, cá estamos no nosso posto, na blogosfera, a fazer o nosso trabalho de casa...

E enquanto tu não acabas o teu (TPC), és bem-vindo e és a pessoa indicada para desfazer umas dúvidas e imprecisões quanto a datas de partidas para (ou chegadas de) a guerra do ultramar (ou guerra colonial, como quiseres)... Não preciso, pois, anunciar que aqui estás tu, galhardamente, a tentar ajudar "com alguns pequenos esclarecimentos", a prestar a felizardos camaradas (Joaquim Mexia Alves, J. Vacas de Carvalho, David Guimarães, entre outros) que, no já longínquo final de 1971, tinham o bilhete de regresso a casa, mas que hoje já trocam o TT Niassa com os Boeing dos TAM. (LG)

Texto do Manuel Lema Santos

1- Em Novembro de 1971 o TT NIASSA foi requisitado pelo Estado e pela O.P.T nº 12.959 foi previsto embarcarem, em 16 de Dezembro, para a Guiné, as seguintes Unidades:

CMD BCAÇ 3872/RI 2 +
CCAÇ 3489/RI 2
CCAÇ 3490/RI 2
CCAÇ 3491/RI 2
CCAÇ 3518/BII 19 (Embarque no Funchal)
CCAÇ 3519/BII 19
CCAÇ 3520/BII 19.

Na viagem de regresso, estava previsto voltarem para o Continente as seguintes:

CCAÇ 2679/BII 19 (Desembarque no Funchal)
CCAÇ 2680/BII 19 (Desembarque no Funchal)
CCAÇ 2681/BII 19 (Desembarque no Funchal)
Pel Can s/r 2199/RI 1
Pel Can s/r 2200/RI 1
Pel Rec Daimler 2202/RC 6
Pel Rec Daimler 2203/RC 6
Pel Rec Daimler 2204/RC 6
Pel Rec Daimler 2205/RC 6
Pel Rec Daimler 2206/RC 6 [o Pelotão do Vacas de Caravalho]
Pel Rec Daimler 2207/RC 6
Pel Rec Daimler 2208/RC 6
Pel Rec Daimler 2209/RC 6
Pel Rec Daimler 2210/RC 6
Pel Rec Daimler 2211/RC 6
Pel Rec Daimler 2202/RC 6
Eq Inst Nat 2224/RI 2

Assinado pelo COR José Herdade Telhada e pelo GEN Barreira Antunes - Director do Serviço de Transportes.

2 - Nada do acima exposto se verificou!

3 - O navio estava em fabricos e por, essa razão, atrasou tudo e foi a partida alterada para 22 de Dezembro de 1971.

(Aditamento à O.P.T. nº 13.179)

Local: Gare Marítima de Alcântara, das 08:00 às 09:30

Pessoal a transportar na ida:

CMD BART 3873/RAP 2
CART 3492/RAP 2 (a Companhia do Joaquim Mexia Alves)
CART 3493/RAP 2 (a Companhia do Manuel Cruz)
CART 3494/RAP 2 (a Companhia do Sousa de Castro)
CART 3521/RAP 2

No regresso o navio veio sem pessoal.

Cap. Bandeira: CFR António José de Matos Nunes da Silva;

Cte. das Forças embarcadas: Ten Cor António Tiago Martins – BART 3873/RAP 2.

Chegada a Bissau em 26 de Dezembro de 1971

Salvo gralha, foi assim a realidade da viagem do Niassa. Espero ter sido útil aos dois e também a toda a tertúlia.

Um abraço,
Manuel Lema Santos
ex-1º Tenente RN [Reserva Naval] (1965/72)
Guiné, NRP ORION, 1966/68


2. Posterior mensagem, dirigida ao Mexia Alves, com data de hoje:

Caro Joaquim Mexia Alves,

Os elementos que vos forneci são rigorosos.

Todos os Transportes de Tropas (TT) eram requisitados por contrato às companhias comerciais e, enquanto ao serviço do Estado, eram enquadrados na hierarquia da Marinha (incluindo obviamente a tripulação), pelo que utilizavam flâmula.

Naturalmente que eram utilizados essencialmente no transporte de FA mas também eram autorizados, a pedido, transporte de familiares, veículos, doentes, prisioneiros, etc. Tudo era tratado entre ministérios.

Para isso era nomeado por portaria um oficial superior da Marinha, denominado capitão de bandeira a quem, sem prejuizo da identidade da própria tripulação e das forças embarcadas, com comando próprio, superintendia o comando do navio do ponto de vista de Marinha.

Como viste na minha mensagem anterior, no TT NIASSA - Lisboa/Bissau, em Dezembro de 1971, não embarcou o Cmd BCAÇ 3872/RI 2, embora tivesse estado programado e não sei porque foi anulado e substituído ou em que transporte foi efectuado, e isto por não ter referências (data de ida ou de regresso e/ou TT).

Um abraço,
Manuel Lema Santos
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXIV: A nossa mobilização para o CTI da Guiné (CCAÇ 12) (Luís Graça)

(2) Vd. posts de:

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXI: Terra e Ar 'versus' Mar (Lema Santos)

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVI: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)

21 de Abrl de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

Guiné 63/74 - P1140: Postais Ilustrados (5): Bajuda manjaca, Ilha de Pecixe (Beja Santos)


Guiné Portuguesa > Postal Ilustrado > Legenda > FF3. Bajuda Manjaca, Pecixe (1). Kodachrome de A. B. Geraldo. Edição da Casa Mendes, Bissau. s/d.

Postal ilustrado enviado, por avião, pelo Alf Mário Beja Santos a uma pessoa sua amiga... Data e local: Missirá [SPM 3378], 18/XII/[1968]. Carimbo do correio de Bissau: 23/12/68. Valor dos selos: 1$80 pesos.

Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)(2).

Escreveu ele neste postal: (...) "O Natal ergue-se desta bruma densa, onde paira a maior parte do dia. Nós todos O sentimos. Talvez com mais força do que aí, pois se sabe se não fizermos uma união autêntica de amizade, todos estão desprotegidos" (...).

____________

Notas de L.G.:

(1) A Ilha de Pecixe fica a leste de Bissau, no estuário do Rio Mansoa, na sua margem direita, frente a Quinhamel.

(2) Vd. post anterior (desta série sobre postais ilustrados da Guiné):

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1125: Postais Ilustrados (4): Rapaz balanta, cesteiro (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P1139: A fantástica estória do soldado Fernandes, da CCAÇ 1686, Mansoa (Aires Ferreira)


Guiné > Região do Oio > Mansoa > Jugudul > 1969 > O Alf Mil Aires Ferreira, em Jugudul, a 4 Km de Mansoa, na estrada Bissau-Bafatá. A placa quilométrica assinalava as distâncias para os principais povoações, a leste de Mansoa/Jugudul: Bindoro: 10 km; Porto Gole: 25 km; Enxalé: 47 km; Bambadinca: 62 km; Bafatá: 90km... O troço estava interdito pelo menos até Porto Gole...

Fotos: © Aires Ferreira (2006)

Texto do Aires Ferreira, Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas (CCAÇ 1686, BCAÇ 1912, Mansoa, 13 de Abril de 1967/13 de Maio de 1969) (1)



A estranha estória do soldado Fernandes

Camaradas Luís Graça e Beja Santos, a demora na resposta a este assunto, é apenas devida à minha ausência lá para os lados de Ourém/Leiria por motivos profissionais e de, por lá, não ter acesso à Internet. Aqui ficam as minhas desculpas.

O soldado Fernandes pertenceu à CCAÇ 1686 e o Comandante do seu Grupo de Combate foi o Alf Moreira, que por certo se lembrará destas histórias, muito melhor do que eu.

Lá para o fim de 68, quando a Companhia já tinha uns 18 meses de comissão, a sua actividade operacional foi seriamente reduzida, não só porque estava esgotada, mas também porque houve necessidade de assegurar a ocupação dos destacamentos próximos, que pertenciam ao sector.

O soldado Fernandes - que designarei por Atleta, porque era assim que era conhecido - não era homem dado a grandes meditações e não se enquadrava bem na vida algo sedentária da tropa em quadrícula.

Habituado que estava a uma intensa actividade operacional, passou a organizar, ele mesmo, os seus patrulhamentos, sem dar conhecimento a ninguém. Não sei por quantas vezes se ausentou, talvez umas três ou quatro. Andava sempre com a sua G3 e regressava sempre passados uns dias, como se não tivesse acontecido nada. Não falava no assunto e às perguntas que lhe faziam, respondia sistematicamente com um sorriso envergonhado e um encolher de ombros.

Certo dia, chegou ao Batalhão uma informação dizendo que andava ali na zona um cubano
que assediava tudo o que fosse bajuda ou mulher grande. O Atleta é algarvio e muito moreno.
Quando alguém contou isto na messe, houve gargalhada geral e a exclamação:
- O Atleta!!!

Ninguém apresentou queixa e o assunto morreu.

Passados uns tempos, o Atleta desapareceu de novo e acho que ninguém deu importância ao caso, uma vez que já era quase habitual e era convicção geral que ele voltaria, como sempre fez.

Só que desta vez, apareceu sim, mas passado um mês, ou talvez um mês e meio, e em Mansoa nunca se soube por onde tinha andado ou o que lhe tinha acontecido.

Foi passados 38 anos que através dum Post do Camarada Beja Santos (2), fiquei a saber que o Atleta foi parar ao Destacamento de Missirá e devolvido a Mansoa num DO !

Missirá dista de Mansoa uns bons 60 km, pela estrada Mansoa - Porto Gole - Enxalé - Missirá que, pelo menos no troço Mansoa - Porto Gole, estava interdita, só se passando por lá com uma Companhia e com muita atenção.

Esta estrada passava perto da base do Locher/Changalana,que foi destruída várias vezes e sempre reconstruída nas proximidades. Proporcionou-nos magníficos combates, nos quais participou o Atleta, pelo que conhecia bem esta zona e não acredito que se fosse meter sozinho neste vespeiro.

Aquela história que ele contou, do banho na bolanha, captura pelo IN e fuga, não é verosímil, porque em Mansoa não havia necessidade disso, não havia bolanha onde tomar banho e portanto não havia esse hábito.

Por outro lado, era nossa convicção que se o IN o quisesse apanhar à mão, há muito que o teria feito.

Há que considerar uma outra hipótese, que nos pareceu na altura a mais viável. Por aqueles dias esteve atracada no Rio Mansoa, junto à ponte, uma LDM e claro está, o nosso Atleta não se privou de ir confraternizar com a tripulação e certamente arranjar boleia para qualquer sítio, talvez clandestinamente. Acho que esta é a hipótese mais plausível, ir por via fluvial até lá para os lados de Porto Gole ou Enxalé, que ele conhecia duma operação que fizemos à zona de Mato Cão e daí, então sim, ir a pé até Missirá.

O seu regresso a Mansoa foi muito discreto, nunca soubemos por onde tinha andado e o
Comando do Batalhão optou por silenciar o caso porque de facto não servia de nada punir este soldado, que não devia ter sido mobilizado para a Guiné.

Apesar do susto que apanhou e da fome que terá passado, esta não foi a sua última aventura. Houve mais. Sobreviveu, vive no Algarve e em Abril [de 2007], no nosso próximo almoço de confraternização, lá estará seja onde for, em bom convívio com os seus ex-camaradas.

Um abraço a todos os camaradas da Tertúlia.
Aires Ferreira
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1002: Um novo recruta, Aires Ferreira (BCAÇ 1912, CCAÇ 1686, Mansoa, 1967/69)

(2) Vd. posts:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1070: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (10): A visita do soldado desconhecido.

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1075: O soldado desconhecido de Mansoa (Aires Ferreira, CCAÇ 1686, BCAÇ 1912)

domingo, 1 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

Capa do filme Siga a Marinha (Titulo original: Follow the fleet, EUA, 1936. Realização: Mark Sandrich; Intérpretes: Fred Astaire e Ginger Rogers; distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes) .
Foto: Costa do Castelo Filmes (2006) (com a devida vénia...)

Mensagem do Pedro Lauret (capitão de mar e guerra, na reforma):

Caro Luís,

Sobre a expressão Siga a Marinha penso ser bem mais antiga que a Guerra Colonial (1). Tenho a ideia que surgiu no tempo da implantação da República num incidente militar, dos que então eram frequentes.

Vou tentar saber ao certo, mas posso afiançar que não teve origem na Guiné. Nos anos cinquenta um filme com o Fred Astaire, Follow the Fleet, teve como título traduzido exactamente Siga a Marinha.

Um abraço
Pedro Lauret
______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira).

Vd. também posts de 1 de Outubro de 2006:

Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

Lisboa > 2006 > Pedro Lauret, capitão de mar-e-guerra na reforma e grande oficial da Ordem da Liberdade.

Guiné > Região de Tombali > Cacine > 1971/73 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Órion (1).

Texto e fotos: © Pedro Lauret (2006)


Dados Biográficos:

Nome - Pedro Manuel Cunha Lauret

Local e data de de nascimento – 23/01/49

1960-1967 – Frequência do Liceu Camões em Lisboa, onde foi dirigente da Acção Católica.

1967-1971 – Escola Naval, onde completa o curso de Marinha. Participa activamente nas acções políticas de apoio à Oposição Democrática, em 1969. Participa nas movimentações em torno do Clube Militar Naval, de 1969 a 1971. É fundador do movimento clandestino de oposição ao regime, de oficiais de Marinha, em 1970.

1971-1973 – É promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971, onde exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na Guiné exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).

Em Maio de 1973 encontrava-se em missão no Rio Cacheu quando se dão os ataques a Guidage, desembarca o Destacamento de Fuzileiros 8 no Jagali, afluente do Cacheu, após terem sido abatidas duas aeronaves (1 DO e 1 T6); nesse dia seria abatida mais 1 DO. No mesmo mês, no rio Cacine é a primeira unidade a chegar a Gadamael depois da retirada de Guileje, evacua, contra a ordem expressa do General Spínola, um número indeterminado (mais de 300) militares e civis que se encontravam fugidos nas margens do rio.

1973-1975 – Participa activamente no MFA integrando a comissão política que redigiu o seu programa.

Após o 25 de Abril integra o Gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional. É membro da Comissão Coordenadora do MFA na Armada e integra a assembleia do MFA.

Foi condecorado pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, com o grau de grande Oficial da Ordem da Liberdade, pela sua acção no 25 de Abril.

É actualmente Capitão-de-mar-e-guerra na reforma.

Exerceu actividade privada na área da engenharia informática.

Faz parte da Direcção da Associação 25 de Abril.

Actualmente lidera um projecto de investigação Histórica com a designação –´“Marinha: do fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior, P1136.

Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

O comandante Pedro Lauret, antigo imediato da LFG Orion, à esquerda, ladeado por Ulisses Faria Pereira, ex-grumete electricista...
Foto: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia) (1).


Texto do comandante Pedro Lauret (2)

Caro Luis Graça,

Envio uma pequena história, passada comigo, um pouco diferente do usual no nosso blogue, mas penso que tem algum interesse. Se considerares que é de colocar no blogue, força…

Um abraço e até dia 14 [, na Ameira, em Montemor-O-Novo, no 1º encontro da tertúlia].
Pedro Lauret


Uma história simples… ou talvez não

por Pedro Lauret

Pouco tempo passara do 25 de Abril de 1974, era eu então 2º tenente e prestava serviço no gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

Na Guiné, no fulgor da revolução, marinheiros resolveram fazer uma manifestação nas ruas de Bissau, o que foi justamente considerado inconveniente quando foram as Forças Armadas a tomar o poder e a mudar o regime.

O Almirante determinou que me deslocasse à Guiné pois ainda não fizera um ano que terminara a minha comissão e conhecia bem o meio e o ambiente naval.

A minha missão era explicar a nova situação político-militar e apelar (determinar) para que actos de indisciplina não se verificassem, muito menos tivessem demonstração pública.

Acabei por ser acompanhado pelos meus camaradas, Comandante Almada Contreiras e o Major Melo Antunes, dois bem conhecidos companheiros de conspiração, que se deslocavam a Bissau com uma missão, penso eu, bem mais complexa do que a minha.

Chegado a Bissau cumpri a minha missão, penso que com sucesso e tive o grato prazer de abraçar camaradas que ainda não vira após a revolução.

Antes de regressar, os meus companheiros de viagem desafiaram-me para ir com eles a alguns quartéis do Exército para, igualmente, dar alguma informação sobre o que cá se passava - de notar que nessa altura ainda não havia sido decretado um cessar-fogo formal entre as nossas Forças Armadas e o PAIGC.

Deslocámo-nos a um aquartelamento, não sei precisar exactamente qual, mas penso ter sido nas proximidades de Bula pois atravessámos o [Rio] Mansoa em João Landim.

Aí chegados, não pudemos conter o nosso espanto quando vimos ensarilhadas G3 com Kalashnikov e em franco convívio soldados do nosso Exército bebendo generosas Bazookas (3), com guerrilheiros do PAIGC.

O cessar-fogo estava consumado para lá das determinações dos poderes políticos.

Uma história simples…ou talvez não.

Pedro Lauret

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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de 15 de Junho de 2006 :

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
(...) A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (Público, 26 de Junho de 2005)

Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
(2) vd posts de:
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)

20 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P887: Dois novos tertulianos: Pedro Lauret e Beja Santos
(3) Garrafas de cerveja, de 0,6 l.

Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro, o tertuliano mais antigo:

A expressão Siga a Marinha também era muito utilizada no meu tempo de Guiné, CART 3494 - Xime e Mansambo (Janeiro de 1972/ Abril de 1974). Foi o nosso primeiro CMDT, Cap Art NM [Número Mecanográfico] 51322811 - Victor Manuel da Ponte Silva Marques, que a utilizava sempre em qualquer circunstância e nós também por arrastamento a utilizávamos.

Siga a Marinha, Sousa de Castro.

PS - Onde digo "o nosso primeiro CMDT" quero dizer que tivemos mais do que um, foram três. Para além do atrás referido, em Agosto de 1972, foi rendido pelo Cap Art NMº 04309164 - António José Pereira da Costa que acabou por ceder o lugar, por castigo, em Novembro de 1972 ao Cap Mil NM 06383765 - Luciano Carvalho Costa.


2. Comentário de L.G.:

Sousa, levantas uma questão interessante e que eu gostaria de ver aqui discutida. A tua companhia teve três capitães numa só comissão.

A CART 2239 - Os Viriatos (Fá Mandinga e Mansambo, Jan Dez 1968/69), a que pertenceceram camaradas nossos de tertúlia como o António Santos Almeida, o Carlos Marques dos Santos, o Ernesto Ribeiro, o Saagum e o Torcato Mendonça - teve nada mais nada menos do que quatro...

A minha própria companhia, a CCAÇ 12, teve também cinco ou seis capitães, embora num espaço mais dilatado, entre 1969 e 1974 (No meu tempo, 1979/71, só teve o Cap Carlos Brito).

Sem querer tirar conclusões precipitadas e infundadas, isto parece sugerir que os nossos capitães (milicianos ou do quadro permanenente) davam-se mal com o clima... Em gestão de recursos humanos, a este fenómeno (de instabilidade, de gente a sair e a entrar ao longo de um ano) chama-se um turnover ou taxa de rotação de pessoal...

Alguém quer falar do turnover dos capitães ? A que se deve o fenómeno ? Por que é ninguém queria ser capitão ? A pergunta pode ser ingénua, mas tem possivelmente
mais do que uma resposta...
(LG).

Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Jugudul > Fevereiro de 2005 > O Paulo Santiago, à esquerda, com o Ten Ká da Guarda Fiscal e o Sado, oficial superior da mesma força e "meu grande amigo". Foto tirada junto à rotunda, em Jugudul (1).

Foto: © Paulo Santiago (2006)


Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1972/73):


SIGA A MARINHA, como diz o Vitor (1), era uma expressão atribuída ao Zé Gaspar, Artilheiro, como gostava de se apresentar. Era o comandante da CART estacionada no Olossato.

Conheci-o em Bissau no dia 6 de Janeiro de 1972, dia em que fiz 24 anos. Apanhou uma monumental bebedeira, o que não era de estranhar. Era um tipo considerado maluco pela hierarquia. Já Major, continuou durante algum tempo como comandante de companhia no Olossato.Veio depois para Bissau como 2º comandante do Agrupamento de Artilharia, ficando célebres as suas partidas ao comandante.

Estranhamente, em 1973, numa reunião de Capitães num monte perto de Évora, o Gaspar estava num carro junto ao Templo de Diana, apontando as matrículas dos carros dos camaradas que iam para a reunião, elaborando uma lista que entregou ao comandante da Região Militar. Morreu pouco tempo após o 25 de Abril.

Paulo Santiago

PS - Estará na altura de falares com o Jorge Neto, para uma conversa ou entrevista, com o Comandante Paulo Malu (3). Posso falar ao Sado. Diz o que achares melhor.

Comentário de L.G.: Vou voltar a contactar o Jorge Neto, que vive em Bissau, a ver se o convenço a entrevistar o Paulo Malu, utilizando os bons ofícios do teu amigo Saldo Baldé. SE o Paulo Malau quiser faklar, terá muitas coisas (e terríveis) para nos contar...


________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

(2) Vd. post anterior, de 30 de Setembro de 2006 (P1133).

(3) O Paulo Malu terá sido o comandante da força do PAIGC que emboscou as NT na picada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972, causando duas dezenas de baixas mortais, entre militares e civis. Vd. posts:

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

(...) "Como te disse ontem pelo telemóvel, falei com o Sado. Disse-me para o Jorge Neto o procurar na Direcção Geral das Alfândegas, que ele o encaminhará para o Paulo Malu. Esqueci-me de perguntar se já tinha sido promovido, mas não há problema, o Jorge Neto que procure o Major Sado Baldé , ou possivelmente Tenente Coronel. O meu amigo já sabe o motivo para o encontro com o Malu" (...).

sábado, 30 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira)

A LFG [ Lancha de Fiscalização Grande] Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967 (1).

Foto: © Lema Santos (2006)


1. Mensagem do Vitor Junqueira, ex-alf mil da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72). Hoje é médico e, segundo julgo saber, vive no Pombal (2).

Caro Luís,

A expressão Siga a Marinha, que utilizo com frequência na abordagem de questões tertulianas, não é da minha autoria.

Embora não me pareça que haja nada desprestigiante quanto à paternidade de tal expressão, ela terá surgido do modo que passo a explicar:

No meu tempo ou pouco antes, terá passado pela zona do Olossato um capitão, comandante de Companhia que possuía uma queda especial para a ironia. Nas comunicações com o QG usava esse seu dom, o que o tornou muito conhecido ao nível mais elevado da hierarquia de então. Parece até que gostavam de o picar e depois... esperar pelo coice!

Um dia, este nosso capitão chegou a ameaçar encerrar a guerra porque estava a ficar sem batatas. Responderam-lhe de Bissau que o Serpa Pinto (3) também fez a guerra sem batatas.
-Então mandem o Serpa Pinto. - retorquiu o bravo capitão.

Noutra ocasião, ter-se-à queixado que era tanta a água acumulada nas poças e charcos em redor do aquartelamento, assim como a chuva que entrava através dos buracos nos telhados, que tornava impraticáveis quaisquer acções militares. Responderam-lhe que também a Marinha operava no meio aquático e não protestava.
-Pois então que siga a marinha. - alvitrou o desempoeirado oficial.

E foi assim que a frase Siga a Marinha entrou na gíria militar do meu tempo com o significado de: embora, vamos a isto, nada de lamentações.

Vitor Junqueira

2. Comentário do editor do blogue (L.G.):

Obrigado, Vitor, por este teu douto, pedagógico e sobretudo oportuníssimo esclarecimento. Há dias, num em-mail que circulou internamente pela nossa tertúlia, a propósito de uma infeliz expressão (rangerices) que ficou consagrada no título de um post (e que eu proponho que se retire, para bem da sanidade mental de todos nós e sobretudo como garantia da nossa leal e sã convivialidade), dizia eu:

"Vamos civilizada e amigavelmente ler e ouvir o que temos a dizer uns aos outros... Vamos esclarecer o que há para esclarecer... E siga a marinha, para usar uma curiosa expressão da autoria do Vitor Junqueira... Sobrevivemos todos à dura guerra da Guiné, não vamos agora massacrar-nos uns aos outros, quarenta anos depois, por questões que de lana caprina"…
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

(2) Vd. post de 23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

(...) "A fila está formada quando aparece o alferes, qual ouriço caixeiro carregado de bugalhos: Uzi (3) a tiracolo, rádio ao pescoço, bolsos atafulhados com bússola, mapas e cartas diversas, códigos e frequências de comunicações e, pelo sim pelo não, dois ou três carregadores suplementares para a sua metralheta. No canto de um bolso, coabitando pacificamente com ao lanche, um par de GMD, não vá o diabo tecê-las! Dedicou os últimos minutos a olhar para os papéis sob uma lâmpada que parecia sofrer de sezões palúdicas, tantas eram as tremuras, tentando adivinhar de que lado é que viria a bordoada:- Olhos e ouvidos bem abertos, armas em posição e distâncias mantidas. E muito cuidado com o sítio onde põem as patas. A partir de agora, tudo caladinho! - São as suas últimas recomendações enquanto se dirige para a cabeça da coluna. E manda seguir a marinha ". (...).

(3) Serpa Pinto (1846-1900): conhecido explorador e administrador colonial português que percorreu África central e meridional para fazer o reconhecimento do território e efectuar o mapeamento do interior do continente.

(4) Pistola-metralhadora, de origem israelita, cujo desenho e fabrico remonta ao princípio os anos cinquenta. Não era muito vulgar o seu uso na Guiné, pelo menos no meu tempo e na zona leste.

Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento da Ponte do Rio Udunduma > CART 2339 > Maio ou Junho de 1969 > Depois do ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969, o Gr Comb do Fur Mil Marques dos Santos - Os Solitários - é destacado para defender a Ponte do Rio Udunduma (que o IN tentara dinamitar, nessa noite); lá viveram duas semanas em tendas de campanha... Foi desta maneira tosca e improvisada que começou este destacamento... "Depois de casa arrombada, trancas na porta"...

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2005)

Post originalmente publicado em 3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (deve ler-se Udunduma) (1) e agora reformulado:

1. Excertos do Diário de um Tuga (L.G.) (2)

Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971:

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de Cães Grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivmente da Wermacht nazi.

Mas o que é que faz correr este velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ...

Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

A visita-surpresa do Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname.


2. Referência a este episódio na História da CCAÇ 12 (1969/71) (Cap. II. 45):

“Em 1 de Fevereiro de 1971, foram detectados 6 elementos IN a cambar o Rio Udunduma em direcção a Samba Silate. Feito o reconhecimento pelo 2º Gr Comb, verificou-se que o trilho aberto na bolanha conduzia ao reordenamento de Nhabijões.

“A partir de 2, a segurança diária à estrada Bambadinca-Xime passou a constituir uma acção (patrulha com reconhecimento no trilho de Chacali).

“Em 3 de Fevereiro, Sexa General Com-Chefe, de visita aos trabalhos de construção da estrada (cuja importância para a estratégia militar e fomento económico do chão fula é absolutamente nevrálgica), esteve no destacamento da ponte do Rio Udunduma, tendo feito uma pequena alocução às praças africanas do 4º Gr Comb. (….)”.
____________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores (P1131 e P1130).

(2) Esta leitura de Spínola e da sua entourage está necessariamente datada e é fruto (amargo e amargurado) das circunstâncias. Confesso que não gostava do personagem, não só pelo seu currículo militar como sobretudo pelos seus tiques: quando escrevia sobre ele, no meu diário, tratava-o sempre por Herr Spínola. Sendo antimilitarista (ou pelo menos julgando-me como tal), sobretudo não gostava de Cães Grandes, como eu chamava aos oficiais superiores que, naturalmente, não podiam ser todos metidos no mesmo saco. O coronel (?) que me deu a piçada pelo meu ar selvagem, terá sido porventura o do Agrupamento ou do COP de Bafatá. Creio que já não era o Hélio Felgas, era um seu substituto. O tenente-coronel Polidoro Monteiro, novo comandante do BART 2917, não era, de certeza... Mas para o caso não interessa: não lhe fixei nem o nome nem os galões... E a barba que usava no final da comissão, mais curtinha, veio comigo... e está comigo até hoje.

Como eu não convivi com os oficiais superiores dos batalhões a que esteve AFECTA A ccaç 12 (e eu conheci dois, o BCAÇ 8252 e o BART 2917) - contrariamente aos alferes milicianos que estavam em Bambadinca, sede do Sector L1 da Zona Leste, que partilhavam o mesmo espaço (o bar e a messe de oficiais, separado do bar e messe de sargentos, como mandava a etiqueta militar) - , também não estabeleci laços afectivos com nenhum eles, oficiais superiores. Contrariamente a outros camaradas de tertúlia que já aqui deram o seu testemunho: por exemplo, o Paulo Raposo, o Paulo Santiago, o Beja Santos ou, mais recentemente, o Torcato Mendonça.

Aqui ficam alguns posts já publicados com referências ao nosso Com-Chefe, também conhecido por Caco, Caco Baldé... ou, en passant, aos nossos oficiais superiores.

Caco (ou Caco Baldé) era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O termo queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, entusiásticos (e desgraçados) aliados de Spínola...

O general também era popular na caserna dos soldados, pela sua imagem de pai justiceiro... Ele era capaz de aparecer de surpresa num aquartelamento nos momentos mais insólitos ou mais dramáticos... Reconheço que as punições de oficiais superiores, incompetentes e impreparados para aquela guerra, deram-lhe uma auréola de homem corajoso, impoluto, determinado, um exemplo de liderança militar que era coisa que os nossos oficiais superiores - a nível de batalhão, pelo menos - não sabiam nem podiam dar, na generalidade dos casos...

Recorde-se que António de Spínola assumira, ainda como brigadeiro, em meados de 1968, os cargos de governador e comandante-chefe das Forças Armadas portuguesas na província portuguesa da Guiné, com a difícil missão de evitar o desastre político-militar que se anunciava: uma derrota das NT na Guiné teria fortes repercussões (psicológicas, morais, militares, polítcas...) nas jóias da coroa imperial, que eram Moçambique e sobretudo Angola.

Já general, e com ambições políticas, abandonou funções de governador e com-chefe em 8 de Agosto de 1973. Em 24 de Setembro, o PAIGC proclama unilateralmente a independência, em Madina do Boé, e a nova República Popular da Guiné-Bissau é reconhecida pela ONU em Novembro. Spínola foi substituído a 25 de Agosto pelo general Bettencourt Rodrigues. Pelo lado português, havia então mais de 40 mil homens em armas no território, que continuaram a lutar até ao fim, em condições cada vez mais duras e dramáticas...


Vd., entre entre outros, os seguintes posts:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso Sousa / Serafim Lobato)

29 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole (David Guimarães)

(...) "Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

"Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o Tenente Coronel de Artilharia M. F. por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, Tenente Coronel de Infantaria, etc. etc. etc... Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).


14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

24 de Detembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCX: Oficial do Estado Maior do 'Caco'... por duas horas (João Tunes)

(...) "Apresentei-me e disseram-me para ler umas coisas para me identificar com o serviço, aquilo eram só mapas, mais mensagens e informações confidenciais e secretas sobre o IN, dicas dos pides, combinações em voz baixa, coisa e tal, mais uma data de majores e capitães cagões (por serem da elite do Spínola) e não me esqueço que encontrei lá pessoal que depois foi célebre como o Eanes, o Otelo, o Monge, o Lemos Pires e outros mais, e eu ali na nata das NT.

"Ainda não tinha a manhã acabado aparece um dos majores, todo esbaforido (julgo que foi o Lemos Pires que esteve em Timor na descolonização), a dizer que tinha havido engano e que aquele lugar era para outro alferes (pelo nome, filho de boas famílias) e que eu tinha era que arrumar o saco e seguir de Dornier no outro dia pela fresquinha para Catió que ali é que era o sítio certo para oficiais corrécios e punidos. E desandei dali para fora com as minhas duas horas de serviço de Oficial de Estado Maior com Catió, Cacine, Guileje e Gadamael à minha espera. Lixaram-me o resto da comissão mas não me limpam o currículo. Pois foi aí que eles falavam do pingalim quando se referiam ao General (deviam achar que caco não era próprio do lugar)" (...).

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

(...) "Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.
-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados" (...)

5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola

(...) [Spínola] põe-se em frente de mim, cumprimenta-me e eu também e, à queima-roupa diz-me: - Você tem sorte.Eu, sem saber bem o que me esperava, digo muito timidamente: - Porquê, meu Comandante? - Porque quando começar a ouvir os tiros, já está mais perto do chão."Também tinha humor. A meu lado estava o Alferes Felício, que é uma viga, e que a meu lado ainda parece maior. O nosso Comandante Chefe diz-lhe o inverso: - Você que se cuide.

"Realmente, aquele homem com a sua voz rouca e arrastada, de luvas, com monóculo e o pingalim, impressionava qualquer um. A imagem de bravura que transmitia correspondia à sua maneira de ser. Nele tudo era verdadeiro e genuíno" (...)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)

Post originamente publicado em 4 de Fevereiro de 2006, em Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada > Guiné 63/74 - CDXCVIII: Os dias felizes na ponte do Rio Undunduma (CCAÇ 12) .

Lamentavelmente o editor do blogue cometeu um erro sistemático, replicado em diversos posts: o rio chama-se Udunduma e não Undunduma... Esse erro está agora a ser corrigido, com a republicação desta nova versão do post (1)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > 1970 > A estrada Xime (à direita) - Bambadina (à esquerda), com a respectiva ponte. Vísivel também o troço, avermelhado, da nova estrada que estava em construção, a cargo da empresa Tecnil, e que implicou a construção de uma nova ponte (de que ainda não há sinais nesta foto).

Foto: © Humberto Reis(2006)

Comentava, no início do ano de 2006, o Jorge Cabral, com aquela sua desconceratnte ponta de fina ironia, que nós - aqui no blogue - eramos demasiado sérios e que escrevíamos como se a guerra (da Guineé) ainda não tivesse acabado... para nós. Os nossos relatos eram dramáticos. As nossas memórias estavam carregadas da tensão dos dias, do cansaço dos meses e do silêncio dos anos.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Udunduma.

Em 1969/71, no tempo da CCAÇ 12, a segurança desta ponte, construída em 1952, era de importância vital para toda a zona leste (regiões de Bafatá e Nova Lamego). Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No ataque em força, a Bambadinca, em 28 de Maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC tentaram dinamitá-la. Embora parcialmente destruída (era de bom cimento armado...), continuou operacional, e por cima dela continuaram a passar inúmeros batalhões...
Já sabemos que a partir daí passou a ser defendida permanentemente por uma força a nível de pelotão, a cargo das unidades do BCAÇ 2852, como foi o caso por exemplo da CART 2339 (Mansambo) (1). A partir de 16 de Dezembro de 1969 a segurança permanente passou a ser feita pelos Gr Comb da CCAÇ 12 e pelo Pel Caç Nat 53 (Bambadinca) (2).
Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas em zê comunicando entre os precários abrigos individuais. O destacamento assentava sobre uma elevação de terreno, sobranceira ao rio e à ponte.

Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor em Bambadinca)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Humberto, à ré, mais um soldado de transmissões, à proa, treinando as suas perícias na difícil modalidade da canoagem local...
"Era o António Dias Santos, de alcunha, não sei porquê, O Bacalhau. Quando estava em Bambadinca normalmente andava pela tabanca ao cheiro das bajudas e quase sempre com uma varinha na mão a imitar um pingalim. Há uns anos, quando organizei um dos primeiros almoços da rapaziada, procurei na lista telefónica o nome dele na zona da Régua, pois sabia que ele tinha sido funcionário da CP e que morava ali. Descobri-o, mas quando falei com a senhora é que fiquei a saber que ela já era viúva do Bacalhau" (HR)

Foto: © Humberto Reis (2006)

Se calhar o Jorge tinha (e continua a ter) razão. Pelo menos, alguma razão. Os nossos sentimentos são contraditórios. Alguns de nós conseguem ter (ou mostrar) uma visão mais diurna e positiva da Guiné do tempo da guerra. São capazes de se encantar com as imagens e as recordações da Guiné. Alguns conseguiram até lá voltar e fazer as pazes com os jagudis ou os sinistros fantasmas que os perseguiam. O Humberto, o Marques Lopes, o Guimarães, o Albano, o Teixeira, o Allen, o Camilo, o Paulo Santiago, o Beja Santos, voltaram lá, em diferentes épocas ... O Paulo Salgado vive lá, como cooperante, com a sua Conceição... O jornalista e professor Jorge Neto vive lá, em Bissau, no Bairro da Cooperação, vizinho dos Salgado... E regressa todos os anos, ao seu Alentejo, de carro, atrvessando o norte de África...
Outros ainda (onde eu muito provavelmente me incluo) querem lá voltar ou andam a arranjar coragem para fazer a viagem de retorno, divididos entre uma certa imagem mítica do passado e o medo (traumático) do desencanto e do pesadelo dos dias de hoje.
Enfim, outros continuarão a ter uma visão mais nocturna e negativa dos acontecimentos que os marcaram: as emboscadas, as minas, os ataques e as flagelações, a morte, a dor, o sofrimento, a solidão, a angústia, o absurdo da guerra que fomos obrigados a fazer...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Passados largos meses, após o ataque a Bambadinca (Maio de 1969), ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte... Na foto, o afortunado fotógrafo...
Foto: © Humberto Reis (2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Tony (Levezinho) e o Humberto sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio... Os nossos soldados, desarranchados, tinham que cozinhar a sua própria bianda... Caricato: andavam com o saco de arroz às costas... O rio era rico em peixe, que se pescava à granada de sopro...
Foto: © Humberto Reis (2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Saltos para a água ... Soldados africanos da CCAÇ 12, à pai Adão...(Ou miúdos de tabancas vizinhas, como Amedalai ? Não tenho a certeza)... De qualquer modo, uma cena idílica...

Foto: © Humberto Reis(2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > > Pesca à linha, banho à fula, passeata de piroga, um dia descontraído, quiçá até um dia feliz... Quem disse que não se podiam passar uns dias felizes nas margens do Rio Udunduma ? Não era o meu caso, que não pescava nem tomava banho naquelas águas, não jogava à lerpa, não ia à caça... O tédio dos dias, o pesadelo das noites, a solidão e o sentimento de abandono não me deixaram saudades do Udunduma .. A paisagem era deslumbrante, mas os mosquitos devoradores... Era um dos melhores sítios da região para se apanhar uma valente carga de paludismo... O pior de tudo, é que nem dos cães grandes ali nos livrávamos (3)...

Foto: © Humberto Reis(2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Da esquerda para a direita: O soldado Arménio, tripeiro de gema, e os Furriéis Milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho...

Foto: © Humberto Reis (2006).

Já deixámos, porém, aqui provas do nosso bom humor, já aqui contámos estórias, mais pícaras, mais divertidas ou mais banais, tentando dar cor, cheiro e sabor àqueles 700 ou mais dias das nossas vidas que passámos na Guiné... O próprio Jorge deu o exemplo, deliciando-nos com as suas pequenas estórias que eu chamei cabralianas... O Jorge sempre teve uma maneira muito própria, desalinhada, talvez até marginal, de ser e de estar na tropa e, por extensão, na guerra...
O nosso convívio, na Guiné, era esporádico (quando íamos a Fá ou ele vinha a Bambadinca) mas foi o suficiente para eu o sinalizar como uma das figuras impagáveis me cruzei na Guiné... Felizmente, que o Jorge está de regresso e que podemos relembrar, em conjunto, velhas estórias, e descobrir, encantados, novas estórias saídas da sua talentosa pena...

Luís Graça
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Notas de L.G.

(1) Vd. também post anterior (P1130), com data de 29 de Setembro de 2006.

(2) O Pel Caç Nat 53, que será mais tarde comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, no Saltinho, esteve no Xime, no início da comissão do BCAÇ 2852 (que veio em Agosto substituir o BART 1904), tendo passado para Bambadinca em Outubro/Novembro de 1968 e por lá ficou pelo menos até Agosto de 1969. Em Setembro foi transferido para o Saltinho.

(3) Vd post de Luís Graça, de 3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (leia-se Udunduma)

"Ponte do Rio Undunduma, 3 de Fevereiro de 1971: De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi (...).Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba"...

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1130: A CART 2339, em socorro de Bambadinca, e na defesa da ponte do Rio Udunduma (Carlos Marques dos Santos)

Post original, de 4 de Janeiro de 2006, publicado no Blogue-fora-nada > Guiné 63/74 - CDXIX: Os Solitários da CART 2339 na Ponte do Rio Undunduma e em Fá .

Na altura cometi um erro e um lapso: (ii) um erro, ao escrever Undunduma, e que passei a replicar sistematicamente; ora o Rio chama-se Udunduma; passei/passámos (eu e o resto dos meus camaradas da CCAÇ 12) muitos dias e muitas noites; (ii) um lapso: o texto não é do editor do blogue, mas sim do Carlos Marques dos Santos... Resolvi, por isso, repescar o post e (re)publicá-lo no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... com outro título, mas com o mesmo conteúdo e ilustrações... De futuro, serámais fácil fazer pesquisas sobre o famoso destacamento da ponte do Rio Udunduma, e não Undunduma. (LG).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > CART 2339 > 1968 > Depois do ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969, o Gr Comb do Fur Mil Marques dos Santos - Os Solitários - é destacado para defender a Ponte do Rio Udunduma (que o IN tentara dinamitar, nessa noite); lá viveu duas semanas em tendas de campanha; mais tarde é destacado para reforçar Fá Mandinga. Ei-lo aqui, em diligência... (Curiosa expressão militar!)
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2005)

Guiné-Bissau > Estrada Bambadinca-Mansambo > Novembro de 2000 > Cruzamento em Bambadinca que dá para Xime e Bafatá, e Mansambo). Foto tirada já na estrada que dá para Mansambo...Placa rodoviária: Xime, 10 km; Bafatá, 28 km. O Albano Costa & Camaradas passaram por aqui em 2001...
Foto: © Albano Costa (2005)
Guiné-Bissau > Mansambo > Novembro de 2000 > A pequena tabanca de Mansambo à beira da estrada (agora alcatroada) de Bambadinca-Xitole-Saltinho-Quebo (ou Aldeia Formosa)... Segundo o fotógrafo, " estas tabancas ficam mais ou menos a 100 metros da porta do antigo aquartelamento de Mansambo (...) O quartel quase desapareceu, só ficou a entrada do destacamento, o resta (os abrigos) está tudo tapado". O Albano e os seus amigos foram lá encontrar, na sua viagem à Guiné, em Novembro de 2000, um antigo soldado da CCAÇ 12, recheado de filhos. (Reconheci-o no excelente vídeo que o filho do Albano fez na altura).

Foto: © Albano Costa (2005)

Texto do Carlos Marques dos Santos, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/70), afecta ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1):

Luís:
Sabendo que andámos pelos mesmos caminhos - cruzados, concerteza, sem o sabermos -, é hoje bom ver que aquilo que vivemos não esquecemos. É importante não esquecer! Li no Blogue (Luís & Camaradas da Guiné) uma referência ao pontão do Rio Udunduma (2). Eu e os meus camaradas da CART 2339 estivemos lá.
Em 28 de Maio de 1969 ouvimos rebentamentos para aqueles lados e pensámos ser na tabanca Moricanhe (3). Afinal, para nosso espanto, era mesmo em Bambadinca, sede do Batalhão (4). Dia 29, pela 05.30 da manhã, seguimos para reforço da sede de Batalhão. Quinze dias. Salvo erro com o Pel Caç Nat 63, estivemos em tendas (panos de tenda com botões), em vigília constante, àquela que era uma passagem importante [, a ponte sobre o Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca].
Depois disso, outros, e até da nossa CART 2339, estiveram lá. Nós, CART 2339, abandonámos em 12 de Julho de 1969. Entretanto dali, e depois de uma série de ataques, em Amedalai, Mansambo e Xime, Bambadinca e outra vez Bambadinca, fomos para reforço a Fá (Mandinga), nosso aquartelamento de acolhimento, pois havia indicações de que poderia ser atacado.
O meu pelotão - e eu era o furriel mais velho e por ausência quase sistemática do Alferes, competia-me o comando - intitulou-se Os Solitários, pois por norma estava em diligência. Que palavra tão bonita.

Coimbra
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 28d e Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIX: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (1): a água da vida (Carlos Marques dos Santos)

(2) Vd. post de 3 de Janeiro de 2005 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (Luís Graça) (Nota: deve ler-se Udunduma...).

(3) Tabanca em autodefesa e destacamento de milícias, da ZA (zona de acção) de Mansambo (CART 2339). Será abandonada alguns meses depois.

(4) Sobre o célebre ataque a Bambadinca, de 28 de Maio de 1969, vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1129: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (14): Procurar em vão a nossa alma


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor > Missirá > 1968 > "Um grupo de soldados a gralhar junto de uma ponte de cibes".
Foto: © Beja Santos (2006)

Continuação da publicação das memórias de Beja Santos (1), que comandou o Pelotão de Caçadores Nativos nº 52, em Missirá, partir de Agosto de 1968. Neste post, o nosso amigo e camarada aborda, de maneira delicada e elegante, mas também lúcida e corajosa, um dos tabus dos nossos 13 anos de guerra colonial: a solidão e a sexualidade (homo ou hetero) nos quartéis, em geral, e nos nossos aquartelamentos e destacamentos da Guiné, em particular.
É um notável texto, que merece a nossa melhor atenção e reflexão. Fabuloso o título que me é proposto e que eu mantenho integralmente, inspirado num grande poeta, músico e cantor brasileiro Chico Buarque (que está de volta a Portugal no próximo mês de Outubro)... É um post que honra este blogue e enriquece a nossa tertúlia: já aqui quebrámos alguns tabus (como por exemplo os nossos mortos que deixámos enterrrados na Guiné, os nossos queridos nharros que abandonámos e que foram fuzilados pelo PAIGC, a incompetência de muitos dos nossos oficiais superiores, os mitos de certas grandes operações...). Hoje, creio, quebra-se mais um tabu...(LG)

Procurar em vão a nossa alma

por Beja Santos

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... isto é circunstância. Solidão é muito mais do que isto. Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma. (De um poema de Chico Buarque).

Em Bambadinca, a 30 de Agosto [de 1968], de um regresso a uma vigilância em Mato de Cão, tinha um maço de fotografias reveladas à minha espera. Muitas delas ajudam-me agora a reconstituir os estilhaços da memória. Eu no Uige, sozinho e acompanhado. Numa delas estou ao lado do Brandão. Despedimo-nos a 31 de Julho, ele seguia para Bula, eu parti para outra oblíqua, em direcção ao Geba. Ver-nos-emos mais tarde, na Op Anda Cá, em Fevereiro [de 1969][, pela última vez. Brandão, tu eras zombeteiro e caçoavas permanentemente dos acasos da fortuna. Eras um verdadeiro minhoto. Nesta fotografia tu sorris. Na minha recordação, tu levas duas granadas lança-foguete ao ombro quando, a escassos metros dos teus pés, rebenta um fornilho. Com o rebentamento, revolteias numa nunvem de salitre e clamas:
- Meu Deus, estou morto!.

Não ganhaste para o susto. Numa cratera ali ao teu lado um dos teus soldados deixou os ossos triturados e Fodé Dahaba chora mansinho. Mais tarde, por aerograma, um amigo avisa-me:
- O Brandão finou-se. Foi um acidente estúpido, um soldado seguia à frente dele com a G3 no ombro, o cano virado para ele. Foi um acidente estúpido, um arbusto destravou o gatilho, a bala entrou-lhe pela fronte. Mais estúpido de tudo é que no caixão, sossegado, parecia dormir serenamente.

Pego noutra fotografia. Agora, é labor insano. A reconstrução de um abrigo em Missirá. Está lá o Alcino Barbosa, o Cibo, Nhaga Macque, Ussumane Baldé, rolam um tronco de palmeira, ainda a cheirar a corte da motoserra. Ao fundo está Sadjo e também o estou a ver pela última vez. Em Março [de 1969], naquela flagelação que reduzirá a cinzas a nossa Missirá, ele vai cair atravessado pelos estilhaços de um granada de um morteiro, quando enxotava crianças e velhos para um abrigo.

Enfim, albuns de militar em campanha na última guerra de Portugal. Há fotografias de tudo: crianças com espingardas Mauser, soldados com sorriso franco a reparar uma ponte, eu a pegar por uma corda uma surucucu, a tal cobra que os soldados fugiam em pânico na mata. São fotografias a preto e branco de gente, de paisagens, de obra feita e refeita.

À noite acabo a leitura de Rebeca, de Daphne du Maurier. A minha mãe ofereceu-me o seu exemplar antes de eu partir, dizendo:
- É uma obra prima, acredita, aliás tu já viste o filme. - O que era verdade. Já vira num cineclube a Rebecca de Hitchcock, Óscar de Melhor Filme em 1940, o primeiro de Hitchcock na América, com Laurence Olivier e Joan Fontaine nos principais papéis, e Judith Anderson num desempenho magistral da governanta, que lhe valeu o Óscar secundário.

Romance inesquecível que gira angustiantemente à volta de Rebeca, que nunca parece. Obra de mistério e suspense, é uma ficção que resvala para a literatura policial já que há um assassínio que, neste caso, nunca será desvendado. Mais tarde, irei reler assiduamente o livro que tem uma bela capa de Bernardo Marques, um desses artistas magistrais que mudaram o desenho gráfico das edições em Portugal.

É noite adiantada e vou fazer a ronda pelos postos. Como sempre, levo a minha lanterna e procuro itinerários diferentes. Tudo seguro no posto junto ao cavalo de frisa, falo com Gibrilo e peço-lhe para mudar a camisa do petromax. Depois, sigo para o posto virado para a fonte. Aí está o Veloso, e conversamos sobre aprovisionamentos para a próxima coluna a Bambadinca. Envieso e vou entre moranças por onde raramente passo. Embrenho-me e olho demoradamente a Mesquita a pensar no Ramadão que se avizinha. Sigo silenciosamente e é então que oiço vozes sussurrantes, vozes que vão resfolegando e que crescem em ansiedade. Aponto o foco para a zona do murmúrio, a luz que acendo é a luz que me queima o olhar e me tolhe o movimento. O que vi está visto: dois soldados fazem sexo e o foco da lanterna apaga-se no exacto momento em que um homem sentado afasta o outro homem que estava em cima dele.

Em pânico, volto para o meu abrigo e atiro-me pesadamente para a minha cadeira de verga onde leio, escrevo e oiço música. Eu sei e virei a saber que o sexo é uma questão interdita nesta guerra. Há muito calão, muita expressão brejeira, fala-se de amores mas parece que tudo morre no pudor subterrâneo seja dos amores que ficaram em Portugal seja no pacto de silêncio que queremos ver estabelecido com os nossso corpos jovens a quem se procura preservar da intimidade dos outros olhares, dos outros filtros da consciência. Fala-se do sexo mas não se diz nada, é como se fossem frases lançadas como bolas de sabão. Não há consequência nesta comunicação, até porque aquelas frases soltas não estão atadas a afectos. Andamos em tronco nu, endereçamos piadas às bajudas mas nas conversas entre militares, ainda por cima um quartel em que vivemos em abrigos ao lado da população civil, sente-se que não há gravidade neste erotismo epidérmico. As dores do sexo não são transmitidas ao grupo, depois somos portugueses e nesta guerra constituimos um caldeirão de gente que passou pelas universidades, pelo liceu e escolas técnicas, agricultores, operários e estudantes entendem-se na caserna por um denominador comum onde o sexo íntimo não existe nem se comenta.

É por isso que eu estou estuporado com este quadro insólito, conhecendo aqueles homens com quem convivo todos os dias e que acabo de encontrar numa inesperada união homossexual. Procuro aliviar a tensão pondo música barroca no gira-discos e até tentei em vão sossegar os nervos lendo. Oiço o saibro a ser esmagado pelo andar de alguém que se aproxima e me bate discretamente à porta da morança. Mando entrar e segue-se um diálogo em que descobri que era homem capaz de me irmanar com o sofrimento de quem procurava. Nessa noite, sei que tomei decisões acertadas mas procurando em vão a minha alma
- O que é que o meu alferes vai fazer comigo? Diga-me já se nos vai castigar ou contar o que viu.

Olho-o com embaraço e peço-lhe para se sentar:
- Ouve, o que vi faz parte da vossa intimidade e não vejo nenhuma razão para trazermos a público o presenciado. Estou muito embaraçado, porque tivemos todos uma conversa demorada sobre o respeito e a boa convivência que devemos a esta população. Adverti para os perigos de procurar mulheres casadas ou solteiras. Tu tens visto estas cenas em que os soldados nativos se envolvem em amores com as mulheres dos outros e mal cheguei houve aqui uma cena de tiroteio. Quando há adultério, ou coisa parecida, remeto tudo para o régulo Malan. Agora, a situação é nova, um militar da Metrópole envolvido numa relação sexual com um soldado nativo. Não te passa pela cabeça o que seria se vocês fossem vistos pelos vossos camaradas?

O meu visitante, que entrara com uma expressão congestionada, não pareceu serenar com esta minha declaração:
- Meu Alferes, não estou a representar, eu ando de cabeça perdida, desde miúdo que procuro reprimir-me, não sou como os outros, não perco a olhar a raparigas, vou sempre direito a olhar a zona do sexo dos homens, aprecio as formas e uma cara bonita. Se o meu Alferes contar esta história eu juro que me mato, não estou a encostá-lo à parede, eu dou um tiro na cabeça, eu não aguentarei a vergonha de andarem a chamar-me roto ou maricas.

Achei que devia dar uma nova direcção à conversa:
- Camarada, espero que incluas na tua vergonha a sorte do guineense que arrastaste para o teu acto. Não sou padre nem inquisidor, sou o teu comandante e vamos agora tratar do dia de amanhã. O que eu vi, vi. Não haverá, da minha parte, qualquer publicidade ao que vi. Talvez vocês tenham tido muita sorte em não ter sido apanhados por civis ou camaradas. Vais-te entender com o teu amigo sobre o que poderá acontecer se vocês forem vistos a praticar sexo. Não me ameaces com tiros na cabeça, controlas-te como toda a gente pois a vergonha é também uma regra que decorre do autodomínio. A vergonha não é um assunto exclusivo de homossexuais.

O meu visitante, entretanto, quis desabafar:
- Ó meu Alferes, eu não sei se aguento a situação só a bater punheta, eu gosto do meu amigo, esta solidão enlouquece-me. Eu procuro medir as consequências, sabia muito bem que andava a arriscar tudo, estou farto desta guerra, sinto-me muito só, já me basta assobiar às raparigas, como se eu fosse uma pessoa normal. O que é que eu vou dizer ao meu amigo?

Pus-me de pé, endiretei os óculos, controlei a respiração e disparei sem contemplações:
- Antes de mais, lembra-te que esta solidão atinge toda a gente. Este não é o nosso lugar, mas temos que fazer deste território o nosso lugar habitável. Vais dizer ao teu amigo que tem mulher e filhos que falaste comigo, que eu vi o que vi e que lhe peço que se lembre que vocês não podem andar a fazer sexo entre moranças e não venhas agora perguntar aonde é que vocês devem fazer sexo. O teu discurso não pode ser desculpa para novas imprevidências. Procura não ser tão egoísta. Medita bem, se necessitares de mudar de quartelamento, não hesites caso descubras que há uma relação profunda entre ti e ele. Amanhã, ao fim do jantar, vens-me dar conta do que decidiste. Agora, não leves a mal, já passa das 2 da manhã, temos que dormir. Boa noite. O que conversámos fica estritamente entre nós, não os dois mas os três. Explica cuidadosamente tudo ao teu amigo.

No dia seguinte, depois do loto a feijões, avancei para o meio da parada como se fosse ver o abrigo do morteiro. Discretamente, ele seguiu-me e deu-me conta da sua decisão:
- Dou-lhe razão, não posso comprometer o meu amigo, ele seria a principal vítima. Logo que possa, veja se consegue a minha transferência. Agradeço-lhe a sua compreensão.

Chegámos a Setembro, o cacimbo veio mais cedo. Pela primeira vez, participei numa emboscada nocturna, levei mosquiteiro, permanecemos num arrozal até de madrugada. Para quem se recorda, estas emboscadas diante da floresta hermética eram fisicamente duras e punham o nosso moral à prova. Então, ganhando no factor surpresa, na madrugada de 6 de Setembro, o bi grupo de Madina-Belel [, a noroeste de Bambadinca, no Cuor, ] atacou com uma salva de morteiros, bazucas e muita metralha. Como se fosse hoje, recordo o meu baptismo de fogo. Como em todas as outras situações desta natureza, não faltei à regra cometendo os meus dislates. O primeiro foi acender a luz enquanto a metralha serpenteava sobre os céus de Missirá. Convencido que o hábito faz um monge vesti o meu pijama, calcei-me, abri a porta olhei o fogo a toda a volta como se estivesse a ver um filme em cinemascópio, e corri para um abrigo com a G3 na mão. Eu vou contar.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1118: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (13): Rebelo, meu rapaz, ninguém nasce soldado!