terça-feira, 29 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1791: Convívios (11): 32º encontro da CAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73) (Victor Alves)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba, frente a Bambadinca. 

Na foto, o autor (furriel miliciano Henriques) e dois dos soldados africanos da CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) Samba Só e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60 (na foto, de pé, de cachimbo)... 

Na época, quando o conhecemos em Contuboel, em Junho de 1969, na instrução da especialidade, o Puto não teria mais do que 16 anos... Ainda hoje me pergunto quem foi o inconsciente que o admitiu nas fileiras do exército português... O Umaru era uma criança... O Umaru, o Puto (assinalado com um rectângulo a amarelo), era uma espécie de mascote da companhia... 

Depois da independência, terá fugido para o Senegal e alcançado Portugal. Vivia na Amadora, trabalhando nas obras. Morreu há tempos, por doença. Soube-o há dias, com tristeza. O Puto teria hoje 53 ou 54 anos, se fosse vivo. 

 Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados. 

1. Mensagem do Victor Alves, que foi furriel miliciano vagomestre na CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73), o periquito do Jaime, o primeiro vagomestre da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadina, 1969/71). 

 O Victor, que vive em Santarém, acaba, maravilhado, de descobrir o nosso blogue. Há 32 anos que os nossos periquitos da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73) se reunem anualmente, sem a gente (a velhice) saber. 

O Victor Alves, o Jaime Pereira (ex-Alf Mil) e outros camaradas de que perdemos o contacto começaram a chegar a Bambadinca em Fevereiro de 1971 para nos render... (Cada um de nós, quadros e especialistas metropolitanos foi rendido individualmente). 

No dia 2 de Junho vão realizar o seu 32º almoço de convívio... Aqui fica o programa. 

Victor, aparece na nossa tertúlia e entretanto dá um grande abraço ao resto da malta. Diz-lhes que o Puto morreu. Provavelmente de doença ou de saudade do seu chão, Badora... L.G.

 Santarém, 14 de Maio de 2007 

 Companheiros, Vamos realizar o 32º Almoço da CCAÇ 12 - Dia 2 de JUNHO -Zona Setúbal 

EMENTA 

 - Entradas: Moscatel, Pão regional, queijo de ovelha, manteigas, azeitonas, etc… 

- Peixe: Polvo assado c/ batata a murro e alho c/ azeite da quinta-feira 

- Carne: Borrego Assado no Forno c/ batatinhas e Legumes 

- Nota: Servido em ½ Doses 

- Bebida: Vinhos Branco e Tinto da Casa, Refrigerantes e Águas 

- Digestivos: Excluídos 

 LOCAL: 

RESTAURANTE PÉ DE VINHO 
Rua dos Trabalhadores da Empresa Setubalense 10 
VILA FRESCA DE AZEITÃO 2925-495 AZEITÃO 
Telefone: 212 188 048 

 IMPORTANTE: Preço por pessoa: 20 € (euros)  

Contamos com a presença de todos. 

 Contactos: 93 581 08 98 (Victor Alves); 91 725 50 26 (Jaime Pereira) 

 Victor Alves R: Bernardim Ribeiro-38 r/c 2000-202 SANTARÉM

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1790: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (5): Protecção a uma coluna logística Bula/Có

Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Além de tecnologicamente ultrapassada, a Panhard era uma vitura blindada que se viria a mostrar completamente inadequada às condições do terreno no TO da Guiné. Noutras zonas havia outro de viaturas blindadas, não menos obsoletas e muitas inoperacionais, por falta de peças sobresselentes... O mínimo que se pode dizer é que, no tempo de Spínola, que era da arma de cavalaria, a nossa cavalaria era de... opereta!... Isto não implica qualquer juízo de menos apreço pela abnegação, competência e valentia dos nossos cavaleiros... Estamos só a constatar um facto: uma boa parte do nosso armamento e equipamento era ferro-velho...

A título informativo, recorde-se aqui a constituição de um Esquadrão de Reconhecimento Fox , como o 2640, que esteve em Bafatá (1969/71). Segundo o testemunho, em tempos já publicado, do nosso camarada Manuel Mata (1), este esquadrão era constituído por: (i) um Pelotão de Comando e Serviços; (ii) três Pelotões de Reconhecimento, equipados com as seguintes viaturas: três Auto Metralhadoras DAIMLER; duas Auto Metralhadoras FOX; um Granadeiro com blindagem lateral sendo a sua guarnição composta por atiradores; um Unimog cuja secção tinha um morteiro 81. (LG).



Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Coluna em deslocação de Bula para Có.


Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Apesar das frequentes desmatações das bermas das estradas ou picadas, o capim era quase sempre um elemento presente no cenário de guerra, facilitando as acções de aproximação, simulação e emboscada do IN.


Fotos: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.



Quinta parte das memórias de campanha de Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) . Texto enviado em 3 de Maio de 2007 (2). (LG).

Caro Luís,


Após os agradáveis momentos de Pombal, é altura de voltarmos ao activo. Aqui vai o 5º texto das memórias da CCAÇ 2402.

Ainda sobre Pombal e depois de tantos comentários elogiosos e algumas chamadas de atenção, aqui fica um meu apontamento. Quando o Vitor indicou a seguir ao almoço que ia haver uma visita guiada com os automóveis a seguirem em fila, tive um presentimento de que não ia ser fácil o esquema resultar. É que no ano anterior no convívio da CCAÇ 2402 em Figueiró dos Vinhos, o Beja Santos conseguiu que a Câmara cedesse dois autocarros para uma visita semelhante e tudo correu às mil maravilhas. Uma coluna de viaturas não é a mesma coisa e os meus receios de dispersão, infelizmente, vieram a concretizar-se.

Foi uma iniciativa de periquito, que não afectou o global da optima organização do Vitor. Parabéns a ele pelo seu evento. Saudações a todos, Raul Albino.


Protecção a coluna de reabastecimento Bula/Có

por Raul Albino



Esta operação passou-se no dia 24 de Setembro de 1968, tendo como objectivo proteger a coluna de reabastecimentos vinda de Bula para Có. Só mais tarde viria a saber que nessa coluna viajavam também alguns colegas nossos que vinham render aqueles que, por doença ou outra qualquer razão, nos tinham deixado. Será curioso observar os seus relatos do contacto com o inimigo, sobre o ponto de vista de quem fazia parte da própria coluna que estávamos a proteger.

A protecção era constituída pelo 3º pelotão, mais outro pelotão que não recordo qual mas que detinha o comando da operação e ainda alguns milícias nativos. Deslocámo-nos pela manhã de modo a tomarmos posições de protecção. Escolhemos o local mais sensível a emboscadas do inimigo, pelas características do terreno, cheio de capim e mato, cujo historial antecedente apontava para ser um dos pontos preferidos de ataque do inimigo às nossas colunas.

Montámos a protecção colocando as tropas numa linha paralela ao trilho, como podem ver na figura (os desenhos com espinhos são árvores e não rebentamentos), não tão perto do trilho que tornasse a nossa acção inútil, nem tão afastado que se perdesse o contacto com a coluna de veículos.



Mais uma vez o inimigo mostrou uma especial inteligência para aquele tipo de guerrilha, pois às 11.25 h da manhã, quando a coluna de veículos se deslocava à nossa vista, o inimigo desencadeou um ataque com morteiro 60 e armas automáticas ligeiras.

O engenhoso deste ataque é que, devido à grande altura do capim naquela altura do ano, o inimigo conseguiu infiltrar-se entre as nossas tropas de protecção e a própria coluna, iniciando o tiroteio e mudando imediatamente de posição, esperando que a reacção da coluna incidisse sobre as nossas tropas, após a sua rápida retirada desse local.

Essa estratégia quase resultou e me fez passar um dos maiores sustos da guerra. Para minha surpresa vejo a Panhard que seguia junto aos camiões da frente da coluna, avançar ligeiramente pelo interior do mato, rodando a torre do canhão em direcção a mim e aos meus companheiros, pronta a fazer fogo. Logo que me apercebi da manobra, tive de tomar uma opção arrojada, levantei-me sujeito a ser baleado pelo inimigo, gesticulando para o blindado indicando em que direcção o inimigo estava e para onde devia direccionar o tiro.

O meu desespero consistia em saber se dentro da torre do blindado me estavam a ver e se entendiam os meus gestos. Para minha alegria, a torre voltou a girar, agora na direcção correcta e os seus disparos começaram a fazer debandar o inimigo, frustrando-lhes a esperança de verem as nossas tropas aos tiros entre si. Bem vistas as coisas, não me restava outra alternativa senão arriscar, pois entre um tiro do inimigo e uma granada da Panhard não ficava grande escolha.

A acção das Panhard também aqui se mostrou ser mais um elemento dissuasor do que verdadeiramente uma arma de grande efeito sobre o inimigo. Senão vejamos, era um blindado ligeiro, como podem ver na foto acima, com um pequeno canhão lança-granadas e uma ou duas metralhadoras, possuindo rodas grandes em pneu e aqui consistia a sua principal fraqueza. Os pneus davam-lhe ligeireza, mas não tinham sido concebidos para aquele terreno, impedindo-os de entrarem pelo mato dentro.

Quando deste ataque, as bermas do caminho tinham sido desmatadas, mas os tocos aguçados do mato cortado estavam por todo o lado e eram o principal inimigo para os pneus destas unidades, impedindo-as de ir muito longe. Aliás, esta fraqueza tornou-se rapidamente patente com a degradação dos pneus, levando à paralisação continuada de viaturas, para ceder os seus pneus às que se mantinham no activo. Devido à enorme dificuldade de reposição de peças de substituição para aqueles veículos de tecnologia ultrapassada, creio mesmo que com o tempo e uso, acabaram todos por ficar inoperacionais.

Mais tarde, pelas 13,45 horas, quando do regresso das viaturas a Bula, o inimigo efectuou outra emboscada à coluna, desta feita já sem protecção das nossas tropas no terreno. No entanto as nossas tropas, que acompanhavam a coluna, responderam ao fogo, continuando o seu avanço e pondo em fuga o inimigo, sem que este tivesse causado qualquer dano material ou humano.

Curiosamente, neste mesmo dia, seguiria o 1º Pelotão, comandado pelo Alferes Brito, com destino à Ilha de Jete [, ao largo de Caió, a sudoeste de Teixeira Pinto, ] para aí instalar um posto de protecção àquela zona geográfica da Guiné.


Visão (e texto) do militar Carlos Nascimento Silva Pereira que integrava a coluna atacada:

Eu fui para a Guiné alguns meses mais tarde do que a restante companhia, devido a ter sido sujeito a uma intervenção cirúrgica no hospital militar.

Lembro-me do dia em que cheguei e estava em Bula com uma escolta à minha espera e a mais dois colegas para seguirmos todos juntos para Có. Em Bula o 1º sargento deu-me a sua arma e cartucheiras. No trajecto para Có, fomos atacados pelos 'Turras'.

Eu ia em cima de uma viatura Unimog com mais alguns camaradas e atirámo-nos para o chão, tendo caído dentro de um buraco cheio de formigas enormes. Quando me apercebi que estava a ficar coberto de formigas, saltei fora do buraco e escondi-me por detrás de uma árvore, ficando os meus camaradas dentro a serem mordidos pelas formigas. Quando olho para o lado apercebi-me de outro camarada (condutor) escondido atrás da viatura às gargalhadas perante a nossa aflição.

No meio de tanta aflição procurei 'dar fogo' ao inimigo mas não conseguia, só mais tarde me apercebendo que tinha a arma em segurança. Como resultado de terem ficado dentro do buraco, os meus camaradas tiveram de receber tratamento.

Carlos N. S. Pereira

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Nota do autor (R.A.):

Nalguns textos que virei a enviar ao blogue, torna-se interessante observarmos os depoimentos de militares que, estando presentes no mesmo acontecimento, o viram com outros olhos e outra perspectiva, contribuindo para um relato mais rico e pormenorizado. Pena que nem todos tivessem respondido ao meu repto, uns por não terem jeito para a escrita, outros porque ainda temem tocar nestes assuntos que eles fizeram por esquecer. Imaginem um ataque ao quartel visto de vários ângulos e descrito por vários intervenientes … Parece um filme com várias câmaras.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)
(2) V d. post anteriores:
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1343: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (2): O primeiro ataque ao quartel de Có, os primeiros revezes do IN

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1516: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (3): Combatentes, trolhas e formigas bagabaga

13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1658: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (4): Uma emboscada em Catora e um Lobo Mau pouco predador

Guiné 63/74 - P1789: Blogues que nos citam (2): Amante da Rosa ou a Geração das Flores da Revolução de Bissau

Amante da Rosa > "Meu Cabo Verde. História e Estórias. Minhas raízes, família e recordações. A Guiné. Pensamentos e Imagens. Sem ordem cronológica".


1. Um blogue no feminino. Carla. Cabo Verde. Ilha de Santiago. Praia... A Carla é filha do nosso amigo e camarada Manuel Amante (1) e, espero, futuro membro da nossa tertúlia ou Tabanca Grande....

Com a devida vénia, transcrevo este post recente que fala de nós, Luís Graça & Camaradas da Guiné (2):

Terça-feira, Maio 08, 2007 > Blogueforanada - sem palavras.


Muito ouvimos nós, a geração das Flores da Revolução de Bissau, falar da luta da libertação nacional que decorreu nas matas da Guiné e dos nossos bravos combatentes e libertadores da pátria amada que lutaram corajosamente contra os tugas colonizadores (assim era a linguagem, não há enganos). Enfim... Jovens cheios de ideais nobres que combateram contra outros jovens, alguns renitentes e outros "impregnados ainda dos ideais de um império moribundo" como alguém me disse.

A parte dos combates foi sempre muito abstracta e idealizada na minha mente. Uma de mistura de memórias de criança com imagens do filme "Mortu Nega" e uns salpicos daquelas elipses convenientemente cinematográficas, onde se leva o espectador directamente para o que interessa, sendo dispensado de ver a parte chata e, sobretudo, sem aflorar a tragédia que está por detrás da rotina dos acontecimentos. Gostaria de poder acreditar que, da minha parte, foi uma negação mascarada de ingenuidade.

Mas... e o concreto? O sangue, os massacres de populações civis indefesas, os fuzilamentos, as luta corpo a corpo? As situações mórbidas que poucos têm coragem de perguntar e que, muitos dos que levaram a cabo essas acções, não gostariam de se lembrar?

Há blogs engraçados, curiosos, originais e há blogs que me provocam, literalmente, uma reacção orgânica qualquer que não consigo explicar. O blogueforanadaevaotres editado por Luís Graça é um deles. Narrado quase sempre na primeira pessoa, relata o historial da guerra na Guiné e como foi vivido pelos portugueses. Está tudo lá! São descrições, factos e memórias impressionantes. Conforme ia lendo só me ocorria uma palavra - Catarse.

Não se consegue ler tudo de uma vez e o que se vai descobrindo arrepia. Arrepia a estória de Uloma, o comando africano “caçador de cabeças”. Sobressalta o alegado número de fuzilados que o historiador Leopoldo Amado avança e surpreende saber que o Supervisor da 1ª. Companhia de Comandos Africanos e Director de Instrução de Cursos de Comandos em Fá Mandinga, que se chamava Octávio Manuel Barbosa Henriques, nasceu em 18 de Novembro de 1938, na Freguesia de Nª. Sr.ª da Conceição, ilha do Fogo.É o outro lado e há muito a descobrir...

Já agora... Recomendo a visita a esta página, também no mesmo blog, que tem informações interessantes sobre a força expedicionária portuguesa em que passou por São Vicente durante a II Guerra mundial.

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2. Este post suscitou dois comentários: o primeiro é de alguém que, francamente, fez uma leitura muita apressada do nosso blogue (por onde já passaram mais de centena e meia de homens e mulheres e onde já se publicaram, em dois anos, cerca de 1800 textos, fora os milhares de imagens)... É de alguém que faz juízos de valor apressados e nem sequer leu (ou entendeu) as dez normas de conduta que norteiam o nosso blogue. Blogue que de resto não é dele, do tuga Luís Graça, é de um colectivo, de gente de grande generosidade, que ama a Guiné e o seu povo, que historicamente fez a guerra colonial, e que luta hoje pelo direito à memória... Ora ninguém pode viver sem memória, indivíduos ou povos... E a memória, tanto dos vencidos como dos vencedores, é sempre (re)construída...

É gente que tem nome, que pensa pela sua cabeça, que é cultural, ideológica e politicamente plural, e que até é capaz de pequenos gestos solidários como, por exemplo, estar hoje, às 10 hora da manhã, na Reitoria da Universidade de Lisboa, para apoiar, abraçar e escutar um dos seus, o lusoguineense Leopoldo Amado, a defender a sua tese de doutoramento em História Contemporânea > Guerra colonial 'versus' guerra de libertação: o caso da Guiné-Bissau... E muitos outros não puderam estar, porque vivem longe ou têm os seus inadiáveis afazares profissionais... Em representação da nossa Tabanca Grande estavam lá, além de mim, o João Tunes, o José Martins, o Carlos Fortunato, o António Santos e o Hugo Moura Ferreira (espero não ter omitido ninguém)... Sem contar os amigos e familiares do Leopoldo, pois claro... (LG)

hiena disse...

Por acaso passei há dias nesse blog (foranada...etc) , e fiquei sabendo algumas coisas - o outro lado... Claro que senti a escrita dele um pouco suspeita, naturalmente puxa a brasa pra sua sardinha, fiquei com a impressão que era americano que contava seus feitos heróicos no Vietnam, tipo foram os outros e não nôs, muito romântico... Ficou a dúvida mas essa sempre estará presente pois as guerras têm sempre duas verdades ! Qual será a mais verdadeira ? Nunca saberemos! By the way , continua ...

5/15/2007 11:37 AM

Anónimo disse...

É ainda mais difícil saber onde está a verdade porque um dos lados se recusa a falar sobre o assunto.

5/16/2007 8:23 AM

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

(2) Vd. post anterior desta série > 22 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1777: Blogues que nos citam (1): Rumos e Culturas, de Carlos Palmeiro

domingo, 27 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1788: Convívios (10): Pessoal de Bambadinca 1968/71: CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e 63 (Luís Graça)

Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de Maio de 2007 > Encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71 > A organização coube ao Fernando Calado (na foto, à esquerda), coadjuvado pelo Ismael Augusto, ambos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/71).

O grupo (mais de 60 convivas) teve na Dra. Rosa Calado (na foto, ao centro), elemento da direcção da Casa do Alentrejo, uma simpatiquíssima anfitriã. O editor do blogue e fotógrafo, à direita, chegou tarde, mas ainda a tempo de constatar que a organização esteve impecável e o que o sítio não podia ser melhor, em pleno coração de Lisboa. O fotógrafo de circunstância foi o Ismael.

O ex-soldado condutor auto da CCAÇ 12 Alcino Braga (que vive em Lisboa), com dois homens marcados para sempre pela guerra: o ex-Fur Mil At Inf António Fernando Marques, gravemente ferido numa mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971 (1) (2); e o ex-Fur Mil Patuleia, meu vizinho, natural do Bombarral, e meu amigo (ficou cego na explosão de uma mina em Angola; é ex-presidente da ADFA). O Patuleia e o Marques conheceram-se no Hospital Militar Principal da Estrela.


Elementos da CCAÇ12 > O ex-soldado condutor auto Alcino Carvalho Braga e o ex- 1º Cabo Apontador  de Armas Pesadas José Manuel P. Quadrado (que pertenceu ao 1º Gr Comb da CCAÇ 12, comandado pelo Alf Mil Moreira, seguramente o melhor oficial da companhia). Não sei o que é um e outro fazem hoje na vida. E do Moreiro perdemos o rasto.

O Mourão Mendes (da CCS/BCAÇ 2852, que vive atualmente em Torres Novas) e Gabriel Gonçalves, o famoso GG  (ex- 1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 12, residente em Lisboa).


O ex-Fur Mil At Inf Joaquim A. M. Fernandes, da CCAÇ 12, ao centro, falando com o Marques e o Patuleia. O Fernandes foi ferido, numa mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971, à saída de Nhabijões (2). Vive no Barreiro. Engenheiro, é director da Direcção de Infra-estrtuturas, da Quimiparque... Censurou-me, e com razão, de nunca aparecer nos convívios da malta de Bambadinca,  1968/71... Não me justifiquei: teria dificuldade em fazê-lo... Percebo as suas razões, entendo os seus ressentimentos, sou até capaz de comprender a sua ironia, não gostaria de magoar um amigo... De qualquer modo, hoje os meus camaradas da Guiné não se restringem apenas aos da minha ex-companhia, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12...


O Marques e o Patuleia: amigos para sempre. Ambos estão reformados: O Marques, da sua actividade comercial; o Patuleia, como ex-funcionário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (ainda o conheci, na Repartição de Finanças  da Reboleira, a 3ª da Amadora)...



José Fernando Almeida: ex-Furriel Miliciano de Transmissões, CCAÇ 12. Era o Don Juan da CCAÇ 12. Tinha, de resto, tempo, vagar e... talento para namorar as bajudas de Bambadinca: nunca saiu para o mato... Vive em Óbidos há 10 anos. Ao que sei, o Almeida está reformado da RDP.



O José Luís Vieira de Sousa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12, com a esposa e com a Teresa, esposa do Humberto Reis (ausente na Suécia, em viagem de negócios). O Sousa é corrector de seguros no Funchal. O Reis falhou, pela primeira, o encontro do pessoal de Bambadinca 1969/71. Mas venho depôr em seu favor: ele esteve impecavelmente bem representado pela esposa, a Sra. Dona Teresa que, além de grande senhora, é uma santa (não é fácil ser companheira de um camarada da Guiné).

O Sousa, coitado, estava desolado, sem o aparentar: tinha vindo de uma viagem turística à Eslováquia, em voo charter, por conta de uma das seguradores com quem trabalha; mas na volta ficou sem bagagens nem bilhete de regresso ao Funchal... Mesmo assim arranjou disposição para ir ao encontro dos seus velhos camaradas de Bambadinca... Confessou-me que foi comprar uma camisa nova, no hipermercado... Enfim, um gesto que merece a nota de cinco estrelas, na escala de camaradagem, de 1 (Mínimo) a 5 (Máximo)... De resto, em 18 meses de intensa actividade operacional no TO da Guiné nunca vi este homem perder a face, a calma ou as estribeiras!... Ontem como hoje, o Sousa é um homem calmo, razoável, autocontrolado, afável... (Desta vez, não trouxe a sua viola!).


O Ismael Augusto e o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel mil sapador, ambos da CCS do BCAÇ 2852. O primeiro vive em Lisboa (trabalhou na RTP como engenheiro e gestor; é actualmente consultor e docente universitário nas áreas da multimédia). O Soares, por sua vez, vive em Caneças.

Malta da CCS do BCAÇ 2852: em primeiro plano, o ex-furriel milicano vagomestre Carvalhal (que vive em Vila Nova de Famalicão e foi um dos organizadores do encontro do ano passado), o Fernando Taco Calado e o Mourão Mendes. Não consigo identificar o camaradas que está por detrás do Calado. Nem sei qual era o posto e a especialidade do Mourão Mendes.

O Jorge Cabral (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 63), conversando com o Ismael e  Otacílio Luz Henriques (ex-1º cabo bate-chapas, do pelotão do Ismael, o pessoal da ferrugem). Como toda a gente sabe, o Cabral é advogado e docente universitário, além de excelente escritor. Bem gostaria de ver editado um book com as suas deliciosas estórias cabralianas... Prometeu-me em breve mandar mais uma: disse-me o título, que não fixei...

O Agnelo Ferreira Pereira e a esposa. Ambos são meus conterrâneos, da Lourinhã. É um velho amigo de infância. Foi o primeiro camarada com quem falei, ao passar por Bambadinca no dia 2 de Junho de 1969, a caminho do meu destino (Contuboel, a nordeste de Bafatá), quatro dias depois do grande ataque ao aquartelamento, sede do Sector L1.

O Agnelo era operador de transmissões, fazendo parte da equipa do ex-Alf Mil Trms Fernando Calado. Recordo-me ainda das palavras do meu amigo: - "Podíamos ter morrido todos" [se as canhoadas e morteiradas tivessem acertado em cheio no alvo]... O Agnelo está hoje reformado. Trabalhou, com os irmãos, como despachante alfandegário... A entrada na CEE provocou um terramoto nesta actividade... E o Agnelo sofreu com isso...

O Isamael e o casal Calado. A Rosa (que é professora de história no ensino secundário, em Lisboa) faz parte dos orgãos de gestão da Casa do Alentejo. Teve a gentileza de fazer as honras da casa. Pequeno privilégio, mostrou-me a mim, ao Fernando e ao Isamael, algumas das salas, não abertas ao público, e que foram recentemente remodeladas... A sua próxima batalha é encontrar um (ou mais) mecenas para as urgentes obras de reparação da cobertura do prédio.

Dois antigos elementos da CCAÇ 12 > à esquerda, o Francisco Patronilho (ex-Sold Condutor Auto, vive hoje em Brejos de Azeitão) e, à direita, o Fernando Andrade Sousa (ex-º Cabo Aux Enf, vive na Trofa, tendo organizado, em 2006, juntamente com o Carvalhal, o anterior encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71).

O Patronilho, que já era casado e tinha um filho, quando esteve em Bambadinca, teve que puxar pela imaginação e suar as estopinhas para arranjar um dinheirinho extra para mandar à família e ir visitá-la nas férias... De regresso à vida civil, foi preparador de trabalho na Lisnave até se chatear com o ambiente e montar o seu próprio negócio, na área da reparação automóvel (se bem percebi), na terra onde vive... O Sousa, residente na Trofa, tanto quantome lembro, trabalhou na indústria têxtil e reformou-se no bom tempo, há menos de meia dúzia de anos... Nenhum deles tem ou usa e-mail. Mas o Sousa de vez em quando vai espreitar o nosso blogue...


O ex-Furriel Miliciano At Inf, da CCAÇ 12, Joaquim Pina. Continua a viver em Silves (Algarve). Foi ferido em combate, no decurso da Operação Borboleta Destemida, em Janeiro de 1970. Era um exímio amador de ilusionismo e bom tocador de viola. Um homem extramamente afável e bom camarada. Gostei de o rever. Não sei o que faz hoje. Confessou-me que não conhece o blogue nem tem e-mail, o que não é crime, mas é uma... pena (3).

Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.





Videoclipe (36 segundos) > O nosso Pavarotti alentejano... Voz: Fernando Taco Calado (ex-técnico superior na área da gestão de recursos na Petrogal; actual docente universitário; excelente executante do cante alentejano). Assistência: O ex-furriel dos reabastecimentos Lopes (espantosamente tem a mesma cara de há 38 anos, e que eu reconheci imediatamente) e o ex-furriel vagomestre Carvalhal (ex-CCS do BCAÇ 2852)... Faltou desta vez a viola do J. L. Vacas de Carvalho (ex-Alf Mil Cav, do Pelotão Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71). Há uma voz, que se ouve, a reclamar a massa do almoço, e que é a da Dra. Rosa Calado, da direcção da Casa do Alentejo... Entrentanto, sou testemunha de que o nosso Fernando, depois deste pequeno ensaio de um belíssimo cante alentejano, liquidou as contas do almoço... Cerca de 1500 euros, se a vista ou a memória me não atraiçoam...

Para reproduzir o vídeo, basta clicar duas vezes na imagem e, naturalmente, ligar o som... Devo acrescentar que o Fernando Taco Calado já nos tinha dado, há uns meses atrás, no encontro da Ameira, um cheirinho dos seus grandes dotes vocais (4), fazendo-nos (re)lembrar algumas das nossas noitadas de Bambadinca... A este propósito, costumo lembar que eramos mochos - os operacionais e muitos outros... Vivíamos de noite, dormíamos de dia (quando nos deixavam)... Para quem andava no mato, as 4 da madrugada eram a hora mortal do dia, a hora de todas as angústias... Saíamos ainda de noite, cerrada, para as nossas operações, tentando surpreender o IN no seu sono profundo... Depois do jantar, e até às tantas, era preciso ocupar o tempo: cantando, jogando, bebendo, escrevendo, ou simplesmente tabaqueando o caso, como dizem os alentejanos...

Vídeo: © Luís Graça (2007). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau_Videos. Copyright © 2003-2007 Photobucket Inc. All rights reserved.


Casa do Alentejo, Lisboa, 26 de Maio de 2007 > Almoço-convívio do pessoal de Bambadinca 1968/71 > Vídeo (36 segundos) > O nosso Pavarotti alentejano > Fernando Calado, natural de Ferreira do Alentejo, no seu melhor... mas desculpando-se de que um alentejano nunca canta sozinho...

Na emblemática e histórica Casa do Alentejo, sita no nº 58 da Rua Portas de Santo Antão, em pleno ventre de Lisboa, sob a batuta do Fernando Calado e do Ismael Augusto, realizou-se mais um almoço-convívio, no passado dia 26 de Maio, do pessoal que esteve em Bambadinca, entre 1968 e 1971.

Os convivas ultrapassaram as 6 dezenas, incluindo familiares. Cheguei, conforme prometido, já no fim do repasto, mas deu para rever velhos camaradas da Bambadinca do meu tempo, tanto da CCS do BCAÇ 2852 como da CCAÇ 12... Do pessoal de outras unidades adidas ao comando do Sector L1 só encontrei o Mário Beja Santos (Pel Caç Nat 52, que estava de saída quando eu entrei) e o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63).

Do pessoal da minha antiga companhia, revi alguns ex-furriéis milicianos (Pina, Fernandes, Marques, Almeida e Sousa), ex- condutores como o Patronilho e o Braga, ex-ajudantes de enfermeiro como o Sousa, e ainda ex-operadores cripto: o Gabriel Gonçalves e o Murta (de que não tenho registo fotográfico).

Da CCS do BCAÇ 2852, há a registar a presença dos ex-Alf Mil Ismael Gonçalves (Manutenção) e Fernando Calado (Transmissões), os dois organizadores do encontro, além do ex-Furriédis Miliciano Soares (Sapador), Carvalhal (Vagomestre) e Lopes (Reabastecimentos).

O Mendes Mourão será o organizador do próximo encontro, em Maio de 2008, em Torres Novas. Tive também o grato prazer de encontrar o meu amigo Agnelo Ferreira Pereira e esposa, ambos da Lourinhã.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) " Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) > 13 de Janeiro de 1971 > E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).


(2) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


(...) "História da CCAÇ 12 (1969/71)

"(19) Janeiro de 1971: 1 morto de 6 feridos graves aos 20 meses


"O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

"(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

"(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.

"0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

"(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

"Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf. Mil. Rodrigues] (b) deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

"Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões (c), agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

"(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba" (...).

(3) Vd. post de 12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIII: Op Borboleta Destemida: uma emboscada de meia-hora (Poindon/Ponta Varela, CCAÇ 12, Janeiro de 1970) (Luís Graça)

(...) "Enveredando por aí, e passados uns 100 metros, os homens da frente (1º Gr Comb da 12), ao entrarem numa clareira, detectaram um grupo IN instalado atrás de baga-bagas e de árvores. Evidenciando grande rapidez de reflexos, o apontador de LGFog 8,9 Braima Jaló foi o primeiro a abrir fogo. No mesmo instante começámos a ser violentamente flagelados com Mort 82, Lança-Rckets e rajadas de metralhadora. Uma granada de morteiro rebentou junto da 2ª secção do do 1º Gr Comb, tendo os estilhaços atingido o Furriel Mil Pina, o 1º Cabo Atirador Valente e os soldados Baiel Buaró e Sajo Baldé " (...).

(4) Vd. post de 24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1208: Eu ouvi o passarinho, às quatro da madrugada (J.L. Vacas de Carvalho / Fernando Calado)

Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1969 >O Fur Mil Ap Armas Pesadas de Infantaria Henriques, no cais de Bambadinca. Ao fundo, um dos barcos civis que faziam periodicamente a viagem Bissau-Bambadinca, passando pelo temível Mato Cão, no percurso Xime-Bambadinca, o primeiro troço do Geba Estreito. O Rio Geba era navegável até Bambadinca. As embarcações da Marinha Portuguesa (nomeadamente as Lanchas de Desembarque Grandes) só iam até ao Xime. Em Bambadinca, junto aos cais, frente à bolanha de Finete, havia um destacamento, guarnecida por um pelotão de intendência. Tanto o Xime como Bambadinca eram dois pontos de entrada da Zona Leste. Grande parte do abastecimento desta vasta zona eram feitos por terra e por rio. (LG)

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Manuel Amante , embaixador Manuel Amante da Rosa que, entre outros cargos e funções, foi conselheiro do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Cabo Verde (2005), embaixador de Cabo Verde no Brasil (1992/2002) e em Angola (1995/99), observador internacional da OUA no processo de democratização da África do Sul (1993/94), diplomata em Moscovo, colocado na embaixada de Cabo Verde (1986/90) bem como na missão permanente de Cabo Verde nas Nações Unidas, em Nova Iorque... Enfim, um invejável currículo para quem, tendo nascido na Guiné, ainda em 1973/74 estava nas fileiras do Exército Português, mas já era, muito provavelmente, simpatizante ou militante do PAIGC... (LG)


Caro Luís Graça,

Há muitos meses que venho acessando, diariamente, por vezes mais do que uma vez, o que se tornou recanto de milhares de militares que passaram pelo TO da Guiné.

Também fui militar (73/74), de recrutamento local, no CIM de Bolama onde fiz a recruta e especialidade antes de ser colocado no QG (Chefia dos Serviços de Intendência) em Bissau. No momento de ser incorporado, tal como muitos da minha geração, estava relativamente familiarizado com as questões de foro castrenses. Não se podia viver na Guiné e ficar alheio ao que se passava e à inutilidade que essa guerra significava em termos de vidas humanas.

Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai (o Bubaque, antiga traineira algarvia, adquirida pela Marinha portuguesa e transformada, nos inícios da guerra, em Lancha Patrulha nº4, até ser comprada pelo meu Pai e transformada em navio de transporte, mais popularmente conhecido por Djanta Kú Cia).

A jornada começava com a enchente da maré, passando por Portogole, Ponta Varela, Xime e daqui para a frente quase sempre a rasar as margens, ora de um lado ora de outro, ver passar o Mato Cão e Nhabijões até chegar ao pequeno mas movimentado porto de Bambadinca, onde sempre havia lanchas e batelões.

Não raras vezes, no regresso, saíamos de noite de Bambadinca rezando, tripulantes e passageiros, para que nada acontecesse até passarmos o Mato Cão. Salvo raras ocasiões as preces foram escutadas. O encanto era absorvente em noites de luar a descer o Geba a favor da maré, com o maquinista a ficar satisfeito, em termos de rotações do motor, só quando via faíscas e fumo espesso a sair da chaminé. Parecia que andávamos numa estrada cheia de curvas tal a velocidade com que descíamos o rio. As apreensões só desapareciam, na última curva, quando víamos as luzes do quartel do Xime. De noite Ponta Varela não constituía perigo. Passávamos a uma razoável distância.

Faço estas referências porque acabei por rever muitas imagens de Bambadinca e das suas gentes, onde passei férias com mais colegas estudantes e ia à caça, idas à boleia em viaturas militares ou civis, sem escoltas até ao Xime para ver o macaréu passar, cambanças para a outra margem do porto de Bambadinca de canoa, visita ao aquartelamento de Nhabijões que muito impressionou pela vetustez das instalações e más condições que facultava.

A minha filha tem um blog, Amante da Rosa, em Cabo Verde, que faz referência ao seu.

Sou amigo do Pepito.

Abraços e votos de que as memórias, por mais dolorosas que possam ter sido, não sejam apagadas mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais a todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné.

Manuel Amante

2. Comentário de L.G.

Caro embaixador e antigo camarada de armas:

Amigo de Pepito, nosso amigo é. Bastar-lhe-ia, aliás, invocar a sua condição de guineense, de ascendência caboverdiana, tendo feito a tropa no Exército Português, como muitos simpatizantes e até militantes do PAIGC, para se criar aquela saudável cumplicidade entre homens que têm em comum, pelo menos, a mesma paixão pela Guiné, as suas gentes, as suas tabancas, os seus rios e os seus braços de mar, as suas savenas e as suas florestas-galeria... Homens que falam a mesma língua e fazem os meus votos de paz e de amizade entre os povos, os seus povos, hoje, Cabo Verde e Portugal, respectivamente. Homens que cruzaram o Geba (2), e que conhecerem o rio-serpente, o Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca...

Cabo Verde, que eu não conheço (estive apenas uma ou duas horas no Sal, dentro de um avião), faz parte do meu imaginário: o meu pai foi expedicionário, na Ilha de São Vicente, aquartelado no Mindelo, entre 1941 e 1943... E eu convivi durante a minha infância com as suas estórias, as suas recordações e o seu álbum de fotografias, algumas das quais já reproduzi na I Série deste blogue (1).

Obrigado pelas suas recordações da Guiné, e Bissau, do Rio Geba, da Ponta Varela (3), do Xime, de Enxalé, do Mato Cão, de Nhabijões, de Bambadinca... Obrigado por nos dar a conhecer o surpreendente blogue da Carla, a Amante da Rosa (Ilha de Santiago, Praia), que irá merecer, em breve, um destaque especial no nosso blogue... Obrigado, enfim, pelas suas belíssimas palavras e pelos seus votos, de homem sábio e vivido que nos diz: "que as memórias, por mais dolorosas que possam ter sido, não sejam apagadas mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais a todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné"...

Em contrapartida, muito nos honraria a sua presença, mais efectiva, no nosso blogue, como membro da nossa Tabanca Grande...

Calorosas saudações.
Luís Graça
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império (Luís Graça)

26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores (Luís Graça)

22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente (Luís Graça)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXV: Cabo Verde (1941/43) (4): Mindelo, terra de B.Leza e de Cesária Évora (Luís Graça)

(2) Vou no Bissau, / num barco à vela, / no barco da Gouveia. /Aproveito a maré-cheia /e o cacimbo sobre Ponta Varela./

Vd. post de 15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1598: Conto(s) do barqueiro do Geba (Luís Graça)

(3) Referências a Ponta Varela, no nosso blogue, são inúmeras. Veja-se, por exemplo:


8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12 (Luís Graça)

(...) "Tratava-se de um destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelamente à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata 150 metros.

"O prisioneiro estivera lá três meses antes, e na altura os efectivos eram de cerca de 40 homens, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocavam para a Ponta Varela afim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba. O armamento era constituído por RPG-2 (seis) e armas ligeiras. Com base nestas informações planeou-se imediatamente Op Pato Rufia afim de executar um golpe de mão sobre o acampamento em referência, com o prisioneiro a servir de guia" (...).

9 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga (Luís Graça)

(...) "Malan fala pouco, a custo. As suas respostas às minhas perguntas são lacónicas, arrancadas a ferro e misturadas com um leve sorriso resignado. Procuro transmitir-lhe sinais de simpatia e de compaixão. Foi no mato ainda djubi [não posso precisar a idade]. Não deve ter conhecido outra vida. Chefe da tabanca levara menino e mulher para o Morès com medo de avião dos tugas. Primeiro deram-lhe uma semi-automática Simonov (uma arma bem melhor que a nossa velha Mauser que está distribuída ao pessoal das tabancas em autodefesa). Começou como milícia: fazia segurança à tabanca e ao pessoal que ia lavrar a bolanha. Mais tarde, é promovido a combatente como municiador do RPG-2. Passou depois a apontador. Há um ano atrás foi ferido em combate, no Xime, quando atacava lancha grande em Ponta Varela" (...)

28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

(...) "2.4.5. Possibilidades do IN: No plano militar: (i) Manter as acções de fogo sobre os aquartelanentos das NT;(ii) Intensificar as acções de guerrilha preferencialnente sobre as tabancas em autodefesa, pelotões de milícia e seus itinerários de socorro;(iii) Realizar acções de reconhecimento nos regulados de Badora e Cossé, a partir dos regulados de Xime, Bissari e Corubal; (iv) Utilizar as linhas de infiltração que do Boé conduzem aos regulados de Xime e Bissari através da faixa norte do regulado do Corubal, e que da área Xime-Mansambo conduzem à estrada Bambadinca-Mansambo; (v) Efectuar acções de barragem á navegação no RGeba, em especial nas áreas de Ponta Varela e Mato Cão; (vi) Reagir à acção de contrapenetração das NT" (...)

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969


T/T Uíge > CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Três oficiais milicianos, da esquerda para a direita: Ismael Augusto (manutenção), o David Payne (medicina) e o Fernando Calado (transmissões). Todos eles estavam em Bambadinca, na noite em que o aquartelamento foi atacado em força pelo PAIGC, como represália pela Op Lança Afiada (1). Bambadinca voltara a ser atacada, a 14 de Junho de 1969. O Calado e o Augusto são os organizadores do encontro, deste ano, do pessoal de Bambadinca (1968/71). O Payne, infelizmente, já morreu. (LG)

Foto: © Fernando Calado (2007). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > O Alf Mil de Transmissões, de braço ao peito, junto à parede, crivadas de estilhaços de granada de canhão sem recuo, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de Maio de 1969. Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais, mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação. O Fernando traz o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol.

Foto: © Fernando Calado (2007). Direitos reservados.



47ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Texto enviado a 3 de Maio de 2007. Subtítulos do editor do blogue.


Caro Luís, muito obrigado por teres impulsionado este segundo encontro [, em Pombal, no dia 28 de Abril de 2007,] onde revi camaradas inesquecíveis como o Humberto ou conheci outros como o Mexia Alves, um pouco a história da minha vida no Cuor.

O texto que te envio hoje centra-se no ataque a Bambadinca, em 28 de Maio [de 1969]. Tens aí a fotografia do Calado de braço ao peito a mostrar os estilhaços de uma morteirada junto às habitações dos oficiais. Eu próprio escrevi um aerograma à Cristina em cima do acontecimento, que tens plena liberdade para usar. Não me recordo de outras imagens deste evento e, como sabes, as marcas passaram depressa. Quando a CCAÇ 12 chegou, já se tinha feito a cosmética. E o segundo ataque deixou ainda menos marcas. Seguem igualmente pelo correio os dois livros referidos. Um grande abraço do Mário.


Finete está a arder?
por Beja Santos


Hoje, 27 de Maio [de 1969], levanto-me estonteado e bem derreado pela emboscada feita há poucas horas em Sinchã Corubal. Tenho uma secção de pelotão de milícias em Finete, onde vão trabalhar no levantamento de um novo abrigo e na construção do balneário. Vamos, pois, levar um dia ameno, entregue aos afazeres domésticos até que o Teixeira nos comunique a hora de partida para Mato de Cão.


Antecipando a vingança da gente de Madina


O que aconteceu ontem em Sinchã Corubal (2) não me sai da cabeça mas procuro prevenir a reacção da gente de Madina: Será que desta vez irei ser emboscado entre Canturé e Gambaná? Em Mato de Cão é impossível, é um planalto de onde se avista todo o palmeiral de Chicri, qualquer aproximação é facilmente detectada de dia. A não ser que eles ensaiem uma emboscada nocturna, embora seja difícil saber qual o itinerário que vamos usar, faça sol ou chuva andamos sempre por caminhos diferentes para evitar as mais amargas surpresas. E momentos há em que duvido da capacidade de beligerância da gente de Madina.

Converso com os furriéis, hoje é melhor dar condições para haver aulas para os soldados e crianças, vistoriar as munições e o abastecimento de víveres, fazer uma capinação lá para os lados de Sansão, olhar com mais cuidado a contabilidade, já que as folhas de pagamento têm que ser enviadas urgentemente para Bambadinca.

Enquanto ganhamos balanço para as actividades no interior de Missirá, o Casanova recorda-nos que o mês que finda [, Maio de 1969,] foi marcado por emboscadas a colunas em todo o sector, flagelações brutais a tabancas em autodefesa como Amedalai, Moricanhe e Taibatá.
- Se digo isto, é só para lembrar que andamos numa permanente correria e o nosso inimigo não nos vai fazer excepção, vamos ser atacados em breve. Proponho que conversemos sobre medidas mais rigorosas de segurança. - Aceito a sugestão e o tema fica para ser apreciado sem papas na língua ao almoço.

A hora do expediente ou a burocracia da guerra

Com o Pires, aprecio o expediente corrente: as queixas do Setúbal quanto às velas do radiador do burrinho [, o Unimog 411,] a necessidade de fazer uma coluna com a nova vaga de doentes cheios de malária e até um soldado milícia com elefantíase, o abate de vários cantis que desapareceram nos últimos patrulhamentos; depois procedemos ao apuramento das contas e concordei com as folhas de pagamentos dos milícias de Missirá e Finete; ainda com o Pires tratei do novo mapa das férias, o aquartelamento de Missirá obrigou todos a um esforço medonho, há que reintroduzir a escala de férias ainda que moderadamente dado o número significativo de baixas por doença.


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Furriel Mil Pires > "O Pires era um algarvio discreto, sóbrio na comunicação e de uma lealdade a toda a prova. Por vezes zanguei-me com ele, por falta de sugestões ou iniciativas. Concentrei demasiados poderes e cometi asneiras e fui imprevidente. Quando o Casanova começou a desmoronar-se psicologicamente, não dei por nada, por pura insensibilidade. Julgo que devia ter empenhado mais o Pires que era meticuloso e tinha um excelente trato com a tropa africana. Ao fundo, vê-se o último abrigo a ser arranjado, que era o dele. Ele queixava-se que lhe tinha deixado a segurança para o fim. Não foi bem assim, já que a carapaça tinha duas camadas de cimento recheadas de três folhas de bidão. Quando abandonarmos Missirá em Novembro este abrigo já não existirá´".



Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Fonte de Cancumba, a noroeste de Missirá.

"Sem a água da fonte de Cancumba a vida em Missirá era impossível. Todos os dias, no mínimo duas vezes, uma secção ia buscar bidões, jerricãs e garrafões. Na véspera de eu chegar a Missirá (3 de Agosto de 1968) veio gente de Madina deixar propaganda e avisos sinistros. Até fins de Outubro de 69, registei por seis vezes a presença do inimigo, aqui. Nunca envenenaram a água. Montávamos segurança para as mulheres lavarem a roupa e abastecerem-se. Era ali que elas tomavam banho com as crianças, recusaram sempre o balneário de Missirá.

"O grande tormento era quando o Unimog 404 ou o burrinho, o 411, estavam avariados. Então, meia Missirá arrastava os bidões ida e volta, operação penosa só compensada pelo banho frio, muitas vezes a cheirar a petróleo. O Furriel Pires tirou a fotografia para celebrar a cabeça rapada".



Fotos e legendas: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Pires, de quem são as chapas, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Ao fim da manhã, concluído este expediente, e aguardando que Umaru Baldé anuncie que o almoço esteja pronto, olho para o correio recebido e por responder, e guardo energia para correspondência tão dispersa: recebi um amável aerograma do Cláudio Neto, que foi meu furriel na CCAÇ 2402, que me descreve a vida dura que levaram depois de estar em Có e que termina assim: "Não o esqueço nem ao Medeiros Ferreira" (3).

Começo um aerograma para a Cristina, lançando uma trivialidade: "O capim começa a aproximar-se do arame farpado, anoitece muito depressa com um céu funesto, pela noite fora a parada azula-se com o rugido das borrascas. " Será que o cansaço já me rouba a inspiração, estou condenado a escrever estas frases sem nexo? No fundo, ando à volta de uma questão principal que é responder à Cristina se vamos ou não casar por procuração, ainda há uma remota esperança do meu recurso ser aceite e a punição dos dois dias de prisão eliminada, e então poderia ir a Lisboa e casarmos. Esta dúvida vai manter-se até Agosto, altura em que conhecerei que a punição se manterá ainda com redacção diferente, o que vai mudar toda a minha argumentação. Vejo a sombra de Umaru à porta do meu abrigo, oiço-lhe os seus passos que esmagam o saibro. É com alívio que suspendo estas cogitações, esta dor em aerogramas onde nada posso prever para o meu futuro, para o nosso futuro.

Ao almoço, antes de dar a palavra aos três furriéis e aos cabos presentes (o Alcino, o Barbosa, o Teixeira e o Raposo) anuncio que o Raposo vai partir e que Bissau informou que o seu substituto, António da Silva Queiroz, vai chegar em breve. Aproveito para agradecer ao Raposo toda a ajuda que me deu na intendência dos víveres e anuncio que ele será substituído pelo Alcino. Olho-o quando faço este anúncio e sinto a muita amizade que se vai consolidando entre nós.

Recordo o dia, há meses atrás, quando o conheci junto à Capela de Bambadinca, ele tremia como varas verdes, seguramente que o tinham praxado, dizendo-lhe que ia para o pior dos infernos, às ordens de um chefe alucinado. O Alcino é um camponês que reclama sopas adubadas, tem saudades do vinho forte da sua região, tem saudades do seu terrunho, está desamparado de afectos, é frugal no contacto humano, é uma criatura inocente que sofre com a nossa linguagem de caserna, um palavreado indisponível para os seus valores telúricos. Naquele momento ainda não sei o papel determinante que ele vai ter um dia para o encadeado destas recordações, quando, de um só jacto, eu lhe dedicar uma carta, escrita com a maior das intranquilidades e com o meu pedido público de desculpas por nunca mais ter sabido dele, depois de ele passar a sinistrado de guerra.

As preocupações do Casanova são sentidas por todos: vivemos a um ritmo alucinante, com colunas à fonte de Cancumba, desmatamos e descapinamos por vezes em situações de risco, vamos diariamente a Mato de Cão, com as chuvas a precariedade dos abastecimentos obriga-nos a caminhar e a patinhar até Bambadinca, há as emboscadas nocturnas, a segurança ao Sintex, o que ainda resta das obras de Missirá, as idas a Finete, e o mais que se sabe. A correr de um lado para o outro, esqueçemo-nos que o inimigo vigia, recolhe informações e um dia explorará fraquezas, multiplicamos as actividades e o número de efectivos baixa.

Fico mandatado para falar com o Comandante [do BCACAÇ 2852, sito em Bambadinbca,] sobre a necessidade de recebermos mais efectivos, as duas secções de milícias de Missirá devem voltar, há que propor apoios da CCS, gente dos morteiros, sapadores, apontadores de metrelhadora, praças. Precisamos de ajuda, é esta a mensagem que recebo dos presentes. E nos presentes está o Adão que é soldado-maqueiro e alinha em tudo: nos patrulhamentos, nas colunas e nos reforços.
- Já agora, meu alferes, lembre-se de mim, não me quero ir embora, mas fazia jeito mais dois maqueiros, com a vida que levo nem tenho tempo para estar em Finete.

Findo o almoço, recomeçámos as nossas tarefas, fui com uma secção reforçada até à ponte de Sansão. Regressei ao anoitecer, jantei e na parada revistei o armamento dos vinte homens que me iam acompanhar na emboscada nocturna. Esta exigência das emboscadas nocturnas era uma novidade do nosso major de operações: fosse em que condições fosse, era determinado a todos os destacamentos que tivessem uma emboscada montada para dissuadir o inimigo, desde o anoitecer até horas que tornassem as flagelações praticamente impossíveis. Com a usura das nossas actividades, estava decidido que quem ia a Mato de Cão não emboscava. O quebra-cabeças era prever os cenários de ataques a Missirá e como é que nós podíamos reentrar no quartel sem ficar debaixo de dois fogos...

Naquela noite quem se meteu até à cintura numa bolanha entre Missirá e Cancumba até às 11:30 da noite fui eu e um contigente de caçadores nativos e milícias. Findo este tempo, que não dá para dormir no tépido da água porca e barrenta, sempre afugentando a mosquitada a zunir furiosa porque não pode atravessar a rede mosquiteira, e debaixo da tensão que é estar com os olhos concentrados nas diferentes sombras que nos cercam e nos ruídos próprios das florestas, regressámos com o corpo moído e a vontade de mergulhar no duche frio do costume.


Em socorro de Finete...


Era precisamente meia noite e vinte e cinco quando começámos a ouvir roncos em catadupa dos obuses, uma sinfonia de armas pesadas, rockets e morteiros, a terra tremia bem perto de nós, o negrume da noite deu lugar a riscos desses pequenos cometas que são as balas tracejantes a esvoaçar no éter. Ainda a limpar-me , subo ao abrigo onde Ussumane Baldé assiste deslumbrado ao foguetório e sinto o coração contricto quando lhe pergunto:
- Ussumane, é Finete que está a ser atacada? - A resposta é me dada pelo seu olhar súplice:
- Ah, meu alfero, eles vão partir Finete todinha!.

Os minutos passam e não vejo chegar resposta do fogo de Finete.
- Que é que leva aqueles gajos a demorarem tanto tempo a reagir? - A multidão cresce na parada, não há militar e civil que não esteja esgazeado a ver este ataque assustador, quer pelo porte, quer pela falta de reacção.

De vez em quando há fogachos em direcção contrária, mas quem domina nesta cantilena de morte são as armas pesadas e os sons que conheçemos ao armamento do PAIGC. O meu olhar mareja-se de lágrimas incontidas, de tudo me recrimino por não ter pensado que o PAIGC ia rapidamente embalar uma resposta à nossa aparição em Sinchã Corubal. O fogo atroador prossegue, todos lastimam a destruição de uma Finete e há quem já vaticine que está reduzida a escombros.

Pela última vez, no alto daquele abrigo que abre para Sansão e que numa grande angular permite ver tudo o que é floresta de 14 quilómetrs até Finete, vejo e olho e começo a sentir no ar a nuvem espessa de um fogo que devasta quem vive para aqueles lados do Geba. É então que grito que vou partir com os voluntários que se oferecerem , em auxílio de Finete. Para quem falou de prudência à hora do almoço, é exactamente o oposto o que se está a viver no frenesim na parada de Missirá: O Setúbal já faz roncar o Unimog 404 para onde vão saltar cerca de 20 voluntários armados até aos dentes.

No meio daquele desatino, ainda consigo seleccionar dois bazuqueiros, três apontadores de dilagrama e levo o morteiro 60. Sento-me ao lado do Setúbal e determino:
-Daqui até à entrada de Canturé podes ir a 100 à hora. Depois páras, iremos todos a pé os últimos 4 quilómetros.

A corrida desenfreada é digna de um filme: aos tombos dentro da caixa do Unimog, os meus soldados examinam as cartucheiras, as cavilhas das granadas, a posição em riste das metralhadoras; gritamos como num manicómio acerca de cuidados que sabemos que não iremos cumprir, zelos impossíveis de respeitar, apelo à serenidade que ninguém controla. E minutos depois, muitos minutos depois, o Unimog pára arfante onde começa a longa recta de Canturé, muito antes da curva que se orienta para Gambaná e daqui para Mato de Cão.

O Setúbal vai sozinho na viatura e de faróis apagados. Graças a uma nesga de lua, dez homens de cada lado flanqueiam a picada.O ar está empestado pela pólvora. Caminhamos à espera do pior. A prudência vai aparecer a dois quilómetros de Finete, onde o mato é denso e os poilões escondem o luar. De tanto gritar durante a viagem, como se estivéssemos a incutir coragem uns aos outros, damos agora com o silêncio sepulcral que nos envolve. Que raio de Finete é esta que não tem cubatas a arder, nem se ouvem tiros isolados, nem gritos dos agonizantes?

Com alívio, em marcha lenta, passamos os pontos onde era possível o inimigo estar emboscado. E do alto do alcantilado, que é essa inclinação abrupta que descemos e subimos para chegar ou partir de Finete, assobia-se aos sentinelas que respondem com entusiasmo. Aguarda-nos um quadro surreal: somos recebidos com entusiasmo, abraços, tudo quanto é sinal de boas vindas. Vejo Bacari Soncó avançar em passo lesto e abraçar-me. É a medo e com a voz embargada que lhe pergunto:
-Irmão, temos muitos mortos? - Um olhar coruscante precede o atónito da resposta:
- Mortos, mortos de quê?. Mortos só se for em Bambadinca, ali é que há manga de canseira!- Atónito estou eu:
-Bambadinca, então foi Bambadinca que foi atacada?



Os pormenores do ataque a Bambadinca, em carta enviada à Cristina

E o Unimog marcha aos tropeções pela bolanha de Finete. Quando chegamos à margem do Geba, o canoeiro Mufali vem buscar-nos. O rio está na vazante, entramos na canoa com lama até à cintura. Na outra margem aguarda-nos o Machado e as suas Daimlers. Enquanto subimos a rampa para o quartel, dá-me os pormenores do ataque.

Em aerograma à Cristina, no rescaldo da manhã seguinte:

Os rebeldes vieram pela pista de aviação e cemitério, atacaram o quartel frente à porta de armas, perto da tabanca fula, onde o Almeida (Pel Caç Nat 63) tem a sua tropa, as morteiradas caíram perto da central eléctrica, residência de oficiais e sargentos. Todos, que nunca tinham sonhado em tal arrojo, encheram-se de pânico, e vieram para a parada onde desataram a fazer fogo desnorteado, e só não houve feridos e mortos por milagre.

O Capitão Neves foi para o morteiro enquanto a tropa do Almeida repelia os rebeldes que avançavam para a residência dos oficiais. Depois retiraram e entretanto o pesado morteiro de Bambadinca começou a reagir. Há muitos quartos esburacados e tectos desfeitos. Só há um ferido ligeiro: o apontador de morteiro do Almeida que ficara em Finete enquanto eu estava numa emboscada, ainda ontem. Esta é a resposta à grande operação do Corubal, de há dois meses atrás. Este o ajuste de contas....


A recordação mais impressiva dessa madrugada era a mulher do Tenente Pinheiro à porta do abrigo, enquanto as crianças dormitavam lá dentro. Ao amanhecer, verificámos a extensão dos danos, mas o meu lugar já não era ali. Ainda aproveitei para fazer compras de víveres, trazer algumas camas e fardamento.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 1997 > Antigas instalações dos oficiais (à direita) e dos sargentos (à esquerda). A messe de sargentos ao fundo, do lado esquerdo; a dos oficiais, à direita (a cozinha era comum). Eram excelentes instalações hoteleiras, para a época e por comparações com outros outros aquartelamentos. A regra geral era a bunkerização (por ex., Mansambo). Em 28 de Maio de 1969, quando o pessoal metropolitano da futura CCAÇ 12 estava a chegar à Guiné, Bambadinca sofreu um grande ataque do PAIGC. Quando lá passámos uns dias depois, a 2 de Junho, eram ainda visíveis os impactes das granadas de morteiro (por ex., num dos quartos dos sargentos, à esquerda) e a estupefacção do pessoal... Recordo-me de ter trocado impressões com um conterrâneo meu, o 1º cabo de transmissões Agnelo Pereira Ferreira, natural da Zambujeira Lourinhã, e que pertencia à CCS do BCAÇ 2852... Dois meses antes, havia sido executada a grande Operação Lança Afiada (1) , destinada a varrer toda a margem direita do Corubal, e desalojar o PAIGC do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole... A resposta, em força, não se vê esperar... Uma das questões controversas, já aqui debatidas, foi o papel do tenente-coronel Pimentel Bastos durante o ataque... Hoje sabemos que ele estava lá... Essa informação foi-me confirmada recentemente por dois alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2852, o Ferando Calado (transmissões) e o Ismael Augusto (manutenção)... A anedota que no meu tempo se contava sobre o Pimbas é isso mesmo: uma mera anedota de caserna (4).

Bambadinca revisitada... Soubemos depois que, a seguir à independência, fora palco de trágicos acontecimentos: desvario revolucionário, ajustes de contas, julgamentos populares e execução sumária, por fuzilamento, de régulos fulas (o tenente Mamadu, por exemplo), além de combatentes que estiveram integrados nas NT (CCAÇ 12, incluída) (LG)...

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.




Leitura: uma obra-prima de Simenon, O Comboio de Veneza

Regressei a Finete e daqui a Missirá a cogitar sobre as minhas fraquezas e as de Bambadinca. Pressentia que estavam mudanças no ar, o inimigo mais forte e indiferente aos aldeamentos em autodefesa. O inimigo sabia o que queria, tinha sempre a seu favor o conhecimento da mata e o factor da imprevisibilidade. Nós só podíamos esperá-lo e destruí-lo perto do nosso terreno, retirando-lhe a facilidade dos abastecimentos. Vou saber em Junho, Julho e Agosto que o inimigo vai ter o desplante de lançar morteiradas e fogo breve e retirar. Uma vez vou perder a cabeça e persegui-los pela noite escura, mas cedo compreenderei que é um acto demencial.

Em Missirá aguarda-me a notícia que nessa madrugada parto para Mato de Cão. Em breve vou fazer 24 anos. É aqui que me estou a fazer um homem, há dez meses atrás era impensável supor que a vida do Comandante de Missirá e Finete fosse a do meu atribulado quotidiano. Não gosto nem desgosto, limito-me a agradecer a Deus a coragem que Ele me oferece.

Durante este tempo, li dois livrinhos (mas que grandes livros!) que falam de comboios. Primeiro, O Comboio de Veneza, por Georges Simenon. Justino Calmar está em férias no Lido de Veneza, com a mulher e filhos. Num dia quente de Agosto, tem que regressar a Paris e toma o comboio que o leva até Lausana e daqui à Cidade Luz. Na carruagem, é interpelado por um passageiro que viria de Belgrado ou do Trieste. Inúmeras perguntas, e Justino sem saber porquê responde a tudo. Em dado momento o passageiro pede-lhe para em Lausana ir buscar uma mala que está num cacifo na gare, tomar um taxi e entregar a mala numa residência perto da estação. Ele tem tempo, aceita a incumbência.

É aqui que começa a mudança da sua vida. Quando chega à morada, encontra uma mulher estrangulada. Sem saber como reagir, regressa ao comboio e daqui parte para Paris. Em casa descobre que a mala tem uma fortuna em dinheiro francês, americano e inglês. Espera um contacto que não chega. A mala muda de cinco em cinco dias de cacifo e de estação. Aos poucos, começa a gastar o dinheiro, inventa que está a ganhar nas apostas dos cavalos. A mulher e os amigos sentem que há diferenças desde o regresso de Veneza. Depois uma secretária, que nutre por ele uma secreta paixão, declara-se. Entrámos na recta final da tragédia: apanhado a fazer sexo pelo patrão no escritório, suicida-se.



Estátua do escritor belga Georges Simenon (1903-1989), na sua cidade natal, Luik.Fonte: Wikipedia, De vrije encyclopedie (Imagem do domínio público / This image has been released under the 'GNU Free Documentation License' ).

Vinte anos antes da sua morte, Simenon tinha, em Missirá, um jovem apaixonado leitor, de nome Mário Beja Santos, que está prestes a fazer 24 anos, e que é alferes miliciano do exército colonial português... (LG).


É uma obra-prima em que Simenon joga habilmente com as recordações de Justino, dando-nos o retrato de um homem comum que age como nós, sem deter as motivações e as consequências. As explicações essenciais não existem: Terá havido crime? Há relação entre aquela mala e a mulher estrangulada em Lausana? O que aconteceu ao homem que lhe entregou a mala e desapareceu? Temos aqui a tragédia do homem comum, a continuidade da linha de vida que não se controla, uma tragédia em que o ser hesitante é ultrapassado por todos os acontecimentos e então desiste.



Salão Lisboa (Foto: Mário Novaes, 1949). Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A12538. Ficava na Rua da Mouraria. Da autoria de José António Pedroso, foi construído em 1916. Era popularmente conhecido como o Cinema Piolho. Foi o primeiro edifício da cidade a ser desenhado e construído como sala de cinema ou animatógrafo... Ainda estávamos na época de ouro do cinema mudo... (LG)


O desconhecido do Norte Expresso é o primeiro livro que leio de Patricia Highsmith. Tenho sorte com a iniciação. Guy Haines vai reencontrar-se com Miriam para tratar do divórcio. É um arquitecto de 29 anos cujo talento começa a ser reconhecido. Guy pretende casar com Anne. No comboio é abordado por Bruno que lhe faz uma proposta macabra: Guy mata o seu pai e ele matará Miriam. Guy rejeita a proposta mas a fatalidade já está em movimento naquela carruagem do Norte Expresso. Enquanto leio, ocorre-me subitamente o portentoso filme de Alfred Hitchcock a que alude a capa deste livro da Colecção Vampiro. No meu abrigo, de vez em quando páro para olhar o beijo do par amoroso e lembro-me vezes sem conta dos cinemas que frequentei na minha adolescência e onde eram habituais os panos pintados e os cartazes.

... e recordações de Lisboa e dos seus cinemas


Lembrei-me do Cine Oriente, o Salão Lisboa, o Chant Éclair, o Cine Bélgica, o Rex (primeiro Lis), o Royal, o Pathé, o Alvalade, o Max... Sessões de dois filmes, um de aventuras ou acção ou de guerra, outro sentimental, comédia ou até musical. Lembrei-me da religiosidade de ir ao cinema , a combinação com os amigos, ia-se com a melhor roupa como para a igreja. O cinema era a suprema alegria das imagens reconfortantes com que nos identificávamos com os bons e os maus. Onde terei visto este filme de Hitchcock? Terá sido num cineclube, num ciclo alusivo a este mestre do suspense? Não sei e estou muito cansado. Vou repousar um pouco, tenho depois o ritual de ida a Mato de Cão. E aguardam-me muitas surpresas em Junho.

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Notas de L.G.:

(1) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal


(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros...

"Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé [, alcunha por que era conhecido o Spínola,] deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné...

"A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue...

"Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava libertada... Eu faria o mesmo, na minha terra...

"Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. LG" (...).


(2) Vd, último post da série > 20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1770: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (46): Encontros de morte em Sinchã Corubal, com a gente de Madina

(3) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(4) Sobre o tenente Pimentel Bastos, primeiro comandante do BCAÇ 2852 (substituído a meio da comissão pelo tenente-coronel Pamplona Real), vd. os seguintes posts:


1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)